Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo em favor da urgência na votação da proposta de emenda à Constituição que modifica a tramitação das Medidas Provisórias.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Apelo em favor da urgência na votação da proposta de emenda à Constituição que modifica a tramitação das Medidas Provisórias.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2006 - Página 26042
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA. MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, REFORMA POLITICA, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO ELEITORAL, SISTEMA, PARTIDO POLITICO, INCLUSÃO, DISCUSSÃO, FEDERAÇÃO, CRISE, EXCESSO, CONCENTRAÇÃO, PODER, UNIÃO FEDERAL, NECESSIDADE, MELHORIA, SISTEMA DE GOVERNO, SOLUÇÃO, CONFLITO, PODERES CONSTITUCIONAIS, ANALISE, PROBLEMA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • REGISTRO, DADOS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PARALISAÇÃO, PAUTA, VOTAÇÃO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DIVULGAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, MATERIA, SENADO, SOLICITAÇÃO, AGILIZAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ADIAMENTO, VIGENCIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), POSTERIORIDADE, RECONHECIMENTO, CONSTITUCIONALIDADE, RELEVANCIA, URGENCIA.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Alvaro Dias, V. Exª, ainda ontem, da tribuna desta Casa, reportou-se à importância de uma reforma política para o País.

Eu até as denomino de reformas institucionais tal o seu alcance. É lógico que, quando se fala em reforma política, não se pode deixar de mencionar estritamente o sistema político, isto é, o sistema eleitoral e partidário, fundamental para melhorar a nossa governabilidade, mas também é importante rediscutir a questão federativa já que a Federação está em crise no Brasil.

Há cada vez mais uma maior concentração de poderes na União em detrimento dos Estados e Municípios, também considerados pela Constituição entes federativos. Não podemos deixar de reconhecer que, em uma verdadeira reforma constitucional, precisamos rediscutir o sistema de governo não somente melhorando o desempenho do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas removendo zonas de fricção entre os Poderes da República. E quando se fala em zonas de fricção, em zonas cinzentas no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, logo acorre à nossa mente a questão das medidas provisórias, que, como estamos constatando nesta Casa - e por que não dizer também na Câmara dos Deputados -, estão praticamente inviabilizando o funcionamento do Congresso Nacional.

Como V. Exªs sabem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as medidas provisórias foram criadas na Carta de 1988, em substituição ao chamado decreto-lei, instituto usado durante o chamado regime militar, no período de 1964 até basicamente a Constituição de 1988.

É lógico que, se compararmos os decretos-leis do regime militar com as medidas provisórias, claramente, concluiremos que os decretos-leis tinham alcance muito menor que as medidas provisórias, inclusive, porque, de plano, não admitiam medida que gerasse aumento de despesa.

Aliás, é bom também dizer que a criação dos decretos-leis não foi obra dos regimes militares. Eles, de alguma forma, se valeram de um mecanismo que Getúlio Vargas adotara de 1937 a 1945, quando outorgou a chamada Polaca, a Constituição de 1937, que vigorou, como disse, até a redemocratização.

Se formos mais atrás, verificaremos que, a partir da Proclamação da República, em 1889, até a Constituição de 1891, o Poder Executivo baixou decretos-leis, inclusive, no tempo em que Deodoro presidia o País.

Mas volto às medidas provisórias, Sr. Presidente, para dizer que elas pretenderam, de alguma forma, substituir os decretos-leis. A emenda, neste caso, mais uma vez, foi pior que o soneto porque estão produzindo um nefasto efeito não somente na atividade da Câmara e do Senado, mas também no relacionamento entre Executivo e Legislativo.

É certo que a Constituição de 1988 recebeu a Emenda nº 32, que deu nova disciplina às medidas provisórias. Mas, tal como era de se esperar, essa nova disciplina, em lugar de melhorar o instituto, contribuiu para agravar ainda mais as dificuldades de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo nesse campo e também, sobretudo, para tornar mais difícil o andamento das atividades legislativas. Por que isso aconteceu? Porque a Emenda nº 32 estabeleceu um mecanismo de trancamento das pautas das duas Casas do Congresso. Havendo medida provisória na pauta da Câmara ou do Senado, ela terá preferência sobre toda e qualquer outra matéria, inclusive constitucional, o que não deixa de ser uma aberração. Tudo isso faz com que as atividades da Câmara e do Senado fiquem paralisadas por várias sessões, não poucas, por conta das medidas provisórias.

