Pronunciamento de Romeu Tuma em 22/08/2006
Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Apresentação de idéias e informações a respeito da presente conjuntura criminal desenfreada, exercida em especial pelo Crime Organizado.
- Autor
- Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
- Nome completo: Romeu Tuma
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CODIGO PENAL.
SEGURANÇA PUBLICA.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ROUBO, CARGA.:
- Apresentação de idéias e informações a respeito da presente conjuntura criminal desenfreada, exercida em especial pelo Crime Organizado.
- Aparteantes
- Heloísa Helena, Marco Maciel, Roberto Cavalcanti.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/08/2006 - Página 27316
- Assunto
- Outros > CODIGO PENAL. SEGURANÇA PUBLICA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ROUBO, CARGA.
- Indexação
-
- REGISTRO, HISTORIA, CONSOLIDAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INFLUENCIA, ORGANIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, EUROPA, VINCULAÇÃO, COMUNISMO, TENTATIVA, DESTRUIÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, EFEITO, REDUÇÃO, EFICACIA, CODIGO PENAL, APROVAÇÃO, LEI DE EXECUÇÃO PENAL.
- ANALISE, CARACTERISTICA, CRIMINOSO, DESRESPEITO, PESSOAS, AUSENCIA, PERDA, APOIO, FAMILIA, REGISTRO, DIFICULDADE, TRABALHO, POLICIAL, APREENSÃO, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, FAVELA.
- COMENTARIO, IMPORTANCIA, CONCLUSÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ESPECIFICAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, ROUBO, CARGA, PRESIDENCIA, ORADOR, CONTRIBUIÇÃO, CRIAÇÃO, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.
- REGISTRO, RECOMENDAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, ROUBO, CARGA, PREVENÇÃO, COMBATE, FURTO, CAMINHÃO, MERCADORIA, COMENTARIO, DIFICULDADE, BRASIL, IMPOSIÇÃO, LEGISLAÇÃO, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, PARCERIA, AREA, JURISDIÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, OPERAÇÃO, ERRADICAÇÃO, CRIME ORGANIZADO.
- NECESSIDADE, REVISÃO, OBJETIVO, PENA, IMPORTANCIA, ESTUDO, POSSIBILIDADE, MELHORIA, LEGISLAÇÃO PENAL.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente.
Sr. Presidente, Srª Senadora Heloísa Helena, Srs. Senadores, gostaria de transmitir aos meus nobres Pares idéias e informações a respeito da presente conjuntura criminal, orientada para angustiar a sociedade brasileira e corroer os fundamentos do Estado democrático de direito. Refiro-me à criminalidade desenfreada, em especial ao crime organizado, que intenta demolir a cidadania, graças a uma posição de mando alcançada no interior e através das cadeias. Posição que permite a calejados facínoras - menos de 0,5% da população carcerária - comandarem, da cela, ações subversivas e terroristas de asseclas, nas ruas, com atentados à vida de agentes públicos e a bens das esferas estatal e particular.
As senhoras e os senhores podem ter lido que facções criminosas mais conhecidas (Comando Vermelho - CV, no Rio de Janeiro, e Primeiro Comando da Capital, famoso e famigerado PCC, em São Paulo) estruturam-se a partir de um erro tático ocorrido no combate ao terrorismo político nas décadas de 60 e 70. Pois, é verdade! Então, principalmente no presídio de Ilha Grande, no Estado do Rio, permitiu-se promiscuidade entre os presos oriundos de organizações subversivas clandestinas e os chamados criminosos “comuns”. Com isso, bandidos absorveram ensinamentos sobre táticas de guerrilhas urbanas e aprenderam a importância da organização. Assim, nasceu a Falange Vermelha, depois rebatizada de Comando Vermelho e que serviu de modelo às demais facções criminosas.
A chamada “luta armada” agonizava. Alguém percebeu como poderia ser vantajosa a substituição da “guerrilha urbana” política pela criminalidade “comum”, principalmente devido à inexistência de vínculos diretos entre aquelas organizações clandestinas e os bandidos que iriam praticar os crimes ao acaso. Esses delitos teriam os mesmos efeitos do terrorismo organizado, mas a repressão policial seria mais difícil e sem riscos para os ocultos beneficiários do terror. Surgiu, dessa maneira, uma simbiose criminal, em função das possibilidades de atemorizar cidadãos ordeiros e desacreditar instituições para extorquir benefícios carcerários e processuais. Devido ao componente político, tal simbiose conseguiu subverter e degenerar o sistema jurídico-penal.
Existia então um movimento internacional, muito forte na Europa, denominado “Nova Criminologia”. Seu ideário marxista-leninista incluía a extinção das penas privativas de liberdade de origem “burguesa”, objetivo oportunista e totalmente utópico. Os novos criminólogos pregavam a abolição das leis penais, apresentando-as como recurso maldoso das elites para silenciar outras classes. Na chamada “luta de classes”, a prisão seria o castigo reservado aos pobres renitentes, revoltados com a vida miserável e capazes de pegar em armas para despojar e resistir aos opressores.
Assim, as sociedades “burguesas” oprimiriam com a força da lei as pessoas que considerassem insurgentes. Como se fosse possível admitir, por exemplo, que matar alguém deixa de ser crime em algum lugar do mundo ou não receba a maior pena existente em qualquer sistema penal, inclusive no socialista. Ou ainda considerar pobreza como sinônimo de criminalidade.
