Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a artigo de S.Exa. a respeito do momento histórico vivido pelo Brasil: o terceiro estágio de desenvolvimento da Nação brasileira.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Comentários a artigo de S.Exa. a respeito do momento histórico vivido pelo Brasil: o terceiro estágio de desenvolvimento da Nação brasileira.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Marcelo Crivella, Pedro Simon, Sergio Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2006 - Página 27832
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, EVOLUÇÃO, POVO, TERRITORIO, ESTADO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, GETULIO VARGAS, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SEMELHANÇA, RECEBIMENTO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, IMPORTANCIA, ESTAGIO, ATUALIDADE, BUSCA, INSERÇÃO, POPULAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REGISTRO, DIFICULDADE, OPOSIÇÃO, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, escrevi um artigo sobre um tema que tenho abordado aqui ultimamente, a respeito dos três estágios do projeto de Nação brasileira, que, a meu ver, está sendo vivido agora exatamente o seu terceiro estágio.

Dificilmente esse artigo seria publicado pela nossa imprensa dado seu conteúdo. Eu não vou lê-lo aqui, Sr. Presidente, mas vou comentá-lo e ler alguns trechos, como disse, com toda tranqüilidade, reafirmando coisas que tenho afirmado desta tribuna a respeito do momento histórico que o Brasil está vivendo.

Sr. Presidente, começo o artigo dizendo que nação é um trinômio de povo, território e Estado e que a República surgiu com a abolição, mas, não foi capaz de dar institucionalidade ao povo, na medida em que a abolição simplesmente libertou uma massa de brasileiros escravizados, sem que fosse possível equacionar o seu aproveitamento no sistema econômico fora do regime escravocrata.

O território continua sendo um mapa, um mapa muito bem negociado pelo Barão do Rio Branco, com fronteiras definidas, entretanto, desocupado na sua maior parte.

O Estado, terceiro item do trinômio, era um estado patrimonialista, que era propriedade dos chefes oligárquicos dos diferentes Estados brasileiros.

O primeiro estágio, a primeira formulação de um projeto nacional brasileiro ocorreu com a revolução de 30, com o Governo de Getúlio Vargas. Implantou-se, então, o primeiro estágio do projeto de nação brasileira. Primeiro o Estado foi criado, com a racionalização republicana dada pelo DASP, a instituição de concursos públicos para admissão de servidores e a criação do órgão de informação estatística, o IBGE. Aos poucos, foi deixando de ser propriedade das oligarquias. O Estado também foi organizando a economia, passo a passo, com os institutos para cuidar dos setores vitais como o Instituto do Café, o Instituto do Açúcar, o Instituto do Pinho, o Instituto do Mate etc, com a construção da base industrial, a CSN, a FNM, a CNA, a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobras, o BNDE e a Eletrobrás. O povo, terceiro fator do trinômio, pela primeira vez foi considerado com a instituição da legislação trabalhista e do salário mínimo. O grande líder político desta profunda transformação, Getúlio Vargas, positivista convicto, nada democrático, foi o maior estadista da História brasileira, hoje reconhecido como tal, mas na época foi levado ao suicídio para não ser deposto por uma campanha avassaladora da Oposição e da Imprensa, chamado que foi de o maior corrupto de todos os tempos da nossa História, o patrocinador do “mar de lama”. Essa expressão, repito, é daquela época. “Mar de lama” vem de Getúlio Vargas.

Estou dizendo isso porque eu li, eu vi, eu participei. Eu era ainda jovem, mas tenho essa história bem na lembrança.

Sr. Presidente, fiquei chocado quando li na imprensa que há pessoas querendo ressuscitar Carlos Lacerda, para exercer o mesmo trabalho demolidor sobre a figura do Presidente Lula. Eu li isso na CartaCapital. Fiquei perplexo ao ver que a paixão política leva as pessoas a quererem reeditar episódios passados que foram importantes historicamente, mas que causaram enorme sofrimento à nação brasileira.

