Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à proposta do Presidente Lula de realização de assembléia constituinte.

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à proposta do Presidente Lula de realização de assembléia constituinte.
Publicação
Publicação no DSF de 22/08/2006 - Página 27259
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, BOLIVIA, CONTESTAÇÃO, AVALIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, APREENSÃO, DESRESPEITO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REFERENCIA, CONTRATO, ABASTECIMENTO, GAS NATURAL.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROPOSTA, CRIAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, DESMENTIDO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), AUTORIA, INICIATIVA, APREENSÃO, AUTORITARISMO, SEMELHANÇA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, BOLIVIA, RESTRIÇÃO, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, ANUNCIO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROPOSTA, COMBATE, CORRUPÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, EXPECTATIVA, ORADOR, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE, BANCO ESTRANGEIRO, REU, PROCESSO JUDICIAL, BRASIL, MUNDO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIFICULDADE, DESEMPREGO, PILOTO CIVIL, VIAÇÃO AEREA RIO GRANDENSE S/A (VARIG), CRITICA, ORADOR, NEGLIGENCIA, GOVERNO FEDERAL, APOIO, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO.
  • PROTESTO, PARALISAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, OBRA PUBLICA.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, lamentavelmente, estamos aqui cumprindo com os nossos deveres para com o Senado, embora se compreenda a ausência de Senadores que estão envolvidos nessa campanha como candidatos ou à reeleição ou a mandatos de Governador ou de Presidente da República pelo Brasil afora.

Senador Roberto Saturnino, a presença de V. Exª neste plenário, é a segurança de que sempre se tem um debate atual e de bom nível. V. Exª aborda um tema que tem de ser motivo de nossas permanentes preocupações. É evidente que o termo “populismo” muitas vezes é mal interpretado. Existem os populistas que, por vocação, são democratas mas o que assusta é que em nossa vizinhança nós passamos a ter uma série de pseudo-líderes que enveredam pelo caminho do populismo mas que são tiranos agressivos. É o caso da Venezuela, país que nada em dinheiro, em virtude de circunstância internacional que lhe favorece, tendo em vista o preço do petróleo, dando sinais de generosidade para com outros países, mas deixando seu próprio povo passar fome, e os indicadores sociais não têm nenhum sinal positivo de melhoria.

O que nos preocupa no populismo do Sr. Evo Morales, por exemplo, é a falta de respeito para com o Brasil. O Presidente do maior país do continente deu um crédito de confiança ao Sr. Evo Morales e pediu ao povo brasileiro e ao povo sul-americano que prestasse atenção no recém-eleito e ainda não empossado Presidente da Bolívia, que iria, segundo o Presidente Lula, trazer grandes novidades como administrador. E as novidades trazidas foram exatamente desapontadoras para com o Brasil. Todos se lembram do modo como rompeu um contrato multilateral para abastecimento de gás, assim como da maneira truculenta como invadiu uma propriedade brasileira - no caso, a Petrobras - e forçou a saída de outra empresa que se instalava na Bolívia, produto de um acordo que estava em pleno curso. Daí por que nós temos uma preocupação muito grande quando o Presidente Lula anunciou que o fim de todos os males brasileiros seria a criação de uma Assembléia Constituinte, e o fez de maneira que deixou, num primeiro momento, a impressão de que atendia a uma reivindicação, a uma sugestão da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi preciso que aquela centenária associação de advogados nacionais desmentisse, para que víssemos que a intenção do atual Presidente da República era seguir os passos de Hugo Chávez e Evo Morales.

Onde no mundo, hoje, vive-se um momento de transformação constitucional? Onde no mundo estamos vivendo uma assembléia constituinte, a não ser na Venezuela e na Bolívia, que não são os melhores exemplos para se seguir no momento, até porque são dois países que estão na contramão da história mundial?

Vivemos - e aí podemos concordar ou não - numa época de globalização imposta pela tecnologia; vivemos um momento em que os nossos quintais são devassados; vivemos, Senador Saturnino, um momento de abertura ampla, geral e irrestrita. Lamentei muito V. Exª não estar aqui na semana passada, porque ouvimos um discurso moderno, avançado e voltado para o futuro. O Senador Sibá Machado, nosso querido Colega, em nome da Liderança do PT, fez um discurso, transcorrendo sobre um relatório da CIA, aquela CIA que o partido de V.Exª, quando estava na Oposição, tanto combatia, tanto temia. Era o terror - os ianques, V.Exª lembra muito bem isso. E aqui foi feita uma verdadeira apologia das projeções que a CIA faz para o Brasil dos próximos vinte anos. O que fez o PT andar de braços dados com a CIA? Quero crer que foi a globalização.

