Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcrição de dois artigos publicados pela imprensa: "A ética da hipocrisia", da autoria de Paulo Betti, e "Anatomia da inveja", de Mauro Santayana.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Transcrição de dois artigos publicados pela imprensa: "A ética da hipocrisia", da autoria de Paulo Betti, e "Anatomia da inveja", de Mauro Santayana.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2006 - Página 27907
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, COMENTARIO, POSIÇÃO, ARTISTA, TELEVISÃO, PROCESSO ELEITORAL, LEITURA, TRECHO, QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, COBRANÇA, PUNIÇÃO, CONGRESSISTA, PARTICIPAÇÃO, CORRUPÇÃO, CONTRADIÇÃO, ANTERIORIDADE, GOVERNO, FAVORECIMENTO, BANCO ESTRANGEIRO, NEGAÇÃO, ABERTURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, AQUISIÇÃO, VOTO, REELEIÇÃO.

            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna para fazer o registro, e peço a reprodução na íntegra, de dois artigos publicados pela imprensa no dia de hoje.

            O primeiro deles é de autoria de Paulo Betti, sob o título “A ética da hipocrisia”, e trata do debate a respeito do posicionamento de artistas brasileiros com relação ao processo eleitoral.

            Lerei apenas alguns trechos, que considero os mais relevantes. Paulo Betti inicia dizendo: “Nos últimos dias, venho sendo submetido por setores da mídia e dos meios político, intelectual e artístico a um linchamento moral que deveria preocupar os democratas sinceros do nosso País”.

            Mais à frente, ele diz: “Os jornais e os jornalistas, os artistas, os intelectuais e os políticos que protagonizam esses ataques sabem de quem estão falando. Conhecem nossas trajetórias. (...) Sabem que constatar as transgressões como inevitáveis não é o mesmo que defendê-las”.

            Termina o artigo com três parágrafos extremamente contundentes:

Nem por isso se deve negar o direito da maioria dos eleitores de reeleger o Presidente. Nem por isso é democrático e “ético” o massacre daqueles que, como eu, declaram o voto acreditando na liberdade e na democracia que construímos em jornadas de lutas - das quais também participei. Mais que hipocrisia, há na exploração de minha frase um misto de autoritarismo com oportunismo político.

É autoritária porque reproduz o germe de todos os sistemas totalitários: desqualificar os que não se alinham com o pensamento dominante. Para calar, o primeiro passo é desmoralizar. Assim fazem as ditaduras.

            É oportunista porque explora minha condição de artista, e as identidades que isso acarreta, para auferir dividendos eleitorais. Há coisa mais suja que isso? Estamos chegando a um grau preocupante de intolerância. Depois das eleições, em nome da democracia, precisamos baixar as armas e recuperar a cordialidade, traço de nossa cultura.”

            Aliás, a frase baixar as armas e recuperar o traço da cordialidade da cultura brasileira trouxe-me à tribuna na noite de ontem, depois de termos analisado as declarações lamentáveis que, infelizmente, têm sido colocadas como centro do debate político-eleitoral neste ano de 2006.

            Sr. Presidente, o outro artigo, que também peço seja registrado na íntegra, é do jornalista Mauro Santayana, sob o título “A anatomia da inveja”.

            Ele o inicia da seguinte forma:

É muito divertido ouvir o Sr. Fernando Henrique falar em moralidade pública, e cobrar do presidente Lula medidas contra os corruptos. Onde se encontrava ele quando seu governo beneficiou banqueiros com as inside informations do BCI? Em que galáxia passava férias quando o BC salvou os bancos Marka e Fontecindam?

BRASÍLIA - Em “Os velhos marinheiros”, o clássico da literatura picaresca brasileira, Jorge Amado narra uma partida de pôquer em que o capitão Vasco Moscoso de Aragão depena o adversário. O perdedor procura insultar o ganhador de todas as formas - e um terceiro jogador observa:

“Inveja mata, seu Chico, inveja mata”.

Há alguns meses o médico Adib Jatene, senhor dos mistérios do coração, órgão em que se presume alojar a alma dos homens, dizia a mesma coisa que disse o personagem de Jorge. A competitividade, o afã de superar os demais, a inveja do êxito alheio são os maiores aliados da morte por infarto. Provavelmente sejam também de outras doenças fatais.