Bem, depois do primeiro estágio, que foi a Revolução de 30 e Getúlio Vargas, veio o segundo estágio com outro grande estadista, Juscelino Kubitscheck, que não foi apenas o continuador de Vargas no desenvolvimentismo econômico, com a instalação da indústria automobilística. Eu absolutamente não acho que isso tenha sido pouco importante, mas nesse particular foi um continuador de Getúlio, que foi quem implantou a base industrial, inclusive a indústria automobilística, com a Fábrica Nacional de Motores. Juscelino foi principalmente o propulsor da democratização política do país e o alavancador da ocupação territorial do Brasil.

O Senador João Batista Motta disse que Brasília não foi importante, que o importante foram as estradas. É claro, mas sem Brasília as estradas não teriam sido construídas, nem teria havido a ocupação de 2/3 do Centro-Oeste e da Amazônia; sem Brasília não teria havido a ocupação de 2/3 do território brasileiro, o que ocorreu a partir de Brasília.

Eu também vi. Conheci Brasília, vim aqui na época da construção. Era um deserto. Sobrevoava-se, horas e horas, a região no trajeto Rio-Brasília e se via apenas um deserto. Hoje toda essa região está ocupada, produzindo com dinamismo excepcional, extraordinário, fruto da visão do grande estadista brasileiro Juscelino Kubitscheck. A principal parte de sua obra foi exatamente a ocupação territorial, seguida do avanço na democratização política do País, que ainda é incipiente.

O Brasil passou então a ter Estado e território. O povo animou-se e quis também ganhar um novo estágio, logo em seguida a Juscelino Kubitscheck, com João Goulart, mas não conseguiu e ficou onde Vargas o tinha posto trinta anos antes.

Juscelino é hoje muito reverenciado e muito justamente reverenciado, mas quando era Presidente - eu vi, eu testemunhei, Srs. Senadores, Sr. Presidente, - foi chamado por essa mesma Oposição conservadora, endinheirada, udenista, de grande patrocinador de uma gigantesca roubalheira na construção de Brasília. Isso não pode ser negado, esses são fatos da História. Houve três tentativas de deposição de Juscelino: Aragarça, Jacuecanga, Tamandaré, tudo com base nas denúncias, supostas denúncias de corrupção por essa mesma elite endinheirada que hoje suscita toda a campanha de mídia, toda a campanha política sobre o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Eu vi, posso testemunhar porque vi, presenciei, vi e vivi, porque naquela época era funcionário do BNDE, órgão do Estado, que produziu o projeto econômico, o plano de metas, acompanhava e reagia, indignado, às denúncias feitas diariamente no Congresso, que não era aqui, era no Rio, e na imprensa.

Depois, vieram os militares, que mantiveram o projeto nacional no mesmo nível deixado por Kubitschek. Retrocederam na democracia, tamponando os anseios do povo em nome da ordem.

Depois, veio a democratização de Ulysses Guimarães, vinte anos depois da derrocada de Jango, e trouxe outro retrocesso, talvez ainda mais grave, a destruição do Estado, o neoliberalismo, o paroxismo na concentração de riqueza, a marginalização crescente do povo pauperizado.

O projeto de nação chegou a ser esquecido, Sr. Presidente. Chegou-se a dizer que na realidade do mundo globalizado, “moderno”, não haveria mais lugar para nações, só para empresas, grandes empresas globalizadas, multinacionais.

O desastre nacional parecia iminente. A sociedade abandonava os valores tradicionais, a sociedade desacreditava nas instituições, caía no cinismo do mercado. O Brasil deveria seguir o mesmo destino dos países que mais açodadamente haviam mergulhado no neoliberalismo: a Argentina e o México - a Argentina, espatifada numa crise irremediável, e o México humilhado num quintal de business americano, sem direito a transpor a fronteira norte, sem deputados em Washington, e dividido ao meio, com um exército de guerrilheiros miseráveis no sul, em Chiapas.

