Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre editorial do jornal Folha de S.Paulo, intitulado "Operação Dominó". Análise sobre a importância do Congresso Nacional concluir a votação de inúmeros itens da reforma política, alguns dos quais foram objeto de votações já pelo Senado Federal.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE RONDONIA (RO), GOVERNO ESTADUAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLAÇÃO PENAL. REFORMA POLITICA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), AMBULANCIA.:
  • Considerações sobre editorial do jornal Folha de S.Paulo, intitulado "Operação Dominó". Análise sobre a importância do Congresso Nacional concluir a votação de inúmeros itens da reforma política, alguns dos quais foram objeto de votações já pelo Senado Federal.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Serys Slhessarenko, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2006 - Página 26594
Assunto
Outros > ESTADO DE RONDONIA (RO), GOVERNO ESTADUAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. LEGISLAÇÃO PENAL. REFORMA POLITICA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), AMBULANCIA.
Indexação
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, PRISÃO, PRESIDENTE, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, PROCURADOR DE JUSTIÇA, CHEFE DE GABINETE, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), MOTIVO, DESVIO, VERBA, FUNDOS PUBLICOS, ELOGIO, QUALIFICAÇÃO, REESTRUTURAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, POLICIA FEDERAL, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, RESOLUÇÃO, CRIME, REGISTRO, DADOS, RESUMO, ATIVIDADE POLICIAL, PRISÃO, CRIMINOSO, ACUSAÇÃO, FORMAÇÃO, QUADRILHA, LAVAGEM DE DINHEIRO, CONTRABANDO, SONEGAÇÃO FISCAL, TRAFICO, PESSOAS, PROSTITUIÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU), REALIZAÇÃO, AUDITORIA, PREFEITURA, OBJETIVO, COMBATE, CORRUPÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, DESCOBERTA, FRAUDE, LICITAÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, ELIMINAÇÃO, IMPUNIDADE, CRIME DO COLARINHO BRANCO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, REFORÇO, AGILIZAÇÃO, JULGAMENTO, CONDENAÇÃO, CUMPRIMENTO, PENA DE RECLUSÃO, ACUSADO, ESPECIFICAÇÃO, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • COMENTARIO, PROJETO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MEMBROS, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), VIABILIDADE, INSTALAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, APROVAÇÃO, REFORMA POLITICA, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, INSTRUMENTO, FACILITAÇÃO, CORRUPÇÃO, REGISTRO, SENADO, PROPOSIÇÃO, ESTABELECIMENTO, DISCIPLINA, POLITICA PARTIDARIA, AUTONOMIA, ELEITOR, VOTO, LEGENDA, PARTIDO POLITICO.
  • REGISTRO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, AMBULANCIA, APREENSÃO, CUMPRIMENTO, PUNIÇÃO, ACUSADO.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Senadora Heloísa Helena, que preside esta sessão, demais Senadores que estão ainda neste plenário, em meio a tantas matérias que temos a obrigação de ler diariamente para acompanhar as análises e o desenrolar da cobertura da imprensa brasileira, tive a oportunidade de ler um dos editoriais da Folha de S.Paulo, editorial intitulado “Operação Dominó”. Partindo desse editorial que tanto me chamou a atenção, quero fazer algumas reflexões e também apresentar algumas propostas.

O título “Operação Dominó” refere-se, obviamente, ao episódio lamentável, mas extremamente emblemático, ocorrido no Estado de Rondônia, onde houve, nada mais nada menos, a prisão de pessoas responsáveis por quase todos os Poderes. Foi preso o Presidente da Assembléia Legislativa; o Presidente do Tribunal de Justiça - o Vice não pôde assumir, porque também estava envolvido, também havia sido indiciado -; o Procurador de Justiça do Estado; o Chefe de Gabinete do Governador, que era Vice - já foi trocado - na chapa à reeleição do Governador Ivo Cassol. Além disso, dos 24 Deputados Estaduais que compõem a Assembléia Legislativa, há fortes indícios de envolvimento de 23.

As matérias dos últimos dias vêm mostrando o afunilamento das investigações, que, aparentemente, vão chegar ao Governador - pelo menos há alguma probabilidade de que isso aconteça.

