Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificação de referência feita ao presidente Lula, em pronunciamento na semana passada, equivalente a Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, fato que causou polêmica por parte de seus pares.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Justificação de referência feita ao presidente Lula, em pronunciamento na semana passada, equivalente a Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, fato que causou polêmica por parte de seus pares.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2006 - Página 27528
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • RETOMADA, ANTERIORIDADE, DISCURSO, ORADOR, COMPARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GETULIO VARGAS, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, HISTORIA, BRASIL, ALTERAÇÃO, MODELO POLITICO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, RECEBIMENTO, CRITICA, CLASSE POLITICA, EPOCA, ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PIONEIRO, MODELO, INTEGRAÇÃO SOCIAL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, SEMELHANÇA, HISTORIA, REALIZAÇÃO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • AVALIAÇÃO, BOLSA FAMILIA, POLITICA SALARIAL, VALORIZAÇÃO, SALARIO MINIMO, INCENTIVO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, REFORMA AGRARIA, CRESCIMENTO, COOPERATIVISMO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, AMPLIAÇÃO, PRISÃO, CRIME DO COLARINHO BRANCO, ANALISE, ERRO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, DESVALORIZAÇÃO, REALIZAÇÃO, PRIORIDADE, JUSTIÇA SOCIAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero hoje voltar a um tema que introduzi na semana passada e que causou certa estranheza entre alguns Senadores da Oposição, quando fiz referência ao Presidente Lula equiparando-o aos outros dois presidentes que constituíram marcos na história republicana do Brasil, que foram Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

Quero voltar ao tema com a maior serenidade e sem ironias para justificar esse meu ponto de vista, destacando aqueles governantes e respectivos períodos de governo que introduziram transformações estruturais na sociedade brasileira.

Trata-se daquela sociedade que saiu do Império para a República, marcada pelo regime da República Velha, com uma predominância absoluta de chefes políticos locais, que tomavam conta do Estado brasileiro, de propriedade dessa oligarquia que nomeava os funcionários e tomava todas as decisões num nível regional. Não havia um projeto nacional brasileiro, um projeto de Nação.

A criação desse projeto deu-se com a Revolução de 30, com os dois governos de Getúlio Vargas e com a estruturação do Estado, o Estado Racional, a criação do Dasp e dos concursos públicos. Depois, houve o projeto de industrialização, o Estado intervindo nos setores de economia importantes do País - o café e o açúcar -, criando em seguida a infra-estrutura industrial e, no período seguinte, a Petrobras, o BNDES e a Vale do Rio Doce bem como introduzindo os direitos trabalhistas de forma não-democrática, porque Getúlio Vargas não era um democrata; Getúlio Vargas era um positivista, uma daquelas mentalidades que via na ciência, no bom senso e no patriotismo um caminho para fazer bem ao povo, mas não a partir deste, e sim, a partir das luzes que a ciência indicava. Assim eram os positivistas. E Getúlio decorreu de uma linha de positivistas célebres do Rio Grande do Sul - Júlio de Castilho, Borges de Medeiros etc. Esse foi o primeiro grande projeto nacional brasileiro que transformou estruturas deste País. Realmente o Brasil foi outro depois de Getúlio Vargas.

O segundo grande projeto transformador foi o de Juscelino Kubitschek, sim. Não tanto pela continuidade do desenvolvimentismo que vinha de Vargas, mas especialmente pela visão do alargamento da fronteira do País. O Brasil era um país litorâneo, este interior era um deserto. Conheci Brasília na sua construção. Vindo de avião, levavam-se horas e horas sobrevoando um deserto. Em Minas Gerais, nas proximidades do Rio de Janeiro, não havia ocupação na Zona da Mata; a partir de Belo Horizonte, não havia praticamente nada. Todo este imenso território brasileiro era desconhecido do Brasil, e Juscelino, com a implantação da Capital, abriu essa fronteira, sob críticas terríveis. Vivi essa fase, era jovem e me lembro das terríveis críticas da construção de Brasília. Os adversários, os udenistas da época, viam na construção de Brasília uma ladroagem só!

O Senador Paulo Octávio parece que ficou chocado, mas ele era muito pequeno nessa época ou não havia nem nascido - nem sei -, mas eu vivi esse momento e me lembro bem.