Foi o povo brasileiro que compreendeu e rejeitou essa iminência. O povo, exatamente o terceiro fator do trimônio nacional que não havia ainda sido estruturado nos estágios anteriores; o povo, que caminhava depressa para uma divisão irreparável entre os brasileiros do mercado, os competitivos, e os brasileiros excluídos, divisão que consagrava a injustiça estrutural e minava o fundamento ético da Nação. O povo compreendeu e elegeu o Lula Presidente para retomar o projeto e realizar o seu terceiro estágio, exatamente aquele cuja missão é incorporar o povo e realizar uma distribuição mais justa dos frutos do seu trabalho.

O terceiro estágio, o da incorporação dos marginalizados à mesa das refeições e o da correção das desigualdades regionais, tem sido difícil a sua implantação. A desestabilização econômica e política rondou o Governo desde os primeiros meses e a grita e a reverberação acusatória da oposição “udenista” - entre aspas, porque me faz muito lembrar aquela de outros tempos - lembram bastante os tempos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Eu, que vi, me recordo bem. Mas o terceiro estágio avança, não obstante as dificuldades grandes, porque é difícil a mudança estrutural. Efetivar a mudança estrutural é uma tarefa muito difícil.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me, Senador?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Eu já concedo.

Avança a implantação da terceira etapa, talvez com prudência excessiva, o que é até compreensível, mas pode ser julgada excessiva. Eu mesmo, de certa forma, julgo que a prudência foi excessiva, na medida em que o Governo, atemorizado pelas ameaças iniciais, avança gradualmente e com um ritmo que poderia estar além do praticado. Mas avança.

Primeiro foi necessário reconstruir o Estado desmanchado - as estatais, a Petrobras, o BNDES, a Eletrobras. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica estavam prontos para ser privatizados, foi preciso reconstruir esse aparelho de Estado e, depois, implantar o Bolsa-Família, o salário mínimo palpável, o Fundeb, a agricultura familiar, a reforma agrária mais rápida, o microcrédito, o ProUni, as cotas universitárias e o desenvolvimento do Nordeste. E o povo vai reconhecendo. É evidente que o povo está reconhecendo que a implantação desse terceiro estágio, aquele que definitivamente apresentará o Brasil como uma configuração de uma nação, com Estado, território, povo organizado, instituições estáveis e instituições acreditadas pela Nação, está sendo concretizado.

Tem sido difícil. E, Sr. Presidente, talvez seja ainda mais difícil daqui para frente. Não quero passar um otimismo irresponsável, não. Tenho consciência das muitas dificuldades. Contrariar os interesses da elite endinheirada deste País é muito difícil e pode ser mais difícil ainda. Mas acredito que essa terceira etapa será implantada e, só então, poder-se-á dizer verdadeiramente que o Brasil é uma nação na sua inteireza, no seu trinômio fundamental: povo, território e Estado.

Era essa a mensagem que queria trazer, Sr. Presidente, repetindo o que já tenho dito da tribuna. Mas não quero terminar sem escutar o aparte que me foi pedido pelo Senador Sérgio Guerra.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - Senador Roberto Saturnino, sem dúvida, não lhe falta competência intelectual para desenvolver tema da complexidade deste. Apenas farei algumas ponderações sobre as etapas às quais fez referência. O que mudou de fato no Brasil? Ou qual elite, de fato, está sendo contrariada?

