Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com declarações do Presidente da República sobre intenções de fechamento do Congresso. Registro do II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em Brasília no período de 14 a 17 de setembro do corrente.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA CULTURAL.:
  • Preocupação com declarações do Presidente da República sobre intenções de fechamento do Congresso. Registro do II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em Brasília no período de 14 a 17 de setembro do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2006 - Página 29039
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • REPUDIO, CAMPANHA ELEITORAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACUSAÇÃO, CANDIDATO, PRETENSÃO, FECHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, PROVOCAÇÃO, APREENSÃO, POPULAÇÃO, DEFESA, NECESSIDADE, SUBSTITUIÇÃO, GOVERNANTE, ELEIÇÕES, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, DEMOCRACIA.
  • DEFESA, REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), SEMINARIO, ENCONTRO, TRADIÇÃO, CULTURA, AMERICA DO SUL, DEBATE, ESTADOS, COMENTARIO, MANIFESTO, REPRESENTANTE, ESTADO DO ACRE (AC), PEDIDO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), PARTICIPAÇÃO, ELABORAÇÃO, PAUTA, SEMELHANÇA, MANIFESTAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA.
  • NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, CULTURA, POPULAÇÃO, INTEGRAÇÃO, PROCESSO, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO, DEFESA, RESGATE, FOLCLORE, TRADIÇÃO, BRASIL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, PROGRAMA, BENEFICIO, JUVENTUDE, ZONA RURAL, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, ASSISTENCIA TECNICA, COMUNIDADE, VALORIZAÇÃO, CONHECIMENTO, POPULAÇÃO, REGIÃO, DEFESA, PROJETO, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, RETOMADA, CONSTRUÇÃO NAVAL, MUNICIPIO, CRUZEIRO DO SUL (AC), ESTADO DO ACRE (AC).

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caro amigo Senador Heráclito Fortes, que ora preside esta sessão. Como V. Exª e como o Senador José Jorge, eu também estou envolvido com as nossas campanhas regionais e nacionais, mas me permiti um momento em Brasília para tratar de assuntos que não podem deixar de ter solução. Trago da minha terra querida, o Acre, a notícia de que lá a eleição majoritária para o Governo do Estado terá segundo turno. Estou aqui afirmando algo que colho do sentimento do povo acreano, do sentimento popular da minha terra.

Os acreanos, Senador Heráclito, valorizam sobremaneira um dos pilares fundamentais da democracia que é a alternância no poder. Os acreanos dão muito valor a isso. Os acreanos, de tempos em tempos, oferecem a grupos políticos que se sucedem ou se alternam a oportunidade de se apresentarem, de gerirem os interesses públicos no meu Estado. Essa hora mais uma vez chegou no Estado do Acre.

A imprensa brasileira pode estar atenta a isto: em que pese as informações de que a eleição já está resolvida no meu Estado, haverá, no Acre, segundo turno. Nós estamos envolvidos na campanha do ex-Deputado Federal Márcio Bittar, candidato muito bem considerado pela população acreana, com chances fantásticas de vir a ser o futuro Governador do Estado.

Falando em alternância de poder, fiquei quando nada inquieto, preocupado, quando, dias atrás, assistindo ao programa eleitoral, ouvi, com preocupação, o candidato ora Presidente da República, Lula da Silva, pregar à população brasileira o medo, ao dizer que aqueles que concorrem com ele ao cargo de Presidente da República irão destruir tudo o que ele eventualmente tenha feito ou construído no País nos últimos anos. Como brasileiro, fico estarrecido com afirmação desse jaez. O debate político é salutar; a introdução de questões relativas ao sucesso das administrações, o confronto, a comparação, acho isso tudo muito salutar. É próprio da democracia que os grupos políticos que se alternam no poder se mostrem mais competentes do que aqueles que sucedem. Isso é normal, é do embate político. Entretanto, uma afirmativa desta natureza, de que “eles vão destruir tudo o que fizemos”, beira ao terrorismo político. O Brasil já tem maturidade política para não admitir esse tipo de coisa. Contra isso eu me insurjo, Senador Heráclito Fortes, e em relação a isso fico estarrecido. Tenho medo desse tipo de declaração.