O ex-presidente Fernando Henrique deve consultar já o doutor Jatene. As suas mais recentes declarações sobre Lula, a quase apoplexia com que, no encontro com os donos do poder econômico, se referiu ao Chefe de Estado (inveja mata: trata-se de um operário na chefia do Estado) mostram que o festejado intelectual está precisando de acompanhamento cardiológico. E não fez melhor o antigo presidente, quando falou em Macunaíma. Lula não tem o perfil do anti-herói de Mário de Andrade.

O ex-presidente é homem vitorioso. Não tem por que invejar o êxito de ninguém, porque foi brindado por todos os êxitos: na cátedra, na literatura sociológica, na presença no Senado e na Presidência da República. Nunca se atrapalhou com o uso dos talheres nos salões do mundo. Sabe perfeitamente como servir-se de chá no Palácio de Buckingham e conhece as anedotas que fazem Clinton divertir-se, embora, com precavida elegância, evite as que falam de charutos. Lula, para a sua razão aristocrática, é um brega. A sua missão histórica deveria limitar-se à liderança sindical, como fez George Meany, que dominou o sindicalismo norte-americano por décadas.

Lula devia trabalhar para a conciliação de classes e se satisfazer em apenas reivindicar - e sem greves, como fazia Meany - participação modesta dos trabalhadores na prosperidade do capitalismo em geral. Mas Lula foi atrevido. Fundou um partido político, liderou intelectuais (alguns com muito mais estofo do que sua excelência) e acabou chegando ao Palácio do Planalto.

Tratou-se, como pensa o grande sociólogo, de um desaforo de pobre.

Fernando Henrique não tem por que invejar ninguém - mas se sente incomodado fora do poder. Há pessoas que se sentem predestinadas para o mando e se ofendem quando o perdem. Falta-lhes aquela consciência de efemeridade de todas as coisas da vida - e da própria vida. O poder político é uma concessão da vontade popular, e a vontade popular nem sempre é ungida daquele tipo de sabedoria que lhe reclama o soberbo professor. Podemos entender o direito de espernear dos tucanos. A cada dia seu candidato voa mais baixo, apesar da orquestração dos ataques por parte dos outros candidatos, todos aliados “in pectore” do ex-governador de São Paulo. Mas é muito divertido - e o vocábulo é este mesmo - ouvir o Sr. Fernando Henrique falar em moralidade pública, e cobrar do presidente medidas contra os corruptos. Onde se encontrava Fernando Henrique quando seu governo beneficiou banqueiros com as inside informations do Banco Central? Em que galáxia passava férias, quando o Banco Central salvou os Bancos Marka e Fontecindam, com o prejuízo de bilhões para o povo brasileiro? Por que não permitiu que se formassem várias comissões parlamentares de inquérito, que foram requeridas contra seu governo, como a do sistema financeiro e a da compra de votos para a emenda da reeleição? O Sr. Geraldo Alckmin também tem falado muito em moralidade pública, mais ainda não explicou a solidariedade que prestou aos sonegadores e fraudulentos importadores da Daslu, nem os estranhos negócios de publicidade da Caixa Econômica do Estado de São Paulo. E o dever de cortesia nos impede de tratar de outros assuntos constrangedores.

O problema é que o país está crescendo, embora lentamente. Pela primeira vez, na história da República, as pessoas vêem os preços reais de produtos essenciais para a vida caírem nos supermercados. Pela primeira vez, em nossa história, engravatados são algemados e colocados no camburão da polícia. Não adianta o desespero: o povo já parece ter feito a escolha. Os formadores de opinião, os cientistas políticos e os clarividentes podem prever o que quiserem, mas só se houver um tsunami no rio São Francisco ou a Mantiqueira se mover para a Patagônia, será provável a derrota de Lula.

            Fernando Henrique está, agora, incendiário. Mão-tsé-tung dizia que quando a pradaria está seca, basta atear-lhe fogo. Fernando Henrique está pregando que se acenda fogo ao palheiro. Resta saber a que palheiro ele se refere.

            Sr. Presidente, eu gostaria que estes dois artigos, tanto o do Paulo Betti, “A ética da hipocrisia”, como o do Mauro Santayana, “A anatomia da inveja”, pudessem constar, na íntegra, dos Anais desta Casa.

            Muito obrigada.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE A SRª SENADORA IDELI SALVATTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“Paulo Betti:“A ética da hipocrisia”;


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2006 - Página 27907