            Não me parece que a economia brasileira tenha sofrido alteração relevante nos últimos quatro anos, a não ser no sentido do aprofundamento de certas condições de privilégios entre elas, e de maneira absolutamente clara, o avanço das instituições financeiras, que ficaram mais líquidas, mais fortes e tiveram lucros ainda maiores do que os que obtiveram ano passado. Não sou contra o lucro das instituições financeiras, mas não concordo com a afirmação de que os endinheirados do Brasil estão contrariados. Não estão! Contrariados estão os agricultores que no Brasil, de maneira geral, pagam taxas exorbitantes; que plantaram com o dólar acima de US$ 2,40 e estão vendendo a sua produção com o dólar a 30% ou a 40% mais baixo; que compram insumos aqui a preço fora do mercado internacional; que não conseguem registrar no Brasil patentes de produtos agrícolas, de insumos agrícolas e de medicamentos, porque isso não passa pela estrutura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que continua sob o controle dessas instituições externas ou de um certo grupo dominante. Contrariados estão aqueles que pensavam que o Nordeste fosse melhorar nestes quatro anos, mas não melhorou. As taxas de crescimentos dos Estados mais fortes do Brasil, comparadas com as taxas de crescimento dos Estados mais pobres do Nordeste, distanciaram-se mais ainda. Contrariados estão aqueles que esperavam por reforma agrária e têm o resultado pífio dos últimos quatro anos. Demonstração desse resultado medíocre é a mobilização social que acontece todo dia e que considero legítima, embora, em alguns casos, excessiva, porque não respeita propriedades produtivas. Enfim, não vejo essa transformação de conteúdo, de base que o Senador Roberto Saturnino enxerga. Nem eu vejo, nem o povo - pode ficar certo disso. Aqueles que lutaram no Nordeste, há muitos anos, e nos sindicatos rurais pelos seus direitos já não lutam tanto assim. Será que desapareceram as contradições? Será que não continua a haver concentração e pobreza? Será que as taxas de juros não continuam exorbitantes para quem produz na pequena agricultura? Será que não existem alguns milhares de produtores rurais do Nordeste com hipotecas no Banco do Nordeste? Será que propriedades não estão sendo tomadas de produtores rurais? Será que tudo isso é mentira, é armação de uma UDN aposentada que, de repente, desperta para contestar o óbvio: o imenso progresso social do Brasil? Não há progresso social no Brasil. Existem programas para manutenção da pobreza na pobreza. Não existem programas para tirar a pobreza da situação em que ela se encontra. Na área metropolitana do Recife, há uma concentração brutal de pobreza. Não há investimento importante do Governo Federal nessa área metropolitana, nem em saneamento, nem em infra-estrutura sob aspecto algum. Que mudanças são essas? Que mudanças estão atingindo o interesse da elite brasileira? Não há mudança alguma. Tudo isso é figuração. Não é real. As instituições democráticas nunca foram tão desautorizadas como agora. Há mais de cem sanguessugas na Câmara. Nunca a confiança da população nas instituições democráticas foi tão afetada como agora. Enfim, não enxergo o mesmo que V. Exª, Senador Saturnino. Essas eleições estão sendo extremamente corrompidas. Que melhoria é essa, que transformação de conteúdo é essa que caracteriza um estágio na direção de um terceiro que V. Exª defende e define em termos absolutamente ilógicos? Não discuto a lógica da sua palavra. Ela tem começo, meio e fim. Sem dúvida, é filha de um bom conhecimento e de uma capacidade intelectual desenvolvida. Mas os fatos são esses e não há como removê-los. Não há UDN nisso. Não há ninguém querendo cassar o Presidente. Todos estão numa disputa limpa - pelo menos nós estamos agindo assim. Não recebemos recursos para colaboração de campanha que não fossem legais. Nunca um Presidente usou tanta propaganda e meios públicos como este fez até agora. Enfim, que democracia é essa? Os que foram condenados pelo Congresso Nacional estão entrando no Palácio do Planalto, uma parcela deles está sendo candidata à reeleição e pode eleger-se. Então, as instituições não valem nada? O Ministério Público acusa todos. O Ministério Público também não vale nada? As instituições estão muito boas? Foram melhoradas? A democracia avançou? O que avançou de maneira concreta foi um processo de desestruturação da consciência pública brasileira e que precisa ser retomada por homens de bem, que não estão caracterizados na campanha do PT.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, vou encerrar.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite-me V.Exª um aparte? Eu assisti tão calada e pacientemente ao seu pronunciamento.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Vou responder ao aparte do Senador Sérgio Guerra e, depois, se o Presidente permitir, concederei o aparte a V. Exª com muito prazer.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Agradeço.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Sérgio Guerra, temos sempre a tendência de ver a economia pelo lado da produção. Mas a economia tem a faceta do consumo, da distribuição, e essa é a estrutura que está sendo modificada neste momento e que deve ser alterada com maior importância, porque dela depende a organização de toda a Nação com seu fundamento ético.

