Discurso durante a 127ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre as atribuições de um Senador da República. Registro das iniciativas promovidas pelo conjunto "AfroReggae", colaborando para que jovens se afastem do narcotráfico. Preocupação com a questão da segurança no Estado de São Paulo. Transcrição de Nota Técnica sobre a Lei 7.210/84 - Lei de Execução Penal.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA CULTURAL.:
  • Reflexão sobre as atribuições de um Senador da República. Registro das iniciativas promovidas pelo conjunto "AfroReggae", colaborando para que jovens se afastem do narcotráfico. Preocupação com a questão da segurança no Estado de São Paulo. Transcrição de Nota Técnica sobre a Lei 7.210/84 - Lei de Execução Penal.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 08/08/2006 - Página 26228
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, SENADO, DETALHAMENTO, COMPETENCIA, SENADOR, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO, JUDICIARIO, GASTOS PUBLICOS, APRECIAÇÃO, ESCOLHA, DIRETORIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, AVALIAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, CONTROLE, POLITICA EXTERNA, IMPORTANCIA, GARANTIA, PARIDADE, ESTADOS, FEDERAÇÃO.
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, AUTORIA, ORADOR, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, FUNCIONAMENTO, COOPERATIVA.
  • ANALISE, GRAVIDADE, VIOLENCIA, CRIME ORGANIZADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPORTANCIA, APOIO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), POLICIA FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, POLICIA MILITAR, POLICIA CIVIL, PREFEITURA, SOLIDARIEDADE, VITIMA.
  • ELOGIO, INICIATIVA, GRUPO, MUSICA, REABILITAÇÃO, JUVENTUDE, CRIMINOSO, REGISTRO, EXIBIÇÃO, SENADO, FILME, HISTORIA, COMBATE, VIOLENCIA, REGIME MILITAR, SAUDAÇÃO, CINEMA, BRASIL.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, POLITICA PENITENCIARIA, LEITURA, TRECHO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ESTUDO, ASSESSORIA, SENADO, EXISTENCIA, POSSIBILIDADE, DETENTO, TRABALHO, CONSTRUÇÃO, PRESIDIO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Roberto Saturnino Braga; prezada Senadora Fátima Cleide, prezados Senadores Heráclito Fortes e Eurípedes Camargo, que honrosamente foi aqui suplente do Senador Cristovam Buarque, eu gostaria hoje de fazer uma reflexão sobre tema a respeito do qual, volta e meia, Senadoras e Senadores somos indagados. Perguntam-nos: “Afinal, o que faz um Senador?”

            Em minhas viagens por todo o Estado de São Paulo, sempre alguém me pergunta sobre as atribuições de um Senador. Eu gostaria de responder a essa pergunta, inclusive com inúmeros exemplos.

A instituição política chamada Senado é muito antiga. Seu nome em latim, Senatus, equivale a “conselho de anciãos”; ou seja, uma casa política ocupada por pessoas mais velhas. A nossa Constituição exige que, para alguém ser eleito para o Senado, deve ter, pelo menos, 35 anos de idade.

O Senado, no Brasil, existe desde a outorga, por D. Pedro I, da Constituição de 1824. Naquela época, o Senador era vitalício e escolhido pelo Imperador, a partir de uma lista tríplice aprovada nas províncias. A idade mínima exigida para se tornar Senador era, então, de quarenta anos, em época, Senador Roberto Saturnino, em que a expectativa de vida média do brasileiro era bem mais baixa. E o candidato deveria ter uma renda anual de, pelo menos, oitocentos mil réis! Portanto, para ingressar no Senado a pessoa precisava ter patrimônio, precisava ter renda, o que já significava uma discriminação. Um detalhe: os príncipes da Casa Imperial eram membros natos do Senado, a partir dos 25 anos de idade. Ou seja, os príncipes poderiam ingressar no Senado - já eram membros automáticos - bem mais moços.

Nosso modelo atual de Senado republicano foi, basicamente, copiado da Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, e adotado, inicialmente, na Constituição de 1891, a primeira depois da proclamação da República.

Em que consiste esse modelo? Os participantes da Convenção de Filadélfia, que se reuniu entre maio e setembro de 1787 para elaborar a Constituição dos Estados Unidos da América, miraram-se nas experiências da Grécia e Roma da Antigüidade para construírem o Senado moderno.

Da Grécia, os norte-americanos aproveitaram a partilha de funções no processo legislativo. Em Atenas, onde se praticava a chamada democracia direta, o que equivaleria ao Senado - a boulé - preparava as proposições que deveriam ser discutidas e adotadas pela assembléia do povo, a chamada ágora. Embora observassem a repartição de atribuições, os norte-americanos inverteram aquele procedimento, concebendo o Senado como uma casa de revisão, no processo legislativo, das proposições aprovadas pela “casa dos representantes” (The House of Representatives) do povo - a Câmara dos Deputados -, o que seria, na democracia representativa, uma nova ágora. Nisso, pareciam copiar a Casa dos Lordes, do Parlamento britânico, que faz a revisão das proposições aprovadas pela Câmara dos Comuns. Só que, como os Senadores também tinham a iniciativa do processo legislativo, a Câmara dos Deputados exercia, também, a função de revisão das proposições aprovadas pelo Senado. Isso passou a ser um dos elementos fundamentais do mecanismo de “freios e contrapesos” que caracteriza as instituições políticas norte-americanas que também repetimos no Brasil.