A ementa do editorial “Operação Dominó” diz o seguinte: “Prisões na cúpula do Estado de Rondônia são evidências de penetração talvez sem precedentes do crime no poder público”. Há também uma frase que me chamou muito a atenção e que trago à reflexão de todos: ‘Duas décadas atrás, seria impensável uma situação em que altos dignitários de um Estado fossem investigados e encarcerados. E não porque as autoridades de então não se metessem em esquemas de desvio de dinheiro público”.

Senador Eduardo Suplicy, detive-me muito atentamente nessa frase e a trouxe aqui, porque acho que ela diz muito. A população que assiste às ações e às prisões que vêm ocorrendo com muita freqüência recentemente deve estar efetivamente estupefata, assombrada com o grau de corrupção que permeia a máquina pública, como qualquer um de nós está. No entanto, como o próprio editorial diz, há duas décadas essas prisões seriam impensáveis. Realmente, seria impensável há algum tempo vermos serem presos e algemados os Presidentes da Assembléia Legislativa, do Tribunal de Justiça, representantes de praticamente todos os Poderes.

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Isso jamais havia ocorrido na história do Brasil.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Está aqui a Senadora Serys Slhessarenko corroborando o que estou dizendo. Eu nem queria usar a expressão “nunca antes”, porque isso sempre deixa algumas...

A Srª Serys Slhessarenko (Bloco/PT - MT) - Eu sou professora nessa área e sei que nunca houve isso.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - A Senadora Serys Slhessarenko é professora e disse que nunca houve isso. Vou utilizar a palavra da Senadora.

De qualquer forma, essa é uma situação que merece reflexão, já que o próprio editorial e todos nós sabemos que prisões assim não ocorriam, mas não era por falta de envolvimento de autoridades de alto calibre, não era pelo fato de, nos diversos Poderes, não haver autoridades envolvidas com o crime durante muito tempo. Por que isso está acontecendo? O País está assistindo, neste momento, a prisões que realmente têm como objetivo central prender quem quer que esteja comprovadamente envolvido com o crime.

Já tive oportunidade de dizer outras vezes que o mais importante nesse processo todo que estamos vivenciando é podermos modificar as estruturas. Não tenho nenhuma dúvida de que podemos diminuir e combater a corrupção, mas eliminá-la é impensável. Não consigo imaginar que possamos eliminar de vez a corrupção, mas estabelecer estruturas aparelhadas, organizadas, capacitadas para combater a corrupção é o que há de mais importante a ser feito.

O próprio editorial, um pouquinho mais à frente, diz: “(...) algumas instituições, notadamente a Polícia Federal e o Ministério Público, seja em âmbito nacional, seja nos Estados, estão agindo com maior eficiência e independência”. Aqui, está o retrato do que, várias vezes, tive oportunidade de dizer da tribuna: o aprimoramento, a capacitação e a reestruturação das instituições que têm como tarefa combater a corrupção.

Não posso deixar de fazer o registro das ações da Polícia Federal. Já tive oportunidade de fazê-lo outras vezes, mas insisto em dizer que essas ações são realmente louváveis. Deveríamos semanalmente nos reportar, com elogios, ao trabalho que a Polícia Federal vem desenvolvendo no último período. São operações e operações com a utilização de mecanismos e de estruturas de inteligência, até mesmo deslocando policiais de uma unidade da Federação para a outra, porque, vira e mexe, aparece policial federal envolvido em crime.

Aliás, há duas ou três semanas, houve uma operação no Rio de Janeiro em que se verificou que a maior parte dos presos era composta de membros da Polícia Federal. Fazer esse saneamento, cortar na própria carne só é possível com uma reestruturação extremamente bem feita, utilizando-se de todas as artimanhas e de todos os mecanismos necessários para que a operação seja sigilosa e bem-sucedida, para que não haja contaminação, para que não haja vazamento, para que não sejam envolvidos os diretamente interessados no que está sendo investigado.