Então, por isso estou dizendo que o terceiro estágio está sendo implementado agora, porque era aquele que estava faltando. Só se pensava em produção, e a produção se fazia com concentração de renda. Agora, pela primeira vez, o bolo está sendo dividido sem esperar pelo seu crescimento, e isso é muito importante. V. Exª vai verificar na próxima apuração que a estrutura da distribuição de renda no Brasil vai mudar profundamente. Isso, na minha visão modesta, é o fator importante do momento histórico. Porque o Brasil não podia continuar num processo de crescimento com concentração, que é o que vinha sendo feito.

V. Exª contesta, e não vou discutir com V. Exª. Pode ser que V. Exª tenha razão em muitos aspectos, e eu terei em outros. O que quero é ressaltar este fator essencial: o momento é da distribuição do bolo sem esperar pelo seu crescimento. E isso é o que está sendo feito, é o que está sendo projetado, é o que está sendo programado, é o que está sendo executado, com a aprovação popular. Com a aprovação popular, já que o Presidente tem 70% dos votos do Nordeste. Ou será que o povo é idiota, é estúpido, não sabe fazer julgamento? Quer dizer, essa visão eu não tenho. Acho que há razões concretas, o povo está percebendo que há ações concretas para dar essa resposta ao Presidente Lula.

Mas não vou discutir. Tudo o que V. Exª levantou reconheço que é importante. Realmente é importante cada um levantar o seu ponto de vista, porque nós todos, de um lado ou de outro, temos as nossas razões, e a história vai mostrar. Mas o julgamento popular é importante.

Sr. Presidente, estou com o meu tempo esgotado, mas há os Senadores Heráclito Fortes, Pedro Simon e Marcelo Crivella solicitando-me um aparte.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Agradeço a V. Exª. Queria manter-me em silêncio durante o seu pronunciamento, mas não resisti. Na semana passada, V. Exª fez apologia da Constituinte do Sr. Evo Morales e fez uma defesa rasgada do modelo... No entanto, não vamos ter tempo de discutir isso hoje. Eu queria ouvir de V. Exª a opinião sobre os últimos acontecimentos da Bolívia e sobre o que aconteceu durante discussões da Assembléia Nacional Constituinte, mas não quero falar sobre isso agora. Hoje, o único reparo que quero fazer a V. Exª, que tem uma biografia fantástica, é para que tenha mais cuidado com as comparações. Na hora em que V. Exª compara uma personalidade pública com outra, V. Exª dá margens a discordâncias. Nisso, V. Exª perde apenas para o Presidente do seu Partido, o Presidente do Brasil, que teve a infelicidade suprema de comparar Pelé com Newton Cardoso. A única semelhança dos dois é a de terem nascido em Minas Gerais: um em Contagem e o outro, em Três Corações. A única coisa profética do Pelé, que foi combatida naquela época, quando discordei dele, foi dizer que o brasileiro não sabe votar. Senador, qual é a semelhança entre Pelé e Newton Cardoso? Não dá para um Chefe de Estado fazer esse tipo de comparação.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Heráclito Fortes, sabe...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Tenho certeza de que V. Exª não concorda com isso!

