Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre matéria intitulada "Será o fim do populismo?" de autoria do jornalista Mino Carta, publicada na Revista Carta Capital, edição de 12 a 18 agosto do corrente.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Reflexões sobre matéria intitulada "Será o fim do populismo?" de autoria do jornalista Mino Carta, publicada na Revista Carta Capital, edição de 12 a 18 agosto do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2006 - Página 27256
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, EDITORIAL, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), LEITURA, TRECHO, ANALISE, FALTA, IDEOLOGIA, NATUREZA POLITICA, COMANDO, CRIME ORGANIZADO, GRAVIDADE, ATRASO, VIOLENCIA, UNIÃO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, DEBATE, ORIGEM, CRIME, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, LIBERALISMO, ECONOMIA, AVALIAÇÃO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, MAIORIA, POPULAÇÃO CARENTE, CONTESTAÇÃO, ACUSAÇÃO, MANIPULAÇÃO, MOTIVO, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, HUGO CHAVEZ, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, GESTÃO, ALCANCE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, INJUSTIÇA, ACUSAÇÃO, IMPRENSA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • COMENTARIO, FILME DOCUMENTARIO, EXIBIÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), HISTORIA, ELEIÇÃO, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, CONTINUAÇÃO, ESPOLIAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, IMPORTANCIA, PLEBISCITO, NACIONALIZAÇÃO, GAS NATURAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho aqui em mão o número da CartaCapital deste fim de semana, publicação que não deixo de ler semanalmente, pois, em meu juízo, é o melhor órgão da nossa imprensa.

Nesta edição, há uma matéria editorial feita pelo jornalista Mino Carta, essa grande figura que dirige a revista, sob o título “Será o fim do populismo?”.

Sr. Presidente, é um tema que merece um exame detalhado, uma meditação mais profunda e um debate mais acurado nesta Casa.

Freqüentemente, recorre-se a essa expressão para atacar um governante aqui, um governante ali.

Mas diz Mino Carta, na sua matéria:

Como sustenta há tempo Wálter Fanganiello Maierovitch, e nesta edição Luiz Gonzaga Belluzzo reitera, o PCC [que está tão falado atualmente] nada tem de político, seus líderes gostariam de comprar roupas na Daslu e carrões importados nos castelos de vidro que ladeiam a avenida Europa, em São Paulo. Não esperem que dele ecloda a revolução dos sans-culottes.

Sr. Presidente, realmente o PCC, essa organização, quis apresentar-se com uma fachada ideológica que não convenceu ninguém, mas deu ensejo a alguns comentários, felizmente logo sepultados, porque o banditismo não tem nada a ver com ideologia nem com política. Atrás dessa fachada ideológica que o PCC tentou adquirir, em vão, porque, como disse, não convenceu ninguém, há todo um período grande de opressão, exatamente aos encarcerados que não seguem a liderança dessa entidade.

Continua Mino Carta:

Por causa disso, inclusive, trata-se de fenômeno único na história do mundo. O Brasil inova. E o PCC é altamente representativo desta nossa Idade Média forçada à contemporaneidade com o celular e o deus mercado.

            Quer dizer, a Idade Média brasileira forçada a adquirir essa feição de contemporaneidade com o celular, esse distintivo da modernidade, e o deus mercado, outro distintivo da modernidade. Muito bem feita essa matéria, esse editorial de Mino Carta.

A despeito do avanço tecnológico e do progresso científico, o homem do terceiro milênio vive uma época de violência inaudita e prepotência sem conta [no mundo todo, obviamente] “intelectualmente obtusa e moralmente cavernícola.”

Muita sabedoria em tudo isso que diz Mino Carta. Vivemos essa modernidade que é tão vendida por meio do mercado no mundo todo. No fundo é, como ele diz, intelectualmente obtusa e moralmente cavernícola.

         Admitamos, contudo, que o Brasil bate recordes. Nessa marcha a ré galopante somos imbatíveis.

E continua desenvolvendo o seu raciocínio o jornalista Mino Carta. Mais adiante diz:

Sem entrar agora na análise desempenhado pelo governo desde 1º de janeiro de 2003 [quer dizer, sem entrar na análise do Governo Lula] permito-me registrar um mérito de Lula presidente, a brotar da sua simples presença.

Quer dizer, um mérito que brota da simples presença de Lula na Chefia do Poder brasileiro, como trabalhador que é.

As pesquisas de opinião [continua Mino Carta] são eloqüentes: o apoio à reeleição vem maciçamente das classes ditas menos favorecidas [e ponha menos]. As quais tendem a se identificar com o ex-retirante ex-metalúrgico. Nenhum espanto, é óbvio, assim como não deveria haver se Lula, na sua campanha, mirar nelas em primeiro lugar.