Eu não tenho o resumo das operações de 2006. Mas tenho um material que acessei no site da própria Polícia Federal. É impressionante! O resumo das operações da Polícia Federal nos anos de 2003 e de 2004 traz quantos foram presos, qual era o objetivo da operação, qual era a quadrilha, desde quando atuava. É muito elucidativo. É um material que até recomendo a quem tiver a oportunidade de acessar o site: www.dpf.gov.br/dcs/resumo e saber dessas centenas de operações.

Tenho aqui o resumo de 2003, 2004 e 2005 e peço que seja incluído nos Anais desta sessão. Dá até para ver a evolução: em 2003, não chegou a duas dezenas; em 2004, já ultrapassou a casa das cinco dezenas; em 2005, já é bem mais e, em 2006, mais ainda, embora eu não tenha aqui o resumo, infelizmente.

Escuto com muito prazer o Senador Sibá.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Ideli, eu também li o editorial da Folha de S.Paulo. Eu o achei interessante. Por incrível que pareça, eu iria fazer alguns comentários sobre ele, mas já que V. Exª puxou o assunto, vou fazê-lo em aparte. Eu presidi aquela comissão externa que tratou do caso de Rondônia. Quando estivemos por lá, todo o nosso trabalho se centrou no que dizia respeito à Assembléia Legislativa. Nós encontramos uma situação tão ambígua, tão diferente das demais que não tinha, digamos assim, um receituário jurídico para dirimir aquele problema porque em relação a 23 dos 24 Deputados havia provas cabais de envolvimento naquelas denúncias todas. A única coisa que nos sobrou - para o Senador Demóstenes Torres, que era o Relator, e eu mesmo - foi apresentar para o Tribunal de Justiça de Rondônia o seguinte encaminhamento: que o único Deputado que não estava citado faria uma representação contra seus 23 colegas. Com essa representação, o Tribunal de Justiça deveria suspender o mandato dos 23 Deputados para que os suplentes assumissem. Somente depois disso, poder-se-ia cassar, trocar o Presidente e assim por diante. Só que fizemos toda essa parte e, em seguida, o Tribunal nem sequer nos deu um sinal de que tomaria qualquer providência. Eu saí dali, o Senador Demóstenes Torres também e, nas conversas com o Superintendente da Polícia Federal, parecia que havia no ar uma desconfiança com relação a pessoas do Tribunal de Justiça. Nós não podíamos tratar daquilo; não tínhamos tempo para aquilo, nosso foco era outro. Mas saímos dali com uma forte desconfiança. Nossa desconfiança não chegava ao Presidente, mas chegava, no máximo, ao Corregedor. A Polícia Federal já fazia uma investigação sem que soubéssemos - e V. Exª cita muito bem que a Polícia Federal está trabalhando com rigor de sigilo e que ninguém toma conhecimento prévio do que está acontecendo para evitar que vaze informação -, e quase um ano depois está aí a prisão do Presidente do Tribunal de Justiça. A prisão do Presidente da Assembléia todos já esperávamos, mas a dele, não! O atual candidato a vice - que, me parece, já renunciou à candidatura - era chefe do Gabinete Civil. Ali tínhamos situações que envolviam o Poder Executivo, o Poder Legislativo e, agora, para nossa surpresa, o Poder Judiciário. Então, é uma situação atípica aquela de Rondônia. Merece uma ajuda de todos aquele povo tão lutador, tão bravamente lutador, o povo de Rondônia. Mas no editorial da Folha de S.Paulo e no pronunciamento de V. Exª, o supra-sumo do que se está dizendo é que a Polícia Federal merece um voto de aplauso de todos nós porque tem trabalhado sem olhar a procedência, sem olhar a identidade da pessoa, sem olhar absolutamente nada. Tem investigado todos os casos e todos os envolvidos. Imputa responsabilidades, faz prisões e tudo o mais já ocorrido. Portanto, resta-me fazer este voto de aplauso à Polícia Federal e parabenizar V. Exª pelo pronunciamento desta tarde.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Siba.

A Polícia Federal obviamente sempre foi uma Polícia que prestou grandes serviços à Nação brasileira, mas é inegável a modificação significativa do resultado do trabalho.