Na verdade, a “Nova Criminologia” funcionava como linha-auxiliar dos terroristas italianos das Brigadas Vermelhas, alemães da Bader Meinhof e até dos japoneses da Facção do Exército Vermelho. Mercenários de potências hegemônicas, eles espalhavam-se pela maioria dos países ocidentais. Ansiavam pela derrubada dos arcabouços jurídicos nacionais que a eles se contrapunham. A seu ver, elidir as leis penais significava meio caminho para a revolução comunista e a tomada do poder.
Sem conseguir concretizar essa quimera, os neocriminólogos contentaram-se com o paulatino enfraquecimento dos sistemas criminais. Nesse afã, olvidaram as palavras “fazer justiça”. Fizeram triunfar suas aberrações jurídicas graças a poderosas máquinas partidárias de propaganda, informação e convencimento. Seqüelas dessa insanidade são o que vemos hoje, trinta anos depois.
Herdeiros do pensamento distorcido pela dialética do materialismo histórico ganharam projeção e fizeram escola no Brasil, como se vivêssemos nos cenário de Tolstoi, de Dostoievski ou Gorki. Virou modismo e de bom-tom transformar criminosos em vítimas e responsabilizar estas pelo próprio infortúnio. Chegou-se a criar uma pseudociência, batizada de “Vitimologia”, rapidamente absorvida por juristas de renome e governantes. Ficou definida nos dicionários como “teoria que tende a justificar um crime pelas atitudes com que a vítima como que a motiva”.
Neocriminólogos brasileiros disseminaram a imagem do delinqüente “comum” como “rebelde sem causa”, merecedor de apoio e carinho. Um herói romântico, forçado a roubar, matar, seqüestrar, traficar drogas para sobreviver. É que, diante do fracasso da “luta armada” para mudar o regime, seus mentores optaram pela caminhada revolucionária alternativa - um neoterrorismo - através da supressão do caráter punitivo das penas. Acreditaram que a revolução popular eclodiria fatalmente, caso se generalizasse a impunidade. Para tanto, as punições criminais precisaram ser reduzidas à simples ressocialização por meio da reeducação de quem delinqüisse. E, por isso, passaram a exaltar tudo o que pudesse ser considerado apenas como caráter ressocializante e educativo das penas.
O castigo penal caiu no esquecimento ou no desuso até para garantir a disciplina entre facínoras encarcerados. Chega a ser constrangedor e fora de moda invocá-lo agora. Deram-lhe aroma de vingança. Quanto à Justiça e à prevenção do crime, que se danem!
Sem o espectro da punição, desapareceria o temor penal desestimulante da criminalidade. Por conseqüência, segundo a análise dos mentores encobertos, uma escalada de violência inaudita, agravada pelo incremento da corrupção de agentes públicos, irradiaria sentimento de injustiça e revolta no seio do povo. Desmoralizaria autoridades e instituições democráticas por elas representadas. As gritantes diferenças sociais, agravadas pela má distribuição de renda, baixa escolaridade, deprimente assistência médico-odontológica-hospitalar, carência de lideranças políticas autênticas, vergonhosa sangria dos dinheiros públicos e o imobilismo do arcaico e detestável sistema prisional brasileiro fariam o resto. O regime político viria abaixo, Sr. Presidente.
Paralelamente, uma grande limitação, inexistente em meio às hostes neoterroristas, comprometeria a autodefesa democrática. Sim, porque é da essência de nossa democracia o respeito incondicional aos princípios declarados em cláusulas pétreas da Constituição. Repudiá-los significa morte. Aliás, a atual afronta terrorista ao Estado objetiva instigar esse rompimento institucional, Senador, Presidente da República, que aqui se encontra entre nós.
Para neocriminólogos, ética democrática e piedade são coisas de “sociedade burguesa” desprezadas por seus protegidos, os malfeitores. Mas, por questão de princípio, o governo democrático sempre estará obrigado a punir exemplarmente autoridades e agentes que desrespeitem direitos individuais de criminosos.
Eis, portanto, o perigoso paradoxo: a democracia capitalista combate em duas frentes, isto é, precisa reprimir tanto os que a estejam sufocando, quanto os que extrapolem sua autodefesa legal.
Na estratégia diabólica do “terrorismo sem terrorista”, o grande cavalo de Tróia foi a Lei de Execução Penal, secundada pelos Códigos Penal e de Processo Penal. Do seu bojo, saem decisões judiciais que diluem a já diminuta capacidade de dissuasão dessas leis. Tornam-se quase inócuas devido a um sem-número de benefícios carcerários e processuais.
Juristas e parlamentares desavisados ou comprometidos entregaram-se ao mister de demolir o sentido punitivo dessas leis. Eles acabaram por esquecer que, na outra ponta, estão as vítimas sedentas de justiça e uma sociedade acuada pela dificuldade em desestimular práticas delituosas.
No passado, a dúvida sempre beneficiou o réu até sua absolvição, porém, agora, tudo é desculpa para ajudá-lo antes e depois da condenação. Configuram-se aberrações que chegam a eivar uma das mais belas páginas escritas pela humanidade, isto é, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Faço minhas as palavras do Desembargador Álvaro Lazzarini, do Judiciário paulista, que diagnosticou uma “terceira vertente” na criminalidade, dizendo-a não mais restrita “aos malformados da teoria de Lombroso nem às vítimas do modelo econômico, os desvalidos, que, aliás, continuam a aumentar”. O insigne magistrado assinala que “o bandidismo mudou seu perfil e formou uma nova classe social”, lastreada na destruição de valores sociais, familiares e morais operada nas duas décadas anteriores, para ressaltar:
“Trata-se agora de uma terceira categoria: os deformados morais que acreditam ter o ‘direito’ de atacar os demais cidadãos, roubando-lhes os bens e tirando-lhes a vida, como bem entenderem. Eles se baseiam no que a mídia lhes ensinou. Já que ninguém presta, todos, em tese, são bandidos. (...) Essa nova classe de bandidos, ao contrário de antigamente, tem hoje o apoio dos seus familiares, que também foram convencidos pela mídia de que ninguém presta. Antes, o filho ladrão era até mesmo renegado e posto fora de casa pela família. Hoje basta ir aos presídios para verificar as multidões que ali acorrem para dar seu apoio moral aos presos e, quem sabe, levar-lhes informações e outros ‘meios’. Estranhamente, essas multidões não são encontradas nas portas dos asilos e dos hospitais.”
