Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento de Dom Luciano Mendes de Almeida, ocorrido em São Paulo, no dia 27 do corrente.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento de Dom Luciano Mendes de Almeida, ocorrido em São Paulo, no dia 27 do corrente.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2006 - Página 27518
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ARCEBISPO, ATUAÇÃO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EX PRESIDENTE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), REGISTRO, BIOGRAFIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CRIAÇÃO, PROGRAMA, IGREJA CATOLICA, ATENDIMENTO, MENOR, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, DIREITOS HUMANOS, REFORMA AGRARIA, DEMOCRACIA, LEITURA, TRECHO, DEPOIMENTO, AUTORIDADE RELIGIOSA, GOVERNADOR.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Para encaminhar. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador João Alberto, representante do Estado do Maranhão nesta Casa da Federação, o Senado Federal; Srªs e Srs. Senadores. Saúdo de modo especial o Senador Paulo Paim, aqui presente.

Venho à tribuna, Sr. Presidente, como V. Exª anunciou, para manifestar o pesar do Senado Federal pelo passamento do Arcebispo Dom Luciano Mendes de Almeida, ocorrido ontem à noite na cidade de São Paulo. Peço, em documento também assinado por V. Exª, Sr. Presidente, e pelo Senador Paulo Paim, que fosse inserido em ata o voto de pesar pelo falecimento do Arcebispo, bem como apresentação de condolências aos seus irmãos, Sr. Luiz Fernando Mendes de Almeida; Sr. Cândido Mendes de Almeida, meu colega na Academia Brasileira de Letras; Sr. Antonio Luiz Mendes de Almeida e Srª Maria da Glória Mendes de Almeida Grevi. Por fim, também que votos de condolências sejam expedidos à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, à Nunciatura Apostólica e à Diocese de Mariana, em Minas Gerais.

Sr. Presidente, Senador João Alberto, o falecimento de Dom Luciano Mendes de Almeida, Arcebispo de Mariana, cidade histórica de Minas Gerais, ex-Secretário-Geral da CNBB, durante dois períodos de 1979 a 1986, e ex-Presidente da CNBB, também em dois períodos: 1987 a 1995, deixou entristecida não só a comunidade católica, mas igualmente a sociedade brasileira.

Dom Luciano, nascido no Rio de Janeiro, era filho de ilustre família e deixou profundas lembranças de sua atuação como sacerdote e como prelado.

Dom Luciano iniciou a sua vida religiosa na Companhia de Jesus, Ordem dos Jesuítas, em 1947. Posteriormente, foi alçado à condição de seu delegado interprovincial no Brasil. Filósofo, graduou-se em Nova Friburgo, cidade do Rio de Janeiro, e doutorou-se, posteriormente, na Universidade Gregoriana de Roma, em cuja cidade foi ordenado padre. Era também doutor em teologia, título que obteve ao tempo em que residiu em Roma, aperfeiçoando não somente os seus estudos, mas também já no cumprimento de funções eclesiais. Exerceu as funções de bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, nomeado pelo Papa Paulo VI, por sugestão do Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

Sr. Presidente, em São Paulo, Dom Luciano criou a Pastoral do Menor e dedicou-se, ao lado das funções episcopais, à promoção de projetos voltados às crianças carentes, dando-lhes apoio material e espiritual. Aliás, foi esta talvez a marca maior da atuação pastoral de Dom Luciano: a dedicação às crianças. Até então, a Igreja não tinha uma pastoral do menor; e ele a criou e a fez desenvolver em todo o Brasil. Era uma demonstração concreta do seu amor, não somente pelas crianças, que Jesus tanto privilegiou nos seus ensinamentos, mas também uma demonstração do seu amor pelos pobres, sobretudo os excluídos da sociedade.

Posteriormente, Dom Luciano esteve em Puebla, no México, no Conclave da América Latina, que teve uma posição muito nítida no sentido de inserir na Igreja a preocupação cada vez maior pelos pobres. Daí surgiu a idéia de que a Igreja devia ter uma “opção preferencial pelos pobres”.

Em fins da década de 70 passada, já na condição de Secretário-Geral da CNBB, negociou o novo Estatuto de Estrangeiros com o Governo do Presidente João Figueiredo, especialmente com o seu Ministro da Justiça, Deputado Ibrahim Abi-Ackel.

Para a Igreja Católica, a liberação de vistos era fundamental, porque, à época, grande parte do clero brasileiro constituía-se de estrangeiros. As negociações que Dom Luciano empreendeu num momento difícil de nossa história não se circunscreveram à questão dos vistos, porque tiveram um alcance mais amplo no sentido de dotar o País de uma legislação mais moderna que, inclusive, agilizasse a concessão dos vistos, não criasse dificuldades a sua renovação e, sobretudo, não se fizesse exclusão, porque, muitas vezes, negavam-se vistos ou se exigiam muitas precondições para que fosse concedido.