O resumo das ações de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 mostram diferenças significativas. Era a mesma Polícia, mas muito diferente, o que nos dá a clareza de que há uma decisão política, há uma determinação, há uma, digamos, ordem de Governo para que a atuação seja nesses termos, nesses parâmetros, com uma eficiência republicana, doa a quem doer, até as últimas conseqüências, de forma competente, responsável, profissional. Os números estão aqui. Em 2001 e 2002 foram realizadas 20 operações com a prisão de 54 pessoas, numa média de 27 prisões resultantes dessas operações especiais da Polícia Federal. Nos anos de 2003, 2004 e 2005, a Polícia Federal realizou 183 operações com 2.961 prisões, uma média, portanto, de 987 presos por ano. A média foi, nada mais nada menos, de 27 para 987 presos por ano. Aqui ainda não estão contabilizadas as numerosas ações de 2006. Estamos acompanhando todo dia. Nessas operações, houve desmonte de quadrilhas de lavagem de dinheiro, de contrabando, de sonegação.

Boa parte dessas operações foi vinculada, houve tráfico de pessoas, prostituição, mas houve, na área específica de combate à corrupção, nos anos de 2003, 2004 e 2005, 1.300 pessoas presas, entre elas 515 servidores públicos; da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal foram 130 agentes. Essa é uma demonstração inequívoca de que, se tiver que prender membro da própria corporação, ele será preso, seja quem for.

Outra mudança significativa, em termos de reestruturação do combate permanente à corrupção, ocorre na Controladoria-Geral da União, que foi profundamente modificada do Governo passado para este. Ela tem outro papel, tem outra estrutura, teve incorporação de volume significativo de servidores especializados em auditagem, em pesquisa e análise de contas e denúncias. O que houve de inovador foi o sorteio - o tão temido sorteio que se faz todo mês - entre prefeituras que vão sofrer a tal auditoria pente fino. Foi exatamente em decorrência desse sorteio que apareceu o escândalo das sanguessugas. Foi daí que apareceu esse escândalo; ele não veio de outro lugar. Ali se descobriu que havia incidência, reincidência, evidência de fraude nas licitações. A Controladoria alertou a Polícia Federal. Foram feitas escutas. O Ministério Público também participou. Ainda estamos obtendo resultados. Na sessão de hoje, o Deputado Fontana apresentou um documento que é fruto desses sorteios. Ou seja, trata-se de mais um ofício de uma empresa, uma espécie de uma circular de uma empresa oferecendo serviços na área das famosas ambulâncias, uma empresa que não é nenhuma daquelas que apareceu nas investigações até agora.

No ofício dessa empresa aos prefeitos, oferecendo préstimos e serviços, é dado como referência nada mais nada menos do que o gabinete de um deputado aqui na Câmara.

Então, não vai parar. O sorteio da Controladoria-Geral da União continua produzindo bastante trabalho para a CPI poder aprofundar.

O último parágrafo trecho do Editorial da Folha de S.Paulo fala da necessidade - eu gostaria de dispor de mais tempo para falar sobre isso - de acabar com a impunidade do crime do colarinho branco e diz que intocáveis de ontem hoje são objeto de investigação e há possibilidade de alguns serem detidos. Nós não conseguimos equacionar o julgamento, a condenação e, o mais importante, que cumpram a pena.

Sobre a questão do julgamento, da condenação e do cumprimento da pena, é que eu gostaria de me deter na parte final do meu discurso, porque gostaria de chamar a atenção para duas situações. A primeira delas é a de que as pessoas podem se enganar no sentido de que as condutas ilícitas, em prejuízo do poder público e, por conseqüência, da população em geral, são apanágio desse ou daquele governo, atributo dessa ou daquela agremiação partidária.

Em verdade, o que se percebe é a disseminação em larga escala de comportamentos típicos, censuráveis e que têm por resultado a lesão à coisa pública e aos interesses da grande maioria da população.

Sob os tradicionais epítetos, chavões daquele tipo “dar um jeitinho”, “por fora”, “lei de Gérson”, “sem nota”, “rouba mas faz”, dá para listarmos uma série de pequenas frases e expressões que amplos segmentos sociais dão mostra de aceitar com naturalidade uma cultura de desprezo a fundamentos republicanos.

