Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o sentido do voto para a democracia, e referências à fala do Ministro Marco Aurélio Mello, Presidente do TSE.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. REFORMA POLITICA. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Reflexões sobre o sentido do voto para a democracia, e referências à fala do Ministro Marco Aurélio Mello, Presidente do TSE.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2006 - Página 27148
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. REFORMA POLITICA. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, MARCO AURELIO MELLO, PRESIDENTE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), IMPORTANCIA, VOTO, DEMOCRACIA, ANALISE, PERIODO, ELEIÇÕES, ATUALIDADE, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, ELEITOR, RESPONSABILIDADE, EXERCICIO, CIDADANIA, ATENÇÃO, OBSERVAÇÃO, PROPOSTA, CONDUTA, CANDIDATO, CONDENAÇÃO, ABSTENÇÃO, VOTO NULO, OBJETIVO, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL.
  • COMENTARIO, VANTAGENS, OBRIGATORIEDADE, VOTO, SISTEMA ELEITORAL, BRASIL, OPORTUNIDADE, CONHECIMENTO, CANDIDATO, TERRITORIO NACIONAL, POSSIBILIDADE, MANIFESTAÇÃO, NATUREZA POLITICA, MAIORIA, POPULAÇÃO.
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), POLEMICA, VOTO, OBRIGAÇÃO, VOTO FACULTATIVO.
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, DIVERSIDADE, LIVRO, AUTORIA, JURISTA, ESCLARECIMENTOS, CONCEITO, TERMO, REPUBLICA.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, OBJETIVO, REFORÇO, LEGISLATIVO, FEDERAÇÃO, RESTAURAÇÃO, REPUBLICA.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Paulo Octávio, Srªs e Srs. Senadores, o famoso estudioso de Ciência Política Adam Przeworski, natural da Polônia - e como sabemos, os nomes poloneses se caracterizam pela abundância de consoantes e por poucas vogais -, observou com muita propriedade que, nos últimos duzentos anos, a mais importante invenção da democracia foi o voto universal. E acrescentou: “Há voto sem democracia [em regimes autoritários isso acontece com freqüência], mas não há democracia sem voto”.

Faço essas observações, Sr. Presidente, para refletir sobre o sentido do voto no momento em que nos preparamos para as eleições de outubro, que são, podemos dizer assim, eleições gerais, vez que se destinam a prover os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, um terço do Senado Federal, a totalidade da Câmara dos Deputados, os cargos dos Executivos Estaduais e do Distrito Federal, Governadores e Vice-Governadores, bem assim os das Assembléias Legislativas e da Assembléia Legislativa do Distrito Federal.

Tomo, como documento para análise desse pleito, oportuno pronunciamento do Ministro Marco Aurélio Mello, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. S.Exª, com muita propriedade, chamou a atenção para a importância do voto, no dever do cidadão ou da cidadã de participar.

Disse ele: “... o momento requer a maior atenção. Observe a situação de hoje a exigir de todos nós muita responsabilidade. Sim, devemos exercer a cidadania com os olhos voltados à preocupação com o bem-estar geral, com o patrimônio público. O poder é do povo - continuo citando o Presidente Marco Aurélio Mello -, que transfere a homens ou a pessoas cujo único interesse nessa caminhada deve ser o de bem servir. Daí a necessidade de estarmos atentos, fazendo nesses dias de campanha eleitoral o exame criterioso dos candidatos e de suas propostas, desprezando aqueles que prometem coisas absurdas, deixando levar em conta somente a simples fachada. Olhemos a vida profissional dos candidatos, analisando, com muito cuidado, não nos deixando enganar.”

Aliás, uma das marcas fundamentais do político deve ser aquela de não se deixar enganar, mas, também, de não enganar. Daí a importância de uma cidadania ativa esteja atenta àqueles políticos que, às vezes, fazem de suas promessas um caminho para o engano do eleitor.

O apelo do Ministro Marco Aurélio, que eu referendo integralmente, é um apelo à cidadania; é um apelo à participação, para a construção do País. Ele condena de forma veemente todos os movimentos absenteístas, ou seja, aqueles pregando que o eleitor não deve comparecer às urnas. E condena os que desejam anular o voto, uma atitude não construtiva, nociva, porque, se não comparecemos ao pleito, se anulamos o nosso voto, estamos concorrendo para sermos governados pelos piores. A nossa omissão, no caso, é um grave equívoco, pode ser responsável por termos o País em rumos inadequados, comprometendo assim o seu sonho de se converter em uma nação justa, próspera e desenvolvida.

