Discurso durante a 156ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise do quadro político brasileiro.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Análise do quadro político brasileiro.
Aparteantes
Heráclito Fortes, José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2006 - Página 29477
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, NOTICIARIO, IMPRENSA, SITUAÇÃO POLITICA, BRASIL, IMPOSSIBILIDADE, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, RESULTADO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA.
  • CRITICA, PENSAMENTO, CLASSE SOCIAL, PORTADOR, RIQUEZAS, PRESTIGIO, DIVULGAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEPRECIAÇÃO, FORMA, VOTO, ELEITOR, BAIXA RENDA.
  • REGISTRO, HISTORIA, DEMOCRACIA, BRASIL, INFERIORIDADE, NUMERO, ELEIÇÕES, COMENTARIO, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, POVO, ESCOLHA, GOVERNANTE, REDUÇÃO, SUJEIÇÃO, VOTO, POPULAÇÃO, VONTADE, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS, SEMELHANÇA, SITUAÇÃO, AMERICA LATINA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os observadores políticos do Brasil, e até outros que não são brasileiros mas que se dedicam ao estudo e análise do processo político brasileiro, estão diante de um dilema, de uma dicotomia lógica que ainda não tem conclusões definitivas, até porque não temos também resultados definitivos. Eu, por exemplo - e sou um observador político do quadro brasileiro há cinqüenta anos -, por tudo o que tenho escutado aqui neste plenário, por tudo o que tenho lido nos jornais, por tudo o que tenho visto na televisão, acabaria tirando uma conclusão lógica do conteúdo desses pronunciamentos e mesmo desse noticiário e de artigos que são escritos. A conclusão seria de que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teria condições morais, éticas para se reeleger. Por outro lado, não temos ainda resultados definitivos, e a preferência popular se manifestou claramente pela reeleição do Presidente.

Do encontro lógico desses dois fatos - o conjunto de comentários e a manifestação popular -, surge aquele velho aforismo: “O povo não sabe votar”. O povo é tolo, despreparado, não sabe o que é melhor para si; ou então o povo é cínico, não tem noção de ética, de moral e não sabe apreciar as questões sob esse prisma da ética e da moral.

Sr. Presidente, esse é um velho pensamento. Eu, como disse, sou antigo observador da política brasileira e sei que esse é um velho pensamento da elite tradicional, conservadora, endinheirada; da elite branca, no dizer do Governador Cláudio Lembo.

Além disso, esse é um pensamento também muito subliminarmente inserido na mídia brasileira há muito tempo - se bem que, nesses cinqüenta anos de observação, nunca vi uma posição da mídia tão forte contra um Presidente ou contra um candidato como agora, a não ser nos idos de 1954, em relação a Getúlio Vargas. Depois daquele episódio, não vi mais se repetir essa força, essa unanimidade do noticiário e do pensamento da mídia como a que tenho visto agora.

Trata-se de um velho vezo da política brasileira. O Brasil não tem, Sr. Presidente, tradição democrática; tem pouca prática de democracia, essa é a verdade. O Brasil teve um período democrático, de 1945 a 1964 - menos de vinte anos -, que se interrompeu. E agora, a partir de 1984, 1985, o País retomou a prática democrática.

O fato é que a democracia no País sempre foi uma democracia dessas elites, uma democracia em que o povo trabalhador, o pequeno agricultor, a família carente, o excluído brasileiro sempre votou de acordo com a opinião da classe média, do seu “doutor”, da mídia, porque a democracia funcionava assim; o povo nunca tinha tido a oportunidade de se revelar por inteiro no seu pensamento, no seu julgamento, como agora está fazendo.

Esse pensamento da elite - de que o povo não tem capacidade de julgar, ou, quando o faz, julga errado, ou, quando o faz, julga sem considerar os aspectos morais e éticos - é profundamente antidemocrático. Mas, no fundo, é o pensamento de quem não quer e não pode aceitar o novo e principal ator do jogo democrático brasileiro, o ator que nunca tinha entrado em cena com autonomia e agora, desta vez, está entrando. Então, esse fenômeno está causando espécie e dificuldade de compreensão para quem não está habituado ao jogo democrático na sua completude, na sua inteireza.