Senador Roberto Saturnino, há três anos, na Câmara dos Deputados, o Ministro Valdir Pires, hoje Ministro da Defesa, usando os argumentos do nacionalismo, rebelou-se contra um possível acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para operação conjunta da Base Aérea de Alcântara. Esse acordo não foi a bom termo. Fomos surpreendidos com a apologia aqui feita, exatamente, de um Brasil projetado para vinte anos, estudo esse feito pelos olhos do satélite ou dos espiões da - até pouco tempo atrás - criticada e combatida CIA. Mas é bom que as coisas mudem, porque ninguém é obrigado a ter compromisso com o erro.

Eu acho que se o Sr. Hugo Chávez estivesse na Venezuela, no momento, fazendo um governo com modificações sociais concretas para melhorar a vida do povo venezuelano, nós teríamos motivos para aplaudi-lo e até, em alguns casos, invejá-lo.

            Mas a Assembléia Nacional Constituinte ali instalada serviu única e exclusivamente para endurecer o regime, restringir as liberdades democráticas, culminando com o fato de que a Venezuela, hoje, praticamente não tem oposição no Parlamento. E ninguém melhor do que V. Exª sabe, porque já viveu, o que é um Parlamento castrado: Parlamento onde as notícias não ecoam, onde há censura instalada e onde o medo de expressão domina pelos corredores.

Outro dia, tive oportunidade de conversar com brasileiros que vivem na Venezuela e pude sentir um pouco isso. Na realidade, o que esperava hoje, meu caro Senador Roberto Saturnino, era que o Partido do Governo, com todas as divergências que tem - que são históricas - com os americanos, pelo menos viesse aqui dar um crédito de confiança ao Sr. Bush, que instala uma cruzada mundial de combate à corrupção.

O jornal O Globo, na sua página 15, numa matéria assinada pelo Sr. José Meirelles Passos, mostra de maneira bem clara o que é esta intenção.

Nós vivemos aqui o caso dos sanguessugas, nós vivemos aqui o caso do mensalão e nós sabemos que, quando contaminado o Congresso, há o agente contaminador. Nós estamos vivendo nas filiais que se corrompem, mas a matriz corruptora é o Palácio do Planalto - onde há a caneta, o poder e a decisão -, principalmente quando se vive num presidencialismo onde o Chefe de Estado, onde Sua Excelência tudo pode e tudo faz.

Acho excelente a idéia do Sr. Bush e da Srª Condoleezza Rice. Só espero que esse projeto, que essa cruzada não fique no papel, e que o americano tenha a humildade de ver, em muitos casos, onde a corrupção internacional predomina, de saber a origem e onde estão os corruptores, e de puni-los.

Acho que o Sr. Bush poderia se redimir de todas as truculências que fez no mundo, embora em parte porque as vidas tiradas não têm volta, poderia pelo menos dizer que está colocando em prática essa cruzada de combate à corrupção. Tenho certeza de que, valendo isso, vamos diminuir também a violência das armas que entram no Brasil, muitas vezes de origem ianque, como eram chamados os americanos naquele tempo - V. Exª lembra-se bem -, as compras milionárias e as concorrências internacionais. Tenho certeza, Senador Roberto Saturnino, de que esse é um fato histórico, e, lamentavelmente, o PT de ontem - que não é o de hoje - não trouxe esse assunto a esta Casa.

Mas volto a dizer a V. Exª que o Governo norte-americano, por meio dessa cruzada, tem um prato cheio para começar a investigar empresas que constroem aviões pelo mundo - fora os escândalos que vêm da década de 80 -, que têm constituição privada e respondem a processos em vários lugares do mundo, como o Citibank.

