Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com aprovação hoje, na Comissão de Educação, de projeto de autoria de S.Exa., que institui, no ensino fundamental e médio, componente curricular dedicado ao desenvolvimento dos valores éticos da cidadania.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Satisfação com aprovação hoje, na Comissão de Educação, de projeto de autoria de S.Exa., que institui, no ensino fundamental e médio, componente curricular dedicado ao desenvolvimento dos valores éticos da cidadania.
Publicação
Publicação no DSF de 05/07/2006 - Página 22361
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, INCLUSÃO, CURRICULO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, DESENVOLVIMENTO, ETICA, CIDADANIA, UNANIMIDADE, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, SUBSTITUIÇÃO, DISCIPLINA ESCOLAR, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLITICA BRASILEIRA (OSPB), EDUCAÇÃO MORAL E CIVICA.
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTOR, HISTORIA, PROGRAMA, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REALIZAÇÃO, PESQUISA, COMPROVAÇÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, POLITICA NACIONAL, IMPUNIDADE, CONVITE, ESCRITOR, DEBATE, COMISSÃO, SENADO.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta corrida entre candidaturas e obrigações para com esta Casa, participei hoje da Comissão de Assuntos Econômicos e da Comissão de Educação.

Na Comissão de Educação, vi com muita emoção a aprovação de um projeto de minha autoria. Há muitos anos, eu vinha tentando aprová-lo, e por duas vezes foi rejeitado. Nessa terceira oportunidade em que apresentei o projeto, o parecer do ilustre Senador Cristovam Buarque conseguiu ser aprovado com as suas alegações e sua justificativa pela unanimidade da Casa.

            O projeto é muito singelo e muito importante:

Institui, no ensino fundamental e médio, componente curricular dedicado ao desenvolvimento dos valores éticos da cidadania.

Art. 1º - De acordo com o disposto nos arts. 26 e 27 da Lei 9.394, será incluído na base nacional comum curricular do ensino fundamental e médio componente dedicado ao desenvolvimento de valores éticos e de cidadania.

Art. 2º - O componente curricular a que se refere o art. 1º deve observar as seguintes diretrizes:

I - difusão de valores de convívio social e de respeito ao bem comum e à ordem democrática;

II - estudo dos direitos e deveres do cidadão;

III - defesa do pluralismo e rejeição de qualquer forma de preconceito ou discriminação;

IV - Estímulo à ação comunitária.

Parágrafo único. No desenvolvimento das diretrizes dispostas neste artigo deve ser dado destaque a fatos da atualidade de ordem local, regional, nacional ou internacional.

Art. 3º. Os sistemas de ensino decidirão sobre a carga horária a ser dedicada ao componente curricular de que trata esta lei, que poderá somente ser cumprida mediante a realização de visitas, conferências, palestras ou outras programações que contribuam para a formação ética e cívica dos alunos.

Art. 4º. Será incluído o componente curricular de que trata esta lei na base nacional comum dos cursos de formação dos profissionais de educação.

Parágrafo único: O Conselho Nacional de Educação estabelecerá as diretrizes para que o componente curricular de que trata o caput deste artigo seja incluído em:

I - curso de licenciatura, de graduação plena, de qualquer área;

II - curso de educação superior, de qualquer área, desde que tenham cumprido programa de formação pedagógica;

III - curso normal superior, nos termos do art. 63, inciso I, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

IV - curso normal de nível médio, para a formação de docentes para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries ou ciclos correspondentes do ensino fundamental.

            Qual é o objetivo desta lei, Sr. Presidente? A revolução criou, no seu auge, quando parecia que era a revolução redentora do milagre brasileiro, as matérias Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. É verdade que como professores foram indicados coronéis da área de segurança de informação do Exército que tinham como objetivo preparar a mocidade para o combate ao comunismo, para a defesa da cidadania ou coisa que o valha.

Quando tivemos chance de aprovar leis nesta Casa, apresentei projeto e anulei aquelas duas matérias porque era um absurdo e um escândalo estarmos preparando a mocidade num estilo absolutamente fora da realidade, que era um regime totalitário. Mas logo depois senti que, se a revolução e a educação naquele momento utilizavam mal aquelas matérias, era tremendamente importante que a ética, que a moral, que o civismo, que a civilidade, que o amor ao Brasil fossem estudados na universidade de maneira evidente, aberta, democrática, livre. E apresentei o projeto que, depois de muita briga, foi aprovado hoje na Comissão de Educação e deverá vir a este plenário.