Concordo ainda com o desembargador quando afirma que a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) tornou-se “tão benevolente que beira a irresponsabilidade”.
O inigualável Jô Soares costuma qualificar o que se passa no Brasil de forma jocosa, mas realista.
É impossível, a esta altura, abstrair algum provável exagero, quando o vemos afirmar: “A corrupção não é invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”.
Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a simbiose iniciada na Ilha Grande cresceu e frutificou. Para perceber a sua atual pujança, basta observar o comportamento de alguns conhecidos próceres políticos. Com semblante angelical ou irado - conforme as circunstâncias -, chegam a dormir em portas de cadeia para prestigiar bandidos da pior espécie, sem sequer se atreverem a visitar as famílias infelicitadas por eles.
Mais fácil ainda é compreender a extensão do problema quando lembramos, por exemplo, que o traficante Fernandinho Beira-Mar foi capturado nas selvas colombianas, onde se transformara em sócio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. As Farc praticam o narcoterrorismo prognosticado pelo antigo chefão do Cartel de Medellín, Pablo Escobar, que proclamou ser a cocaína uma “bomba atômica” ao dispor dos guerrilheiros latino-americanos para financiá-los com bilhões de dólares e deteriorar as sociedades democráticas existentes ao redor.
Sr. Presidente, sei que meu tempo está-se esgotando, mas quero cumprimentar a Senadora Heloísa Helena e agradecer a S. Exª os depoimentos no seu trabalho de campanha pela Presidência da República.
O SR. PRESIDENTE (Marcos Guerra. PSDB - ES) - V. Exª pode concluir, Senador.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Eu pediria a V. Exª que permitisse a leitura total. É algo muito importante, Sr. Presidente. Faço um apelo, Senadora Heloísa Helena, para que os outros candidatos imitem V. Exª. Quando se fala em segurança pública nas propagandas eleitorais, faz-se uma terrível mistura; os candidatos mais divergem para um ataque pessoal do que propriamente para a busca da solução. Há uma coisa que não podemos esquecer, e à qual V. Exª tem-se referido: a figura do policial. Apelo aos outros candidatos para que observem isto: o policial é homem de bem, digno, e merece nosso respeito, nossa confiança. Ultimamente, ele tem sido relegado a segundo plano, como se fosse um ser qualquer e não tivesse a capacidade de entregar a própria vida em defesa do cidadão. Os policiais são relegados a um salário ínfimo em relação a outras atividades de Estado; são relegados à falta de condições para enfrentar o crime organizado, que vem crescendo dia a dia; são postos como alvos da marginalidade, para serem mortos na porta de suas casas - quando não têm alvejado o filho ou a esposa.
Não podemos esquecer que, atrás de cada arma, no interior de cada viatura policial, há alguém que vai nos defender. Que os corruptos sejam punidos permanentemente! Mas aqueles que abraçam essa profissão por vocação têm de ser tratados com respeito. Penso que os candidatos têm de referir-se aos policiais com respeito; têm de dar-lhes melhor organização em defesa da sociedade e meios para que desenvolvam bem seu trabalho. Não adianta dizer que vão colocar as Forças Armadas nas ruas. Meu Deus do céu! Eu vou dar o rio Tietê para a Marinha patrulhar? Eu vou dizer para a Aeronáutica pilotar as favelas ou os morros do Rio de Janeiro? O Exército vai tomar conta da criminalidade urbana, e a Polícia vai recolher-se dentro dos quartéis ou das delegacias? Isso é loucura, Senadora! V. Exª está correta no seu diagnóstico, no sentido de que precisamos dar os meios corretos, decentes, para que os policiais possam, realmente, corresponder à expectativa da própria vocação, que é a alma e o coração em defesa da sociedade.
O Sr. Roberto Cavalcanti (PRB - PB) - V. Exª me permite um aparte?
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Pois não, Senador.
O Sr. Roberto Cavalcanti (PRB - PB) - V. Exª está tocando em um ponto importantíssimo, que é o lado humano de toda essa problemática: o abandono do policial. O policial brasileiro, hoje, é tratado de forma completamente diferente do que era nos meus tempos de infância e juventude, quando havia, por parte da população, um profundo respeito. Só a passagem de um carro-patrulha impunha respeito; a população tinha admiração por aquele momento. V. Exª tocou em um ponto importantíssimo com relação à habitação do policial. Na minha infância, existiam as vilas militares, os locais onde os policiais ficavam agrupados, convivendo com famílias do mesmo nível, do mesmo padrão. Hoje, em função dos salários praticados, os policiais são obrigados a conviver, lado a lado, com os favelados. Esses são os seus vizinhos. E, quando os vizinhos são marginais, a situação se agrava: é a filha que namora o vizinho, que é bandido; é a ameaça na sua entrada em casa e na sua saída; é a visualização dos seus hábitos cotidianos, que ficam à mercê da espreita de todos aqueles marginais que o cercam. Então, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento, principalmente no tocante ao lado humano que envolve a situação do policial brasileiro no presente momento. Muito obrigado.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Senador Roberto Cavalcanti, agradeço a V. Exª. Recordo-me de situações inusitadas, como a do policial que mora na favela, a que V. Exª bem se referiu, Senador Marcos Guerra. A esposa, Senador Heráclito Fortes, Senador Marco Maciel, é obrigada a lavar a roupa do marido na pia e secá-la atrás da geladeira, porque não pode pendurá-la no varal. Se algum membro do PCC ou do Comando Vermelho identifica onde mora um policial, ou sua casa é queimada ou ele é morto na primeira oportunidade. É a degradação da atividade policial.