Como saber se é verdade o processo de corrupção da Argentina, da Índia, do Japão, da América do Sul, do México, com livros publicados? Se o Presidente Bush, por meio da sua inteligência - não dele, mas do seu sistema de inteligência, quero que fique bem claro - mandar realmente investigar, começando pelas ações do Citibank pelo mundo afora, estará prestando um grande serviço ao mundo de hoje.

Ficará muito ruim se essas apurações forem feitas apenas, como se diz no Brasil, na raia miúda.

Aliás, o Citibank, que no passado era tão combatido pela então Oposição, hoje, aqui no Congresso Nacional, tem seus porta-vozes, tem os seus defensores. Era preciso que o Sr. Bush - eu não acredito em nenhuma apuração feita aqui no Brasil - desse a primeira demonstração, já que não é um caso exclusivamente brasileiro. As denúncias contra o Citibank - posso até fazer um levantamento e trazer aqui posteriormente - atingem vários Países, como a Itália, o Japão e, salvo engano, a Índia. A Argentina tem um livro publicado.

Estamos muito preocupados com o quintal alheio, Senador Saturnino.

Quero me dirigir a V. Exª agora para tratar um pouco de nossa seara interna. No jornal O Globo, pág. 12, lemos a imperdível coluna de Ancelmo Gois, que traz uma nota que, com certeza - e conheço sua luta -, vai entristecê-lo, porque me entristeceu e entristece vários brasileiros. Sei que V. Exª é dos que lêem o jornal ao alvorecer, mas quero alertar a Nação. Não posso sonegar à Nação os detalhes de que estou falando.

Vou apenas repetir a nota do jornalista Ancelmo Gois: “Um ex-piloto que trabalhou 32 anos na Varig reuniu as economias e... comprou um táxi. Trocou o céu pelo chão. É taxista da cooperativa Transcotour, que faz ponto, por ironia, no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro”.

Senador Saturnino, V. Exª sabe da omissão do atual Governo com relação a essa empresa, da falta de vontade, da falta de decisão. O que se fez com essa empresa foi um crime!

Aliás, essa mesma coluna, na semana passada, anunciou que a revista Playboy, do próximo mês, irá trazer na sua capa três ex-comissárias que vão posar para a revista - evidentemente mostrando suas intimidades - em troca de um cachê para sua sobrevivência. É um absurdo, Sr. Presidente, que essas moças, que se prepararam, como esse comandante, vejam-se, neste momento, na obrigação de recorrer a alguns expedientes que demonstram de logo serem de desespero, para poderem sustentar suas famílias. E justo num momento em que o Brasil é governado pelo Partido dos Trabalhadores, que voltou suas costas para 12 mil servidores diretos da Varig, 40 mil servidores indiretos e, indiretamente, para toda a população brasileira, que vai aos aeroportos e enfrenta um verdadeiro caos de filas, incertezas e insegurança, fora os brasileiros que estão, há 10, 15 dias, sobrevivendo - só Deus sabe como! -, em busca de uma vaga para retornar ao País, uma vez que daqui saíram nas asas da Varig e não têm como voltar.

É de entristecer, meu caro Senador Saturnino. Não se admite, não se justifica!

Participamos de várias discussões, de vários encontros. Várias sugestões foram dadas. E o Governo levou este assunto com a barriga.

Sabe bem V. Exª, e sabe o Brasil todo, que existe um crédito decidido na Justiça em favor da companhia aérea. E era só uma questão de decisão governamental, não para fazer um pagamento direto, mas para um simples encontro de contas,uma vez que a Varig também é devedora do Governo brasileiro.

Eu não diria que nós, no Brasil, vivemos um Governo populista. Eu diria que, no Brasil, vivemos um Governo imobilista: sem ação, sem decisão e sem perspectiva.

É evidente, não há por que desconhecer, que é o Governo de um Presidente da República que conseguiu popularidade. Mas o Brasil sabe o preço que está pagando por isso.

O Brasil está parado, Senador Saturnino. Somos um verdadeiro canteiro de obras paradas. E olha que o PT, quando era Oposição, pediu a constituição, na Câmara, de uma CPI para investigar obras paradas. Foram investigadas várias obras, mas nenhuma delas foi recomeçada no atual Governo, exceto a famosa Operação Tapa-buraco.