Não preciso dizer que o instituto da medida provisória é, antes de tudo, um instrumento político nas mãos do Executivo, por intermédio do qual seus agentes exercem domínio sobre o andamento das atividades legislativas. As distorções constitucionais a que as medidas provisórias expuseram nossa democracia ao longo do tempo contribuíram para exacerbar os desequilíbrios políticos entre os Poderes. Formuladas, originalmente, como disse, como instrumento emergencial à disposição da Presidência da República, sua aplicação histórica tem revelado desvios e distorções para os fins menos adequados ao País e às suas instituições.

Como sabemos, o instituto da medida provisória é de origem parlamentarista, importado dos provvedimenti provvisori, como assim dispõe a Constituição Italiana ee 1947, e foi introduzido, como lembrei há pouco, na Carta Constitucional brasileira através da Constituinte de 1987/88.

A inspiração do constituinte brasileiro nos modelos do Direito comparado encontra-se não apenas na Itália, como aponta a maioria dos estudiosos do assunto, mas também na Constituição Espanhola de 1978, que corresponde à abertura política ocorrida na Espanha com o fim do regime franquista, e na Constituição Portuguesa de 1976, que corresponde também a um instante semelhante ao que ocorrera na Espanha, com a queda da chamada ditadura salazarista. A única ressalva fica por conta de certas características dadas pelo legislador brasileiro, que não têm, aliás, precedentes em nenhum desses exemplos.

Na Itália, o Poder Executivo, segundo a Constituição de 1947, pode, em caso de extraordinária urgência e relevância, editar provimentos provisórios, com força de lei, que terão vigor por até 60 dias, devendo ser submetidos de imediato ao Parlamento. Deve-se frisar a responsabilidade política do Governo sobre o provimento provisório por ele adotado, pois a não-aprovação da medida pelo Parlamento, no prazo de vigência, implica o dever de renúncia do Gabinete. Ou seja, gera conseqüências extremamente graves sob o ponto de vista político.

Sr. Presidente, diante das experiências de outras nações, o caso brasileiro se configura claramente como algo inconveniente à Nação brasileira e ao funcionamento, de modo especial, das Casas legislativas nacionais. A busca pelo controle do poder tem levado o Executivo a expandir seus braços a áreas legislativas republicanamente proibidas. Disso resultam impasses e crises sucessivas, inviabilizando um amadurecimento de nossa democracia.

Reflexo significativo dessa situação, o Senado Federal atravessa, desde fevereiro de 2005, um dos mais conturbados períodos da história do Parlamento, convivendo com a pauta de deliberações do Plenário trancada por medidas provisórias com prazo vencido em 75% das sessões deliberativas.

Sem dúvida, as medidas provisórias reduzem a produtividade do Congresso Nacional, tumultuam os trabalhos legislativos e invertem os papéis dos Poderes Executivo e Legislativo ao conferir ao Executivo o comando da função de legislar. Não sem esconder certo constrangimento e espanto, o Brasil e os brasileiros tomam conhecimento de que, somente no primeiro semestre deste ano, 90% das sessões destinadas a votações tiveram sua pauta bloqueada pelas famigeradas medidas provisórias.

Sr. Presidente, para se ter uma leve idéia dessa situação, cabe examinarmos mais detidamente os números que envolvem as MPs. Somente em 2005, das 225 sessões realizadas, 125, mais da metade, foram regimentalmente destinadas a deliberações em plenário. Destas, nada menos que 66 sessões foram sobrestadas por medidas provisórias. E para piorar o quadro, conforme relatório da Presidência do Senado, em 53 das sessões deliberativas, não houve sequer deliberação alguma sobre o que quer que fosse em matéria legislativa, pelo trancamento constitucional que as medidas provisórias provocam.

No ano legislativo de 2004, foram registradas 104 sessões deliberativas, 76 das quais sobrestadas por medidas provisórias, bloqueando sistematicamente as demais deliberações legislativas da Casa. Fenômeno muito semelhante já havia ocorrido em 2003, quando 42 das 117 sessões deliberativas haviam sido vexaminosamente paralisadas em razão da tramitação de MPs.