A ausência de ética na política ou, melhor dizendo, da política é mero desdobramento ou reflexo de posturas censuráveis que se identificam no seio da própria sociedade. A ética não é problema de parlamentar, de presidente, de governador e de prefeito, nem de desembargador, nem ministro do Judiciário; é um problema que está colocado, infiltrado, implantado na cultura e no seio da própria sociedade brasileira. É muito importante sempre registrarmos isso.

A tendência de qualquer um, especialmente de agentes públicos que buscam pautar-se de forma ilibada, é desanimar. Muita gente muitas vezes desanima. Sou daquelas que se recusa a baixar armas. Essa é uma cruzada, um trabalho, uma tarefa muito importante no que diz respeito aos que ousam acreditar - e são muitos - a despeito da canção do Skank, que diz num certo trecho que nossa indignação não é uma mosca sem asas que não ultrapassa a janela de nossas casas”. Apesar, muitas vezes, do aprisionamento da indignação das pessoas, é preciso ter coragem de dizer onde está o famoso “xis” da questão. Em primeiro lugar, urge que se avance em reformas institucionais, que suplantem de vez um sistema político que se alimenta de favores, numa via de mão dupla, tornada famosa em tristes trechos da oração de São Francisco de Assis.

Porque não há vontade política, muitas vezes nós não avançamos. Por exemplo, por que não se vota de uma vez a substituição de um modelo de financiamento de campanha, lastreado em contribuições empresariais, e que já foi aprovado pelo Senado da República? Por que isso não avança?

Democracia se faz com cidadãos, e não com “a força da grana, que ergue e destrói coisas belas”, como já disse o Caetano. Igualmente está passando da hora de lançar a pá de cal no sistema eleitoral proporcional de lista aberta, que faz do eleito em pleitos não majoritários o dono do seu mandato, devendo satisfação por seus atos apenas àqueles que financiaram a sua campanha. A manifestação mais cristalina desse problema é a prevalência do individualismo parlamentar na tarefa de elaboração do Orçamento. Aqui também é preciso dizer que o Senado Federal, inspirado em sugestão do Senador Roberto Requião, à época, já aprovou um novo modelo, mediante aproveitamento da legislação belga que, de forma bastante adequada, combinada a disciplina partidária com a autonomia do eleitor na escolha do seu representante. Não se compreendem as razões da omissão, ao longo de toda esta legislatura, para que se apreciasse essa proposição do Senado Federal. Quanto às urgentes reformas - regimentais e legais - na forma de elaboração das normas orçamentárias, lamentavelmente essa é uma ferida aberta, supurada, não se visualizando no horizonte perspectivas de mudança a curto prazo.

Em segundo lugar, é preciso encarar de frente o problema da impunidade. E, aí, é que vem - eu acho - a questão mais delicada que eu quero tratar, aqui, no final do meu discurso. São notórios os avanços obtidos, nos últimos tempos, pelos órgãos de investigação policial, notadamente na apuração de infrações penais em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas, empresas públicas, e, também, a nível de Governo, a nível das prefeituras. O Ministério Público tem cumprido as suas funções institucionais de promoção da ação penal pública, às vezes até com alguma precipitação e outras com algum exagero, mas nada que não possa ser corrigido pela correta prestação jurisdicional e observância das garantias fundamentais de ampla defesa do contraditório ou do devido processo legal.

Mas é preciso enfatizar que esses delitos contra a Administração Pública são, via de regra, punidos com penas mais elevadas, sujeitando-se os condenados, inicialmente, ao regime fechado de restrição de liberdade por ocasião do cumprimento da pena. E não poderia ser diferente porque atentar, cometer crime contra o interesse público, o dinheiro público, a Administração Pública é, no meu ponto de vista, um dos crimes mais absurdos que, efetivamente, precisa ser punido com muito rigor porque é o crime que se comete contra o interesse de todos, contra o interesse da maioria em prejuízo do atendimento das reivindicações da maioria da população. O dinheiro desviado na Administração Pública prejudica o interesse da maioria, porque o Estado tem como objetivo central - e não pode ser diferente - atender às necessidades fundamentais, prioritárias da população e, principalmente, da população que mais necessita das ações do Estado. Portanto, este tipo de crime contra dinheiro público, Administração Pública, não pode deixar de ter penas elevadas, regime fechado de restrição de liberdade na hora de cumprimento da pena.