Cito ainda o Ministro Marco Aurélio: “É hora de prestar atenção no que dizem e como se comportam, no que fizeram no passado e, principalmente, de saber se essas pessoas são de fato pessoas corretas e cumpridoras dos deveres”.

Aí passamos para um outro nível de debate.O eleitor, ao votar, terá de fazer, a meu ver, um estudo conseqüente e consciente sobre em quem está votando, olhando o programa partidário, posto que, no Brasil, nenhum candidato pode se apresentar, se não estiver filiado a uma agremiação. Portanto, é fundamental saber qual o programa desse partido e que idéias defende o postulante. E, mais ainda, tentar analisar o currículo desse postulante, seus antecedentes e aquilo que ele propõe.

Então, diria que o tempo de campanha - e no Brasil o tempo já não é tão longo assim, as campanhas já foram mais longas - deve ser o tempo também de uma grande mobilização cívica, de um grande esforço para fazer com que todos venham a exercer o direito do voto.

Volto a citar o Ministro Marco Aurélio: “Lembre-se de que, ao depositar o voto na urna, você[, eleitor,] estará demonstrando confiança em um futuro melhor. Por isso, o seu voto é muito, muito importante”.

Sabemos que no Brasil, Sr. Presidente, o voto não é só um direito, é um dever, o cidadão não somente dispõe da faculdade de votar, como também a legislação estabelece que é uma obrigação a que não se pode fugir.

Na verdade, o voto é fundamental para que consolidemos as instituições democráticas e possamos melhorar os níveis de governabilidade. Creio que o voto serve de pedagogia para o eleitor, mas também, de alguma forma, contribui para que o candidato possa habilitar-se a receber o voto. Com isso, quero dizer que o voto obrigatório que se pratica no Brasil - que defendo - é muito importante, porque força o candidato a percorrer todo o País. Assim, ao tomar posse já terá conhecido bem o Brasil, sua diversidade regional, sua multiplicidade ética, suas disparidades econômicas, suas desigualdades sociais. Enfim, é importantíssimo!

Quando Roraima ainda era território, estive na sua capital, Boa Vista, e assisti a um depoimento que não me saiu da cabeça. Fiz uma palestra na Associação Comercial e Industrial de Roraima, nos idos de 1983/1984, onde estavam representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, talvez por ser advogado, membro da OAB, embora licenciado em virtude do mandato legislativo.

Ao final da palestra, ouvi um depoimento que me deixou muito sensibilizado. Contou-me um grupo de advogados que, durante a campanha de Jânio  Quadros, em 1960, havia um clima em Roraima no sentido de dialogar com o Presidente. Algumas pessoas do Estado se reuniram, fretaram um avião e foram até Manaus, onde estava previsto um comício do Presidente Jânio Quadros. Quando desembarcaram no aeroporto, tomaram conhecimento de que o Presidente estava chegando naquele momento. Então, eles se aproximaram de uma fileira de admiradores do Presidente e se juntaram ao grupo. No momento em que Jânio Quadros passou entre essas fileiras, um deles gritou: “Presidente, quando V. Exª vai a Roraima?” Ele disse: “Não sou candidato a Vereador”.

Era uma resposta típica, de bate-pronto, do Jânio. Mas, de alguma forma, tinha uma lógica. Naquela época, Roraima ainda era território, talvez não tivesse cem mil, ou menos cinqüenta mil eleitores. Não tinha sentido um candidato a Presidência da República ir a Roraima - um território como diriam os franceses là-bas, muito distante. Era mais simples o candidato ficar só nas zonas densamente povoadas. Para que conhecer Roraima, ou Amapá, ou Acre, ou Rondônia, ou agora o mais jovem Estado do Tocantins? São Estados que têm pequeno eleitorado.

