Discurso durante a 129ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta do Presidente Lula de instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte para realizar a reforma política.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE.:
  • Considerações sobre a proposta do Presidente Lula de instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte para realizar a reforma política.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2006 - Página 26458
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONVOCAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, MOTIVO, PERIODO, ELEIÇÕES.
  • REGISTRO, DADOS, FALTA, CONFIANÇA, POVO, GOVERNO FEDERAL, COMENTARIO, DESNECESSIDADE, CONVOCAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, EXCLUSIVIDADE, REFORMA POLITICA, ATUALIDADE.
  • NECESSIDADE, IMPEDIMENTO, DESVIO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, EXPECTATIVA, APROPRIAÇÃO, PERIODO, CONVOCAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a um assunto sobre o qual falei na semana passada.

Considero inoportuna sob todos os aspectos a iniciativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em propor a instalação de uma miniconstituinte exclusiva para empreender a reforma política, quando o País está em pleno processo eleitoral, em pleno calor da disputa, o que inviabiliza o debate imparcial de um projeto desse porte.

Há diversos aspectos a destacar. O mais grave: a inusitada proposta decepa a crescente movimentação de setores organizados da sociedade civil, que já vinham discutindo a Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva, mas dentro de uma ampla dimensão, relacionada com a reforma geral das atuais leis que atrofiam o crescimento brasileiro e oferecem brechas para que proliferem os desvios e as irregularidades, os mesmos que inviabilizam as perspectivas de uma Nação livre das gritantes injustiças sociais que penalizam o nosso sofrido povo.

Não é por acaso que a proposta tenha despertado, imediatamente, reações no mundo político e jurídico, que a adjetivaram como “inconstitucional”, “golpista” ou “chavista”. O debate se tornou maniqueísta, simplificado, absolutamente centrado numa ótica legalista e burocrática e, mais uma vez, a Nação perde a chance de ir fundo nos seus problemas, de buscar soluções compatíveis com a extrema gravidade do momento em que vivemos.

O reducionismo que Lula impôs à proposta da Constituinte é, no todo, desalentador. Não se faz uma Assembléia Exclusiva apenas para debater uma reforma, no caso a política. Há questões da mesma urgência e importância como as reformas previdenciária, tributária, trabalhista. Direcionar toda uma complexa eleição de integrantes da sociedade para um propósito específico seria, sim, desperdício de tempo e de dinheiro.

O Presidente não entendeu que o conserto que as pessoas sérias deste País pregam é muito maior. Diz respeito à própria essência da vida nacional, infelizmente corroída pelo descrédito que alguns impuseram ao Parlamento e aos demais Poderes.

Conforme já citei aqui, recente pesquisa CNT/Sensus revelou a brutal perda de confiança da sociedade em suas principais instituições: 11,9% dos brasileiros confiariam na Justiça; 10,3% acreditam nos meios de comunicação; apenas 3,9% crêem no Governo Federal, enquanto que a credibilidade do Congresso Nacional se restringe a somente 0,4% dos consultados. É devastador!

Igualmente, também já destaquei aqui o propósito de uma reforma ampla e geral nas leis! É imprescindível dar um basta à desumana sangria no bolso do povo: esta montanha de impostos ultrajantes que empobrece quem quer trabalhar e produzir, ao mesmo tempo em que proporciona lucros desmedidos às instituições financeiras. Ressaltamos também os crescentes índices de violência e de desemprego, que não cessam de acrescentar ainda mais infelicidade à nossa sociedade.

Dessa forma, Sr. Presidente, remendos numa Constituição que sequer foi totalmente regulamentada em nada contribuiriam para oferecer alternativas realmente consistentes na construção do País com que de fato sonhamos. Foi nesse sentido que importantes entidades da sociedade civil iniciaram o debate sobre a Constituinte Exclusiva, cujo caráter seria totalmente legal, na medida em que se tornaria realidade apenas se aprovada por uma consulta pública, um plebiscito ou referendo popular. E mais: o debate sobre sua viabilidade só aconteceria com o Congresso Nacional renovado em 2007, e este poderia ou não aprová-la.