Na justificação, digo eu:

A presente proposta tem por finalidade romper com a visão cada vez mais predominante de que a escola de nível básico deve tão-somente transmitir informações e saberes que tenham utilidade para a vida profissional ou para a continuidade dos estudos em nível superior. É preciso rejeitar essa concepção puramente instrumental da escola, tornando mais conseqüente o fato de que ela é também responsável pela formação ética e cívica dos estudantes. Essa responsabilidade ganha ainda maior relevância diante do tempo cada vez mais exíguo de que muitos pais dispõem para conviver com seus filhos, educando-os adequadamente, e também diante do papel por vezes deletério que os meios de comunicação de massa, particularmente a televisão, assumem na formação da personalidade das crianças e adolescentes.

Nesse contexto, a criação de um componente curricular para a abordagem de questões éticas e cívicas se reveste de inequívoca importância.

É bem verdade que a abordagem interdisciplinar e transversal de temas de natureza ética e cívica tem sido mais valorizada pela maioria dos educadores. Ela permite um tratamento mais flexível a tais conteúdos, evitando a sobrecarga curricular. Assim, por exemplo, um professor que trata da expansão colonial do início da época moderna terá uma excelente oportunidade de falar aos seus alunos sobre o pluralismo cultural e étnico. Um professor de biologia, por sua vez, mostrará a falácia das tentativas de dar caráter científico ao conceito de raça superior. Já o professor de língua portuguesa poderá discorrer sobre as manifestações racistas na literatura brasileira e as suas contestações por poetas e prosadores. Enfim, um mesmo tema, no caso, o pluralismo cultural e étnico, poderá ser abordado por várias disciplinas, com um tratamento voltado para o cotidiano dos alunos.

Entretanto, julgamos insuficiente o tratamento desses temas apenas por meio de abordagem interdisciplinar e transversal. Cada vez mais, o professor é pressionado a cumprir o conteúdo tradicional de sua disciplina dentro de um prazo rígido, dispondo de pouco tempo para discorrer sobre questões de fundo ético. As pressões de nossa sociedade utilitária, das cobranças do vestibular, dos concursos e exames de seleção, todos cada vez mais competitivos, retiram do professor a disponibilidade de tempo para tratar desses temas, o que freqüentemente recebe a complacência de pais incautos e de estudantes ainda imaturos, uns e outros mais preocupados com o “sucesso” escolar, medido por notas altas, e com o bom êxito na futura vida profissional, compensando o ”investimento” feito pela família. Fatos importantes do dia-a-dia nem sempre encontram a possibilidade do debate em sala de aula. Afinal, há que cumprir um conteúdo para a prova da semana seguinte, ou, então, um tema relevante não se enquadra claramente em nenhuma das disciplinas tradicionais; mais freqüentemente ainda, enquadra-se em várias, com o resultado de que ninguém se sente responsável pela sua abordagem. E o assunto passa em branco.

A proposta ora apresentada é flexível e nada tem a ver com o autoritarismo de que temos um exemplo recente na finada disciplina Educação Moral e Cívica, em boa hora banida das escolas, mediante iniciativa do Governo do Presidente Itamar Franco, aprovada pelo Legislativo. Nem mesmo nome possui o componente curricular que propomos. Apenas foram estipuladas as suas diretrizes, que permitem o tratamento de uma diversidade de temas e abordagens, como o respeito às regras de trânsito, a relevância de um convívio respeitoso com os deficientes físicos e os idosos, a discussão sobre os princípios éticos envolvidos na doação de órgãos humanos, o estudo das formas de discriminação étnica, ou debates sobre desigualdades sociais, entre tantos outros.