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Não. Eu concordo com V. Exª. É uma comparação infeliz que nunca devia ter sido feita.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Os dois são ricos.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Quem V. Exª acha melhor para o Brasil: Newton Cardoso ou Pelé? Quem deu mais alegrias ao brasileiro? Portanto, peço a V. Exª cuidado quando faz comparações. V. Exª colocou Juscelino na roda...

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Assumo a responsabilidade pelas comparações que faço, correndo riscos de ser mal interpretado, de estar errando e de, amanhã, a História vir mostrar que eu errei. Então, assumo a responsabilidade pelas comparações que faço.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - A sorte do Brasil de hoje é que a Oposição é responsável. Se fosse naquele tempo passado, ia aparecer aqui quem pedisse o impeachment do Lula por ofender a honra de Edson Arantes do Nascimento. Muito obrigado.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Concedo um aparte ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Roberto Saturnino, talvez a Casa não se dê conta, mas V. Exª é uma das personalidades mais espetaculares que esta Casa já teve.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador. Muito obrigado.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Houve épocas excepcionais em que V. Exª, pela competência, pela luta, pelo seu espírito, pelo seu destemor, indiscutivelmente, foi a figura mais importante desta Casa, e eu fui um admirador permanente de V. Exª.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Como eu sou de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Guiei-me muito por sua ação. Não posso esquecer jamais quando se desiludiu com o PMDB, que vivia uma fase triste. V. Exª não admitiu que os chaguistas do Rio do Janeiro maculassem o Partido a que pertencia com tanto amor. V. Exª foi para casa. Despediu-se. E Brizola foi buscá-lo quando tinha apenas 2% de intenções de voto e, portanto, nenhuma chance de se eleger. Quanto aos outros dois candidatos, um tinha 40% e o outro, 30%. V. Exª aceitou o convite. Perguntei-lhe por que havia aceitado, e V. Exª me disse: “Prefiro ir para casa atirando, sabendo que vou perder, mas vou atirando”. E V. Exª terminou dando força e elegendo o Brizola e elegendo-se também. V. Exª representa um padrão. Na verdade, nenhum jornal publicaria o seu pronunciamento: primeiro, porque o conteúdo é de V. Exª; segundo, porque é longo. Mas faria um apelo a V. Exª e à Mesa: publique este pronunciamento e faça uma distribuição dele à sociedade brasileira. Ele é muito importante! Dou nota excepcional ao pronunciamento de V. Exª. Mas vejo que, no final dele, V. Exª faz um esforço muito grande, e não sabemos até que ponto V. Exª sonha de olhos fechados com aquilo que gostaria que acontecesse e até que ponto V. Exª vê o que está acontecendo. Se V. Exª me disser que o Governo atual, com o plano de distribuição de renda, está fazendo essa distribuição do bolo antes de este ficar pronto, realmente concordo com V. Exª. Realmente está havendo uma distribuição de renda. Esse é um ponto positivo. Mas V. Exª não pode fazer comparação, por exemplo, entre o Dr. Getúlio e o suicídio dele e o que está acontecendo hoje. O Dr. Getúlio viveu uma vida toda dedicada a uma causa. Pode ter sido ditador, pode ter feito isso, aquilo e tal, mas a dedicação à causa, à luta, à formação da cidadania do Brasil se chama Dr. Getúlio Vargas. E a saída, a queda do Dr. Getúlio foi um dos episódios mais dramáticos, mais cruéis e mais injustos da História deste País. A UDN e os militares golpistas não admitiam nunca a sua volta. Inventaram a maioria absoluta, não quiseram que ele assumisse e, quando assumiu, fizeram de tudo para derrubá-lo. Agora, tudo o que se tem contra ele, em 20 anos na Presidência da República, é que, enquanto toda a imprensa do Brasil estava contra ele, o Banco do Brasil dava dinheiro para o Sr. Samuel Weiner botar no jornal Última Hora, favorável ao Dr. Getúlio. As pessoas falavam com um tal de Gregório, um homem de quinta categoria, arrumava 500 mil réis - não sei o quê - emprestado no Banco do Brasil. Quando Dr. Getúlio morreu, no inventário dele, ele deixou para os filhos a metade do que ele tinha recebido do pai dele. Vinte anos como Presidente da República e não tinha uma casa, não tinha um apartamento, não tinha uma loja nem