No meu tempo, isso era mais difícil acontecer: o policial era respeitado, o bandido tinha medo da Polícia. Ela, hoje, se obriga a submergir pela onda de proteção que a marginalidade tem.
Ouvi uma discussão muito clara, neste final de semana, em que se dizia que a pena não pode ser um castigo. Como não pode ser um castigo? O que é a pena? Ressocialização? Mas o marginal que pratica um crime grave vai para a cadeia como um castigo por ter violentado a sociedade. Então, não se pode tentar desvirtuar a razão essencial da pena. Temos, realmente, de estudar penas alternativas, buscá-las para os crimes de baixa periculosidade, e enfrentar a segurança com o respeito que ela merece.
Ouço V. Exª, Senador Marco Maciel.
O Sr. Marco Maciel (PFL - PE. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Romeu Tuma, V. Exª, como faz habitualmente, traz à consideração da Casa tema não somente de grande atualidade, mas também de grande significação para o nosso País: o problema da violência e, de modo especial, da violência urbana. Dentro desse quadro, V. Exª salienta o papel do policial, que deve ser cada vez mais realçado e reconhecido, sobretudo porque sua função, como agente da sociedade, é a de proteger a vida do cidadão, mais do que isso, a vida e o patrimônio - o privado e o público. Daí por que transmito a V. Exª meus cumprimentos pela abordagem que está fazendo. Espero que as suas palavras sejam ouvidas não somente pelo Poder Executivo Federal e por todos aqueles que se interessam, em nosso País, pela melhoria da prestação dos serviços de segurança pública, quer no plano federal, quer no plano dos Estados.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Agradeço, Senador Marco Maciel. Sou testemunha de que V. Exª, na Vice-Presidência, sempre viu com simpatia todo o esforço no sentido da busca de respeitabilidade e de meios para melhorar a atividade policial.
Ouço V. Exª, Senadora Heloísa Helena. Peço desculpas, Sr. Presidente, e mais um minuto para o aparte de S. Exª.
A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Senador Tuma, quero parabenizá-lo pelo pronunciamento. Sei que não é a primeira vez, certamente milhares de vezes V. Exª já foi à tribuna falar do tema, fez apelos, apresentou proposições concretas... O mais doloroso para mim no debate sobre segurança pública é que ele acabou sendo centralizado em São Paulo quando sabemos que o problema da segurança pública e do sistema prisional brasileiro acontece em todo o Brasil.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - É verdade.
A Srª Heloísa Helena (P-SOL - AL) - Hoje, existe uma disputa inconseqüente, eleitoreira e demagógica entre o PT e o PSDB. Os dois Partidos têm a obrigação de, humildemente, reconhecer a irresponsabilidade que patrocinaram, ao longo dos últimos doze anos, na área de segurança pública. E o mais doloroso é que, há dois anos e meio, como sabe V. Exª, todos os secretários de segurança pública ou defesa social do Brasil e todos os dirigentes do sistema prisional brasileiro encaminharam à Secretaria Nacional de Segurança Pública, ao Ministério da Justiça, um diagnóstico absolutamente preciso dos principais problemas e das alternativas concretas a curto, médio e longo prazo para tentar solucioná-los - e aí vai desde um sistema único de segurança, um piso salarial digno para os Policiais Civis e Militares... Há um cadastro dos mais de 360 mil encarcerados do Brasil, pelo crime cometido, pelo grau de periculosidade. Todos nós sabemos qual a situação de jovens ou mulheres e homens que estão em regime aberto, semi-aberto ou fechado, que estão nas delegacias ou no sistema penitenciário. Todo mundo sabe - é proposta de V. Exª, minha e de vários outros - o que se pode fazer para garantir o monitoramento, vinte e quatro horas por dia, dos chefões do crime organizado, que estão se aproveitando dos campos de concentração de pobres, que são muitos dos presídios brasileiros, e manipulando essas pessoas. Então, não é possível, não é possível que só o Presidente da República não saiba exatamente o que está acontecendo no Brasil. O mais triste é que, se fosse uma situação que ninguém conhecesse com precisão e alguém tivesse de fazer todo o diagnóstico e uma pesquisa a fim de identificar todos os problemas, ainda haveria razão para tanta irresponsabilidade e inoperância. O mais doloroso é que todas as pessoas têm, com exatidão técnica, o diagnóstico preciso do sistema prisional, do aparato de segurança pública. Não vou nem falar das políticas sociais, que, como sabemos V. Exª, a Senadora Patrícia, eu - todos falam sobre esse assunto -, diminuem o risco de que nossas crianças e jovens sejam arrastados para a marginalidade. Mas, além disso, o que pode ser feito hoje? O que pode ser feito agora? Realmente, fico impressionada com tanta incompetência, irresponsabilidade e insensibilidade com que está sendo tratada a área de segurança pública. Quero, mais uma vez, parabenizar V. Exª não pelo pronunciamento, mas pelo compromisso de vários pronunciamentos, de várias propostas e sugestões feitas por V. Exª nestes oito anos em que tenho a oportunidade de conviver com V. Exª no Senado Federal.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Obrigado, Senadora Heloísa Helena. Peço a Deus que ande sempre ao seu lado para que V. Exª possa, nessa progressão, fazer com que todos sintam que há solução, que depende - essa questão de vontade política, para mim, é meio confusa - da vontade férrea de querer trazer tranqüilidade à sociedade. Esta angústia, este sofrimento tem que acabar: o medo tomando conta das famílias de bem e o bandido rindo, tranqüilamente, sem nenhuma preocupação de ser molestado por uma autoridade. É o fim do mundo!