Enfim, esse foi um grande projeto brasileiro, o de integração deste território gigantesco que não era conhecido do Brasil, a partir da implantação da Capital, daquela resolução política, eminentemente política. Não havia qualquer motivação de natureza econômica, nem mercado algum que falasse em Brasília; foi uma decisão política de integrar o País. Então o Brasil conheceu uma nova etapa depois da construção de Brasília e da abertura da fronteira oeste.

Sr. Presidente, agora nesse primeiro Governo Lula, com todas as críticas que se possam fazer e que se devam fazer, o fato é o seguinte: pela primeira vez um governo definiu como projeto a integração social, isto é, a implantação progressiva, muito progressiva - embora ainda muito lenta no início -, como projeto de governo definido e prioritário, a distribuição de renda, a integração das zonas pobres do Brasil, a integração das camadas pauperizadas deste País, a realização da justiça social, da justiça econômica, da justiça estrutural, que nunca ocorreu, nunca esteve presente no Brasil. Ao contrário, desde os tempos da escravidão, este País foi marcado pela injustiça estrutural.

Então, pela primeira vez, um Presidente - pioneiro neste caso - age para mudar as estruturas sociais. Isto é que considero importante.

O que marca a história da República são as mudanças estruturais. Primeiro, o projeto de Nação, de Getúlio Vargas; depois, a interiorização, a abertura do território, o alargamento, o aprofundamento da fronteira, com Kubitschek; e, agora, a estruturação, a mudança de estrutura no campo social, com o projeto de redistribuição de renda e de incorporação à vida econômica e social do País camadas enormes, imensas da população que estavam à margem. Então, isso é um fato histórico! Isso caracteriza um período, um marco histórico, sim, quer dizer, um novo patamar. E, por conseguinte, comparável e análogo aos patamares produzidos por Vargas e Kubitschek.

É claro que este projeto ainda não está concluído. É um projeto que foi iniciado. Mas o seu início, a sua eleição, por parte do Governo, como projeto prioritário - e é um projeto prioritário - inclui, nitidamente, a distribuição até à frente do crescimento econômico, invertendo aquele lema de fazer crescer o bolo para distribuí-lo. Ao contrário, distribui-se o bolo até antes para fazê-lo crescer já em novas bases estruturais - isso é o importante -, com uma produção agrícola-industrial voltada para o atendimento das necessidades fundamentais de enormes massas da população brasileira que estavam à margem dele.

Essa é uma mudança estrutural de grande envergadura, para marcar a História, sim. Para marcar a História, sim. Façamos críticas - e é importante que sejam feitas -, mas é necessário reconhecermos essa marca de pioneirismo, de mudança estrutural, marca esta que introduz algo que não existia antes.

Podem chamar de assistencialistas programas como o Bolsa-Família, mas o fato é que se muda a distribuição de renda. A pirâmide de distribuição de renda, no Brasil, está mudando a olhos vistos, na nossa face, e a população, obviamente, está respondendo. Não é por acaso que o Presidente, debaixo de tantas críticas, mantém a popularidade e o apoio da população. Espero que eles sejam mantidos - não quero antecipar resultado eleitoral algum -, mas não é por acaso que eles existem, é porque isso está acontecendo. Estão acontecendo coisas importantes como o Bolsa-Família, a melhoria significativa do valor real do salário mínimo, a agricultura familiar, a reforma agrária - que, embora devagar, anda muito mais depressa do que em qualquer outro período da nossa História -, microcréditos e incentivos a cooperativas.

Na edição de ontem de O Globo, há toda uma página relatando o crescimento das cooperativas de trabalhadores brasileiras, que assumem empresas em processo de falência e encontram apoio governamental para fazê-las renascer, reviver, redinamizando-as. O título da matéria é “Cooperativa cresce e aparece”. Empresas, em associação de trabalhadores, já movimentam, por ano, R$6 bilhões e empregam mais de um milhão de pessoas.

Esse conjunto de programas voltados para a justiça social é algo de muito importante, refletindo-se em outras atitudes também.

O Jornal do Brasil de sexta-feira, por exemplo, coloca em sua manchete: “Duplicam prisões por crimes de luxo”. Os crimes de colarinho branco, que nunca eram punidos no País, passaram a sê-lo. Detidos, neste ano, já são 400. No ano passado, foram 600. Isso nunca ocorreu. Isso nunca ocorreu no Brasil!