no Rio de Janeiro, nem em Porto Alegre. Agora, o que houve foi um golpe para derrubá-lo. E o gesto do Dr. Getúlio, primeiro, foi de grandeza; segundo, foi para evitar uma guerra civil e, terceiro, provavelmente, para não aceitar a posição em que iriam colocá-lo. Hoje, meu querido Senador, concordo com tudo que V. Exª possa dizer, mas, do ponto de vista da ética, da moral, da seriedade, o Lula fracassou, está fracassando. Ele não tinha condições, não tinha autoridade de não fazer aquilo que V. Exª estava esperando, que eu estava esperando. Podemos analisar, e até concordo que há aspectos altamente positivos e concretos no Governo dele, mas, no conceito daquilo que é o mais importante, ele não podia fazer o que está fazendo. No Supremo Tribunal Federal, um ex-Ministro deste Governo está sendo processado por formação de quadrilha; há processo contra o Presidente do Banco Central. O homem do PMDB que tem mais ligação com o Presidente Lula, que faz parte do “grupinho” dele é o Sr. Jader Barbalho, que está sendo processado no Supremo Tribunal Federal; o Líder do Governo é um cidadão que está sendo processado no Supremo Tribunal Federal. Quer dizer, o que é mais grave - e V. Exª podia ajudar -, agora que parece que ele está quase que ganhando a eleição, ele não diz nem que vai mudar. Ele não diz: “Agora, o meu Governo daqui para frente vai ser diferente. Eu agora vou governar com seriedade, com austeridade, com responsabilidade. Eu agora vou chamar o Saturnino - que, infelizmente, não vai ser Senador; deveria ser -, que vai ter um lugar de primeira grandeza no meu Governo; vou entregar a Petrobras para ele”. Ele não diz isso; pelo contrário, a imprensa está noticiando que os caras estão voltando, que aqueles cidadãos que saíram estão voltando. Isso não dá para entender, com toda a sinceridade. Não dá para entender que o Lula não tenha nem tenha feito o mea-culpa. Eu até concordo que, para ganhar - e vai se reeleger -, ele não tenha feito o que esperávamos, como as punições; que ele não tenha reunido o PT para colocar na rua os caras que devia ter colocado. Eu não discuto nada disso; mas nem uma palavra no sentido de que o seu Governo vai mudar do ponto de vista da ética e da moral? V. Exª concorda que - V. Exª mais do eu, defensor tradicional dessa linha - não dá para entender. V. Exª poderia até ir lá, depois deste seu discurso fantástico, nota 10, falar com o Lula e entregar uma cópia dizendo: “Muda isso que está aí. Tira esse Presidente do Banco Central, que é um vigarista, esse ordinário. Tira esses dois ou três caras que estão aí e que envergonham o seu Governo”. De resto, excepcional o seu discurso, especialmente a coragem do final.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador. Pedro Simon, nota 10 é o seu aparte. V. Exª diz que faço um esforço. E reconheço que faço. Mas, assim como reconheço que faço, apelo a V. Exª para que também desenvolva um esforço para ver as coisas positivas do Governo Lula porque, quando eu...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Perdoe-me, perdoe-me, mas tenho feito isso. Tenho feito isso permanentemente, inclusive dessa tribuna. Em várias questões, como, por exemplo - V. Exª estava lá como Presidente da Comissão -, quando a Oposição quis romper com a Bolívia. Eu disse: não, o Presidente Lula está certo; temos de reconhecer, a posição de Sua Excelência é nota 10.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - É verdade.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Temos de dar cobertura ao Lula. Tenho feito isso e tenho me esforçado no sentido de ser favorável ao Presidente Lula.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Agora, quanto às comparações, Senador Pedro Simon, é impossível fazer comparações pessoais, específicas de quem foi o maior. Cada um faz um juízo particular. A meu juízo, o maior estadista da História do Brasil foi Getúlio Vargas. Para mim, esse é um julgamento indubitável. Agora, o que eu quis dizer é que o projeto de Nação brasileira, o conceito de Nação possui três vetores: território, povo e Estado. Na medida em que o território foi ocupado, na medida em que o Estado se desenvolveu e produziu o desenvolvimento econômico, fruto dos projetos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitscheck, chegou o momento de entrar no terceiro estágio, que é a distribuição de renda, a justiça social, a justiça estrutural da Nação. E esse é o projeto do Governo Lula.