De Roma, os norte-americanos revigoraram a idéia de que o Senado deve controlar as atividades do Poder Executivo, a Justiça, as finanças públicas e a política externa. Na essência, o mote “controlar bem quem deve prestar contas” movia o Senado Romano, imprimindo-lhe a marca da res publica. Daí se falar, até hoje, em Senado da República, o Senado da coisa pública.

Vejamos onde, hoje, encontramos a projeção dessas preocupações no cotidiano dos Senadores brasileiros, de acordo com o que está na Constituição.

Os Senadores devem controlar as atividades do Poder Executivo? Sim. São os Senadores, por exemplo, que julgam o Presidente da República e seus Ministros nos crimes de responsabilidade ou impeachment. Em alguns casos, eles compartilham essa tarefa de controle com a Câmara dos Deputados. Podemos ilustrar isso com as comissões parlamentares de inquérito, os pedidos de informações, as convocações de autoridades para prestação de esclarecimentos, a invalidação de decretos que exorbitem o poder de regulamentação previsto em leis. Os Senadores apreciam ainda as indicações do Presidente da República para várias entidades de regulação de atividades econômicas ou os membros do Conselho da República, órgão consultivo da Presidência. Quando examinam, confirmando ou derrubando, os vetos apostos pelo Presidente da República aos projetos de lei, o Senado Federal ou a Câmara dos Deputados controlam o Poder Executivo, o mesmo ocorrendo quando apreciam as medidas provisórias.

Os Senadores controlam a Justiça? Aqui a resposta também é afirmativa. Todos os cidadãos indicados pelo Presidente da República para compor o Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais superiores, excetuado o Tribunal Superior Eleitoral, só podem ser nomeados depois de sabatinados e aprovados pelo Senado. Igualmente, o Chefe do Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, precisa passar pelo crivo de controle dos Senadores. Ademais, todas essas autoridades e o Advogado-Geral da União são processados e julgados, em casos de impeachment, pelo Senado Federal. Desde a reforma do Poder Judiciário, aprovada em 2004, o Senado é responsável pelo exame e aprovação dos nomes que compõem o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Esses órgãos fiscalizam a eficácia do desempenho dos juízes e tribunais, zelando, ainda, pela observância de parâmetros éticos no exercício das funções jurisdicionais.

Os Senadores controlam as finanças públicas? Positivo. Aqui a competência dos Senadores é bem expressiva. Eles dão a palavra final em relação às operações externas de natureza financeira, notadamente de crédito externo e também de crédito interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as garantias para honrar os empréstimos, e definem os limites globais e as condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Exemplo de uma operação de empréstimo externo que o Senado Federal está a examinar e que causou polêmica ainda na semana passada é o empréstimo que a Transpetro está obtendo para a construção de navios. A Oposição avaliou que seria melhor examinar mais detalhadamente a matéria antes de aprová-la. Espero que, logo em setembro, quando iniciarmos as atividades de votação, tenham os Senadores da Oposição sobretudo colhido os elementos necessários para tomar a decisão a respeito.

Somos nós os Senadores que examinamos as indicações do Presidente da República para a Diretoria do Banco Central, aprovando-as ou rejeitando-as. Além disso, em conjunto com a Câmara dos Deputados, o Senado Federal dispõe sobre as leis orçamentárias, definindo a destinação dos gastos da União em função da arrecadação.

Vale lembrar que o Senado, pelo Orçamento, controla ações dos Poderes Executivo e Judiciário. Duas vezes ao ano, as autoridades monetárias prestam contas ao Congresso Nacional, aí incluído o Senado, sobre o estado das finanças públicas nacionais.

Cabe ao Senado Federal avaliar, periodicamente, a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional. Nesse particular, é bom assinalar que as alíquotas de certos tributos estaduais não podem ultrapassar os limites fixados por resoluções do Senado Federal.

É importante registrarmos o quanto temos, especialmente a Comissão de Assuntos Econômicos, periodicamente, chamando as principais autoridades econômicas do País, seja o Ministro da Fazenda, seja o Presidente do Banco Central. Em junho último, convidamos o Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e todos os diretores do Conselho de Política Monetária para argüirmos sobre a forma como definem aumento ou diminuição da taxa de juros básica e da taxa Selic.

Os Senadores controlam a política externa? Sim. Os chefes de missões diplomáticas brasileiras precisam ser aprovados pelo Senado Federal antes que assumam seus postos no exterior, função hoje presidida pelo Senador Roberto Saturnino, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Também os tratados, acordos e convenções internacionais assinados pelo Poder Executivo precisam obter a aprovação definitiva da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Depois de examinados na Comissão de Relações Exteriores, poderão ser incorporados ao ordenamento jurídico da União.

Ao observar o papel do Senado nas questões de finanças públicas, podemos perceber o quão importante ele é no dia-a-dia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Aqui emerge sua função federativa. Por isso mesmo, esta Casa parlamentar é chamada Senado Federal.

Quando os norte-americanos discutiam, na Filadélfia, em 1787, como seria a composição do Senado, o debate foi bastante acirrado. Por uma votação bem apertada, decidiram que todo e qualquer Estado da Federação, independentemente da sua população, território ou pujança econômica, teria a mesma representação: dois Senadores eleitos para um período de seis anos. Essa decisão foi muito importante para resguardar a integridade de um Estado nacional com dimensões continentais. Nos Estados Unidos, há Estados que possuem dois Senadores e apenas um Deputado. Nós também observamos o critério de paridade, mas com três Senadores, decisão que tem sido importante para preservar nossa unidade como País de enormes dimensões territoriais e diversidade cultural.