Por conta exatamente de ter penas elevadas o nosso Código de Processo Penal estabelece que, nesses casos, o processo e julgamento devam seguir um rito ordinário, moroso, com múltiplos recursos, levando, na maioria das vezes, à ocorrência da chamada prescrição da pretensão punitiva intercorrente. Isto é, a prescrição antes de transitar em julgado a sentença.

Portanto, é correto ter a pena rígida, a pena elevada, a restrição de liberdade, mas exatamente por ter esse tipo de pena o crime contra a Administração Pública, contra do dinheiro público, é o processo dos mais longos que existem - e pasmem! - leva tanto tempo que, na maioria das vezes, há prescrição. E, portanto, aquilo que deveria ser a punição exemplar, a punição para evitar que outros tenham a tentação permanente de ficar cometendo crimes contra o dinheiro público, contra a Administração Pública, acaba sendo um salvo-conduto.

Por isso, que eu tenho o entendimento de que somente a adoção de uma legislação especial que considere para efeito de procedimento a ser observado no que diz respeito à celeridade da prestação jurisdicional, não a gravidade da pena, mas a proeminência do interesse público, pode mudar esse estado de coisas e reverter o grau de impunidade a que assistimos em episódios dessa natureza, trazidos ao conhecimento público, desde sempre, ad nauseam.

           Uma solução que se poderia pensar é a de redução das penas para esses crimes, o que, em conseqüência, implicaria um rito mais sumário. Eu, sinceramente, acho que essa não é a solução mais adequada. Pelo contrário. Para andar mais rápido, diminuem-se as penas? Resolve-se o problema da premiação de não ser condenado porque leva tanto tempo o rito por apenas uma pena mais leve. Entendo, nessa seara, que as finalidades retributiva e preventiva da pena se realcem, como função pedagógica para todos.

           Talvez fosse o caso de se pensar, por exemplo, na ampliação do princípio da oralidade, já contemplado na Lei nº 9.099, de 1995, o que imprimiria maior dinamismo aos feitos. O sistema judiciário brasileiro tem muito pouco de aplicação do princípio da oralidade e se baseia naqueles processos morosos: pilhas e pilhas e pilhas de papéis, recursos, documentos que são anexados permanentemente e fazem com que o processo todo demore até o ponto de prescrever. Portanto, creio que o princípio da oralidade, que a Lei nº 9.099, de 1995, contemplou em alguns casos especiais, talvez possa ser adotado nos crimes contra recursos públicos e contra a administração pública.

Entendo que as comissões - tivemos já alguns debates e até a aprovação de algumas matérias -, principalmente as Comissões de Justiça da Câmara e do Senado, talvez devessem se debruçar sobre matérias relativas ao Direito Processual e Penal, para levar a efeito um amplo exame dessa questão, com auxílio de estudiosos da temática das nossas academias de Direito, das escolas de magistratura do Ministério Público, do Ministério da Justiça, sem prejuízo de contribuições de organizações não-governamentais que se dedicam ao problema.