Fica aberta, ao mesmo tempo, a possibilidade de saída da aula tradicional, mediante a realização de visitas, conferências, palestras ou outras programações que contribuam para a formação ética e cívica dos estudantes. Dessa forma, uma aula sobre violência no trânsito pode ocorrer por meio de uma palestra de um policial especializado na matéria; sobre drogas, pela palestra de um médico ou psicólogo; sobre o respeito aos idosos, por meio de uma visita a um asilo; sobre a importância do Poder Legislativo, pela visita a uma de suas Casas; sobre a ação comunitária, mediante a participação em um trabalho de melhoria das instalações da própria escola. Por outro lado, temas que ganham relevância local, ou mesmo nacional e mundial, poderiam ser discutidos sem tão grandes preocupações com o tempo, usando-se uma linguagem própria para os jovens, que nem sempre está disponível nos programas de televisão, jornais ou revistas.

Os professores do componente curricular poderão ser selecionados entre os licenciados de qualquer área, com graduação plena; os portadores de diploma de educação superior que tenham cumprido programa de formação pedagógica; e os diplomados em curso normal superior e médio. Como se pode ver, não haveria dificuldades maiores para a seleção de docentes, uma vez que o componente curricular que propomos exige mais um conjunto de conhecimentos gerais e a disposição de trabalhar com as diretrizes e abordagens a serem fixadas na lei do que uma habilitação específica. Para se dedicar à nova área, as escolas públicas tanto poderão convidar professores que já estão na carreira de magistério oficial, mas se dedicam a outras disciplinas, como terão a liberdade de fazer concursos específicos para a seleção de novos profissionais.

Bem sabemos que não se deve esperar que a escola tenha um poder mágico de resolver todos os problemas ligados à formação ética e cívica dos jovens. Entretanto, não podemos admitir que, ante o conhecimento de fatos bárbaros, desafiadores dos mais elementares princípios de civilidade, fiquemos a nos perguntar pelos culpados, como a nos eximir de uma responsabilidade que também tem um fundo coletivo. É preciso atacar o problema, e a proposta que ora apresentamos constitui uma contribuição para que a escola assuma sua parcela de responsabilidade, ajudando no desenvolvimento de personalidades preocupadas com o respeito aos demais indivíduos e empenhadas na construção de uma sociedade mais justa.

Por fim, cabe lembrar que a Lei nº 9.394, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, prevê, em seu art. 26, que “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura e da economia e da clientela”. Ao mesmo tempo, seu art. 27 estabelece que os conteúdos curriculares da educação básica devem observar, como uma das suas diretrizes, “a difusão dos valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres do cidadão, de respeito ao bem comum e à ordem democrática”. Dessa forma, julgamos ser plausível admitir que a União institua a sugestão que propomos, usando de sua prerrogativa de fixar diretrizes e bases da educação nacional (Constituição Federal, art. 22, inciso XXIV), algo que naturalmente não se esgota com a LDB.

            Felizmente, Sr. Presidente, hoje o projeto, por unanimidade, foi aprovado. Podemos dizer que teremos, dentre em breve, as matérias de Moral e Cívica, de Cidadania e Ética, dentro de todo o currículo escolar.

Que feliz coincidência! Na mesma reunião de hoje, em que aprovamos esta matéria, com o substitutivo do Senador Cristovam, aprovamos também a vinda a esta Casa do ilustre Prof. Sílvio de Abreu, autor da célebre novela “Belíssima”, que, nas páginas amarelas da revista Veja da semana passada - pedi que essa reportagem fosse inserida nos Anais desta Casa -, chama a atenção sobre essa matéria. Ele deverá vir aqui na próxima semana - foi aprovado, por unanimidade, o convite a S. Sª - explicar os termos da sua entrevista nas páginas amarelas da Veja. Ele diz que a Globo, tradicionalmente, faz entrevistas e pesquisas com milhares de pessoas sobre os artistas da novela, sobre os rumos, o andamento, qual o caminho, sobre o que o telespectador acha e deseja em termos de futuro. O ilustre criador dessa excepcional novela, Sílvio de Abreu, se diz realmente impressionado. Ele acha que, hoje, as pessoas mudaram seus conceitos, porque as respostas que recebe dos telespectadores são 100% diferentes do que eram há cinco anos. Os jovens que assistem à novela, perguntados sobre os personagens, inclinam-se mais para o bandido do que para o mocinho, mais para aqueles que conseguiram andar facilmente, ganhar, ficar ricos do que para que os que lutam diariamente para subir.