Portanto, o voto obrigatório não somente serve de pedagogia para o eleitor, que, tendo de votar e fazer uma opção, precisa refletir, mas serve também de pedagogia para que o candidato, sobretudo ao cargo de Presidente da República, prepare-se para bem governar. Para isso, tem de conhecer o território nacional em toda a sua extensão e deve ter propostas de resolver os problemas com as quais as diferentes regiões do País se defrontam.

Sr. Presidente, o voto obrigatório é um fato positivo e, por isso, o eleitor não deve esquecer essa circunstância. E vou mais além, o Brasil abriu oportunidade da manifestação popular a um segmento muito grande da sociedade, e o fez muito bem. Primeiro, quando acolheu o voto do analfabeto. Se ele trabalha, paga imposto, cumpre suas obrigações, porque lhe negar o direito do voto, que é a primeira forma de participar de uma sociedade democrática? E permite ainda que, após 70 anos, a pessoa, se quiser, continue votando. Não é por outra razão que o Brasil, a essa altura, tem 125 milhões de eleitores. Somos o maior colégio eleitoral do mundo ocidental graças a essas decisões, que, a meu ver, contribuem para que basicamente dois terços da população brasileira votem, o que é muito positivo. O eleito sai com maior legitimidade, assim esperamos. Os eleitos terão, portanto, maior condição de governar e aí neles também vai recair a responsabilidade de bem gerir os destinos do País, ou do Estado, ou, se representantes do povo, o dever de bem cumprir o encargo que lhes foi conferido pelo povo. Nessa questão do voto obrigatório, é bom lembrar que pensadores insuspeitos como Stuart Mill e tantos outros sempre defenderam ser o voto entendido como um dever. Recentemente eu tive a oportunidade de participar do lançamento de um livro aqui, “Reforma política”, trabalho feito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Depois, lendo o livro, vi na parte de verbetes, e um dos temas abrange a questão dessa polêmica sobre voto facultativo versus voto obrigatório, o que me surpreendeu positivamente. Não vou demorar, Sr. Presidente. O autor do referido verbete, o Prof. Cícero Araújo, diz:

“Note-se que, sob essa perspectiva, o direito de sufrágio é incompatível com a obrigação legal, mas não é preciso que o seja com o dever cívico, contanto que pensado em termos morais, e não jurídicos. [Eis a parte que considero mais importante:] O cidadão tem o direito (legalmente garantido) e também o dever (moral) de votar, mas de votar com sua consciência”.

Com isso, quero esposar a idéia de que é fundamental, nesta hora que vive o Brasil, que não nos omitamos.

Aproveito a ocasião para abordar um assunto que decorre da necessidade do voto exercido com consciência cívica, o chamado voto republicano. A palavra “república” é polissêmica, por apresentar vários significados. Certamente, quando se fala em “república”, lembra-se logo da forma de governo - República x Monarquia. Gostaria de insistir na palavra “república” no sentido empregado por Cícero, grande orador romano, há mais de dois mil anos, quando usou a palavra Res publica como sinônimo de coisa pública, não tendo definido o termo dentro da chamada tipologia clássica das formas de governo, objeto não somente dos especialistas de teoria geral do Estado, mas também, de modo mais particular, dos especialistas em Direito Constitucional.

Com isso, Cícero queria chamar a atenção para aquilo que nós chamamos de valores republicanos. Estamos vendo que no Brasil esses valores estão sendo erodidos. Essa crise ética que vive o País é um grave sinal da erosão dos valores republicanos.

Vou ler um pequeno trecho da obra de Cícero, valendo-me inclusive de um dicionário de política editado sob a direção de Norberto Bobbio, juntamente com Giafranco Pasquino e Nicola Matteucci. Eles tratam dessas questões relevantes da Ciência Política e, num dos verbetes de lavra de Nicola Matteucci, diz o seguinte:

Cícero em sua “De Republica”, I, 25, foi o primeiro a conceituar o sentido de Res publica ao demonstrar que por povo se há de entender “não toda reunião de pessoas de qualquer forma congregadas, mas um consórcio, sob a égide do direito, pelos interesses comuns almejados pela sociedade”.

E Nicola Matteucci, no referido dicionário, comenta: “É uma palavra nova”, empregada em um outro sentido, para exprimir um conceito que corresponde, na cultura grega, a “politéia”, era essa a expressão usada pelos gregos.

