Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificação de proposição que S.Exa. encaminhará à Casa, para permitir que as pessoas maiores de 60 anos possam decidir sobre o regime de bens no casamento. Comentários acerca de expediente recebido da Mesa do Senado, a respeito de solicitação de informações sobre a questão do endividamento dos agricultores. Defesa de uma política permanente para o setor primário da economia.

Autor
José Maranhão (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: José Targino Maranhão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO CIVIL. POLITICA AGRICOLA.:
  • Justificação de proposição que S.Exa. encaminhará à Casa, para permitir que as pessoas maiores de 60 anos possam decidir sobre o regime de bens no casamento. Comentários acerca de expediente recebido da Mesa do Senado, a respeito de solicitação de informações sobre a questão do endividamento dos agricultores. Defesa de uma política permanente para o setor primário da economia.
Publicação
Publicação no DSF de 07/07/2006 - Página 23056
Assunto
Outros > CODIGO CIVIL. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REVOGAÇÃO, ARTIGO, CODIGO CIVIL, RESTRIÇÃO, DECISÃO, IDOSO, REGIME DE CASAMENTO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, OFENSA, DIGNIDADE, VELHICE.
  • RECLAMAÇÃO, DEMORA, SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL (STN), RESPOSTA, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, REFERENCIA, DIVIDA AGRARIA, AGRICULTOR, REGIÃO NORDESTE, SUSPEIÇÃO, ATRASO, FAVORECIMENTO, REPUTAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBSTACULO, NEGOCIAÇÃO, NEGLIGENCIA, POLITICA AGRICOLA, FALTA, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, SECA.
  • EXPECTATIVA, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, POSSIBILIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.

O SR. JOSÉ MARANHÃO (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu pedi a palavra para justificar a apresentação de um projeto de lei que revoga o inciso II do art. 1.641 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil -, para permitir às pessoas maiores de 60 anos a livre decisão sobre o regime de bens no casamento.

Art. 1º Revoga-se o inciso II do art. 1.641 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

            Sr. Presidente, a capacidade plena dos cidadãos brasileiros maiores de 60 anos para dispor de seus próprios bens é restrita pelo inciso II do art. 1.641, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil. Aquele diploma legal consubstancia restrições à livre disposição, pelos idosos, de bens de sua propriedade, tornando obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de sessenta anos.

Vale lembrar que o Código Civil de 1916 estabelecia em seu art.258, parágrafo único, inciso II, a obrigatoriedade do regime de separação de bens para todo casamento de homem maior de sessenta ou de mulher maior de cinqüenta anos.

A doutrinadora Silmara Juny Chinelato, ao examinar o novo Código Civil (Comentários ao Código Civil, Vol. 18, São Paulo, Saraiva, 2004), expõe argumentos acerca da matéria, opinião com a qual concordo.

            Nada nos convence de que em pleno século XXI uma norma criada em 1918, ou seja, no início do século XX, possa ser mantida. A letra daquele inciso determina que qualquer pessoa acima de sessenta anos, pelo baixo poder de discernimento - vejam que absurdo para os dias que atravessamos! -, necessita de proteção da lei.

            Tal conceito não se sustenta em termos científicos. Em realidade, pessoas com mais de sessenta anos detêm amadurecimento suficiente para exercer a capacidade plena de decisão sobre seus bens. A experiência adquirida na vida pessoal, familiar e profissional deveria ser um aspecto a mais a influir na tomada de decisão e não um elemento restritivo.

Outro ponto a ser levado em conta, nas palavras da eminente jurista, seria a constatação, pela Fundação IBGE, do aumento médio da expectativa de vida dos brasileiros, muitas vezes maior que há noventa anos, quando foi editado o Código Civil que criou a referida normal legal.