Que Deus a abençoe, Senadora!
Muito obrigado a todos os que me apartearam.
Sr. Presidente, peço à Presidência que publique na íntegra o meu pronunciamento.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ROMEU TUMA.
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O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, preciso transmitir aos meus nobres Pares idéias e informações a respeito da presente conjuntura criminal, orientada para angustiar a sociedade brasileira e corroer os fundamentos do Estado democrático de direito.
Refiro-me à criminalidade desenfreada, em especial ao crime organizado, que intenta demolir a cidadania graças a uma posição de mando alcançada no interior e através das cadeias. Posição que permite a calejados facínoras - menos de 0,5% da população carcerária - comandarem da cela ações subversivo-terroristas de asseclas nas ruas, com atentados à vida de agentes públicos e a bens das esferas estatal e particular.
As senhoras e os senhores podem ter lido que as facções criminosas mais conhecidas (Comando Vermelho - CV, no Rio de Janeiro, e Primeiro Comando da Capital - PCC, em São Paulo) estruturaram-se a partir de um erro tático ocorrido no combate ao terrorismo político das décadas de 60 e 70. Pois é verdade! Então, principalmente no presídio da Ilha Grande, no Estado do Rio, permitiu-se promiscuidade entre os presos oriundos de organizações subversivas clandestinas e os chamados criminosos “comuns”. Com isSo, bandidos absorveram ensinamentos sobre táticas de guerrilha urbana e aprenderam a importância da organização. Assim nasceu a Falange Vermelha, depois rebatizada de Comando Vermelho e que serviu de modelo às demais facções criminosas.
A chamada “luta armada” agonizava. Alguém percebeu como poderia ser vantajosa a substituição da “guerrilha urbana” política pela criminalidade “comum”, principalmente devido à inexistência de vínculos diretos entre aquelas organizações clandestinas e os bandidos que iriam praticar os crimes ao acaso. Esses delitos teriam os mesmos efeitos do terrorismo organizado, mas a repressão policial seria mais difícil e sem riscos para os ocultos beneficiários do terror. Surgiu dessa maneira uma simbiose criminal, em função das possibilidades de atemorizar cidadãos ordeiros e desacreditar instituições para extorquir benefícios carcerários e processuais. Devido ao componente político, tal simbiose conseguiu subverter e degenerar o sistema jurídico-penal.
Existia então um movimento internacional, muito forte na Europa, denominado “Nova Criminologia”. Seu ideário marxista-leninista incluía a extinção das penas privativas de liberdade de origem “burguesa”, objetivo oportunista e totalmente utópico. Os novos criminólogos pregavam a abolição das leis penais, apresentando-as como recurso maldoso das elites para silenciar outras classes. Na chamada “luta de classes”, a prisão seria o castigo reservado aos pobres renitentes, revoltados com a vida miserável e capazes de pegar em armas para despojar e resistir aos opressores.
Assim, as sociedades “burguesas” oprimiriam com a força da lei as pessoas que considerasse insurgentes. Como se fosse possível admitir, por exemplo, que matar alguém deixe de ser crime em algum lugar do mundo ou não receba a maior pena existente em qualquer sistema penal, inclusive no socialista. Ou ainda considerar pobreza como sinônimo de criminalidade.
Na verdade, a “Nova Criminologia” funcionava como linha-auxiliar dos terroristas italianos das Brigadas Vermelhas, alemães da Bader Meinhof e até dos japoneses da Facção do Exército Vermelho. Mercenários de potências hegemônicas, eles espalhavam-se pela maioria dos países ocidentais. Ansiavam pela derrubada dos arcabouços jurídicos nacionais que a eles se contrapunham. A seu ver, elidir as leis penais significava meio caminho para a revolução comunista e a tomada do poder.
Sem conseguir concretizar essa quimera, os neocriminólogos contentaram-se com o paulatino enfraquecimento dos sistemas criminais. Nesse afã, olvidaram as palavras “fazer justiça”. Fizeram triunfar suas aberrações jurídicas graças a poderosas máquinas partidárias de propaganda, informação e convencimento. Seqüelas dessa insanidade são o que vemos hoje, trinta anos depois.
Herdeiros do pensamento distorcido pela dialética do materialismo histórico ganharam projeção e fizeram escola no Brasil, como se vivêssemos nos cenários de Tolstoi, Dostoiévski ou Górki. Virou modismo e de bom tom transformar criminosos em vítimas e responsabilizar estas pelo próprio infortúnio. Chegou-se a criar uma pseudo-ciência, batizada de “Vitimologia”, rapidamente absorvida por juristas de renome e governantes. Ficou definida nos dicionários como “teoria que tende a justificar um crime pelas atitudes com que a vítima como que o motiva”.