Aliás, Cícero retirou o conceito da obra de Platão, que tratava da questão da politéia. Quer dizer que Cícero, sob esse aspecto, não foi o primeiro a dissertar sobre o tema com esse sentido. Então, prossigo citando Matteucci: “É uma palavra nova para exprimir um conceito que corresponde, na cultura grega, a uma das muitas acepções do termo ‘politéia’, acepção que se afasta totalmente da antiga e tradicional tipologia das formas de governo”.

“Com efeito” - ainda citando Matteucci - “res publica quer pôr em relevo a coisa pública, a coisa do povo, o bem comum, a comunidade, enquanto que quem fala de monarquia, aristocracia, democracia realça o princípio de governo”.

Na mesma direção eu poderia citar, no Brasil, Rui Barbosa, que foi um dos construtores da República e teve um acentuado papel na primeira Constituição Republicana, mesmo porque, além de ser um grande jurista, à época era Ministro da Fazenda e, portanto, foi chamado pelo Marechal Deodoro da Fonseca para fazer a revisão do projeto que seria encaminhado ao Congresso Nacional. Quem for à Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, encontrará os originais com as suas observações.

E Rui Barbosa foi, na acepção plena do termo, um cidadão republicano, não somente porque defendia a República e foi, antes, um federalista mas porque era um republicano na sua forma de proceder. Ele definiu a República também no sentido, por assim dizer, ciceroniano da expressão: “A pátria não é ninguém; são todos. Cada qual tem no seu seio os mesmos direitos à idéia, à palavra e à associação.” República é assim, a cidadania, a coisa do povo, o bem comum.

Sr. Presidente, gostaria de aproveitar a ocasião para citar aqui mais um texto do livro “Reforma Política no Brasil”, a que me referi anteriormente. Nele também um verbete chamado republicanismo, que é, aliás, de autoria de Heloísa Starling*. 

Talvez não dê para ler o texto todo, mas vale a pena um parágrafo, sobre o que é ou do que deve ser uma verdadeira república em nosso entendimento. Diz ela:

Com efeito, o fim visado pela tradição não é diretamente a virtude do cidadão. É, ao contrário a efetivação da polis, como forma específica de organização do convívio dos homens. Vale dizer a existência mesma da cidade vista como uma espécie de totalidade política capaz de indicar, desde de sua origem grega, a possibilidade de agregação de seus membros tendo em vista o bem comum, tendo em vista o bem, os direitos e os interesses comuns.

Com isso, Sr. Presidente, encerro a minha manifestação renovando o apelo que faço ao eleitorado para que, com o nível de politização que possui o povo brasileiro, não deixe de comparecer, e o faça de forma construtiva, pensando no País, nas suas instituições.

Será com atos e não com meras palavras que vamos construir o futuro deste País. Há uma expressão latina muito usada que diz res, non verba, ou seja, atos e não palavras, penso que devemos esperar da sociedade brasileira agora atos e que possamos, já no começo de 2007, no início da legislatura, nos prepararmos para a reforma política, como primeira conseqüência do voto do eleitor. Se não fizermos as reformas políticas, certamente não iremos avançar no sentido de melhorar a governabilidade do País. .

A reforma política tem um alcance muito mais amplo do que se pode entender; é algo que extrapola os limites do sistema eleitoral e partidário, que alcança o sistema de governo. E o Legislativo sofre, por exemplo, com a edição freqüente de medidas provisórias, que praticamente retiram do Congresso o comando da ação legiferante. A reforma política deve também robustecer a Federação, que está virando, como diria Drummond, “um retrato na parede”, uma mera Federação legal e não uma Federação real. Enfim, mas não menos importante, a reforma política terá que restaurar os valores republicanos, isto é, o que, no começo do século XX, disse o ex-Senador e ex-Ministro Joaquim Murtinho: “É necessário republicanizar a República”.

Creio que o voto deve ser dado pensando o País e suas instituições; deve-se pensar em restaurar os verdadeiros princípios republicanos, não só aqueles princípios que se consolidaram no País a partir da Carta de 1891, de República Federativa, bicameral, presidencialista, mas também de República enquanto conduta; de República enquanto preservação dos valores de uma sociedade que quer ter uma democracia digna do seu nome.

Muito obrigado a V. Exª!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2006 - Página 27148