No último número da revista Carta Capital, há uma entrevista muito interessante e substanciosa do cientista político Marcos Coimbra, na qual ele responde exatamente essas indagações, desmistificando todo esse pensamento de que o povo não sabe votar, de que o povo não pensou bem, mostrando que esses julgamentos são errados e, além de errados, antidemocráticos, porque são de quem não participou ainda de um jogo democrático em que entrem todos os atores, inclusive o povo mais modesto, o povo trabalhador, o pequeno agricultor, a família carente, os excluídos, etc.

Agora, isto é o que há de auspicioso neste momento, ou seja, a democracia brasileira entrou no seu processo de consolidação e de aprofundamento - algo que ainda não havia ocorrido -, e entrou o fator novo do projeto nacional brasileiro.

Depois do Estado nacional, depois da ocupação do território, entrou o povo nacional brasileiro, que ainda não tinha assumido a sua autonomia, a sua presença e o seu desempenho no palco político brasileiro. Isso é, como eu disse, auspicioso sob o ponto de vista democrático, porque é a última etapa na consolidação do projeto nacional brasileiro e democrático.

Porém, isso não está acontecendo só no Brasil; está acontecendo em todos aqueles países da América Latina que se caracterizam pela desigualdade profunda com que o Estado nacional trata a população, em todos aqueles países que sempre jogaram o povo numa situação de muita injustiça, de muita opressão, de muita exclusão, de muita desconsideração. O que está acontecendo no Brasil acontece em praticamente toda a América Latina, à exceção da Argentina, do Chile e do Uruguai, países onde esse fenômeno da desigualdade aprofundada e da exploração do povo pelas elites de maneira tão gritante, tão antiética e tão injusta não aconteceu no mesmo grau com que aconteceu nos demais países.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Em breve, Senador.

O México vive hoje essa situação, assim como a Venezuela, a Bolívia, o Equador, o Peru. Toda a América Latina está despertando para a democracia e, pela primeira vez, incluindo como ator, no jogo democrático, o povo, sempre excluído desse processo, do processo político e do processo econômico-social.

Então, isso é novo, e, por conseguinte, muita gente estranha, classifica mal, compreende mal. Mas é um fato que considero da maior importância, um fato novo, auspicioso, que trará para o nosso País e para o continente essa consolidação do regime democrático, da participação popular, da autonomia de pensamento e de julgamento do povo trabalhador.

Ouço o Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Roberto Saturnino, sempre assisto, com muito entusiasmo e muita atenção, aos pronunciamentos que V. Exª faz nesta Casa. Hoje V. Exª critica as elites. Mas o povo brasileiro, que tanto o admira, precisa de um esclarecimento maior de V. Exª sobre o que é elite. Será que quem comanda o PT ou quem faz oposição ao Governo faz parte das elites que o cercam? Será que o PT hoje é governado por uma elite, ou o PT não tem elite? Já soubemos de uma discussão, amplamente divulgada pela imprensa, do alto comando do politburo petista, em que um dos participantes disse: “Pára com isso, porque a elite somos nós”. O grande erro ou a grande novidade é que agora se implantou no Brasil uma nova modalidade de elite, que é a elite da corrupção, a elite que comanda um processo de corrupção no País e que tem o Presidente da República como autoridade maior. No entanto, como resposta a tudo isso, o Presidente apenas chama seus companheiros de “meninos”. Ora, eu já pedi que mandasse os meninos para a Febem, porque, se esses meninos crescerem assim, eles vão fazer mal à sociedade brasileira. Senador Roberto Saturnino, tenho a impressão de que V. Exª, como carioca, é admirador do jornalista Ancelmo Gois. Espero que V. Exª não o coloque na elite do jornalismo brasileiro, a não ser que ele faça parte da elite por causa da sua independência, da sua credibilidade e, acima de tudo, por ser um daqueles que honram a profissão. Na sua coluna hoje, ele mostra a fotomontagem, inspirada no quadro original da “Santa Ceia”, intitulada “Santa Ceia Tabajara”. Nela, o Presidente Lula ocupa a cadeira principal - isso até vem em bom momento, porque o Presidente comparou-se a Cristo ontem -, cercado da elite da corrupção brasileira. Não podemos, Senador Roberto Saturnino, tapar o sol com a peneira. O Brasil está estarrecido e escandalizado, por exemplo, com o que se está fazendo neste Governo com uma das instituições mais respeitadas do País, o Banco do Brasil, que tem sido usado para montagem e fortalecimento do aparelho do Estado, para bisbilhotar a vida de pessoas que contrariam o Governo, que se opõem ao Governo em determinadas ocasiões. Portanto, chamo a atenção de V. Exª, que prima nesta Casa pelo equilíbrio e pela ponderação, para que se tenha cuidado com a criação dessa nova elite. V. Exª cita, toda segunda-feira, a revista Carta Capital, publicação de repercussão nacional, mas o jornal O Globo, da sua cidade, e as revistas Veja e Época veiculam, nesta semana, notícias gravíssimas contra o Governo, que tenho certeza serão objeto de leitura por parte de V. Exª. Permita-me aproveitar esta oportunidade para parabenizar seu conterrâneo Ancelmo Gois pela oportunidade e pela inspiração dessa montagem, invocando a Ceia Larga, onde o suposto Cristo, o Cristo barbado, está cercado de ladrões por todos os lados. Todos os citados aqui, que formam essa elite, ou já foram investigados ou já foram punidos. Não vamos dizer que são “meninos” ou que aqui tenha algum inocente. Muito obrigado.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Heráclito Fortes.