Neocriminólogos brasileiros disseminaram a imagem do delinqüente “comum” como “rebelde sem causa” merecedor de apoio e carinho. Um herói romântico forçado a roubar, matar, seqüestrar e traficar drogas para sobreviver. É que, diante do fracasso da “luta armada” para mudar o regime, seus mentores optaram pela caminhada revolucionária alternativa - um neoterrorismo - através da supressão do caráter punitivo das penas. Acreditaram que a revolução popular eclodiria fatalmente, caso se generalizasse a impunidade. Para tanto, as punições criminais precisariam ser reduzidas à simples ressocialização através da reeducação de quem delinqüisse. E, por isso, passaram a exaltar tudo o que pudesse ser considerado apenas como caráter ressocializante e educativo das penas.
O castigo penal caiu no esquecimento ou no desuso até para garantir a disciplina entre facínoras encarcerados. Chega a ser constrangedor e fora de moda invocá-lo agora. Deram-lhe aroma de vingança. Quanto à justiça e à prevenção do crime, que se danem!
Sem o espectro da punição, desapareceria o temor penal desestimulante da criminalidade. Por conseqüência, segundo a análise dos mentores encobertos, uma escalada de violência inaudita, agravada pelo incremento da corrupção de agentes públicos, irradiaria sentimento de injustiça e revolta no seio do povo. Desmoralizaria autoridades e instituições democráticas por elas representadas. As gritantes diferenças sociais, agravadas pela má distribuição de renda, baixa escolaridade, deprimente assistência médico-odontológica-hospitalar, carência de lideranças políticas autênticas, vergonhosa sangria dos dinheiros públicos e pelo imobilismo do arcaico e detestável sistema prisional brasileiro fariam o resto. O regime político viria abaixo.
Paralelamente, uma grande limitação, inexistente em meio às hostes neoterroristas, comprometeria a autodefesa democrática. Sim, porque é da essência de nossa democracia o respeito incondicional aos princípios declarados em cláusulas pétreas da Constituição. Repudiá-los significa morte. Aliás, a atual afronta terrorista ao Estado objetiva instigar esse rompimento institucional.
Para neocriminólogos, ética democrática e piedade são coisas de “sociedade burguesa” desprezadas por seus protegidos, os malfeitores. Mas, por questão de princípio, o governo democrático sempre estará obrigado a punir exemplarmente autoridades e agentes que desrespeitem direitos individuais de criminosos.
Eis, portanto, o perigoso paradoxo: a democracia capitalista combate em duas frentes, isto é, precisa reprimir tanto os que a estejam sufocando, quanto os que extrapolem sua autodefesa legal.
Na estratégia diabólica do “terrorismo sem terrorista”, o grande cavalo de Tróia foi a Lei de Execução Penal, secundada pelos códigos Penal e de Processo Penal. Do seu bojo, saem decisões judiciais que diluem a já diminuta capacidade de dissuasão dessas leis. Tornam-se quase inócuas devido a um sem número de benefícios carcerários e processuais.
Juristas e parlamentares desavisados ou comprometidos entregaram-se ao mister de demolir o sentido punitivo dessas leis. Eles acabaram por esquecer de que, na outra ponta, estão as vítimas sedentas de justiça e uma sociedade acuada pela dificuldade em desestimular práticas delituosas.
No passado, a dúvida sempre beneficiou o réu até sua absolvição, porém, agora, tudo é desculpa para ajudá-lo antes e depois da condenação. Configuram-se aberrações que chegam a eivar uma das mais belas páginas escritas pela humanidade, isto é, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Faço minhas as palavras do Desembargador Álvaro Lazarini, do Judiciário paulista, que diagnosticou uma “terceira vertente” na criminalidade, dizendo-a não mais restrita “aos malformados da teoria de Lombroso nem às vítimas do modelo econômico, os desvalidos, que aliás continuam a aumentar.” O insigne magistrado assinala que “o banditismo mudou seu perfil e formou uma nova classe social” lastreada na destruição dos valores sociais, familiares e morais operada nas duas décadas anteriores, para ressaltar:
“Trata-se agora de uma terceira categoria: os deformados morais que acreditam ter o ‘direito’ de atacar os demais cidadãos, roubando-lhes os bens e tirando-lhes a vida, como bem entenderem. Eles se baseiam no que a mídia lhes ensinou. Já que ninguém presta, todos em tese são bandidos. (...) Essa nova classe de bandidos, ao contrário de antigamente, tem hoje o apoio dos seus familiares, que também foram convencidos pela mídia de que ninguém presta. Antes, o filho ladrão era até mesmo renegado e posto fora de casa pela família. Hoje basta ir aos presídios para verificar as multidões que ali acorrem para dar seu apoio moral aos presos e, quem sabe, levar-lhes informações e outros ‘meios’. Estranhamente, essas multidões não são encontradas nas portas dos asilos e dos hospitais.”
Concordo ainda com o Desembargador quando afirma que a Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) tornou-se “tão benevolente que beira a irresponsabilidade”.
O inigualável Jô Soares costuma qualificar o que se passa, no Brasil, de forma jocosa, mas realista. É impossível, a esta altura, abstrair algum provável exagero quando o vemos afirmar: “A corrupção não é invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”.
Assim, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a simbiose iniciada na Ilha Grande cresceu e frutificou. Para perceber sua atual pujança, basta observar o comportamento de alguns conhecidos próceres políticos. Com semblante angelical ou irado - conforme as circunstâncias -, chegam a dormir em portas de cadeia para prestigiar bandidos da pior espécie, sem sequer se atrever a visitar as famílias infelicitadas por eles.
Mais fácil ainda é compreender a extensão do problema quando lembramos, por exemplo, que o traficante “Fernandinho Beira-Mar” foi capturado nas selvas colombianas, onde se transformara em sócio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. As Farc praticam o narcoterrorismo prognosticado pelo antigo chefão do Cartel de Medellín, Pablo Escobar, que proclamou ser a cocaína uma “bomba atômica” ao dispor dos guerrilheiros latino-americanos para financiá-los com bilhões de dólares e deteriorar as sociedades democráticas existentes ao redor.