Pela proposta apresentada pelo jurista Ives Gandra da Silva Martins, reafirmada semana passada em entrevista à Agência Brasil, a idéia da composição seria de representantes da sociedade que não tivessem o propósito de seguir carreira política, sendo que o número de candidatos eleitos seria rigorosamente igual ao de Parlamentares que hoje representam seus Estados no Congresso Nacional.

No original, a proposta, feita por expoentes da sociedade civil, seguiria o figurino das experiências de outras nações que produziram constituições consistentes e duradouras, vencendo injustiças e edificando progresso. O caráter “exclusivo” dessa Constituinte, que funcionaria paralela ao Congresso Nacional, visaria tão-somente à sua independência e à vasta especialidade dos componentes! Só assim iríamos fundo nas questões a serem mudadas - e que muitos não querem que sejam mudadas!

Ao reduzir a Constituinte exclusiva à reforma política, o Presidente despertou a suspeita de que estaria articulando algo relacionado à sua própria manutenção no poder, mas, nesse aspecto, é preciso justiça: trata-se de evidente exagero - próprio desse eterno jogo entre Governo e Oposição, prática que tanto contribui para o nosso atraso... Entretanto, o Brasil é assim mesmo: a precária receptividade em importantes setores jurídicos à proposta de miniconstituinte do Presidente e os fortes adjetivos utilizados para caracterizá-la fizeram com que antigos defensores da autêntica Assembléia exclusiva recuassem.

Anteontem, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil rejeitou a proposta por meio de nota. O Presidente da entidade, Roberto Busato, afirmou: “Constituinte - plena ou parcial, exclusiva ou derivada - só se justifica quando há ruptura institucional”, o que não é o caso. Bom lembrar que, há exatamente um ano, Busato defendeu a convocação da Assembléia Constituinte, que funcionaria de forma paralela ao Congresso Nacional, observando então: “Experiências anteriores de Congresso-Constituinte têm se mostrado nefastas ao País, pois não fundam uma nova ordem: apenas remendam a anterior, frustrando o sentimento de mudança e renovação”.

Srªs e Srs. Senadores, reafirmando a coerência - da qual não pretendo nunca abrir mão!! -, quero finalizar, dizendo que o Brasil necessita, sim, passar por uma mudança ampla e profunda, de fato, por uma “refundação” como, antes, disse o próprio Presidente da OAB.

Nosso problema central é o atual método de exercício da política, que tem sido inconveniente aos propósitos maiores a Nação. Em nome da próxima disputa, da próxima vitória, perpetuam-se práticas que impedem os verdadeiros avanços:

- corporações não abrem mão dos privilégios de seus associados;

- setores da economia que lucram, não repartem o fruto por meio de investimentos na produção;

- a forte burocracia, encastelada nas estruturas de poder, resguarda a ferro e fogo suas benesses - fonte das gritantes irregularidades que escandalizam o País;

- e os partidos não querem ceder, um só milímetro, da fatia de domínio conquistada.

E, até que saia às ruas, a voz do povo e de suas organizações não chega a incomodar os ouvidos dos que podem modificar o curso dos acontecimentos.

Há muita gente a clamar por justiça e direitos: direito dado por lei, mas negado na prática, no cotidiano das multidões que clamam pelo emprego, no dia-a-dia das crianças que esperam pelo leite e na dor das mães de família que choram a perda dos filhos, no esplendor da violência transformada em guerra urbana.

Enquanto as instituições não forem ordenadas, de forma que impeçam a sangria dos recursos públicos, derramados pelo mesmo ralo onde jorram mensalões e sanguessugas, o País continuará assim: em sede permanente de justiça e de verdade.

Uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, a partir de 2007, eleita democraticamente pelo voto popular, longe das paixões ideológicas, fundamentada apenas no ideal de servir à Nação, seria, sim, o primeiro passo para grandes transformações, capazes de moldar um País progressista, avançado, calcado na ética e que, de fato, faça valer o amor ao próximo.

Se a proposta se torna impraticável agora, veremos o melhor momento de retomá-la, porque jamais desistiremos deste sonho chamado Brasil!!!

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2006 - Página 26458