Por exemplo, o Estado do Piauí, do Senador Heráclito Fortes, tem três Senadores que representam uma população da ordem de quase quatro milhões de habitantes, enquanto o Estado de São Paulo, com 41 milhões aproximadamente, também tem três Senadores. O princípio do equilíbrio entre todos os Estados da Federação é assegurado no Senado Federal, enquanto, na Câmara dos Deputados, os Estados de menor população têm um mínimo de oito Deputados Federais, e aqueles de maior população, como São Paulo e Minas Gerais, têm 70, que é o número máximo de Deputados Federais.

            Podemos dizer que o Senado é importante sob três aspectos: proporciona maior reflexão sobre o processo legislativo, amadurecendo o debate de idéias voltadas à conversão em normas, iniciado na Câmara dos Deputados; exerce função de controle republicano da atividade política; e, finalmente, funciona como órgão de estabilização política das diversas regiões, praticando ações que fortalecem a estrutura de nosso Estado Federativo, concatenado em três esferas de poder: uma delas soberana, a União, e outras duas autônomas, os Estados - Distrito Federal - e os Municípios.

Saliento que, muitas vezes, as pessoas pensam que o Senado Federal, por ser uma Casa constituída, em média, por pessoas de idade mais elevada, talvez seja uma Casa mais conservadora. Mas gostaria de dar o meu depoimento, Senador Roberto Saturnino Braga, de que, ao longo dos meus 16 anos de experiência, avalio que o Senado não é uma Casa mais conservadora do que a Câmara dos Deputados. Em muitas ocasiões, o Senado Federal avançou mais do que a Câmara e, muitas vezes, deu passos, digamos, progressistas em relação ao que a Câmara havia realizado, inclusive em temas candentes e importantes do ponto de vista social, como, por exemplo, a legislação que trata da reforma agrária, e tantas outras. E isso decorre de diversos fatores, entre os quais o fato de os Senadores serem eleitos em votação majoritária, o que permite à população conhecer, de forma mais adequada e completa, seus representantes e elegê-los de maneira tal que possa haver nesta Casa uma representação bastante progressista no espectro político brasileiro. Eu percebo assim.

            Concluindo, Sr. Presidente, sobre esse aspecto, com base nas informações aqui expostas, como Senador do Estado de São Paulo, é meu dever envidar todos os esforços, no âmbito das atribuições do Senado, para proporcionar as condições de desenvolvimento socioeconômico e cultural para o nosso Estado e para os cidadãos que vivem em seus 645 Municípios.

            O Senado tem funções que dizem respeito à promoção do bem-estar de todos os brasileiros, sem exceção. E o Estado de São Paulo, por ser o mais desenvolvido e por ser o maior centro de convergência de brasileiros de todos os rincões, não pode fugir às suas responsabilidades de tomar a dianteira nas tarefas de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Nessa perspectiva, tenho apresentado proposições visando o bem-estar dos paulistas e de todos os brasileiros, a exemplo do projeto que, aprovado pelo Congresso Nacional, transformou-se na Lei nº 10.835, que institui a Renda Básica de Cidadania, felizmente sancionada pelo Presidente da República, em 8 de janeiro de 2004.

            As pessoas perguntam: “Mas, se aprovada e sancionada a lei, não é ainda uma realidade? Por quê?”. Porque está previsto na lei que ela será instituída gradualmente, começando pelos mais necessitados.

E a interpretação que temos, inclusive o próprio Governo Federal, é que o Programa Bolsa Família, que hoje atinge um quarto da população brasileira, é um passo na direção de um dia, em breve, espero, instituirmos a renda básica de cidadania a todos. Qualquer pessoa lá do Piauí, do Acre, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, de todos os Estados, terá o direito inalienável de participar da riqueza da Nação por meio de uma modesta renda, na medida do possível suficiente para atender às necessidades vitais, como um direito à cidadania.

Também tive a oportunidade de apresentar aqui no Senado o Projeto de Lei nº 605, de 1999, que define as normas de funcionamento das sociedades cooperativas. Tanto o Senador José Fogaça como o Senador Osmar Dias e eu apresentamos projetos de lei referentes às sociedades cooperativas, que são objeto de debate na Comissão de Agricultura, presentemente, e esperamos que logo possamos avançar, pois todos nós queremos apoiar as cooperativas de produção. Há certas diferenças de opinião nos diversos projetos, mas espero que possamos logo aprimorá-los, com a contribuição de todos. O Senador Demóstenes Torres é o Relator da matéria, e espero que logo, em setembro ou outubro, S. Exª avance no sentido de chegar a um entendimento a esse respeito.

Não por acaso a bandeira de São Paulo estampa o mapa do Brasil. Afinal, nós, paulistas, temos por missão realizar aquilo que é o lema inscrito no brasão de nosso estado: “Pelo Brasil, façam-se grandes coisas”!

Gostaria, Sr. Presidente, como exemplo das funções que são nossas atribuições principais, de me estender um pouco mais para falar a respeito de diversas situações.

Nós, Senadores, prezado Senador Heráclito Fortes, se fôssemos sintetizar o que eu disse, temos as seguintes funções básicas: primeiro, representar o povo - o povo do Piauí, o povo de São Paulo, o povo do Rio de Janeiro, o povo de cada um de nossos Estados -; segundo, fiscalizar os atos do Executivo; terceiro, legislar.