O ex-Presidente Fernando Henrique enxerga nisso um recurso demagógico, mas a tese não convence. Demagógico foi, na acepção correta, o populismo à brasileira, com sobrevida indiscutível até Fernando Collor e o próprio FHC, autor do maior engodo eleitoral da história nativa na reeleição de 1998.

O populismo é necessariamente hipócrita, chafurda na ignorância e teve intérpretes excelentes”, aqui no Brasil. Isso é importante. O populismo é hipócrita na medida em que tem conhecimento de que toma ações de curto prazo para agradar imediatamente a uma massa da população, sabendo que, a longo prazo, aquelas medidas serão prejudiciais a essa mesma classe.

O que caracteriza o populismo é o imediatismo político-eleitoreiro e não a preferência, o atendimento ou a prioridade para as classes mais necessitadas, que merecem essa prioridade exatamente porque são as classes mais carentes.

Esta matéria de Mino Carta é muito importante para que se esclareça que praticar políticas voltadas para o atendimento das necessidades principais da camada mais carente não é populismo, mas prática de justiça social, projeto de governo, projeto político, modelo de desenvolvimento, mudança de modelo de desenvolvimento que, até então, sempre foi voltado para as elites brancas, como diz o Governador Cláudio Lembo.

Como em outros países da América do Sul, o que há de mais freqüente na imprensa é a classificação de Hugo Chávez e Evo Morales como populistas. O termo é empregado, obviamente, com uma conotação depreciativa. Aliás, o termo tem essa conotação depreciativa, mas ambos desenvolvem - pelo menos Hugo Chávez, que já está no poder há bastante tempo - um programa de alcance social muito amplo e profundo que não pode ser negado nem contestado.

Aliás, esta mesma edição da CartaCapital tem uma grande matéria sobre a revolução do petróleo, o sonho bolivariano, o retrato da política de Hugo Chávez que não aparece em outros órgãos da nossa imprensa porque o objetivo é sempre depreciá-lo e mostrá-lo como falso líder, um líder populista que só quer aparecer e ocupar espaço na América do Sul.

Ele tem condições muito boas e fortes de desenvolver esses programas por causa do preço do petróleo e da condição de grande exportador de petróleo venezuelano. Porém, essa história do petróleo da Venezuela é muito antiga, e, nunca, presidente algum cuidou de desenvolver programas sociais explícita e prioritariamente voltados para as camadas mais necessitadas da população venezuelana. Hugo Chávez está fazendo isso. E Evo Morales começa a fazer, na medida em que tomou posse na presidência há pouco tempo. Houve conflitos com o Brasil - o que é natural porque o Brasil tinha investimentos grandes lá -, que estão sendo negociados, mas a figura de Evo Morales como Presidente verdadeiro e autêntico da maioria da população venezuelana é incontestável.

Sr. Presidente, está no circuito comercial dos cinemas do Rio de Janeiro - não sei se está em Brasília e em outras capitais - um filme extremamente interessante: “Bolívia: História de uma Crise”*. Trata-se de um documentário sobre a campanha do ex-Presidente deposto Sánchez de Lozada, a qual acabou vitoriosa. Ele venceu as eleições e, um ano e pouco depois, estava deposto, porque não tinha condições; era um candidato mais norte-americano do que boliviano. O seu próprio falar mostra isso; ele fala o espanhol com sotaque e o inglês como um americano. Ele foi educado desde criança nos Estados Unidos e quis ser e foi Presidente da Venezuela. Contratou, parece-me, a maior empresa de consultoria política americana; o quartel general da sua campanha falava inglês, o candidato e os consultores falavam inglês. Uma demonstração de alienação completa em relação à realidade daquele país, Bolívia, e do povo boliviano. Essa é história da Bolívia; culminou com Sánches de Lozada, que já havia antes sido presidente. Quer dizer, uma história de espoliação: primeiro, da prata, a maior jazida do mundo, Potosí, que se acabou; depois o estanho, o Sr. Simon Patiño, o rei do estanho boliviano, morava em Londres, não queria saber de Bolívia, mas ganhou rios de dinheiro e esgotou o estanho. A Bolívia só fez perder terras, perder território; era um país que tinha o sentimento da espoliação e agora, percebendo que se não tomasse medidas drásticas iria perder a sua última oportunidade, a sua última riqueza, o gás, resolveu nacionalizá-lo. Foi uma exigência, houve um plebiscito. E esse filme mostra o que foi essa campanha do gás.

Então, classificar de populistas esses líderes é uma forma apressada, falsa e propositada de querer diminuir as suas figuras e torná-las, enfim, condenáveis sob o ponto de vista de uma política amadurecida.

