Discurso durante a 150ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre matérias constitucionais. Considerações sobre a nota da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB sobre o período eleitoral de 2006, feita por ocasião de sua quadragésima quarta Assembléia Geral.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ELEIÇÕES.:
  • Reflexões sobre matérias constitucionais. Considerações sobre a nota da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB sobre o período eleitoral de 2006, feita por ocasião de sua quadragésima quarta Assembléia Geral.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2006 - Página 28795
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, HISTORIA, CIENCIAS POLITICAS, BRASIL, RELACIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, CRITICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, SUPERIORIDADE, EMENDA CONSTITUCIONAL, NECESSIDADE, DESCOBERTA, METODO, REDUÇÃO, EDIÇÃO, EMENDA, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • LEITURA, TRECHO, OBRA CIENTIFICA, TEORIA, NATUREZA POLITICA, IMPORTANCIA, APLICAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PAIS, DEFESA, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, FUNCIONAMENTO, ESTADO.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DEFESA, ETICA, POLITICA, REDUÇÃO, CORRUPÇÃO, REGISTRO, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, ELEITOR, VOTO, ELEIÇÕES, CRITICA, VOTO NULO, PREJUIZO, PAIS.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Romeu Tuma, representante do Estado de São Paulo nesta Casa da Federação, o Senado Federal, Srs. Senadores Roberto Cavalcanti, Paulo Paim e Sibá Machado, Srªs e Srs. Senadores, a expressão “Poderes do Estado” adquiriu, ao longo da história, sentido dúbio e polissêmico. Dos primórdios do século XVIII aos nossos dias tem servido para designar um dos mais antigos princípios criados pela filosofia política, qual seja, o da separação funcional das instituições, que representam, é bom salientar, a soberania dos Estados. Tais poderes, contudo, há muito superam a divisão tripartite concebida por Locke e aprimorada por Montesquieu.

No Brasil adotamos, na Constituição de 1824, aliás, a primeira Constituição brasileira, que foi também a de mais longa duração, pois teve vigência até a Proclamação da República, o princípio do quarto poder do Estado, o Moderador, defendido por Benjamim Constant de Rebecque, escritor franco-suíço, e também chamado por alguns de Poder Real.

Aliás, não por outra razão, nossa Primeira Carta republicana ficou conhecida como Constituição Benjamina, pela influência que Benjamim Constant teve na elaboração da Primeira Carta, que, aliás, foi outorgada por D. Pedro I.

Como muitas vezes viria a ocorrer, Sr. Presidente, ao longo do nosso evoluir histórico, a inovação foi mal aplicada.

O que seria a função moderadora do monarca aos sistemas parlamentaristas transformou-se em poder pessoal do Imperador, ao ser exercida cumulativamente com o Poder Executivo. Com a engenharia constitucional de 1988, o “quarto poder” foi inquestionavelmente, na minha opinião, atribuído ao Ministério Público, pela soma de poderes e instituições a ele conferido.

Não é só no sentido de denominar as instituições que representam a soberania do Estado contemporâneo que historicamente nos referimos aos “Poderes do Estado”. A expressão abrange, também, o conjunto de prerrogativas e competências concedidas aos titulares que compõem os órgãos da soberania. Delimitadas pelos textos constitucionais, elas configuram a tênue linha que separa a sociedade política da sociedade civil. A mais visível dessas fronteiras é a que distingue as atribuições do Estado das competências estabelecidas para o exercício das atividades econômicas, tanto pelo Poder Público quanto pela iniciativa privada.

Assim, de um lado, a ênfase recai sobre as instituições representativas das funções do Estado e, do outro, sobre o poder limitado a que se refere o neologismo “poliarquia”, utilizado por Robert Dahl para exprimir a multiplicidade dos centros de poder que tornam cada vez mais complexas e, ao mesmo tempo, mais difíceis de operar as democracias hodiernas.

Ao regular os limites e poderes do Estado e assegurar os direitos e garantias dos cidadãos, as Constituições transformaram-se, ao mesmo tempo, em emanação da soberania nacional e instrumento jurídico de defesa dos indivíduos.

Dessa maneira, superou-se a velha querela que opunha a concepção de ser o Estado emanação do Direito à de ser o Direito emanação do Estado. Um novo mecanismo constitucional foi, por isso, estabelecido em quase todas as constituições depois da Segunda Grande Guerra Mundial, ao acrescentar um novo poder à estrutura do Estado, os chamados Tribunais Constitucionais. Entre os países que os criaram, citaria, ao lado de tantos outros, Alemanha, França, Itália, Rússia e os dois países ibéricos, tão próximos do Brasil, Portugal e Espanha. Eles são cortes especiais que procuram manter a eficácia das respectivas constituições, por meio da hermenêutica, adaptando-as às rápidas transformações por que passam as sociedades. Essas transformações são tanto mais velozes quanto sabemos que o século XXI se caracteriza por um grande e amplo processo de globalização.