Eu gostaria de saber se o Senador Suplicy está solicitando um aparte, para eu poder, depois, fazer o encerramento.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezada Senadora Ideli Salvatti, V. Exª mencionou em sua análise a importância de o Congresso Nacional concluir a votação de inúmeros itens da reforma política, alguns dos quais foram objeto de votações já pelo Senado Federal, inclusive o financiamento público de campanha e a fidelidade partidária. E V. Exª mencionou a votação em lista, levando em conta uma proposta baseada no sistema belga, que aqui foi de iniciativa do Senador Roberto Requião, e outros itens. Andei pensando, Senadora Ideli Salvatti, a respeito da reflexão que fez o Presidente Lula ainda há poucos dias sobre a reforma política, inclusive em diálogo com membros da OAB. Seria interessante que, sobretudo nesta campanha presidencial, na medida em que ele e até os demais candidatos a Presidente, como a própria Senadora Heloísa Helena, são favoráveis a itens tais como o financiamento público de campanha, à questão relativa à fidelidade partidária e diversos outros itens, conclamassem a opinião pública a influenciar os Deputados Federais e Senadores a concluírem a votação da reforma política. Se assim o fizessem, tenho a intuição de que, muito provavelmente, ainda no período de outubro a dezembro, portanto, nesta legislatura, poderíamos realizar um esforço para concluir a votação dessa reforma tão almejada, que viria corrigir uma série de problemas que temos percebido no comportamento do Congresso Nacional, sobretudo, nesta legislatura, que vem sendo objeto de uma avaliação crítica profunda por parte de tantas pessoas. Hoje será a vez do Presidente Lula ser entrevistado por Fátima Bernardes e William Bonner, no Jornal Nacional. Tenho a convicção de que esse assunto naturalmente virá à baila. Quem sabe possa o Presidente da República reforçar a defesa dos itens de reforma política que considera os mais importantes, pois acredito que a sua palavra interagindo com a dos demais candidatos a Presidente pode estimular o Congresso Nacional a completar, brevemente, a votação que V. Exª mesmo está cobrando de nós mesmos.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Suplicy. Quando da conversa do Presidente com os juristas, em que estiveram vários ex-presidentes da OAB e da qual saiu a questão da reforma política tão necessária, ocasião em que se aventou a hipótese da instalação de uma constituinte exclusiva para tratar da reforma política, acabou saindo essa determinação mesmo, que é um clamor. Aquela reunião acabou verbalizando, tornando explícito um clamor que é de todos.

Seja exclusiva, seja o Congresso, seja este, seja o próximo, a reforma política é algo absolutamente emergencial. Tem de ser feita, para que possamos eliminar os focos e as formas que facilitam, que permitem que tenhamos situações como a de Rondônia, porque sabemos que a prisão naquele Estado de praticamente todos os responsáveis pelos Poderes não é uma situação isolada.

Temos, com certeza, ao longo da história, em outros espaços e em outros tempos, situações muito semelhantes a essa. Aí se prende; mas se não for eliminada a estrutura que permite que aquilo aconteça... E só vamos poder fazer isso efetuando a reforma política. Acho que isso é o fundamental do que saiu do debate da semana passada. É tarefa de todos nós encontrar a forma, o meio de fazê-lo o mais rapidamente possível.

Há também essa outra discussão, Senador Eduardo Suplicy, que estou trazendo junto com a da reforma política, que é a da impunidade. Se não mexermos no processo judicial para que seja rapidamente processado, julgado e punido quem tem responsabilidade em desviar dinheiro público, quem tem responsabilidade comprovada em ter cometido crime contra a Administração Pública, não haverá perspectiva - pelo menos, não consigo ver - de mudança substancial no quadro político-administrativo do Brasil.

Por isso que, nessa gravíssima questão da celeridade da prestação jurisdicional, de forma muito especial nos processos envolvendo crimes contra a Administração Pública, é sempre bom recordar que a própria Reforma do Judiciário, aprovada pelo Congresso Nacional em 2004 - que foi um trabalho também desta Legislatura do Senado da República -, consagrou como direito fundamental o princípio da razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Portanto, quando aprovamos a Reforma do Judiciário, já apontamos que deveríamos dar continuidade para que a duração do processo fosse razoável e garantisse a celeridade da tramitação.

Quem não deve não teme. Os acusados de crime contra a Administração Pública deveriam ter - se não têm, deveriam - assegurado o processo de tramitação célere, até mesmo para que possam exibir para a sociedade o atestado definitivo de sua inocência e não serem, reiteradas vezes, como acontece sempre que chega a campanha eleitoral, ressuscitados todos os processos, “porque já foi processado por isso, foi processado por aquilo”. Aí vem a resposta: “Mas ainda não está transitado, ainda não está julgado”. É do interesse do bom administrador, do homem público, da pessoa pública que sofre uma acusação e não tem culpa que também saia rápido o processo.

