Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da realização, no Amapá, de solenidade relativa à restauração do Forte de São José do Macapá, objeto de pleito junto à Unesco, no sentido de sua transformação em patrimônio da humanidade.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Registro da realização, no Amapá, de solenidade relativa à restauração do Forte de São José do Macapá, objeto de pleito junto à Unesco, no sentido de sua transformação em patrimônio da humanidade.
Publicação
Publicação no DSF de 07/07/2006 - Página 23054
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, TRABALHO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), RESTAURAÇÃO, MONUMENTO, PATRIMONIO HISTORICO, FORÇAS ARMADAS, MUNICIPIO, MACAPA (AP), ESTADO DO AMAPA (AP), CONSTRUÇÃO, PARQUE, PROXIMIDADE, VALORIZAÇÃO, MEMORIA NACIONAL, HISTORIA, DOMINIO, REGIÃO AMAZONICA, TERRITORIO NACIONAL, PERIODO, IMPERIO, PREVISÃO, INCENTIVO, TURISMO, DEFESA, ORADOR, INCLUSÃO, PATRIMONIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO).

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vou propriamente fazer um discurso, mas apenas um registro.

Há uma semana, tive a oportunidade de participar, no Amapá, de uma solenidade muito significativa que contou com a participação do Governador do Estado, Dr. Waldez Góez, do Embaixador da França, do Embaixador de Portugal, representado pelo grande artista português que é Adriano Jordão, que atualmente exerce a função de Adido Cultural de Portugal no Brasil, da Embaixadora de Marrocos e do Presidente do IPHAN, Luiz Fernando de Almeida. A solenidade dizia respeito ao trabalho de restauração, com a assistência do IPHAN, do Forte de São José de Macapá.

            Em torno do Forte, foi construído um parque de extraordinária beleza que valorizou muito o monumento, até então, de certo modo, esquecido e escondido. Esse forte, Sr. Presidente, é extremamente importante na história da América, não apenas na história do Brasil, por ser talvez a maior obra da arquitetura militar que existe no País. Ele e o Forte do Príncipe da Beira, no Guaporé, foram planejados para assegurar o domínio português dessas imensas áreas da América do Sul. E esse forte tem uma expressão monumental: possui cerca de 127 mil metros quadrados, apenas de edificações internas, 910 metros de perímetro, muralhas de 15 m de altura, e foi construído na metade do Século XVIII, quando o Marquês de Pombal e o então rei de Portugal, D. José I, resolveram enfrentar a questão do domínio da margem esquerda do Amazonas como um domínio de Portugal. Porque, como todos nós sabemos, depois do Tratado de Tordesilhas, Portugal e Espanha ficaram com a divisão do mundo, de tal modo que Francisco I, da França, teve a oportunidade de ter aquela sua expressão muito citada: “Quero ver o testamento de Adão, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha.”

Na realidade, a área da Amazônia, naqueles anos, era totalmente indefinida. Não se conhecia seus limites, a quem pertencia e de que maneira ela podia ser colocada como domínio de um país ou de outro.

Napoleão Bonaparte, por exemplo, dizia que a França vinha até a margem esquerda do rio Amazonas. Muitos corsários e aventureiros que percorriam aquela área chegavam e, por determinado tempo, se apossavam das terras, tornando-se senhores. Tanto é assim que as terras do Amapá, que vão da margem esquerda do rio Amazonas até o rio Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, tiveram vários donatários. Calculem que o Duque de Buckingham fundou uma empresa para colonizar a Amazônia. E essas terras foram dadas como pertencentes a eles. Os sócios tinham os mapas empíricos nos quais essas regiões estavam incluídas. Depois, aquele famoso inglês, Sir Walter Raleigh, também foi donatário daquelas áreas todas que ali existiam.

Finalmente, Portugal teve a oportunidade, depois de retomar, em 1612, dos franceses a fortificação existente em São Luís do Maranhão, e de mandar os franceses de volta, de ocupar aquelas regiões. Deu, então, a Bento Maciel Parente a função de donatário da capitania, que chamaram Capitania do Cabo do Norte. 

Essa capitania compreendia justamente as terras que estão na margem esquerda do Amazonas, e ninguém sabia onde terminavam, até onde iam. Então, Pombal resolveu que uma das coisas que tinha a fazer, como grande estadista que era, era realmente assegurar para o domínio de Portugal as imensas terras da Amazônia.

Como nós tínhamos vivido o período filipino, em que Portugal estava sob o domínio de Espanha, a linha de Tordesilhas foi esquecida, e os portugueses avançaram um pouco na Amazônia, mas não exerciam esse domínio, uma vez que aquela costa era freqüentemente visitada por piratas e corsários que ficavam justamente naquela região, entre a área de Pernambuco e a que ia além do que é hoje o Suriname. Por quê? Porque naquela região se escondiam os corsários que vinham de Saint-Malo, no que se refere aos franceses, que saíam de Amsterdã, os ingleses e holandeses, e eles saqueavam as caravelas que levavam ouro e prata da região do México, fruto da conquista espanhola, e as que levavam de Pernambuco o açúcar e o que eles chamavam “paus de tinta”, que hoje nós sabemos que era o pau-brasil.

Essa região, que era desocupada, sem a presença efetiva das grandes nações daquele tempo - Portugal e Espanha -, era inteiramente abandonada, sem o exercício da soberania desses países.

