Discurso durante a 117ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Agradecimentos aos seus pares pelas referências a respeito de S.Exa. Repúdio ante o uso da polícia política para a invasão da privacidade dos cidadãos e à espionagem de estado.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. ESTADO DO MARANHÃO (MA), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Agradecimentos aos seus pares pelas referências a respeito de S.Exa. Repúdio ante o uso da polícia política para a invasão da privacidade dos cidadãos e à espionagem de estado.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/2006 - Página 25134
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. ESTADO DO MARANHÃO (MA), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEBATE, APREENSÃO, INTERFERENCIA, TECNOLOGIA, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
  • SUSPEIÇÃO, INSTALAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESCUTA TELEFONICA, GABINETE, VICE-GOVERNADOR, RESIDENCIA, POLITICO, ADVERSARIO, GOVERNADOR, OBJETIVO, ESPIONAGEM, VIOLAÇÃO, PRIVACIDADE, MOTIVO, ELEIÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO MARANHÃO (MA), CRIAÇÃO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), PARTICIPAÇÃO, EX-EMPREGADO, SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES (SNI), OBJETIVO, ESPIONAGEM, POLITICO, REGIÃO, REGISTRO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), ENDEREÇAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SOLICITAÇÃO, FECHAMENTO, AGENCIA.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES, VIGILANCIA, ADVERSARIO, GOVERNADOR, ESTADO DO MARANHÃO (MA), REGISTRO, NECESSIDADE, AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), INVESTIGAÇÃO, EMPRESA.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, hoje, eu iria abordar rapidamente, desta tribuna, um outro assunto, que seria a descoberta de uma nova província mineral no Brasil, localizada no Amapá. Deixarei, contudo, para fazê-lo quando tiver um espaço maior.

Agradeço ao Senador Alvaro Dias a gentileza de me conceder a prioridade destas palavras e ao Senador Romeu Tuma as referências elogiosas que sempre faz a meu respeito.

De certo modo, o Senador Romeu Tuma me estimulou a proferir estas palavras, que são justamente destinadas a alertar não somente para o que ocorre conosco, mas para o que pode e para o que deve estar ocorrendo em muitas partes do Brasil. Realmente, as novas tecnologias possibilitaram uma invasão de privacidade muito maior.

Há três anos, participei, em Bilbao, de uma Conferência das Nações Unidas justamente sobre a interferência das novas tecnologias nos direitos individuais. Chegou-se à conclusão de que eles quase desapareceram, tornando-nos impotentes diante dos novos métodos de invasão de privacidade. Significa dizer que a nossa liberdade vai desaparecendo em um mundo onde a tecnologia é capaz de invadir todos os setores e não apenas aqueles que as Constituições tratam, como o sigilo da correspondência pessoal e das comunicações. Evidentemente, o que estamos vendo é a possibilidade de tudo isso desaparecer.

O objetivo da Conferência das Nações Unidas era justamente tratar desse assunto. Tive a oportunidade de participar de uma mesa redonda e de acompanhar todo o transcorrer da Conferência, que, no ano seguinte, foi realizada em Tunis.

Estou cansado, quase desacreditando mesmo, que somente com a denúncia essas coisas possam desaparecer, no Brasil, particularmente, no Maranhão.

Desde as eleições de 2002, tivemos a oportunidade de ver como a polícia política colocou-se a serviço da invasão da privacidade como um instrumento da luta eleitoral. E isso parece que pegou, porque, durante esses dois anos, já por três vezes, dirigi-me tanto a V. Exª - e V. Exª ao Ministro da Justiça - como ao Ministro da Justiça, o Senador Romeu Tuma procurou também a Polícia Federal, e nós todos não encontramos, até agora, resposta concreta para evitar o que está ocorrendo.

Na realidade, são fatos muitos graves. O Senador Heráclito Fortes, por exemplo, foi ao Maranhão, em uma viagem turística, e o avião mudou o curso da viagem: em vez de pousar em Teresina, pousou em Barreirinha. Nesse ínterim, ele ligou para a Senadora Roseana Sarney, S. Exª, à época, não era mais Governadora, informando-lhe que estava pousando em Barreirinha. Imediatamente, ao pousar naquela cidade, foi recepcionado pelo juiz eleitoral, pelo delegado de polícia e por agentes que queriam revistar sua bagagem porque havia uma denúncia de que S. Exª participaria da eleição e trazia material e recursos para a campanha de um município do interior do Maranhão. O Senador Heráclito Fortes teve a oportunidade de denunciar o fato ao Corregedor da Casa, que abriu inquérito e constatou que realmente S. Exª fora vítima de um grampo telefônico, que então existia.

De minha parte, quero dizer que todos no Maranhão já estamos acostumados a isso, porque o que se conversa hoje ao telefone, no dia seguinte, os jornais transcrevem.

Eu mesmo, muitas vezes, tenho sido seguido por carros com equipamentos de escuta. Outras vezes, até vigiam, permanentemente, todas as movimentações, não apenas as nossas como as dos nossos amigos políticos.