Pois bem, como representantes do povo, temos a responsabilidade, a faculdade de expressar, a cada momento, o sentimento da população sobre os mais diversos temas. Quisera eu estar expressando o sentimento de alegria, caso tivesse o Brasil vencido a Copa do Mundo, na Alemanha. Infelizmente, o que podemos dizer é quão relevante será para nós aprender com a derrota. À medida que pudermos aprender quando não ganhamos, isso será importante.

Também expressamos o nosso sentimento de pesar quando falece um ente querido, digamos, um Senador que tanto honrou este Senado, como Teotônio Vilela ou Severo Gomes*, tantas personalidades do Brasil e, às vezes, até do mundo. Quando enfrentamos problemas sérios em nossos Estados, imediatamente nos sentimos na responsabilidade de aqui dizer das nossas preocupações.

Obviamente, hoje, ao acordar, toda a cidade de São Paulo e o Estado de São Paulo se viram preocupados com mais um conjunto de ações. Há pouco, a Secretaria de Segurança Pública já registrava cerca de 24 atentados, sendo um contra um escritório do Poupatempo, a alguns organismos públicos federais e outros. Bombas detonadas por pessoas eventualmente ligadas às quadrilhas que estariam agindo desde dentro da prisão.

É muito importante que venhamos a cooperar com o Ministério da Justiça, com a Polícia Federal, com o Governo do Estado, com a Polícia Militar, com a Polícia Civil, com os órgãos da Guarda Metropolitana da Prefeitura Municipal de São Paulo, no sentido de sugerir meios, e que sejamos solidários também com respeito às pessoas que foram mortas, como os agentes penitenciários, os policiais militares e civis. Assim como, por vezes, jovens inocentes que acabaram sendo objeto de tiros, atentados e, às vezes, pela reação nem sempre equilibrada por parte de policiais. Quero aqui ressaltar que, há poucos dias, conversei com o escritor Ferréz, compositor de rap que mora no Capão Redondo. Quando houve as rebeliões e os atentados de maio, ele havia comentado pela Internet que em Capão Redondo diversos jovens haviam sido mortos sem ter qualquer passagem pela polícia e, portanto, seriam inocentes que estariam sendo objeto da reação de policiais. Por causa disso, precisou ficar até uma semana fora de São Paulo, uma vez que recebeu ameaças.

Faço um registro, pois, nesta semana, está em São Paulo Jorge Júnior do AfroReggae, que fará apresentação terça-feira, amanhã, no Sesc e, na quarta-feira, no Tom Brasil, com apresentação de trabalhos artísticos culturais. Justamente esse grupo AfroReggae tem realizado uma série de ações importantes no sentido de promover a desistência de jovens que, saindo do narcotráfico, acabaram dedicando sua energia e seu trabalho para ações culturais, esportivas e educacionais, as mais diversas. Cumprimento essas iniciativas e que os integrantes do AfroReggae(*) continuem colaborando para que pessoas saiam do narcotráfico.

Como exemplo do que é um Senador, um membro do Parlamento, é lícito chamar de parlamentar o representante de um Estado-membro da Federação junto aos Poderes da União. Senador da República é uma expressão da forma de governo republicano adotada pela Constituição. Assim, o Parlamentar tem a função de participar do processo legislativo, considerando-se mandatário dos interesses de toda a população, podendo usar da palavra da tribuna e fora dela para emitir opinião sobre todas as questões de interesse nacional. Assim, às vezes venho aqui para falar também de atividades culturais importantes, dentre as quais as relacionadas ao cinema.

Senador Roberto Saturnino, cumprimento V. Exª por ter sido um dos proponentes de uma iniciativa tão importante havida aqui na semana passada, quando tivemos a apresentação no Senado Federal do filme “Zuzu Angel”, de Sergio Rezende, um excepcional diretor, que mostrou no filme que conta a história de Zuzu Angel, tão brilhantemente representada pela atriz Patrícia Pillar, com participação de Luana Piovani e tantos outros, um elenco excepcional. Quero aqui dizer quão importante é esse filme. A Primeira-Dama Marisa, esposa do Presidente Lula, tanto gostou do filme que disse que iria recomendar ao Presidente para assisti-lo o quanto antes. Quero reforçar isso, recomendando a todos os Senadores e ao povo brasileiro para assistir à história tão bonita dessa mãe, uma desenhista e costureira de moda de tal qualificação que seus modelos participavam de desfiles especiais em Nova Iorque. Casada com um norte-americano, Zuzu Angel teve um filho, Stuart, que resolveu se engajar, naqueles anos 60, na luta pela democratização do País e pela liberdade, tendo, inclusive, no seu entusiasmo, agido em alguns momentos junto aos grupos políticos que ofereciam resistência armada ao regime militar. Stuart foi preso e, infelizmente, em vez de ter o devido direito de defesa, acabou...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Suplicy, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Estou recebendo o apelo desesperado aqui de uma eleitora de V. Exª para que não conte o filme, porque ela não assistiu ainda. Senão estraga. Não custaria nada atendê-la. Ela está fazendo esse apelo desesperado e pede que V. Exª guarde o suspense para que ela possa, numa próxima oportunidade, assistir a esse filme que está comovendo o Brasil. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a recomendação de V. Exª.