Senador Saturnino, o Lula, no Pará, anunciou, há quatro anos, recuperar Tucuruí. No ano passado, anunciou a inauguração de Tucuruí, sendo que das 22 turbinas apenas uma foi colocada em funcionamento no seu Governo. Anunciou a refinaria de Abreu e Lima, em parceria com o seu colega Hugo Chávez.

Quero saudar aqui, com muita alegria, a chegada do meu amigo, Senador Sibá Machado. Já citei V. Exª aqui, Senador Sibá, falando sobre os nossos embates da semana passada, no que diz respeito àquela defesa que fez da CIA. Num contexto. Não vá...Veja primeiro o que foi que eu disse. Estou dizendo aqui que o seu Partido mudou. Tinha horror à CIA, dizia que a CIA era olheiro das riquezas brasileiras e que queria tomar a Amazônia. E o seu discurso foi feito.

No entanto, o que eu quero é que V. Exª leia a matéria da página 15 do jornal O Globo, a respeito de uma cruzada de combate à corrupção que o Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, propõe. O PT vai ficar muito mal se não se aliar a isso.

V. Exª sabe que a corrupção vem de fora também; ela não é genuinamente brasileira. Digo “genuinamente” sem nenhuma ligação com o ex-Presidente do seu Partido - quero que isso fique bem claro, para eu não ser mal interpretado depois.

De qualquer maneira, Senador Roberto Saturnino, esta segunda-feira nos proporciona a tranqüilidade de discutir aqui alguns temas. Esse tema trazido por V. Exª, com sua preocupação geopolítica, é importante e tem de ser permanente, pois não pode ser tratado numa discussão eventual.

O Brasil, pela sua importância e pela sua dimensão, tem vocação para ser líder deste continente e não para ser liderado. Não podemos ter um Presidente que quer copiar uma Constituinte, porque os seus vizinhos assim o fizeram. Sabe bem V. Exª que uma Assembléia Constituinte é paralisante e, acima de tudo, tem um foco importante: para dirigi-la e para presidi-la, tem de haver alguém com autoridade e com motivação. Quem presidiu um Governo com mensalão, com membros da sua equipe transportando dólares na cueca e com sanguessugas não tem liberdade e autonomia para presidir uma Assembléia Nacional Constituinte. E o mais grave: ao começar a discutir a Assembléia Nacional Constituinte, não procurou o Congresso Nacional, que é a origem, mas procurou entidades que, por mais respeitáveis que sejam, não têm autoridade para legislar porque essa é uma atividade exclusiva desta Casa, numa tentativa - que lhe é permanente - de tentar jogar o Congresso contra a opinião pública.

Esta é uma Casa de liberdades, mas uma Casa indefesa e desarmada. Já pensaram o Congresso Nacional tendo à sua disposição o dinheiro que o Presidente da República tem, da publicidade da Petrobrás - para ficar só nela - a anunciar autonomia de petróleo, o que V. Exª sabe ser uma mentira, algo que não existe?

O Brasil avançou bem e, nos últimos 50 anos, desde a fundação da Petrobras, vem crescendo nas suas pesquisas, mas não é autônomo; ainda precisa importar.

Aliás, o Brasil do atual Governo virou as costas para o gás e tranqüilizou-se com o fato de que ia ter o gás da Bolívia, até que Evo Morales nos deu uma mostra do que é um Governo sem nenhum compromisso com a nossa geopolítica, como V. Exª quis bem dizer, e com a integração continental.

O episódio de Evo Morales é pedagógico para o País. Se temos condições de exploração do gás - a Bacia do Espírito Santo demonstra isso -, não podemos fazer investimentos confiados no humor dos Países vizinhos, porque existe a autonomia, a independência, que V. Exª frisou muito bem.

Faço este registro na certeza de que o PT amanhã vai se juntar ao clamor mundial lançado pelo Presidente do País mais poderoso do mundo, com quem o Presidente Lula tem contato permanente via telefone - inclusive, jacta-se de ter uma amizade, uma relação estreita com o Presidente Bush -, e deve pedir que a operação de combate mundial à corrupção, Senador Sibá Machado, comece por aqui. Feito isso, quem sabe, estaremos dando o primeiro e grande passo para não ver a repetição, nesta Casa e no País, dos constrangimentos que estamos vivendo de 2003 para cá.

Sr. Presidente, muito obrigado pela generosidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/08/2006 - Página 27259