Falei até aqui com base em dados do Senado, mas posso fazer semelhante raciocínio com relação a nossa Casa irmã, a Câmara dos Deputados. Sobre este assunto, Sr. Presidente, cito agora matéria do jornal O Estado de S. Paulo, edição de 13 de julho de 2006, que trata do tema sob o título: “Edição de MPs trava mais de 80% das sessões da Câmara, revela estudo”:

“A Câmara passou quase todo este ano com a pauta do plenário trancada por medidas provisórias e com pouco tempo livre para votar projetos de lei e outras matérias elaboradas pelo próprio Congresso. Das 71 sessões deliberativas -- nas quais são marcadas votações -- realizadas de fevereiro até a semana passada, 60 foram obstruídas por MPs. Ou seja, 84,51% do total. Restaram apenas 11 sessões (15,49%) em que a pauta esteve livre”.

Sob outro aspecto contábil, Sr. Presidente, ao curso de seu mandato, o Presidente Lula editou, até o final de julho passado - e já surgiram novas medidas provisórias -, a nada desprezível quantidade de 211 medidas provisórias. Em outras palavras, em 43 meses, o atual Governo exibe um recorde de 4,9 medidas provisórias por mês. Das 211 editadas, 172 foram convertidas em lei, ao passo que apenas 7 foram rejeitadas.

Em suma, numa retrospectiva mais prolongada, aproximadamente mil medidas provisórias legislaram o País nos últimos dezoito anos, conforme dados publicados pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap que se destina, com muita aplicação, ao exame dessas questões.

Sr. Presidente, estou encerrando, mas gostaria de recordar que, até 2001, as medidas provisórias que não fossem apreciadas pelo Congresso em até 30 dias podiam ser reeditadas indefinidamente. Com a introdução das novas regras, pela Emenda nº 32 - a que já me reportei -, estabeleceu-se o fim das reedições. Em setembro de 2001, por meio de emenda constitucional definiu-se, além do fim das reedições, que o prazo de validade das medidas provisórias não se estenderia por mais de 120 dias.

Sr. Presidente, diante do exposto, não nos resta outra alternativa senão aprimorar o instituto da medida provisória com o propósito de evitar os recorrentes e inadmissíveis abusos. Por isso, merece destaque a recente declaração do Presidente da Casa, Senador Renan Calheiros, ressaltando a importância da aprovação, no período de convocação extraordinário do início deste ano, da Proposta de Emenda à Constituição nº 72, de 2005, cujo primeiro subscritor foi, se não estou equivocado, o Senador Antonio Carlos Magalhães.

Em síntese, essa PEC modifica o trâmite das medidas provisórias no Congresso Nacional. Sua principal alteração consiste em prever que uma medida provisória só adquirirá força de lei após o reconhecimento do Congresso Nacional dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência. Aí está o núcleo da questão, porque muitas medidas provisórias são baixadas sem que estejam caracterizados os requisitos de relevância, de um lado, e de urgência, do outro. Pela regra atual, a MP tem eficácia tão logo é assinada pelo Presidente da República. Tal proposta ainda aguarda aprovação pela Câmara dos Deputados.

Sei que vivemos um período eleitoral, e a Câmara dos Deputados está com a sua atividade muito reduzida, pelo fato de grande número de Parlamentares concorrerem à reeleição, mas não posso deixar, todavia, de fazer um apelo no sentido de que apressemos a votação dessa emenda constitucional, para que possamos, enfim, dar ao Parlamento brasileiro aquilo que lhe pertence: o direito de legislar e não continue paralisado, infelizmente, pela pletora de medidas provisórias, muitas das quais, insisto mais uma vez, sem os pressupostos de urgência e relevância.

Com isso, a democracia brasileira não somente ganhará mais harmonia e equilíbrio na distribuição dos três Poderes, como também evitará os excessos a que ficam, tentadoramente, condicionados os chefes do Poder Executivo em nosso País.

Daí por que encerro, Sr. Presidente, minhas palavras, solicitando que seja publicada, na íntegra, a matéria do O Estado de S. Paulo a que fiz referência.

Agradeço a V. Exª.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MARCO MACIEL EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 203, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

artigo “Edição de MPs trava mais de 80% das sessões da Câmara, revela estudo”, publicado no jornal O Estado de S.Paulo, de 13/07/2006.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2006 - Página 26042