Eu, então, respeitarei o apelo da pessoa que telefonou para V. Exª - ou V. Exª foi capaz de captá-lo, porque eu não ouvi o telefone tocar neste instante.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Em respeito a V. Exª, o telefone está no “silencioso”.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ah, encontra-se no “silencioso”. Eu pensei que V. Exª havia captado por transmissão de pensamento, porque V. Exª tem uma ligação tão apurada com o povo...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - É evidente que, por transmissão de pensamento, não seria muito difícil ver que todos estão nos ouvindo e que não assistiram ao filme - eu vejo, ali, o próprio Senador Roberto Saturnino, nosso Presidente, impaciente porque pode querer, num pequeno horário que dispõe no final de semana, assistir a esse filme e S. Exª fica incomodado...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Mas eu o recomendo e não vou contar toda a história - uma história verdadeira, real.

Então, toda a história se desenrola a partir do momento dramático da prisão do jovem Stuart e de toda a luta de sua mãe para desvendar o que havia ocorrido com aquele jovem brasileiro. Este filme, então, marca o momento da aspiração por liberdade, por democracia, por liberdade de expressão e de imprensa, porque a mãe ia a todos os lugares, pedindo aos artistas e aos jornalistas que pedindo aos artistas e aos jornalistas que perguntassem: “onde é que está o meu filho?”

Recomendo, sem contar a história inteira, o filme a V. Exªs.

Também quero aqui falar de um outro filme: “Estamira”, de Marcos Prado. Trata-se de um dos principais documentaristas brasileiros, que, inclusive, já fez um filme sobre aquele ônibus que sofreu um atentado no Rio de Janeiro e diversos outros. Mas permita só...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - O 147.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - 147. Obrigado, Senador Heráclito Fortes.

Marcos Prado resolveu, em 1993, fazer um ensaio fotográfico no lixão do Jardim Gramacho, perto de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, pois era sua intenção estudar a questão da reciclagem do lixo. Ao fotografar pessoas ali, ele acabou se encontrando com a Srª Estamira, nascida em 1941 - portanto, tem a mesma idade que eu, 65 anos. Justamente esta senhora Estamira acabou comovendo Marcos Prado, que, nos 2000, 2001, 2002, por quatro anos, resolveu filmar, documentar e trazer a história de Estamira, que, certo dia, ao conversar com ele, foi tão receptiva e disse: A sua função será reportar, transmitir a minha missão para o mundo filmar, documentar e trazer a história de Estamira, que, certo dia, ao conversar com ele, foi muito receptiva e disse: “A sua missão será reportar, transmitir a minha missão para o mundo”.

Pois bem, a Srª Estamira, por anos e anos, viveu ali no lixão do Jardim Gramacho. E se em 1993, 1994, 1995, me contou Marcos Prado, havia ali cerca de 200 pessoas, já no ano 2000 havia quase 2 mil pessoas vivendo do lixão. E ele ficou impressionado ao conhecer o destino de Estamira, uma senhora que, por diversos motivos, foi abandonada por seus dois maridos. Mas ela teve duas filhas e um filho, que aparecem nesse documentário.

Em duas ocasiões, a família chegou a levá-la para um hospital psiquiátrico, mas ela ali não quis ficar de maneira alguma. Os próprios familiares perceberam que ela estaria muito melhor em liberdade, vivendo no lixão e do lixão, do que vivendo em um hospital psiquiátrico.

Quero cumprimentar o Marcos Prado, que já recebeu 23 prêmios como: Festival do Rio - 2004; Mostra Internacional de Cinema em São Paulo - 2004; Festival Internacional Documentário de Marseille - 2005; Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary - 2005; Festival Internacional de Cinema de Viena - 2005; Festival Internacional de Havanna - 2005; 4º Festival Internacional de Direitos Humanos de Nuremberg - 2005; Festival Internacional de Cinema de Londres - 2005; Festival Internacional de Cinema de Miami - 2005; 18º Reencontro de Cinema Latino-americano de Toulouse - 2006; 9º Festival Internacional Cine Las Américas, Texas - 2006; Festival Internacional de Cinema de e Vídeo - FICA - 2005; Festival de Cinema de Belém do Pará - 2005; Festival Internacional de Cinema de e Vídeo Ambiental, Serra de Estrela, Portugal - 2005; Festival Internacional de Cinema Ambiental, República Tcheca - 2005; 1º Festival de Cinema Brasileiro de Goiânia - 2005, sempre como prêmio de melhor documentário.

Ainda hoje conversei com a Dª Estamira e transmiti a ela o quão importante para nós foi assistir a esse filme. Eu próprio recomendei ao Presidente Lula que o assista.

Quero aqui registrar as palavras de Contardo Calligaris, psicanalista e colunista da Folha de S.Paulo, nessa reportagem de Ana Carolina Moura, em que ressalta que o discurso de Estamira não é paranóico, pelo contrário, é lúcido; ela tem a consciência do jogo de palavras, do seu próprio nome. Estamira, esta mira, repete muitas vezes.

Em um dos momentos de maior lucidez ela questiona o destino do lixo. Quem economiza tem, enfatiza a senhora. Ela usa de neologismo para falar sobre os problemas da humanidade, afirma que é preciso suor, trabalho, mas não sacrifício. E chora muito e canta e é feliz.

Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Eduardo Suplicy, quero parabenizar V. Exª pela iniciativa de aconselhar o Presidente da República a assistir não só a esse filme, mas também a vários outros. Isso é fantástico. Só queria pedir a V. Exª que recomendasse ao Presidente o cuidado de não assistir novamente fita pirata, como naquele episódio num vôo internacional em que ele assistiu ao filme Dois Filhos de Francisco. Que a assessoria tenha um pouco de cautela para poupar o Presidente. Quanto à iniciativa de V. Exª, é louvável. Acho que o Presidente da República deve assistir a bons filmes. Faz bem a ele.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a sua sugestão e concordo, Senador Heráclito Fortes, que a assessoria deve recomendar, ainda mais com respeito a um filme tão extraordinário quanto a história dos filhos de Francisco, que haja o devido respeito aos seus diretores. Assisti a esse filme e o recomendo também aos Senadores e a todos os brasileiros.

Finalmente, Senadores Heráclito Fortes e Roberto Saturnino, outra preocupação minha aqui mencionada hoje se refere à situação da segurança. Queria transmitir a V. Exª, Senador Heráclito Fortes, do PFL, que estive em Araraquara no dia em que 1.443 detidos estavam lá, num pátio, numa situação tão terrível.

Estive lá com o Prefeito Edinho, a Procuradora Federal Heloísa Helena Santana, e conversei primeiro com o Diretor Roberto Medina, com os funcionários, agentes penitenciários, chefes de oficinas, expressei a minha preocupação e solidariedade diante das aflições de todos por causa dos atentados aos agentes penitenciários, mas também resolvi visitar os 1.443 presos, com os quais mantive um diálogo de cerca de duas horas. Já contei isso aqui. Mas, em especial, ao final do diálogo, quando perguntei a eles - embora o Diretor Roberto Medina tivesse me dito que não seria possível que eles participassem da construção/reforma do presídio que eles próprios tinham destruído, e reportei isso ao Governador Cláudio Lembo - se estariam dispostos a trabalhar na reforma do presídio se isso fosse proposto, sugerido, praticamente todos levantaram a mão. Pois bem, o Governador Cláudio Lembo, no meu diálogo com ele, disse que não era possível e até me sugeriu que apresentasse projeto de lei aqui para permitir que pudessem os presidiários colaborar na construção/reforma do presídio. Eu disse que iria fazê-lo. Encaminhei uma solicitação a nossa Assessoria Jurídica do Senado e recebi a resposta, Senador Heráclito, Sr. Presidente Roberto Saturnino, de que não é preciso novo projeto de lei porque a presente legislação de execução penal permite que eles trabalhem na reforma do presídio.

Assim, Sr. Presidente, vou encerrar o meu pronunciamento com a leitura desta nota técnica em resposta à minha solicitação de elaborar proposição legislativa para alterar a Lei de Execução Penal, a fim de permitir que reeducandos possam trabalhar na reconstrução e reforma de suas respectivas unidades prisionais.

Diz a nota técnica - vou pedir para transcrever na íntegra, porque lerei apenas alguns trechos - que a Lei 7.210, de 1984, que institui a Lei de Execução Penal trata, no Capítulo III, do trabalho do preso, o qual deverá ter finalidade educativa e produtiva (art. 28). Com efeito, o trabalho constitui importante instrumento para a ressocialização dos presos, devendo, em regra, ser remunerado.

Destaque-se que a Lei de Execução Penal determina a obrigatoriedade do trabalho interno, no caso de condenado à pena privativa de liberdade, atendidas suas aptidões e capacidades (art. 31, caput).

O SR. PRESIDENTE (Roberto Saturnino. Bloco/PT - RJ) - A Mesa apela para V. Exª concluir, Senador.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concluindo: em observância das finalidades já mencionadas, determina ainda que sejam consideradas a habilitação, a condição pessoal, as necessidades futuras do preso, oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho (art. 32).

Ao preso provisório, o trabalho é facultativo, devendo ser cumprido tão-somente no interior do estabelecimento penal.

Verificamos, portanto, que a Lei de Execução Penal, desde que observadas essa linhas gerais, não traz qualquer óbice para que o preso trabalhe na reconstrução, ampliação ou reforma do presídio onde se encontra internado.

A lei chega até mesmo a permitir àqueles que se encontrem cumprindo pena em regime fechado o trabalho externo em serviços e obras públicas, realizados por órgãos de Administração Direta ou Indireta. Poderão, ainda, trabalhar em entidades privadas, desde que sob vigilância e mediante sua concordância.

“Diante dessas considerações, entendemos dispensável a inclusão de dispositivo que permita, explicitamente, o trabalho de presos na reconstrução ou reforma de presídios. E mais: somente se harmonizaria com as demais disposições da Lei de Execução Penal se contivesse caráter meramente exemplificativo. Além disso, não nos parece conveniente realçar apenas essa espécie de trabalho do preso, em detrimento de tantas outras possíveis”.

E, aqui, a nota técnica desenvolve as razões.

Sr. Presidente, estou encaminhando um ofício ao Governador Cláudio Lembo e ao Secretário de Assuntos Penitenciários do Estado de São Paulo esclarecendo esse ponto, que solicito sejam transcritos.

Este é o ofício encaminhado ao Governador:

“Tendo em vista nossa reunião acerca das causas e soluções para o problema da violência no Estado de São Paulo, incluindo os acontecimentos em Araraquara, quando sugeri que os reeducandos daquela Penitenciária pudessem trabalhar na reconstrução de suas respectivas unidades prisionais, V. Exª instou-me a apresentar projeto de lei neste sentido”.

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“Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exª sugestão do Dr. Hélio Bicudo, Presidente da Fundação Interamericana de Direitos Humanos, no sentido de que V. Exª determine a realização de exames balísticos nos projéteis que me foram entregues em Araraquara, visando apurar quem são os responsáveis pelos ferimentos vislumbrados nos reeducandos”.