Uma mulher muito bonita, o marido dela, um cara muito compenetrado, sério, responsável; vem um malandro e rouba essa mulher do marido. Conceito dos entrevistados: Ah, ele fez bem! O marido era um trouxa, um chato, um sem graça. Ele lutou pela mulher que queria.

Então, Silvio diz que fica boquiaberto com as respostas. Antigamente, estava ele acostumado com os telespectadores que viam as novelas e se identificavam com os personagens. Normalmente, havia a figura do mocinho e da mocinha, e a gente torcia para que eles estivessem certos, que fossem os vencedores. Hoje é o contrário. Hoje, dizem que o cara que é muito certo, muito direito, muito correto, que faz tudo direitinho, é um chato, é um cara sem graça, é um cara a quem não dão nenhuma credibilidade. Agora, o cara que luta, dá golpe, tapeia, vai aqui, passa a perna lá adiante e atinge o objetivo, esse é um cara bacana. Esse é um cara bacana! E diz ele - o que é muito mais sério - que sente, nesses anos de pesquisa da Globo, uma mudança de conceito dos telespectadores com relação aos personagens da novela, que o que influenciou o telespectador a querer levar vantagem - ele olha para o cara que deu um golpe para cá e para lá e saiu ganhando - foi a vida política, foram os fatos que têm acontecido na vida política, os escândalos, as bandalheiras, o fulano que fez isso, que ganhou aquilo, e ninguém vai para a cadeia, não acontece nada. Então, essa situação do dia-a-dia, do real, daquilo que é evidente, influencia o jovem. Ele vê a novela e percebe que ali também vão torcer para o bandido - uma coisa interessante, principalmente num país como o Brasil, onde a novela caracteriza muito bem as pessoas que a assistem. Há uma camada imensa da classe pobre e da classe média que assiste à novela, que tem nela praticamente o seu único divertimento. Essas pessoas saem de casa de manhã cedo, algumas nem voltam para almoçar, mas voltam para jantar, assistem à novela e vão dormir quando ela termina. Uma coisa interessante: dizem que o personagem, Sr. Presidente, que vai dormir não é o Pedro, operário, que, após doze horas de trabalho, voltou; não é a Maria, lavadeira; quem vai dormir é o personagem com quem ele se identifica na novela. Ele dorme bem, ele dorme tranqüilo, ele se identificou com aquele personagem, está acompanhando aquele personagem e a vida daquele personagem praticamente é a vida dele.

Então, quando ele começa a traçar essa norma de como ele queria que o personagem fosse, em que ele está se identificando com o bandido, está achando certo que o bandido bote a mão, tapeie, roube a mulher do vizinho, é porque alguma coisa está errada, é porque o conceito dele está errado. Não é apenas porque ele está analisando a novela, dando um conceito diferente para a novela. Vai ver o homem certinho é um chato mesmo. Mas a verdade é que é mais do que isso. O mais do que isso é que ele se identifica com a novela e, identificando-se com a novela, ele começa a torcer pelo bandido - na vida real, ele está torcendo pelo bandido.

Volto a repetir: a análise que o Sílvio de Abreu faz de que a grande influência sobre as respostas que estão sendo dadas agora é a ação da política brasileira, são as notícias que estão aí. O cidadão liga a televisão, é uma, duas, três, uma infinidade de coisa errada que acontece. E nunca acontece nada: ninguém vai para a cadeia, ninguém é preso, ninguém é coisa nenhuma. Então, parece que não há problema nenhum.

É diante disso que estamos convidando o Sr. Sílvio de Abreu a vir à Comissão. Achei muito feliz a coincidência de exatamente no dia em que estamos votando o projeto de lei, estarmos votando para o Sr. Sílvio de Abreu vir a esta Casa. Acho que ele virá a esta Casa, teremos ocasião de debater esta matéria, de votar este projeto de lei e, uma vez votado, conversar com o Ministro da Educação sobre como o projeto poderá ser posto em prática da melhor maneira possível.

Obrigado pela gentileza da tolerância de V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/07/2006 - Página 22361