A inconstitucionalidade do preceito poderia ser argüida ao se discriminar, por motivo de idade, qualquer indivíduo. O entendimento de que a plena capacidade mental deva ser aferida em cada caso concreto nos levou a propor um Projeto de Lei que revoga o inciso II do art. 1.641 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o novo Código Civil, para o qual solicito o apoio das Srªs e Srs. Senadores.

A legislação não pode e não deve presumir questões de discernimento. O mesmo Código Civil, que julga incapaz de tomar decisões patrimoniais uma pessoa maior de sessenta anos, valoriza pessoas acima de dezoito anos, ou seja, que estão entrando na idade adulta, como plenamente capazes de decidir sobre a divisão de seus bens.

Supor, de modo apriorístico, que a pessoa, por ter atingido determinada idade - seja qual for -, tem sua capacidade de raciocínio e discernimento comprometida implica incorrer em patente discriminação, bem assim em ofensa ao princípio da dignidade humana.

Todos os Srs. Senadores e qualquer pessoa medianamente informada sabem perfeitamente que sobretudo o mundo dos negócios e a vida pública brasileira estão repletos de exemplos edificantes de pessoas com idade até mais avançada, que conservam seu discernimento pleno e capaz, enriquecido pelas experiências vivenciadas ao longo da vida.

E, para harmonizar a legislação infraconstitucional com os preceitos constitucionais, parece-nos que o mais acertado será revogar o inciso II do art. 1.641, deixando à Justiça o julgamento de casos concretos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa é a justificativa que apresentamos ao projeto de lei a que me referi.

Em segundo lugar, trago aqui, para fazer ligeiro comentário, um expediente que recebi hoje da Mesa do Senado.

Encaminhamos, há cerca de três ou quatro meses, um pedido de informação dirigido às autoridades financeiras e bancárias do País, aos bancos oficiais, a respeito da questão do endividamento dos agricultores do Nordeste brasileiro, e somente agora recebemos da Mesa do Senado a resposta ao pedido de informação dirigido ao Tesouro Nacional. A forma lenta, demorada, como o órgão oficial respondeu a um pedido, que teve naturalmente o endosso da Mesa do Senado, mostra que, quase sempre, o Executivo faz pouco caso daquilo que constitui indiscutível prerrogativa constitucional do Congresso Nacional.

Evidentemente, tenho todo o direito de suspeitar que essa informação só chegou agora depois que o Presidente Lula, o Executivo, resolveu ceder na negociação e garantir aquilo que a Bancada do Nordeste e muitos Senadores até do Sul e do Centro-Oeste do País estavam fazendo em favor dos agricultores, ou seja, a concessão de uma renegociação de suas dívidas, cujos valores se tornaram absurdamente elevados, até pela intransigência com que os órgãos creditícios do Governo se posicionavam em relação à possibilidade de uma renegociação. Essa dívida foi se acumulando ao longo do tempo e tornando-se muito maior do que o próprio patrimônio líquido dos devedores.

É lamentável que ainda haja esse quadro no País.

O Poder Legislativo, para ver cumpridas as suas atribuições, muitas vezes tem que conviver com uma realidade como essa. Eu até acredito que o Tesouro Nacional, nem assim mesmo, retardatariamente, teria nos respondido se o Presidente da República não tivesse decidido atender aos apelos do Congresso e dos agropecuaristas brasileiros e nordestinos.

Esse registro que faço é apenas para lamentar a situação de pouca consideração e de pouco respeito dos órgãos oficiais para com o Congresso Nacional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acho até que a forma obstinada com que as autoridades monetárias se opunham à negociação da dívida dos agricultores era uma forma rude e pouco inteligente de compreender a realidade da economia nacional. O Nordeste brasileiro, sobretudo o semi-árido, que é o Nordeste ecologicamente mais sofrido do que o Nordeste costeiro, ao mar, não tinha como conviver com essa realidade. E não tinha por uma razão muito simples: o Brasil, que desde Pero Vaz de Caminha tornou-se conhecido pelas suas imensas potencialidades para a agricultura - a terra em que, em se plantando, tudo dá, no linguajar do português escrivão da armada -, continua nesta posição contemplativa de governo.