“Encaminho-lhe, ainda, cópia do pronunciamento que proferi no Plenário do Senado Federal acerca dos últimos fatos...” Sejam os fatos dos proferidos anteriormente, seja o do proferido hoje.

Muito obrigado pela atenção e tolerância, Senador Roberto Saturnino Braga.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

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            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente,Srªs. e Srs. Senadores:

O QUE FAZ UM SENADOR?

Em minhas andanças pelos quatro cantos do Estado de São Paulo, sempre alguém me pergunta sobre as atribuições de um senador. Procurarei responder a essa indagação de uma forma muito resumida.

A instituição política chamada Senado é muito antiga. O seu nome, em latim, Senatus, equivale a “conselho de anciãos”; ou seja, seria uma casa política ocupada por pessoas mais velhas. A nossa Constituição exige que, para alguém ser eleito para o Senado, deve ter, pelo menos, 35 anos de idade.

O Senado, no Brasil, existe desde a outorga, por D. Pedro I, da Constituição de 1824. Naquela época, o senador era vitalício e escolhido pelo Imperador, a partir de uma lista tríplice aprovada nas províncias. A idade mínima exigida para se tornar senador era, então, de 40 anos e o candidato deveria ter uma renda anual de, pelo menos, oitocentos mil réis! Um detalhe: os príncipes da Casa Imperial eram membros natos do Senado, a partir dos 25 anos de idade.

Nosso modelo atual de senado republicano foi, basicamente, copiado da Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, e adotado, inicialmente, na Constituição de 1891, a primeira depois da proclamação da República.

Em que consiste esse modelo? Os participantes da Convenção de Filadélfia, que seu reuniu entre maio e setembro de 1787 para elaborar a Constituição dos Estados Unidos da América, miraram-se nas experiências da Grécia e Roma, na Antiguidade, para construírem o senado moderno.

Da Grécia os norte-americanos aproveitaram a partilha de funções no processo legislativo. Em Atenas, onde se praticava a chamada democracia direta, o que equivaleria ao senado -- a boulé -- preparava as proposições que deveriam ser discutidas e adotadas pela assembléia do povo, a chamada ágora. Embora observassem a repartição de atribuições, os norte-americanos inverteram aquele procedimento, concebendo o senado como uma casa de revisão, no processo legislativo, das proposições aprovadas pela “casa dos representantes” (The House of Representatives) do povo - a Câmara dos Deputados -- o que seria, na democracia representativa, uma nova ágora. Nisso, pareciam copiar a Casa dos Lordes, do parlamento britânico, que faz a revisão das proposições aprovadas pela Câmara dos Comuns. Só que, como os senadores também tinham a iniciativa do processo legislativo, a Câmara dos Deputados exercia, também, a função de revisão das proposições aprovadas pelo Senado. Isso passou a ser um dos elementos fundamentais do mecanismo de “freios e contrapesos” que caracteriza as instituições políticas norte-americanas e que também repetimos no Brasil.

De Roma, os norte-americanos revigoraram a idéia de que o senado deve controlar as atividades do poder executivo, a justiça, as finanças públicas e a política externa. Na essência, o mote “controlar quem deve prestar contas” movia o Senado Romano, imprimindo-lhe a marca da Res publica, daí falar-se, até hoje, em Senado da República.

Vejamos, onde, hoje, encontramos a projeção dessas preocupações no cotidiano dos senadores brasileiros, de acordo com o que está na Constituição.

Os senadores devem controlar as atividades do poder executivo? Sim. São os senadores, por exemplo, que julgam o Presidente da República e seus Ministros nos crimes de responsabilidade, ou impeachment. Em alguns casos, eles compartilham essa tarefa de controle com a Câmara dos Deputados. Podemos ilustrar isso com as comissões parlamentares de inquérito, os pedidos de informações, as convocações de autoridades para prestação de esclarecimentos, a invalidação de decretos que exorbitem o poder de regulamentação previsto em leis. Os senadores apreciam, ainda, as indicações do Presidente da República, para várias entidades de regulação de atividades econômicas ou os membros do Conselho da República, órgão consultivo da Presidência. Quando examinam, confirmando ou derrubando, os vetos apostos pelo Presidente da República aos projetos de lei, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados controlam o poder executivo, o mesmo ocorrendo quando apreciam as medidas provisórias.

Os senadores controlam a justiça? Aqui a resposta também é afirmativa. Todos os cidadãos que são indicados pelo Presidente da República para compor o Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais superiores, excetuado o Tribunal Superior Eleitoral, só podem ser nomeados depois de sabatinados e aprovados pelo Senado. Igualmente, o chefe do Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, precisa passar pelo crivo de controle dos senadores. Ademais todas essas autoridades e o Advogado-Geral da União são processados e julgados, em casos de impeachment, pelo Senado Federal. Desde a Reforma do Poder Judiciário, aprovada em 2004, o Senado é responsável pelo exame e aprovação dos nomes que compõem o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Esses órgãos fiscalizam a eficácia do desempenho dos juízes e tribunais, zelando, ainda, pela observância de parâmetros éticos, no exercício das funções jurisdicionais.