Pode ser que ele não tenha êxito? Pode. É muito difícil. Agora, acredito que tenha êxito e luto para que tenha êxito; faço tudo que estiver ao meu alcance porque acredito que é importante para o conceito de Nação implantar-se definitivamente no Brasil essa justiça social, que está faltando.

Mas agradeço muito o aparte de V. Exª.

Ouço o Senador Crivella.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Roberto Saturnino. V. Exª é meu companheiro do Estado do Rio de Janeiro e eu não poderia deixar de dizer que considero o discurso de V. Exª delicioso na parte histórica que V. Exª vem trazendo desde a época da Colônia, da República e, depois, do Império. É bem verdade que, se olharmos o estatuto da escravidão, veremos o poder de vida ou morte que era dado ao grande proprietário rural sobre a vida de seus escravos, agregados e até familiares. A vinculação, após a Independência, do poder político à riqueza e à renda, e essa maneira - eu diria preferencial - de o Estado lidar com sucessivas gerações de escravos, brancos pobres e mestiços, usando a violência, herdamos tudo na genética. Aquelas classes que, por seus aspectos étnicos e econômicos, eram consideradas e tratadas, a priori, como marginais. Tudo isso vem até os dias de hoje. Iniciamos um processo de distribuição de renda. V. Exª diz muito bem, todos os crimes que atormentam o cotidiano dos brasileiros: racismo, poluição, corrupção, tudo isso é concentração de poder e renda, que está em nossa sociedade. V. Exª fala de avanços, que não podemos deixar de considerar: seis milhões de brasileiros foram incorporados ao sistema bancário por meio do microcrédito. Mas tinha, por exemplo, crédito consignado no governo anterior? Tinha, mas só para funcionário público. Agora é para todos. É bom lembrar, Senador Saturnino, que, quando iniciamos o governo, os juros estavam em 26%; a inflação, com dois dígitos; o superávit, na balança comercial, era déficit - nove bilhões de déficit -; o dólar subia muito.

(Interrupção do som.)

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Só para concluir, Sr. Presidente. Houve conquistas. Nós temos hoje um superávit de R$100 milhões. Acabou aquele déficit. A inflação é mais baixa. O salário mínimo é o melhor dos últimos 25 anos. E esse povo que traz na genética todo esse fantasma - que V. Exª teceu bem nos seus comentários, mostrando o País da concentração de renda, a desigualdade social - hoje, realmente enaltece essas ações que foram feitas de caráter - diria - de distribuição de renda, de justiça social. É bem verdade que V. Exª fez parêntese, não é aquilo que gostaríamos; os juros podiam ter baixado, podíamos ter crescido um pouquinho mais - no ano passado foram 2%, este ano, talvez não cheguemos mais que...

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - É verdade.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Mas que caminhamos para um projeto de Nação, V. Exª tem toda a razão, e quero aqui me somar ao pronunciamento de V. Exª.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Crivella. Agradeço o seu aparte, que enriquece substancialmente o meu discurso.

Sr. Presidente, era o que eu queria ter dito na tarde de hoje, agradecendo muito a benevolência de V. Exª, que tolerou o meu excesso de tempo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2006 - Página 27832