A concepção desse “quarto poder” se baseia na constatação de que os textos constitucionais não são apenas instrumentos jurídicos, mas também o mecanismo político que mantém viva a prática constitucional, dispensando o recurso as constantes mudanças, por intermédio do oneroso instrumento das emendas constitucionais que tornam os textos dessa natureza cada vez mais conflitivos e geram dúvidas e instabilidade jurídica.

Lembro que o constitucionalismo brasileiro, sobretudo a primeira Constituição republicana, de 24 de fevereiro de 1891, inspirou-se muito no modelo norte-americano. A Constituição americana, ainda hoje em vigor, é de 1787 - tem, portanto, mais de duzentos anos de existência e sofreu apenas 26 emendas -, enquanto a nossa de 1988 vai completar dezoito anos em outubro e já sofreu 58 emendas, isto é, 52 emendas constitucionais e seis emendas de revisão. Isso nos chama a atenção para a necessidade, de descobrir novos mecanismos que, a exemplo das chamadas Cortes Constitucionais, venham a evitar o recurso freqüente a emendas constitucionais, quando muitas questões podem ser resolvidas, como se faz hoje em vários países, pela interpretação e atualização de seus dispositivos.

Algo se verifica, Sr. Presidente, nobre Senador Romeu Tuma, nos atuais textos constitucionais, é que eles são, sob o aspecto técnico-jurídico “más constituições”, conforme apontou com propriedade Giovanni Sartori no seu livro “Elementos de Teoria Política”, editado em 1992. Sua lição parece cada vez mais não só válida quanto oportuna. E vou citá-lo, Sr. Presidente: “Encontram-se nelas deslumbrantes profissões de fé por um lado e um excesso de detalhes supérfluos por outro. Algumas delas são tão” democráticas” que já não são constituições, na medida em que, ou bem tornam o funcionamento do Governo demasiado complexo e complicado, ou bem ambas as coisas. [...] Nessas condições - prossigo citando Sartori, um grande pensador político desses nossos tempos -, a não-aplicação pode ser um remédio à falta de aplicação. Portanto, devemos regular caso por caso. Seria contraproducente ou pouco sensato aceitar, em todos os casos, o ponto de vista estritamente jurídico segundo o qual toda Constituição deve ser aplicada a qualquer custo. Pessoalmente, penso que devemos aceitar sempre se a não-aplicação afeta o funcionamento do Governo em relação aos objetivos fundamentais do constitucionalismo ou não. No primeiro caso, pode-se falar de delitos de ausência de aplicação, conforme define Loewenstein, enquanto no segundo não se pode falar propriamente de delito.”

Sob esse aspecto Sr. Presidente, a nossa Carta de 1988, por sinal a mais extensa da nossa história, padece, entre outros, do equívoco de acolher inúmeros dispositivos que não são materialmente constitucionais.

Como se sabe, em Direito Constitucional - não é essa a minha área, eu era Professor de Direito Internacional Público e estou há muito tempo afastado pelo exercício de funções públicas, especialmente em Brasília -, os teóricos...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - V. Exª é mais do que Professor de Direito Constitucional, porque legisla e cria as regras da Constituição.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado a V. Exª.

...dizem que as emendas constitucionais podem ser materialmente ou formalmente constitucionais. A Constituição brasileira de 1988 se caracteriza por um grande número de preceitos que foram alçados à Constituição e não são materialmente constitucionais. Não é por outra razão que se diz com freqüência - e isso é verdade - que a Carta de 1988 é extremamente longa. E não é de boa técnica constitucional elaborar constituições analíticas, detalhistas.

Volto, Sr. Presidente, a Benjamin Constant. Refiro-me não ao Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o nosso líder republicano e positivista, mas mais uma vez ao Benjamin Constant de Rebeque, o franco-suíço. Ele diz no seu livro Escritos de Política, “a duração de uma constituição é bem mais garantida quando encerrada em seus limites naturais do que quando repousa no apoio enganador de uma veneração supersticiosa”.

Quando um problema político - e o constitucionalismo é inevitavelmente a solução jurídica de um problema jurídico - se despolitiza, ensina Sartori, “as conseqüências efetivas de um ordenamento jurídico neutro são e continuam sendo, ainda que involuntariamente, políticas; e isso beneficia aos demagogos e aos déspotas”. Os períodos de autoritarismo e de populismo por que temos passado nos últimos 75 anos em nosso País não são, em última análise, senão o resultado dessa perversa pendularidade que nos toca corrigir por meio de uma profunda reforma das instituições políticas brasileiras.

Todos aqui sabemos ser indispensável fortalecer as instituições. Aliás, as reformas políticas deveriam ser até intituladas de institucionais pela importância que elas possuem para o fortalecimento das instituições num país novo como o Brasil.

Em Política e Governo, Karl Deutsch define instituição como “uma coleção ordenada e mais ou menos formal de funções e hábitos humanos, que redunda numa organização ou prática estável cuja ação pode ser prevista com certa margem de segurança”. Como a mais relevante das instituições de um povo é sua carta constitucional, é imprescindível ter presente que ela já deixou de ser a Lei das leis para transformar-se, a meu ver, num mero regulamento que entrava o desenvolvimento e constrange, ao mesmo tempo, a sociedade e a economia.