A relação entre crime organizado e luta ideológica aflora na onda de atentados promovida pelo PCC em nosso Estado. Há indícios de interesses outros por trás dos ataques sangrentos, além dos declarados pelo presidiário “Marcola” e seus sequazes. A par da coincidência entre a onda de violência descabida e o período eleitoral em andamento, a Polícia paulista investiga a possibilidade de o terrorista chileno Maurício Hernandez Norambuena ter orientado o recente seqüestro de uma equipe da maior emissora de televisão do País. A vida de um repórter da Rede Globo de TV foi trocada pela exibição de um vídeo subversivo-terrorista, a exemplo do que acontecia no Chile, ao tempo em que Norambuena integrava a organização guerrilheira Frente Patriótica Manuel Rodríguez.
Em seu país, Norambuena está condenado à prisão perpétua pelo assassinato do senador Jaime Guzmán e seqüestro de Cristián Edwards del Rio, filho do dono do jornal "El Mercurio", entre 1991 e 1992. Em 31 de dezembro de 1996, ele fugiu de uma prisão de segurança máxima chilena. Veio ao Brasil e aqui acabou condenado a 30 anos de reclusão por haver comandado o seqüestro do publicitário Washington Olivetto, em São Paulo. No dia do seqüestro da equipe jornalística da Globo, cumpria essa pena na mesma penitenciária em que Marcos Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, instalou o comando do PCC.
Os laços afetivos entre a delinqüência comum e a política também facilitaram a eliminação do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, assim como a impunidade dos mandantes do clamoroso homicídio disfarçado de seqüestro.
Diz-se que a pior cegueira é a de quem não quer ver. Não é à-toa que o livro Comando Vermelho - A História Secreta do Crime Organizado, escrito por Carlos Amorim, reproduz depoimento dado à polícia carioca, no início dos anos 90, por William Lima da Silva, o fundador da Falange Vermelha e do CV. Alcunhado de “Professor”, William afirmou sob interrogatório:
“Vou aos morros e vejo crianças com disposição fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão 3 milhões de adolescentes, que matarão vocês [os policiais] nas esquinas.”
"Professor" vangloriava-se de ser "o último comunista preso", conforme afirmou a esposa à imprensa. Seu depoimento desnuda o espírito maligno que ronda nossas instituições democráticas.
Mas, afinal, como reverter tal situação perigosa e infame, já que só é possível prevenir o crime organizado mediante eficaz repressão policial que o desorganize e amedronte seus chefes?
Diagnóstico e remédios para essa grave moléstia social figuram nas conclusões e sugestões de uma série de Comissões Parlamentares de Inquérito que este Senado e a Câmara dos Deputados realizaram nos últimos 10 anos. Eu mesmo tive a honra de integrá-las, como a CPMI dos Precatórios, e até presidi outras, como a do Roubo de Cargas, que funcionou de 2000 a 2002.
Graças ao poder judicante outorgado pela Constituição, nossos colegiados parlamentares quebraram sigilos bancários, telefônicos e fiscais para desvendar estruturas de associações criminosas e seus esquemas de “lavagem de dinheiro”. Ficou patente que tais modus operandi são comuns a todas as formas de crime organizado, seja as montadas por corruptos e corruptores, entre eles os políticos desonestos, seja as que faturam com o narcotráfico, tráfico de armas, jogos de azar, roubo de cargas, assaltos a bancos, seqüestros ou prostituição, inclusive infantil.
As conclusões dessas CPIs e CPMIs são autênticos planos de batalha para derrotar associações criminosas. A partir deles e das resoluções de diversas assembléias mundiais da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), encampadas pela ONU, várias leis surgiram e outras têm sido aprimoradas em nosso Congresso Nacional para facilitar a investigação e a repressão policiais.
Eis, por exemplo, algumas das recomendações da CPMI do Roubo de Cargas que resultaram na produção de leis em vigor:
“Implementação de mecanismos de cooperação entre a União e os Estados, permitindo que se criem medidas de resposta integradas para os delitos que ultrapassem as fronteiras estaduais.”
“Participação obrigatória dos órgãos fazendários (Receita Federal e Fazenda dos Estados) no combate aos delitos de veículos e cargas.”
“Perdimento de bens móveis e imóveis usados para prática do crime.”
“Responsabilidade do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), no estabelecimento dos dispositivos antifurto obrigatórios nos veículos, bem como dos requisitos técnicos e de segurança da documentação de propriedade e transferência de propriedade de veículo.”
“Aprovação de legislação federal específica para regulamentar o desmanche de veículos.”
“Ampliação, em recursos humanos e materiais, da atual infra-estrutura do Departamento de Polícia Federal para possibilitar ao Órgão cumprir suas atribuições definidas pela Lei nº 10.446, de 08/05/2002.”
“Prioridade absoluta à investigação e ao combate à receptação, o que, segundo entendemos, requer uma ‘força-tarefa’ que integre os diferentes organismos (Polícia Federal, Polícias Estaduais, fiscais fazendários, Ministério Público, outros órgãos públicos estaduais e municipais, etc.), conforme suas competências e as necessidades de cada operação.”
“Estabelecimento de mecanismos legais ou contratuais que obriguem as concessionárias de rodovias de todo o País a colocarem à disposição das autoridades policiais competentes as imagens obtidas pelas suas câmeras de controle, bem como os sistemas de comunicações de que dispõem, para fins de prevenção e repressão aos crimes em geral, e, em especial, aos roubos e furtos de veículos e cargas.”