Há pouco, eu disse que, nestes cinqüenta anos em que observo a política brasileira, nunca vi algo tão claro, tão explícito e tão forte quanto a campanha, com noticiários, comentários e artigos, que a mídia faz contra o Governo Lula, a não ser a que foi feita contra Getúlio Vargas, em 1954. De lá para cá, nunca mais vi algo assim. Isso significa que coisas novas e graves estão acontecendo. Ao mesmo tempo em que a mídia assim procede, a massa da população apóia o Presidente. O objeto do meu discurso é exatamente mostrar que há um fenômeno novo no quadro político brasileiro.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Já ouço V. Exª.

Há um fenômeno novo no quadro político brasileiro que é essa assunção, por parte do povo, de uma autonomia em relação ao noticiário, a tudo o que sai na mídia e à opinião dessa elite conservadora. Classifiquei a elite como elite conservadora, elite endinheirada, elite que representa a mídia de modo geral, o pensamento da mídia, na medida em que a mídia é toda feita para atender não ao povo trabalhador excluído, mas a quem compra os jornais, a quem paga as propagandas, que é a camada menos pobre da população, vamos dizer assim, para incluir a classe média também.

Com prazer, ouço o Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PLF - PE) - Congratulo-me com V. Exª, Senador Roberto Saturnino, pela escolha do tema. Acho que V. Exª escolheu bem. E vejo que esta sempre foi uma preocupação de V. Exª, pelo que conheço de sua atuação como político e como Parlamentar. Uma preocupação em relação à questão de que devemos ter sempre um governo com base popular, que permita que possamos melhorar a qualidade de vida da população mais pobre. Sob esse ponto de vista, acho que V. Exª tem efetiva razão em relação ao tema que escolheu. É um tema propício para discutirmos nestes dias de pré-eleição, praticamente na semana pré-eleitoral. Se observarmos os noticiários, podemos dividi-los em duas etapas: na primeira etapa, houve um comportamento da mídia para uma tentativa de um noticiário equilibrado. Inclusive, na mídia principal, que é a televisão, até a legislação obriga que as emissoras de televisão dividam o tempo igualmente entre os candidatos, sendo que o Presidente Lula, o candidato do Governo, levava até alguma vantagem, porque, às vezes, aparecia como Presidente, outras como candidato. Mas, na verdade, havia, sim, uma tentativa de equilíbrio. A mídia impressa, normalmente, é mais independente. De qualquer maneira, se acompanharmos os espaços, vemos que, até um determinado momento, houve um equilíbrio no noticiário entre todos os candidatos, entre os dois principais e os outros dois, Heloísa Helena e Cristovam Buarque. Aí, aconteceu um fato novo, que foi exatamente a tentativa de compra de um dossiê por duas pessoas ligadas ao PT - uma é filiada ao PT de Mato Grosso, uma pessoa importante no esquema financeiro de lá; o segundo é um funcionário do PT, um ex-policial federal, que foi contratado para trabalhar no comitê central do Partido dos Trabalhadores. Essas duas pessoas foram pegas com R$ 1,75 milhão em dinheiro, valor que, hoje em dia, com a informática, é muito difícil de se juntar. V. Exª sabe melhor que eu que, para se tirar R$ 20 mil de um banco, em dinheiro, hoje, deve-se avisar na