Sr. Presidente, antes de encerrar minhas palavras, solicito a V. Exª que considere lido o texto da declaração da CNBB sobre o momento eleitoral. Como sabe V. Exª, nobre Senador Romeu Tuma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, freqüentemente, além da realização de Campanhas da Fraternidade sobre determinado tema, feita anualmente por ocasião da Quaresma, também se manifesta em momentos graves da vida do País. Assim, na sua 44ª Assembléia Geral, a CNBB lançou uma mensagem que, na minha opinião, interessa não somente aos católicos mas à sociedade como um todo.

A Declaração da CNBB sobre o momento eleitoral - Eleições 2006- é oportuna. Não lerei o documento na íntegra, vou mencionar apenas tópicos.

Diz a declaração:

A ética pública diz respeito não só à superação da corrupção mas, de modo especial, à configuração das relações sociais segundo os princípios da justiça, com oportunidades de vida para todos, especialmente para os pobres.

As complexas questões nacionais não serão resolvidas só com as eleições para preencher cargos previstos na Constituição. Estamos, não obstante, diante de um grande apelo ao depositar na urna o compromisso com o Brasil: eleger candidatos idôneos, capazes de orientar o País para novos caminhos, em resposta às necessidades do povo. O sujeito político é a sociedade que é chamada a atuar eficazmente na política.

Mais adiante, Sr. Presidente, diz a referida nota:

Urge uma Reforma Política capaz de proporcionar uma estrutura de maior participação popular nas eleições, que controle o poder econômico e bloqueie a corrupção eleitoral.

O grande desafio é alentar a esperança do nosso povo, que manifesta desencanto e decepção com a vida política diante dos escândalos largamente divulgados. O desinteresse em participar da construção do Brasil poderá ter sérias conseqüências para o futuro. Confiantes nas potencialidades do nosso País fazemos o premente convite: vote conscientemente e não anule seu voto! As eleições são uma esperança para a construção de um Brasil melhor. Devemos conhecer candidatos idôneos, com propostas sérias, que mereçam nosso voto.

Aliás, essa posição a favor do voto conseqüente, da não-abstenção, do voto positivo e não do voto nulo é, um grande apelo. Espero que a sociedade brasileira, altamente politizada, não se deixe levar pelo pessimismo, vindo a deixar de exercitar adequadamente o voto e fazê-lo, escolhendo bons candidatos.

Sr. Presidente, passo a ler o último parágrafo da nota, que trata da primeira encíclica do novo Papa, Bento XVI:

O Papa Bento XVI, na sua encíclica sobre o amor cristão, nos oferece motivações importantes para a ação política: “O dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é própria dos fiéis leigos. Estes, como cidadãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente na vida pública, assumindo funções legislativas e administrativas que se destinam a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (Deus Caritas est, n. 29).

Aliás, Sr. Presidente, não por outra razão, São Tomás de Aquino conceituou “a política como ciência, virtude e arte do bem comum.”

Concluo minha manifestação, solicitando que seja transcrita, em apenso ao meu discurso, essa nota muito oportuna da CNBB.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - V. Exª me permite?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Pois não.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. PFL - SP) - É claro que V. Exª será atendido na forma regimental. Mas gostaria de dizer que o último domingo, 8 de setembro, foi o Dia de Nossa Senhora da Penha, reconhecida como a Padroeira da cidade de São Paulo. Estive presente à missa que foi rezada pelo Bispo da Zona Leste, que, no seu sermão, fez questão de destacar cinco pontos dessa carta, sobre ética, segurança e vários outros temas.

Tenho a impressão de que V. Exª deveria voltar à tribuna, e peço até que o faça, para uma análise mais profunda dessa mensagem da CNBB, por ser abrangente e trazer uma explanação tão brilhante numa hora tão difícil que estamos vivendo, que é o momento eleitoral, para que o cidadão possa raciocinar e realmente escolher bem. Não me refiro a nenhum dos candidatos, mas a mensagem atinge o âmago do que está vivendo a sociedade hoje, suas dificuldades, seus objetivos e o que é preciso fazer por ela.

Cumprimento V. Exª. Seu pedido será atendido. E, como V. Exª é um analista, um teólogo, conhecedor profundo de toda a história da Religião, gostaria que um dia pudesse voltar à tribuna para analisar mais profundamente essa mensagem da CNBB.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado a V. Exª, nobre Senador Romeu Tuma.

Quero agradecer as achegas que V. Exª trouxe ao pronunciamento, enriquecendo-o, inclusive, com comentários sobre a carta da CNBB, o documento sobre as eleições de 2006, e também trazendo o depoimento do Bispo da Zona Leste de São Paulo.

Muito obrigado a V. Exª.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MARCO MACIEL EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Declaração da CNBB sobre o momento eleitoral”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2006 - Página 28795