O trabalho de Dom Luciano foi muito importante na ocasião porque ele conseguiu finalmente que se fizesse um novo Estatuto e, assim, houvesse uma disciplina mais aberta no tratamento da questão.

Outro ponto importante de sua atuação, já no Governo do Presidente José Sarney, foi a questão da reforma agrária e da violência no campo, que deixou fundas cicatrizes pelos assassinatos de padres e de trabalhadores. Os entendimentos também caminharam bem e houve um diálogo fluido, como se diz em linguagem diplomática, entre o Governo e a CNBB.

Em 1987, sucedendo Dom Ivo Lorscheiter, ocupou a Presidência da CNBB durante dois períodos, como disse no início das minhas palavras. Para não me alongar, Sr. Presidente, vou citar apenas um ponto da sua fecunda atividade. Ele atuou junto à Constituinte em favor dos direitos sociais, inclusive dos índios, levando reivindicações do Cimi e de outras instituições de natureza social. Seu trabalho foi muito profícuo, porque a Constituinte foi um grande momento de afirmação nacional e, sobretudo, de consolidação de uma legislação que não somente assegurasse o retorno do País ao Estado democrático de direito, mas também a ampliação dos direitos fundamentais, quer no campo político ou social, quer no campo econômico ou dos direitos culturais. Aliás, cada vez mais, esses direitos recebem maior proteção, inclusive da comunidade internacional, por meio de instituições como a ONU, a OEA e, também, de muitas organizações regionais ou sub-regionais, como é o caso do Mercosul, que contempla essa proteção por meio da chamada cláusula democrática, que exige que um país, para que possa pertencer à instituição, deva obviamente praticar a democracia.

Sr. Presidente, apreciando a estuante vida de Dom Luciano, gostaria de salientar haver privado de relacionamento próximo quer como Parlamentar, quer como Ministro da Educação e Ministro-Chefe da Casa Civil, quer como Vice-Presidente da República e posso assim dizer que, por conta de entendimentos, tornei-me amigo dele, e, muitas vezes, conversamos. Antes da internação que o levou ao hospital, tive oportunidade de falar-lhe ao telefone. Tinha por ele uma grande admiração, que penso ser o sentimento de todos os brasileiros.

É bom recordar, também, que Dom Luciano participou intensamente da renovação da Igreja pós-Concílio Vaticano II e exerceu ativo papel na defesa dos direitos humanos, da realização da reforma agrária e da abertura política do País.

Ouço, com prazer, o nobre Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Marco Maciel, cumprimento V. Exª pela brilhante iniciativa desse voto de solidariedade, de pesar à família e a todo o povo brasileiro, por tudo que representava e representa Dom Luciano. Sempre digo que o corpo dos homens e das mulheres morre, mas as idéias ficam, e as idéias de Dom Luciano, com certeza, terão continuidade. Diria que a frase que ouvi hoje de um Bispo em relação a Dom Luciano merece ser repetida. A última frase de Dom Luciano, que foi repetida hoje pela manhã, foi a seguinte: “Por favor, não se esqueçam dos pobres. Lembrem-se sempre dos meus, dos nossos pobres.” Achei muito bonita essa frase, a última que ele teria dito. Fui Constituinte também - e V. Exª atuou intensamente naquela época -, e, de fato, todas as vezes em que ele esteve aqui, dialogando com os Parlamentares, Senadores e Deputados Constituintes, foi na linha dos direitos humanos. Portanto, essa é a imagem que levo dele. Ele, como Secretário Geral, foi um mediador, buscava uma saída para os conflitos, sempre na linha dos homens e das mulheres em primeiro lugar. Creio que é isto que falta, hoje, à grande parte dos líderes deste País: que o discurso, a fala leve, em primeiro lugar, o interesse do ser humano. Isso é fundamental, e essa é a imagem que ele me deixou, uma imagem muito bonita. Como digo, ele morreu, mas seus ideais continuarão sempre vivos junto a nós. Parabéns a V. Exª pelo brilhante pronunciamento - V. Exª que conhece a história dele, porque era seu amigo pessoal, inclusive falou com ele, quando ele ainda estava no hospital. Parabéns, mais uma vez, Senador Marco Maciel, pela iniciativa. Tenho muito orgulho por V. Exª ter-me convidado a assinar, junto com V. Exª e outros Senadores, esse voto de pesar. Obrigado.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Paulo Paim. Acolho, com muito reconhecimento, as palavras que V. Exª profere a respeito de Dom Luciano.