Esta afirmação atribuída ao Presidente da República de que o seu desejo mais profundo e secreto seria fechar o Congresso Nacional, em cotejo com a afirmação, em horário eleitoral, de que “eles vão destruir tudo o que nós construímos” me deixa extremamente preocupado. Acho que o caminho não é esse.

A alternância no poder é um dos pilares mais importantes da democracia. Não fosse isso, seria melhor decretarmos logo o fim do processo eleitoral e a permanência, a continuidade de um governante. Então, para que eleição, Senador Heráclito, se, como disse o candidato e atual Presidente da República, “eles vão destruir tudo o que nós fizemos?” É uma afirmação que o povo brasileiro não merece ouvir, porque está atento ao que acontece neste País. O povo não merece ouvir isso. O povo acreano e o povo brasileiro não merecem esse tipo de preocupação vinda de seus principais dirigentes.

Afora esse problema, Senador Heráclito, o que me traz hoje à tribuna do Senado é o desejo de falar um pouco sobre o II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado inclusive aqui em Brasília desde o dia 14 até ontem, quando se encerrou.

Os debates do evento ocorreram paralelamente ao I Encontro Sul-Americano de Culturas Populares. Sob a coordenação do Ministério da Cultura, contou com a presença dos Poderes Públicos, pesquisadores, intelectuais e, principalmente, de mestres de culturas populares de todos os Estados brasileiros e vários países sul-americanos. Foi precedido de seminários estaduais preparatórios.

Na mesa de encerramento do evento, para minha alegria, uma representante dos mestres populares do meu Estado, o Acre, leu um manifesto nacional dos cerca de 500 mestres populares presentes ao evento. A ilustre acreana exigiu do Ministério da Cultura participação do setor de cultura popular no processo de elaboração de pauta e planejamento das etapas do seminário.

Vejam V. Exªs: os mestres da cultura popular, em evento de âmbito nacional, a primeira reivindicação que fazem é a de participar da elaboração da programação do evento do qual eles, supostamente, foram excluídos.

Consideraram-se à margem do processo mais reflexivo e de definição dos objetivos e de definição dos resultados do seminário. Sua proposta não foi aprovada, mas aclamada pela plenária do seminário. O representante do Ministério na mesa, o ator Sérgio Mambert, que é Secretário Nacional de Identidade e de Diversidade Cultural do MinC, assegurou que a próxima edição do evento respeitará esse critério proposto na plenária.

Isso ocorre da forma mais natural possível. É preciso que alguém autorize a manifestação da cultura popular, é preciso que ela seja oficializada para que se expresse no seu esplendor, na sua beleza, na sua inteireza. Aliás, vou contar uma historinha que já contei da tribuna do Senado, Senador Heráclito, para ilustrar exatamente o conceito, o lugar da cultura popular, da manifestação da cultura popular neste País.

Certa feita, eu estava visitando uma zona rural no meu Estado, no Município de Capixaba, e cheguei a um assentamento já beirando a mata, com sol quente, à 1:30h da tarde. Com sede, cheguei na casa daquele que passei a conhecer como Ferreirinha. Depois, travei conhecimento com ele e me tornei amigo. Sentei no lastrozinho da casa dele, os meninos estavam no quintal, brincando, e eu disse: Ô! Chamem teu pai que eu quero conversar com ele. Um deles correu e, muito tempo depois, chegou o Ferreirinha, esbaforido, cansado, suado. Falei: rapaz, tu demoraste muito a chegar - ele me conhecia. Então, respondeu: “Senador, eu demorei porque o assentamento que o Incra abriu para a gente é muito profundo. O lote é muito profundo e muito estreito e, às vezes, a gente tem que botar o roçado lá atrás, e isso causa uma complicação danada”. Aí ele vira e, na sua pureza e na sua inocência, diz: “Senador, se o Incra tivesse consultado a gente, teríamos recomendado que fizesse o lote mais raso e mais largo, porque isso seria bom para todo mundo”.

É esse o tratamento em regra, Senador Heráclito, dado ao conhecimento popular, à cultura popular do nosso País. Ela não é, na maior parte das vezes, valorizada, integrada ao processo de formulação, ao processo de criação, que diz respeito ao próprio desenvolvimento nacional.