Concedo um aparte ao Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Apenas sobre a reforma política, Senadora. Ouvi aqui um debate muito forte em razão de o Presidente Lula ter falado da necessidade de se fazer uma Constituinte com fins específicos para a reforma política. Não quero aqui discutir as razões de o Presidente ter dito isso ou não. O que me leva a aparteá-la é o fato de saber em que contexto vamos fazer essa reforma, porque, com certeza, isso vai modificar substancialmente a forma de eleger o Congresso que temos hoje. E aí a primeira pergunta que se faz: o Congresso de hoje votaria essas medidas? Porque temos uma série de problemas que, no meu entendimento, não passam com tranqüilidade. A segunda: estariam os Presidentes das duas Casas, então, juntando todas as matérias que tramitam para fazer - digamos - uma apreciação coletiva, seja ela de matéria constitucional ou infraconstitucional? Como faríamos? Considero um avanço a tal da mini-reforma; já foi um grande passo. Mas há muito o que se debater, como a fidelidade partidária; a história do financiamento das campanhas eleitorais, que é o motivo da mini-reforma; o problema da cláusula de barreira e tantas outras questões que estão para ser analisadas pelo Congresso Nacional. E como resolvê-las? Tenho medo de que, se formos analisar uma por uma, estudar caso a caso, não cheguemos muito longe. Não sei se devemos adotar a idéia de uma assembléia constituinte específica, mas também devo dizer que não acredito que poderemos votar todas as matérias que estão nas duas Casas em tempo hábil, de acordo com os anseios de todos nós, que estamos preocupados com a questão. A reforma é interessante, mas é preciso haver um acordo sobre procedimento, sobre como ela deve ser votada. Rogo aos Presidentes Renan Calheiros e Aldo Rebelo que digam quais são as matérias ou que façam um acordo de líderes a fim de que, em certo prazo, possamos apreciar todas em caráter de emergência, para que o Brasil inteiro possa, no início do ano, ter uma nova matriz, saber como serão, a partir de então, os novos pleitos eleitorais. Esse ponto carece de melhor esclarecimento.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço a V. Exª, Senador Sibá Machado.

Para colaborar com suas palavras, antes de encerrar meu discurso, quero dizer que, se fosse fácil e simples votar a reforma política, o atual Congresso ou os que antecederam o atual já o teriam feito, até porque, aqui no Senado, nós a votamos, se não me falha a memória, em 2003 - talvez até antes. Ou melhor, em 2003, votamos a reforma tributária. A reforma política foi votada na legislatura anterior. Portanto, imaginar que sem haver algo que pressione, que insista, que dê um jeito de fazer com que a reforma política aconteça... Por isso, penso que a idéia da exclusiva não deve ser descartada, apesar da grande reação a ela. É uma hipótese. E tive a oportunidade de fazer um registro do Fábio Konder Comparato, que tem um posicionamento favorável. Trata-se de um debate interessante para continuarmos. E, enquanto isso, a tramitação dos processos judiciais com relação a crimes contra dinheiro público, contra Administração Pública, volto a dizer, entendo que isso é tão relevante quanto a reforma política.

Por isso estou trazendo o assunto nesta quinta-feira, num dia em que tivemos a apresentação do relatório parcial, com alguma celeuma, da CPI dos Sanguessugas, das ambulâncias, não sei direito como está sendo denominada. Mas, quando se apresenta aquele resultado, a primeira pergunta que todos os mortais fazem é: depois de comprovada a culpa efetiva, qual vai ser a punição, como vai ser a punição? E, portanto, ter uma celeridade nos processos judiciais para que eles não se arrastem a ponto de prescreverem, o que acontece na grande maioria dos casos, infelizmente, quando se trata de crimes contra a Administração Pública, dinheiro público, infelizmente é muito comum prescrever. Por isso entendemos que as brechas da legislação não podem continuar servindo para aquilo que se chama, no jargão judicial, das famosas chicanas, por aqueles que devem pagar pelas coisas erradas que fizeram, especialmente em detrimento do interesse público.

Era isso o que tinha a dizer, Srª Presidente.

Solicito que o meu pronunciamento seja publicado na íntegra, como também o resumo das operações da Polícia Federal nos anos 2003, 2004 e 2005, no combate à corrupção e ao crime organizado que vendo sendo desenvolvido o País, pois esse documento é extremamente elucidativo.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SENADORA IDELI SALVATTI

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SENADORA IDELI SALVATTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e o § 2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Resumo de Operações DPF”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2006 - Página 26594