De fato, Dom Luciano foi um dos grandes prelados da Igreja Católica, sobretudo nos momentos difíceis que atravessou o País. É bom lembrar que a sua atuação, não excluía sempre a busca do diálogo. Ele amava o diálogo. Diria até que tinha o estilo mineiro. Era veemente e assertivo em suas colocações, mas sempre mantinha a capacidade dialogal aberta. Ele esposava com convicção suas idéias, mas era capaz de buscar entendimento e a solução. Era uma pessoa, portanto, com vocação de líder. Daí a grande repercussão que seu falecimento alcança desde o dia de ontem.

Conviver com ele era para mim um dom, pois nele se descobria sua forte vocação profética, expressa na denúncia das injustiças. Geralmente, pensamos, Sr. Presidente, Senador João Alberto Souza, que o profeta é aquele que prevê o futuro, que o antecipa. Mas, na realidade, o verdadeiro profeta não é só aquele que prevê o futuro, que orienta e dá rumos, mas aquele também que denuncia as injustiças. Um dos grandes profetas, que foi Isaías, disse certa feita: “Clama, não cesses, ergues como a trombeta a tua voz”, querendo dizer que não bastava orientar suas comunidades, seus povos, com relação ao futuro, mas que era fundamental, também, denunciar as injustiças do presente. Nisso posso afirmar, sem nenhum receio, que Dom Luciano foi um autêntico profeta, no sentido polissêmico que a palavra “profeta” tem. Ou seja, múltiplos sentidos, e um deles é certamente aquele de denunciar as agruras do presente e, de alguma forma, lembrar o passado com base nas lições que brotam do Antigo e do Novo Testamento.

Sr. Presidente, embora saibamos, como dizia Alceu Amoroso Lima, ser a “morte o avesso da vida, mas não o contrário dela”, seu falecimento consterna a todos, especialmente os amigos.

Dom Luciano publicava aos sábados, desde 1984, uma coluna na página A2 da Folha de S.Paulo.

No dia 05 deste mês, há somente pouco mais de vinte dias, já hospitalizado e talvez pressentindo a proximidade da morte, Dom Luciano assim se expressou em seu artigo: “Estou nas mãos de Deus. Deus nos criou por amor e Ele sabe o que é melhor para nós. Coloco minha vida em suas mãos”.

Antes de encerrar, Sr. Presidente, desejo ler três curtos depoimentos sobre Dom Luciano.

De Dom Cláudio Hummes, Cardeal-Arcebispo de São Paulo, disse: “Lamentamos a morte de D. Luciano, mas nos alegramos por sua missão cumprida de forma iluminada. Ele foi uma das grandes figuras da Igreja Católica do Brasil e do mundo. Nós o consideramos um bispo exemplar que se distinguiu pelo desprendimento e atenção às pessoas. Sob este aspecto, D. Luciano foi um modelo de santo.”

Na mesma direção, foi o depoimento de Dom Geraldo Majella, Cardeal-Arcebispo de Salvador, Arcebispo Primaz do Brasil e atualmente Presidente da CNBB: “Manifestamos nossa solidariedade aos familiares e parentes de D. Luciano e à Arquidiocese de Mariana. Seu dinamismo, inteligência privilegiada, dedicação incansável e testemunho de amor à Igreja deixaram marcas profundas na Conferência Episcopal e na Igreja no Brasil. Sua vida de oração e o testemunho de amor a Deus e ao próximo ajudaram muitas pessoas a se aproximarem de Deus”.

Por fim, gostaria de citar um depoimento do Governador de São Paulo, Cláudio Lembo, que - é importante lembrar - era amigo de Dom Luciano e o conheceu há cerca de três décadas, quando este era Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, ao tempo em que, como lembrei aqui, era Arcebispo de São Paulo o Cardeal Dom Paulo Arns.

O Professor Cláudio Lembo, hoje exercendo as funções de Governador de São Paulo, se manifestou de forma sintética, mas muito precisa, sobre ele: “Dom Luciano foi um homem completo e acima de tudo um bom religioso, um representante à altura dos jesuítas. Um homem de cultura, sensível e muito diplomático”.

Aliás, ao lembrar a condição de jesuíta, saliento que Dom Luciano foi o primeiro jesuíta brasileiro a ser escolhido bispo.

Sr. Presidente, Senador João Alberto Sousa, encerro minhas palavras citando um versículo do Atos dos Apóstolos que Dom Luciano gostava de mencionar e se constituiu, na minha opinião, na marca de sua conduta: “Quando vamos aprender que é feliz quem faz os outros felizes?”

E foi essa conduta que marcou D. Luciano, a busca de ser feliz procurando fazer com que os outros fossem felizes.

Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2006 - Página 27518