No mesmo espírito de apresentação de pauta reivindicatória aos Poderes Públicos, representantes indígenas também leram um Manifesto dos Povos Indígenas, com uma pauta específica ao tema e à opressão holística aos seus povos.

Um terceiro documento trata de temas importantes: educação, cultura e desenvolvimento. Apresentada pelos movimentos de culturas populares do Rio de Janeiro, também foi aclamada pelo plenário e endereçada, segundo a própria Carta, “aos representantes do Poder Público e do Ministério da Cultura”. O teor do documento exige a consideração da cultura como centro das ações de políticas públicas do Estado brasileiro e como eixo ordenador do desenvolvimento nacional.

Assim, propõe a criação de uma diretriz nacional, que seria a incorporação da cultura popular nos processos educativos formais e informais, vinculando cultura e educação, inserindo a disciplina nos currículos escolares e valorizando, assim, a cultura popular local ou regional.

Segundo o documento aprovado, devem ser criados mecanismos legais e constitucionais para a criação de cursos de licenciatura em cultura popular e folclore, para a formação de professores nos centros federais de educação tecnológica, universidades públicas federais, estaduais, municipais e escolas de uma maneira em geral. É uma proposta formulada pelo coletivo dos movimentos populares de cultura de todo o Brasil.

A valorização da cultura popular tem sido uma preocupação constante na minha atuação parlamentar. Recentemente, conjugando cultura, educação e desenvolvimento, propus a instituição do Agente Comunitário Rural; ou seja, por meio de uma emenda constitucional, eu propus que jovens residentes em uma área rural por um determinado período, que têm o saber nato em convívio, em contato com a sua família, com a própria comunidade, possam ser selecionados por um processo seletivo público, capacitados e treinados mais ainda, para prestarem serviços à própria comunidade supletivamente, pela ação dos órgãos de assistência técnica que prestam serviços em todo o País.

É a valorização da cultura popular, do conhecimento popular que, burilado por uma preparação melhor, pode permitir que milhares e milhares de jovens deste País, residentes na zona rural, tenham a perspectiva de uma atividade interessante de renda e de futuro em suas vidas.

Propus, também, a instalação de uma escola técnica de construção naval no Município de Cruzeiro do Sul, no meu Estado. Por que isso? Porque naquela região do Juruá, em Cruzeiro do Sul particularmente, há uma tradição, uma cultura de construção de embarcações, que, aliás, está se evaporando. É o conhecimento não-formal, transmitido de geração a geração, que está desaparecendo da nossa região. Seria fundamental que essa cultura popular fosse revitalizada, assumida pelo Poder Público, e tivesse a sua participação dentro de uma escola técnica de construção naval, para fazer com que a formação de centenas de milhares de jovens seja um mecanismo de fomento do próprio desenvolvimento acreano e regional, da própria região amazônica. Podemos nos constituir num pólo fabricante de embarcações não só para as nossas próprias necessidades no Acre, como também para a região amazônica, espraiando-se por toda aquela região tão bonita, da qual fazem parte outros países vizinhos.

Ambas as proposições valorizam e resgatam a cultura popular praticada num caso e no outro, que, aliás, tende a desaparecer se não for revigorada e reaproveitada.

É necessário que o Senado Federal dialogue com o Movimento de Culturas Populares do Brasil. Pretendo, inclusive, apresentar proposição criando Cursos de Licenciatura em Cultura Popular e Folclore, para a formação de professores nos centros federais de educação tecnológica, universidades públicas federais, estaduais, municipais e escolas de uma maneira geral, como quer e propõe o próprio Movimento de Culturas Populares do Brasil.

Espero, com isso, abrir mais uma porta para que esse diálogo necessário se estabeleça e o debate de tema tão importante possa gerar frutos que permitam o resgate e a valorização da cultura popular brasileira e do nosso rico folclore. Espero, igualmente, jogar luz no conjunto do arcabouço cultural amazônico e fazê-lo um tema permanente de diálogo e proposições nesta Casa.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2006 - Página 29039