Algo de novo está ocorrendo sob a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, um trabalhador que chegou ao cargo de Presidente com todas as suas limitações: não tinha experiência de Governo e foi apoiado por um Partido que também nunca tinha exercido o Governo no âmbito federal. Tudo isso cria dificuldades, exige aprendizado. Cometem-se erros, por vezes muito graves, mas o fato é que há um conjunto de realizações no campo social.

O projeto de investimento na educação de base demorou, pois poderia ter sido concluído antes, mas, finalmente, foi aprovado e vai encontrar a sua realização. Além disso, está sendo dada prioridade ao ensino profissional e técnico, como o Senador Paulo Paim, que me antecedeu, ressaltou muito bem em seu discurso.

Tudo isso compõe um quadro em que se verifica, claramente, a prioridade do Governo, pela primeira vez em nossa História, de enfrentar o problema estrutural da injustiça existente neste País.

Isso se constitui, sim, num marco importante e é motivo suficiente para se colocar o Presidente Lula num patamar análogo, equivalente ao de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, na minha opinião. Posso estar equivocado e não estou querendo ser verdade histórica, mas acredito que a História, nos seus períodos posteriores, vai mostrar isso com clareza. Tenho essa convicção, assim como creio que ele será reeleito para um segundo mandato e aprofundará essa diretriz voltada para a justiça social, inaugurando um novo período histórico da República brasileira.

Por tudo isso, Sr. Presidente, julguei conveniente fazer essas observações, confirmando o que eu já havia dito.

Soube depois, pois eu não me encontrava presente, que houve um mal-entendido com relação ao Senador Paulo Octávio, que acreditou que eu estava tentando diminuir a figura de Juscelino. Nunca, ao contrário. Fui um jovem que trabalhou no Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek, no período áureo do seu Governo, e fiquei indignado com as acusações levianas, absurdas e cruéis dos seus adversários udenistas. Estes, como eu disse, classificavam o Governo de Juscelino das formas mais depreciativas possíveis e eu, indignado, continuava trabalhando. Então, que transformação seria essa de eu, hoje, querer denegri-lo? Ao contrário, considero que Juscelino foi um dos grandes marcos, assim como foi Getúlio Vargas e como é Lula, que será reconhecido pela História, na medida em que é um pioneiro que introduz uma transformação nova, estrutural, na sociedade brasileira, dando prioridade à questão social.

Sr. Presidente, tudo isso vai continuar em discussão. Estamos num período de disputa eleitoral, de disputa presidencial, e é muito normal, muito natural que as opiniões se tornem agudamente mais confrontantes. Creio que a sociedade brasileira como um todo está reconhecendo isso e dará ao Presidente condições de, reeleito, executar, aprofundar e levar à frente a sua prioridade, o seu projeto de justiça estrutural na sociedade brasileira. É claro que vai precisar de um apoio muito grande da sociedade para aprofundar esses veios que ele apenas indicou no seu primeiro mandato, mas que devem ser desenvolvidos, retomando, sim, o crescimento, se bem que de uma natureza diferente.

Não será mais aquele crescimento eminentemente voltado para o atendimento do consumo das classes privilegiadas, ou eminentemente baseado no esforço de exportação, que será sempre importante, bem como o consumo das classes mais elevadas de renda. No entanto, o mais importante é o alargamento do mercado interno, capaz de sustentar uma base de produção industrial e agropecuária, com consumo voltado para as necessidades fundamentais do povo mais carente, que nunca teve presença marcante no mercado, a partir do Nordeste. A própria equalização regional do Brasil vai resultar desse programa do Governo Lula.

Noutro dia, tive a oportunidade de mostrar aqui, também com matérias publicadas na imprensa mais insuspeita, que nunca o Nordeste teve aplicações da ordem de R$6 bilhões em programas de desenvolvimento regional como agora. Nunca! Então, tudo isso vai-se refletir e inaugurar, marcar uma época específica na História republicana brasileira, presidida pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Era isso, Sr. Presidente, que eu queria trazer, outra vez, à Casa, para confirmar e reafirmar o que eu disse há uma semana e que causou certa estranheza em alguns Senadores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2006 - Página 27528