O Marquês de Pombal planejou ocupar a região. E a primeira coisa que fez foi nomear um meio-irmão seu, que se chamava Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador do Estado do Maranhão e do Grão-Pará. E deu instruções secretas a ele. Nessas instruções, para não se chocar com a Espanha, lhe dava a missão ocupar aquela região inteira, com ações, muitas delas, que hoje nos parecem pitorescas. Por exemplo, recomendava que as tropas portuguesas deviam se juntar às índias, para que o sangue português dominasse aquela terra e houvesse gente para povoar a área. Também mandou que açorianos fossem para lá, e uma leva de 471 famílias, já em 1764, chegava à região.

Por outro lado, também nesse desejo de ver ocupada a região, quando a Praça de Mazagão foi quase que inteiramente rendida, ele transporta as pessoas que ali existiam para a Amazônia, no sentido de povoá-la. E lá fundaram uma cidade, a atual Mazagão, hoje um pequeno Município, porque foi abandonado, a maioria da população morreu, foi atacada pelas pestes, e muitos moradores se mudaram para outros lugares.

Mas ele fez duas coisas de natureza militar extremamente importantes: mandou construir duas edificações: um grande forte que ficava na foz do rio Amazonas, que é o Forte de São José do Macapá, monumento da arquitetura militar brasileira e portuguesa no mundo inteiro, um forte extraordinário, uma beleza, e o Forte do Príncipe da Beira. Mendonça Furtado entregou a sua construção de São José do Macapá a um engenheiro italiano que se chamava Galuzzi e entregou o Forte do Príncipe da Beira a outro engenheiro italiano, chamado Cambucetti. Os italianos eram tidos então como homens que entendiam extraordinariamente de fortificações militares. Eles então edificaram esse forte ali sob o comando do irmão do Pombal -- seu meio irmão dele --, para que eles então defendessem a margem esquerda do rio Amazonas e evitassem a entrada daquela região, para que Portugal dominasse esse vasto território. E com o outro, com o Forte do Príncipe da Beira, no Guaporé, eles evitavam o domínio do coração da América. Assim, eles tinham a posse desses vastos e imensos territórios que hoje são territórios brasileiros.

Então, esse forte tem uma expressão extraordinária na história das Américas e como um monumento. Eu até trouxe uma fotografia para mostrar ao Senado o tamanho e a grandeza dessa edificação que agora foi restaurada e que se entrega ao povo brasileiro. Mas o que eu queria fixar realmente é que esse forte, esse monumento é um patrimônio da humanidade. Já falei isso no dia da inauguração e repito: vou começar uma ação em âmbito nacional e junto à Unesco para que esse forte seja designado, seja consagrado como patrimônio da humanidade.

Naturalmente, ele vai ser um ponto de visitação grande no Brasil a partir de agora, com sua restauração, porque é fantástico o que esse forte representa.

Ali, naquele forte, se encontra sepultado Joaquim Caetano da Silva, que escreveu um livro que foi básico para que o Barão do Rio Branco defendesse, perante a Suíça, que aquela área entre o rio Araguari e o rio Oiapoque pertencia ao Brasil. Ele escreveu esse livro, em dois volumes, intitulado L’Oiapoque et l’Amazone. Ele era diplomata, e seu livro nunca foi traduzido para o português. Gosto de visitar sebos de livros em Paris e, certa vez, por sorte minha, encontrei num sebo esse livro, esquecido, e consegui incorporá-lo a minha biblioteca, que hoje doei à Fundação Convento das Mercês, no Maranhão. É um livro extremamente raro e importante que muito serviu ao Barão do Rio Branco.

Assim, quero apenas fazer este registro no Senado e pedir o apoio dos Srs. Senadores para a iniciativa de levarmos à Unesco - o Iphan, pelo seu Presidente, Luiz Fernando de Almeida, se comprometeu conosco naquela solenidade a aceitar essa sugestão - o pedido para que o Forte de São José do Macapá seja transformado em patrimônio da humanidade. Conheço esse processo, é um processo longo, não é fácil, é um processo que demanda tempo e estudos históricos, não é uma coisa simples.

Poucos monumentos no mundo são patrimônio da humanidade, mas vamos iniciar essa batalha, e tenho certeza que, como na batalha iniciada pela Governadora Roseana para transformar São Luís patrimônio da humanidade, nós também seremos vitoriosos nessa parte em que o Amapá vai transformar o forte em patrimônio da humanidade.

Eu me lembro que a sessão da Unesco em que foi anunciado que São Luís seria patrimônio da humanidade foi feita em Nápoles. Eu me desloquei para Nápoles para assistir essa sessão, com a então Governadora do Maranhão e uma grande delegação do Estado. Para surpresa minha, em seguida, foi anunciado que se transformaria em Patrimônio da Humanidade o Hospício Cabañas, de Guadalajara. É um grande edifício. Eu tinha estado várias vezes nesse edifício que tem uma capela com decorações de Orosco. E quando eu vi o Forte de São José de Macapá, e me lembrei do Hospício Cabañas, percebi que o nosso forte tinha mais valor histórico, maior expressão, maior monumentalidade do que aquele. Foi muito justo, o Hospício Cabanas pertence à história do México e à história espanhola; mas o Forte de São José de Macapá pertence à história brasileira e à história da conquista das Américas, da ocupação das Américas. Lembremo-nos de que essa área foi disputada! Napoleão pensava que a França poderia vir até ali. E esse forte foi erguido ali justamente para evitar esse sonho -- que foi também o de Napoleão --, de entrada pelo rio Amazonas.

Eram essas as palavras que eu queria dizer, apenas para fazer um pequeno registro e pedir o apoio de todo o Senado para essa obra.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOSÉ SARNEY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e o § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Foto aérea do Forte de São José de Macapá.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/07/2006 - Página 23054