Até hoje, nenhum presidente da República, nenhum chefe do Executivo, interessou-se por definir uma política para o setor primário, para a agricultura, para a pecuária brasileira. Nós vivemos de improvisações, de ficções, de mentiras, e a maior de todas elas é considerar o Brasil como um todo, uniforme. Uma legislação ou um dispositivo legal que pode ser muito justo para o Centro-Sul do País torna-se simplesmente inaplicável para a região Nordeste, para o semi-árido brasileiro, assim como para a Amazônia. Cada região é um país diferente. E o Brasil não soube, até hoje, conviver com esta realidade e, por isso, paga o preço do próprio atraso, da própria teimosia, da falta de interesse em discutir uma questão de tanta profundidade e importância para os que vivem no Brasil como um todo.

Por exemplo, quanto as políticas emergenciais de combate à seca têm custado ao Nordeste brasileiro e ao Tesouro Nacional? São chamadas inapropriadamente de combate à seca, porque a seca é um fenômeno natural que se repete com certa periodicidade e que a ciência da meteorologia conhece plenamente.

Se tivermos políticas duradouras para enfrentar os problemas da seca, naturalmente estaremos mais preparados para a ocorrência do fenômeno, que não é desconhecido do homem e muito menos do governo.

A respeito desta situação, tem-se no Brasil uma experiência que vem desde o descobrimento. A história, a literatura, a cultura popular, até a canção popular, estão cheias de obras e de pronunciamentos que definem com bastante precisão o que é a seca do Nordeste e o que se deveria ter feito, que até hoje não se fez, para que a ocorrência desse fenômeno não trouxesse tanto prejuízo aos que moram no Nordeste e ao Tesouro Nacional.

Por exemplo, o projeto de transposição das águas do São Francisco está encalhado por decisões judiciais, cuja motivação é exatamente o interesse de um segmento conservador, que pode estar movido de bons propósitos, mas está desinformado.

Ora, outros países que viveram situações semelhantes à do Nordeste fizeram transposição de águas. A China a fez dois mil anos antes de Cristo e agora está reprisando o feito, com o maior projeto de transposição de águas já conhecido no mundo, pelo menos trinta vezes maior do que o projeto de transposição das águas do São Francisco.

E para obstaculizar esse projeto, levantam-se os argumentos mais retrógrados, mais atrasados, mais preconceituosos, que não resistem a qualquer análise, nem mesmo a do senso comum. E o projeto está parado.

Ainda bem que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mostrando musculatura na disputa pela Presidência da República. Então, todos temos o direito de vislumbrar um fio de esperança, sobretudo o Nordeste setentrional, a parte mais sofrida da região Nordeste, porque não existem cursos de água permanente. Tenho certeza de que, sendo reeleito Presidente da República, o nordestino Lula levará à frente esse projeto, agora paralisado pelo capricho e pelas opiniões conservadoras e atrasadas de segmentos que se opõem, sem nenhuma razão aparente, à realização dessas obras.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que temos feito na tribuna desta Casa é defender uma política permanente para o setor primário da economia nacional. Mas uma política que trate os diferentes como diferentes. Não é justo o argumento de se querer nivelar nas potencialidades, nas qualidades e nos defeitos os Estados do Nordeste e os Estados do Centro-Sul do País. Cada um tem suas características, e a mais irrecusável delas, em uma região geoeconômica, é exatamente a característica climática, a ecológica, aquela cujo comportamento não depende do homem, mas cujos efeitos podem perfeitamente ser compensados por uma política social e econômica inteligente.

Acredito firmemente nisso e trouxe para esta Casa a proposta que fiz quando me candidatei a Senador da República: meu compromisso com o meu povo e com a minha gente.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/07/2006 - Página 23056