Os senadores controlam as finanças públicas? Positivo. Aqui a competência dos senadores é bem expressiva. Eles dão a palavra final em relação às operações externas de natureza financeira, notadamente de crédito externo e também as de crédito interno da União, dos Estados , do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as garantias para honrar os empréstimos; definem os limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. São os senadores que examinam as indicações do Presidente da República para a diretoria do Banco Central, aprovando-as ou rejeitando-as. Além disso, em conjunto com a Câmara dos Deputados, o Senado Federal dispõe sobre as leis orçamentárias, definindo a destinação dos gastos da União, em função da arrecadação. Aqui, vale lembrar, que o Senado, pelo orçamento, controla ações do poder executivo e também do judiciário. Duas vezes ao ano, as autoridades monetárias prestam contas ao Congresso Nacional, aí incluído o Senado, sobre o estado das finanças públicas nacionais. De mais a mais, cabe ao Senado Federal avaliar, periodicamente, a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional. Nesse particular, é bom assinalar que as alíquotas de certos tributos estaduais não podem ultrapassar os limites fixados por resoluções do Senado Federal.

Os senadores controlam a política externa? Sim. Os chefes de missões diplomáticas brasileiras precisam ser aprovados pelo Senado Federal, antes de assumirem seus postos no exterior. Já os tratados, acordos e convenções internacionais, assinados pelo poder executivo, precisam obter a aprovação definitiva da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, para serem considerados incorporados ao ordenamento jurídico da União.

Ao observarmos o papel do Senado nas questões de finanças públicas, podemos perceber o quão importante ele é no dia-a-dia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Aqui emerge a sua função federativa, e por isso mesmo essa casa parlamentar é chamada Senado Federal. Quando os norte-americanos discutiam, na Filadélfia, em 1787, como seria a composição do senado, o debate foi bastante acirrado e, por uma votação bem apertada, decidiram que todo e qualquer Estado da Federação, independentemente de sua população, território ou pujança econômica teria a mesma representação: dois senadores, eleitos para um período de seis anos. Essa decisão foi muito importante para resguardar a integridade de um Estado nacional com dimensões continentais. Nos EUA há Estados que possuem dois senadores e apenas um deputado! Nós também observamos o critério de paridade, mas com três senadores, e essa decisão tem sido importante para preservar nossa unidade como país de enormes dimensões territoriais e diversidade cultural.

Podemos dizer que o Senado é importante sob três aspectos: proporciona maior reflexão sobre o processo legislativo, amadurecendo o debate de idéias voltadas à conversão em normas, iniciado na Câmara dos Deputados; exerce uma função de controle republicano da atividade política; e, finalmente, funciona como órgão de estabilização política das diversas regiões, praticando ações que fortalecem a estrutura de nosso Estado federativo, concatenado em três esferas de poder: uma delas soberana, a União, e outras duas autônomas, os Estados - Distrito Federal - e os Municípios.

Concluindo, devo dizer, com base nas informações aqui sucintamente expostas que, como Senador do Estado de São Paulo, é meu dever envidar todos os esforços, no âmbito das atribuições do Senado, para proporcionar as condições de desenvolvimento sócio-econômico e cultural para o nosso Estado e para os cidadãos que vivem em seus 645 Municípios. Mas nossos afazeres não terminam por aí. Como vimos, o Senado tem funções que dizem respeito à promoção do bem de todos os brasileiros, sem exceção. E o Estado de São Paulo, por ser o mais desenvolvido e por ser o maior centro de convergência de brasileiros de todos os rincões, não pode fugir às suas responsabilidades de tomar a dianteira nas tarefas de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza, a marginalização e a reduzir as desigualdades sociais e regionais. Nessa perspectiva, é que tenho apresentado proposições, visando o bem-estar dos paulistas e de todos os brasileiros, a exemplo do projeto que, aprovado pelo Congresso Nacional, se transformou na Lei nº 10.835, de 2004, que institui a renda básica de cidadania. Igualmente, o Projeto de Lei do Senado nº 605, de 1999, que trata das sociedades cooperativas.

Em síntese, podemos dizer que um senador é, ao mesmo tempo, um membro do Parlamento, daí ser lícito chamá-lo de parlamentar; é um representante de um Estado-membro da Federação junto aos Poderes da União, daí falar-se em Senado Federal, e, por último, é uma expressão da forma de governo republicano adotada pela Constituição, daí ser denominado “Senador da República”.

Como parlamentar é sua função participar do processo legislativo, considerando, como mandatário, os interesses de toda a população, e usar da palavra, na tribuna e fora dela, para emitir sua opinião sobre todas as questões de interesse nacional.

Como membro do Senado Federal deve zelar pelo desenvolvimento sócio-econômico e cultural de seu Estado, dos Municípios que o integram, buscando compatibilizar essa defesa com as legítimas manifestações dos outros senadores em favor dos seus respectivos Estados.

Como Senador da República, impõe-se-lhe fiscalizar os atos dos Poderes Executivo e Judiciário, do Ministério Público, das Forças Armadas e das Missões Diplomáticas, sem deixar de apontar os erros e desvios de conduta dos próprios parlamentares, no exercício dessa função.

Por tudo isso, é que, ao tomar posse, o senador promete, solenemente, guardar a Constituição Federal e as leis do País, desempenhar fiel e lealmente o mandato de Senador que o povo lhe conferiu e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

Não por acaso nossa bandeira estampa o mapa do Brasil. Afinal, nós, paulistas, temos por missão realizar aquilo que é o lema inscrito no brasão de nosso Estado: “Pelo Brasil, façam-se grandes coisas”!

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

Ofício nº 01279/2006, enviado ao Governador de São Paulo.”

“Pronunciamento do Senador Eduardo Suplicy. (12/07/2006)”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/08/2006 - Página 26228