“Atualização do “Sistema de Integração Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública” - INFOSEG, regido pelo Ministério da Justiça, que se destina a permitir o inter-relacionamento entre os Bancos de Dados das SSP / Estaduais (RENAVAM - RENACH - SINARM - Informações Criminais).”
“Compete às Secretarias de Segurança Pública estaduais a atualização dos seus respectivos Bancos de Dados, de modo a viabilizar a eficácia do INFOSEG.”
“Tornar a Lei mais severa e o trâmite processual mais ágil, em relação aos delitos contra o patrimônio, da seguinte forma: aumentar a pena prevista para o crime de receptação dolosa qualificada (considerar a possibilidade de tornar o delito inafiançável, de modo a manter o receptador preso e evitar penas alternativas); criar Varas Especializadas de Justiça nas capitais das Unidades Federadas, com competência ampliada para toda a UF, com a finalidade de combate ao crime organizado em todas as suas modalidades (considerar a possibilidade de criação de Juizados Especiais para Delitos de Veículos e Cargas); limitar a tramitação recursal na Justiça, resolvendo a ampla maioria das questões em níveis de 1ª e 2ª Instância; simplificar o rito processual; estabelecer a instauração de Inquérito Policial, independentemente de se tratar de autoria inicial conhecida ou desconhecida, dando maior prioridade e agilidade ao procedimento investigatório; celerizar procedimentos administrativos quanto ao expurgo de funcionários corruptos/desonestos.”
As maiores dificuldades, porém, continuam presentes para realizar aquilo que norte-americanos e canadenses chamam de “imposição da lei” (law enforcement). Isto é, temos leis para tudo, mas sua aplicação final permanece distante da objetividade e rapidez observadas em outros sistemas judiciais, como os de origem anglo-saxônica, e mesmo no italiano, por exemplo.
Vejo com satisfação, mas um pouco de reserva, que os governos da União e de São Paulo chegaram finalmente ao acordo para agir em conjunto contra o crime organizado, em função dos atentados praticados pelo PCC. A administração de recursos federais e estaduais através de um gabinete de gestão integrada pode, realmente, produzir a derrocada dessa e outras facções criminosas, desde que se preserve a honestidade de propósitos, sem desvios para exploração eleitoreira. Como vimos, tal integração também está recomendada nas conclusões das comissões parlamentares de inquérito.
Ao presidir a CPMI do Roubo de Cargas, pude testar os notáveis efeitos de forças-tarefas compostas de agentes federais e estaduais dos setores de Polícia (militares e civis), Polícia Federal, fiscalização do Ministério e das secretarias da Fazenda estaduais, Agência Nacional do Petróleo (ANP) e outros órgãos importantes para esse tipo de repressão, a exemplo do indispensável Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Todavia, nada superou o uso do recurso legal chamado “delação premiada”. Permitiu-nos, aliado às quebras de sigilo, penetrar rapidamente no âmago das quadrilhas e produzir provas irrefutáveis.
As polícias civil e militar paulistas são exemplares em matéria de formação e treinamento do seu pessoal. Conscientizei-me disso ao longo de 50 anos de carreira em nossa Polícia Civil, da qual continuo a me sentir parte, agora como Delegado de Classe Especial aposentado. Da mesma forma que a Polícia Federal, onde militei por 10 anos, as corporações policiais do Estado de São Paulo possuem todas as condições para desarticular as facções criminosas do neoterrorismo.
A investigação policial hodierna possui recursos legais, operacionais e técnico-científicos impensáveis naquela época. A defesa da sociedade passou a dispor de mecanismos legais até então apenas sonhados. Pode-se enfrentar o crime organizado, mesmo com a forma e diversidade de atuação que ele apresenta, particularmente na capacidade de alcançar grande extensões geográficas para se aprofundar no tecido social e comprometê-lo.
Entretanto, em âmbito nacional, esse enfrentamento implica medidas distribuídas por três grandes áreas: a jurídica, a estrutural e a operacional. Entre outras, podemos destacar as seguintes ações, algumas realizadas e outras por realizar:
Área Jurídica - Promulgação de leis
- Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995, que “dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas”, alterada pela Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001;
- Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que “Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal (interceptação de comunicações telefônicas);
- Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que “Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; (...) e dá outras providências”;
- Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, que “Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas (...).
Área Estrutural
- modernização das polícias técnicas;
- modernização, informatização e desenvolvimento de bancos de dados;
- informatização dos sistemas administrativos e operacionais das polícias;
- integração dos sistemas de comunicações e informações da polícia federal e das polícias estaduais.
Área Operacional
- saneamento das polícias (corrupção, relações criminosas, relação problemática policial/sociedade, ligações promíscuas com a política local, inépcia na investigação criminal etc.);
- integração operacional da polícia ostensiva com a polícia judiciária;
- integração Ministério Público/polícia judiciária em todas as fases da atividade de investigação, conforme prevê a norma constitucional (art. 129).
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, permitam-me chamá-los assim. Fazer justiça no campo criminal é algo mais abrangente do que somente aplicar a lei, embora dela jamais devamos nos afastar durante os procedimentos que levem à condenação de quem ousou desafiá-la.
Para fazer justiça, os magistrados guiam-se por seu próprio convencimento à luz das provas coligidas e dos valores do direito universal. Rogo aos céus que, em benefício da segurança pública, isto é, da felicidade de nossas famílias e nós mesmos, a Providência Divina sempre os oriente no sentido maior das nossas leis. Ou seja: proteger os direitos do ofendido, sem descurar do ofensor, e garantir a vida, a integridade física e moral dos cidadãos, assim como o seu patrimônio.
Muito obrigado.