véspera. Essas pessoas estavam com R$ 1,75 milhão. De lá para cá, evidentemente isso se tornou a notícia do dia, porque a mídia, na verdade, acompanha aquilo que vai acontecendo, e efetivamente todos os jornais e as próprias emissoras de televisão deram um grande espaço ao fato. E o que aconteceu? Cada dia mais, foram aparecendo pessoas ligadas ao Presidente, como o seu churrasqueiro. Ontem, o Presidente acusou o próprio Presidente do PT, Ricardo Berzoini, que era o coordenador da campanha e que se afastou. Quer dizer, foram aparecendo novas pessoas. Por enquanto, a Polícia Federal ainda não descobriu a origem do dinheiro. Aconteceram dois fatos: primeiro, o chamado jogo sujo, a tentativa de compra dossiê contra os adversários; segundo, a quantia de R$ 1,75 milhão, que é muito dinheiro. Calculo que esse valor caiba numa mala de viagem, em dinheiro vivo - inclusive, uma parte era em dólar. Essas coisas obrigaram a mídia a dar todo esse espaço, que, na verdade, termina quando se noticia isso e, de alguma maneira, diretamente atinge o Presidente Lula. Se formos justos - V. Exª, diga-se de passagem, é uma pessoa sempre justa e coerente -, notaremos a divisão entre o momento em que o noticiário da mídia era equilibrado em relação a todos os candidatos e o momento posterior. Enquanto não se souber de onde veio esse dinheiro, enquanto a Polícia Federal não disser de onde veio - pois até agora não se disse nada -, não vai ter como a mídia deixar de noticiar esse fato, porque há concorrência nesse setor. Portanto, se um jornal, vamos supor, a Folha de S.Paulo não noticiar e o jornal O Estado de S. Paulo o fizer, o público vai comprar O Estado de S. Paulo, e não, a Folha. Então, acho que seremos justos com a mídia se separarmos essas duas etapas. De qualquer maneira, para encerrar, elogio V. Exª pelo tema que traz, que realmente é relevante.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador José Jorge. Acho que, mesmo antes desse episódio, já estava muito clara a preferência, o modo de noticiar, o destaque das notícias, a vontade política da mídia de evitar a reeleição. Em todo o caso, até reconheço que surgiu um fato novo e que esse fato novo deu ensejo a que a mídia retomasse, com mais vigor ainda, a tendência que já tinha antes.

O julgamento da mídia vai ser feito a posteriori por especialistas - não sou especialista em apreciação da mídia -, que vão medir espaços, medir formas de noticiar e apresentar as suas conclusões de forma científica, menos parcial, tão neutra quanto possível.

V. Exª não deixa de ter razão quanto a esse fato novo ter trazido um recrudescimento de uma tendência, que penso já existia antes.

Sr. Presidente, era isso que queria ressaltar hoje, a importância da entrada em cena desse ator novo, que é o povo, com independência, com pensamento próprio, sem se deixar influenciar pelo doutor ou por aquela posição hierárquica socialmente mais elevada, que está pensando bem, amadurecidamente, avaliando o Governo do Presidente Lula e fazendo a sua opção. Isso é novo, é muito importante, porque é a consolidação definitiva do regime democrático no Brasil, na sua inteireza, na sua largueza completa.

Agradeço a paciência de V. Exª e dos que me ouviram.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2006 - Página 29477