O grave disso tudo é que se coloca a serviço da política o Estado. O Estado se transforma em algo que fica destinado a isso. Calculo que seja isto: antigamente, fazia-se isso por ideologia; hoje, está-se fazendo isso para a política partidária, para que haja interferência na política partidária.

Ora - estimula-me o Senador Romeu Tuma -, estou com um jornal de hoje do Estado do Maranhão, que diz que, no gabinete do Vice-Governador do Estado, o Sr. Jura Filho, foram encontrados vários aparelhos de escuta telefônica. Esse Vice-Governador tinha sido, por meio de emenda constitucional, destituído de todas as suas funções. O Vice-Governador não podia ter gabinete, não podia substituir o Governador. Isso o Supremo Tribunal Federal colocou em baixa. Quando ele voltou para reassumir o seu gabinete, este estava sendo destruído; disseram que era uma reforma que estava sendo feita. Depois de muito tempo, não foi cumprida a ordem. Agora, quando ele volta para ocupar seu gabinete, o mesmo está cheio de escuta telefônica. Isso foi comprovado. Então, esse é o sistema a que se obedece e que se vê.

Sr. Presidente, esses são pequenos fatos. Inclusive, como ex-Presidente da República e como Senador nesta Casa, fico sem graça ao relatar essas pequenas coisas. No entanto, elas são necessárias, para que vejamos que ainda existe subdesenvolvimento político no Brasil, chegando-se a questões dessa natureza.

Ontem, vinha do Amapá e pousei no Maranhão. Antes de chegar lá, telefonei, rapidamente, para meu filho, dizendo-lhe que iria passar no aeroporto e que ele fosse lá para me receber. De repente, ao chegar ao aeroporto, deparei-me com uma bateria de repórteres, do outro lado, fotografando-me, dizendo que eu havia ido lá para participar de uma reunião política com o candidato que estava visitando o Maranhão e que tem o apoio do Senador Alvaro Dias. No entanto, eu apenas pousava no Maranhão; em seguida, voava para cá. São coisas que acontecem, são essas as surpresas, e todos sabemos por que elas acontecem.

Senador Romeu Tuma, V. Exª está denunciando e apresentando um projeto que é muito necessário. Por quê? Quando se condena a tortura praticada pelo Estado para obter confissões, sabemos que, hoje, isso não é mais preciso. Basta o Estado fazer isso - como está sendo feito lá - a serviço da política, praticando, portanto, politicagem. Isso é tão grave, que o Maranhão é o único Estado do Brasil que criou uma Abin. Igual à Abin federal, também temos a Abin do Maranhão, da qual fazem parte os ex-agentes do SNI! Havia uma agência do SNI no Maranhão, cujos agentes formam hoje a equipe que opera a Abin. É o único Estado que a tem. Resultado: o PMDB fez uma representação ao Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, até hoje, essa representação ainda não foi julgada. Mas se está vendo que isso é um sistema, que isso não ocorre por ocorrer. Isso ocorre impunemente, sem nenhuma reserva.

E até mesmo o que se diz hoje - em que não acredito e de que não participo - é que a própria operadora de telefonia e concessionária daquela região também faz parte do esquema de monitorar os adversários do atual Governador. Não acredito que isso possa ocorrer, mas seria o caso de isso ser examinado também pela Agência que fiscaliza as telecomunicações, para que se pudesse apurar se isso é ou não verdadeiro.

Senador Romeu Tuma, as palavras de V. Exª muito me sensibilizaram e me obrigaram a vir a esta tribuna falar de fatos de província, que, muitas vezes, podem parecer menores, mas que não o são, porque representam apenas uma coisa, teoricamente, que precisamos defender: a liberdade de cada um de nós, essa liberdade ameaçada, a liberdade que passamos a não desfrutar, porque vivemos sob o império do medo de sermos seguidos, ouvidos, de nossas vidas particulares serem objeto dessa espionagem permanente, que está sendo feita a serviço da política. Isso não pode existir no Brasil, não só no Maranhão como em qualquer lugar do continente!

Tenho autoridade para dizer isso. V. Exª foi Diretor da Polícia Federal quando assumi a Presidência da República. A primeira instrução que dei ao chefe do SNI foi a de que jamais houvesse qualquer interferência na vida privada de quem quer que fosse. O primeiro informe que me foi entregue, dois dias depois que assumi a Presidência da República, foi um relato a respeito da vida privada de determinado líder brasileiro. Quando vi o que era, rasguei e joguei no cesto de lixo e disse ao chefe do SNI: “O senhor está proibido de fazer coisas dessa natureza; a partir de agora, não se faz mais nada disso no Brasil”. Foi assim que me conduzi.

Então, neste momento em que se restaura a democracia, estamos submetidos, todos nós, não somente a essa espionagem que existe aí, que todo mundo sabe, a que todos somos vulneráveis, mas também à espionagem de Estado. Esta representa o crime maior que pode existir, porque a outra corresponde à espionagem industrial ou a outras formas de espionagem, das quais ninguém, hoje, com as novas tecnologias, está isento de ser vítima. Mas a espionagem de Estado, constituída pelo Estado a serviço de facções políticas, é um crime odioso que temos de repelir!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/2006 - Página 25134