Relativamente ao Sr. Evo Morales, evidentemente, é difícil fazer comentários porque ainda está no início do governo, mas o Sr. Hugo Chávez tem todo um programa já desenvolvido que não é sequer mencionado no noticiário da nossa mídia.

Sr. Presidente, vou um pouco adiante nesta leitura da edição da CartaCapital, falando exatamente sobre este problema social que o Brasil vive hoje e o enraizamento do banditismo e da criminalidade nesse caldo de cultura. Não é que a criminalidade seja fruto da pobreza. Isso tem sido muito discutido aqui. A criminalidade não é fruto da pobreza mas cresce no caldo da injustiça, da distribuição desigual, da concentração de renda, da injustiça estrutural. Nesse caldo de cultura, cresce, evidentemente, a descrença total, a quebra dos valores morais, o banditismo e a criminalidade.

Páginas adiante há um artigo excelente de Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos grandes economistas deste País, uma das grandes figuras do Brasil de hoje que, exatamente comentando este assunto, diz:

Nas áreas de exclusão social o crime organizado prospera como modo de sobrevivência dos mais fracos e modo de enriquecimento dos mais ‘aptos’.

Adiante diz:

O mercado supera a política dentro e fora da cadeia. Isso demonstra que a criminalidade não tem origem na pobreza. Tem origem na riqueza, sobretudo na riqueza que se forma nos mercados subterrâneos e só vem à luz nos paraísos fiscais, onde se confraterniza com a finança globalizada e concentrada.

Aí está, Sr. Presidente, a criminalidade não tem origem na pobreza; tem origem na riqueza, nessa riqueza ilícita, subterrânea, fraudulenta, que prospera sob a luz das regras de mercado, sob a égide das regras de mercado, especialmente naqueles paraísos fiscais, isto é, naquelas economias que não têm regra nenhuma, que são inteiramente desregulamentadas, onde tudo é permitido. Os nossos neoliberais querem isso. O Brasil estava ficando cada vez menos regulamentado até que, a partir de 2003, essa tendência se inverteu - graças a Deus para os brasileiros.

Diz adiante Gonzaga Belluzzo:

O crescimento de 300% em dez anos da população carcerária do Estado de São Paulo e o avanço da criminalidade parecem não dizer nada às classes supostamente ‘esclarecidas’ [essa elite branca do Governador Cláudio Lembo] além de ensejar a conclusão, no espírito da dialética do ilusionismo, de que, à exceção do empilhamento de cadáveres, a vida dos sobreviventes melhorou muito.

Quer dizer, a prática desse tipo de economia que levou à concentração de renda, à injustiça estrutural aprofundada e que levou também a essa explosão de criminalidade, com o crescimento de mais de 300% na população carcerária - não há mais cárcere neste País que dê conta de tanto preso - parece que não diz nada à nossa elite, principalmente a essa elite da Daslu, a essa elite que se concentra no principal foco de economia neoliberal do País, que é a cidade, o Estado de São Paulo, infelizmente.

Sr. Presidente, essas matérias, essas advertências, essas meditações transcritas aqui...

Diz Belluzzo mais adiante:

A segurança pública está contingenciada pelo superávit primário, mas a grana do orçamento do orçamento [a grana grossa] escorre célere para os bolsos das 20 mil famílias rentistas que protegem sua existência e seu patrimônio com as horas extras de policiais mal remunerados.

Sr. Presidente, o orçamento se contingencia, por um lado, para não confrontar, não afrontar o mercado e, por outro lado, os juros elevados levam para os bolsos dessas 20 mil famílias de rentistas uma fortuna incalculável, com a qual elas pagam toda a sua proteção, suas blindagens e nem com isso conseguem se colocar a salvo do crescimento da criminalidade, que assusta o nosso País.

            Sr. Presidente, são palavras que merecem muita atenção, como toda essa publicação merece, porque trazem à luz essas questões de uma forma não usual no resto de nossa imprensa, com poucas exceções aqui e ali - não quero generalizar. Quero ressaltar que estamos vivendo um período crucial, e o povo brasileiro, ao que parece - voltarei a esse assunto oportunamente -, está tomando consciência dessa questão estrutural que é a da falta de justiça social, da má distribuição de renda, a mais importante no País hoje e que, se não for resolvida, não vai permitir que o desenvolvimento brasileiro chegue a bom termo e satisfaça os anseios, as aspirações, os projetos, os sonhos da nossa população.

Era isso, Sr. Presidente, que eu queria hoje trazer a esta tribuna.

Agradeço a atenção de V. Exª e a de todos.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2006 - Página 27256