Discurso durante a 161ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a distribuição justa dos frutos do trabalho de todos os brasileiros. Expectativa em torno de um grande debate nacional sobre a concentração de renda, durante a campanha para o segundo turno das eleições.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a distribuição justa dos frutos do trabalho de todos os brasileiros. Expectativa em torno de um grande debate nacional sobre a concentração de renda, durante a campanha para o segundo turno das eleições.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2006 - Página 30108
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, JUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, COMENTARIO, EFICACIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, FAVORECIMENTO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, BOLSA FAMILIA, SALARIO MINIMO, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR.
  • REGISTRO, DADOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), COMPROVAÇÃO, REDUÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AUMENTO, RENDA, FAMILIA, BAIXA RENDA, RENDA PER CAPITA, VINCULAÇÃO, CRESCIMENTO, SALARIO MINIMO.
  • COMENTARIO, PESQUISA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ANALISE, GASTOS PUBLICOS, GOVERNO FEDERAL, EXPECTATIVA, DEBATE, SEGUNDO TURNO, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, TRABALHO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, pela referência, mas, depois de tanto tempo, chega um momento em que precisamos reconhecer que é melhor dar a vez para o seguinte. Mas recebo com muito afeto e com muita gratidão o pronunciamento de V. Exª, que sei reflete um verdadeiro sentimento de V. Exª. Obrigado, Senador.

Vou voltar hoje ao tema que me tem ocupado tanto ultimamente e que considero essencial para a política brasileira, para o projeto de Nação brasileira, depois de tanto empenho na constituição do Estado, na ocupação do território, no dinamismo econômico. O que está faltando é a distribuição justa dos frutos do trabalho de todos os brasileiros.

O Brasil continua sendo um país de distribuição iníqua e absolutamente incompatível com um projeto de nação democrática, civilizada e próspera. Não houvesse esse processo entrado numa fase de reversão, a continuar aquele tipo de crescimento em que se deixa a divisão para depois, em que se faz valer aquele velho aforismo de primeiro crescer o bolo para depois dividir, não acabaríamos bem no Brasil em termos de estabilidade política, social e democrática. Em algum momento, esse processo acabaria resultando numa comoção social, numa revolta contra essa injustiça flagrante, gritante, estrutural da sociedade brasileira. Mas, felizmente, entramos num período em que a distribuição passou a ser a prioridade, o que é muito importante.

Reafirmo o que tenho dito, porque essa é a peça fundamental que está faltando no projeto de Nação brasileira. Eis que, finalmente, a desigualdade está retrocedendo, isto é, está dando lugar a uma distribuição mais justa, sem que tenha havido nenhuma revolução.

O mandato do Presidente Lula pautou-se por uma política econômica, no sentido fiscal e monetário, bastante conservadora - a meu juízo, até demais; poderia ter sido menos conservadora. Mas o fato é que esse conservadorismo na política monetária e fiscal não impediu e até propiciou avanço nos programas sociais, como o Bolsa-Família, no salário mínimo, na agricultura familiar etc., o que fez reverter a tendência à concentração de renda, que é a maior chaga do Brasil de nossos tempos.

Caiu-me, hoje, nas mãos um estudo feito pelo economista Antonio Prado, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, que aponta, de maneira inequívoca, com dados da realidade, com apurações estatísticas do IBGE e da Fundação Getúlio Vargas, que há claramente um retrocesso na política de concentração de renda e que agora se pratica uma política de distribuição dos frutos do trabalho do brasileiro.

Ele aponta, Sr. Presidente, que, no período de 2001 a 2005, houve um crescimento do rendimento domiciliar real - descontado, por conseguinte, o efeito inflacionário - em cinco faixas de renda: a dos 20% mais pobres e a dos 20% seguintes até à dos 20% mais ricos.

O que aconteceu é que, nesse período, os 20% mais pobres tiveram seu rendimento domiciliar real elevado em 23,96%. Quer dizer, 24% em termos reais é algo significativo para um período de quatro anos. É muito significativo.

A camada seguinte, a dos 20% de faixa de renda acima dos mais pobres, teve um crescimento de 13,15%, algo também significativo, porque um crescimento real da renda per capita de 20% ou de 15% influi, evidentemente, nas condições de vida das famílias, pois dá às pessoas um grau de liberdade em relação à luta pela sobrevivência e contra a miséria absoluta, abrindo-lhes até o pensamento para observar melhor o Brasil, a Nação brasileira, os governantes, as políticas, a realidade, enfim, do País, que está diante delas e que não pode ser visualizada devido à premência com que se atiram a resolver o problema da sobrevivência quase diariamente.

Então, foi isto que aconteceu: a renda domiciliar per capita real dos 25% mais pobres, ou seja, do primeiro quintil de rendimento, cresceu 24%; a dos 20% seguintes, 13,15%; a do terceiro quintil, 9,61%; a do quarto, 5,27%; e a do último, os 20% mais ricos, cresceu também, mas 0,63%.

Esta é a boa política: aquela que dá oportunidades de crescimento a todos, mas as maiores, aos mais pobres, e as menores, aos mais ricos. Até mesmo os mais ricos tiveram seus rendimentos acrescidos em 0,63% nesse período, o que significa que não perderam, que não foi preciso apelar para aquele jogo de soma zero, em que, para dar para uns, é preciso tirar dos outros. Ninguém perdeu. Claro que, individualmente, muitas pessoas podem ter perdido, mas, coletivamente, houve acréscimos de renda bem maiores nas camadas mais pobres e menores nas camadas mais ricas.

Esse estudo, Sr. Presidente, é muito interessante e insofismável, porque se baseia na pesquisa domiciliar feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados concretos.

Nesse mesmo estudo, o Dr. Antonio Prado, economista do BNDES, faz também uma regressão linear, para evidenciar os efeitos sobre a renda, sobre a distribuição de renda, sobre o chamado coeficiente de Gini, aquele que expressa globalmente a desigualdade da distribuição de renda entre as pessoas de um país, ou seja, para mostrar que há uma correlação fortíssima entre o crescimento do salário mínimo e a diminuição da desigualdade. Trata-se de um trabalho estatístico, científico, baseado em dados reais da economia brasileira, que mostra que a política de salário mínimo praticada nos últimos quatro anos foi um fator decisivo para a obtenção desse diferencial de crescimento entre as faixas de renda no País, reduzindo-se a desigualdade, que é a grande marca negativa da economia e da sociedade brasileira.

Foi exatamente esse conjunto de medidas, que vai do salário mínimo ao financiamento da agricultura familiar, ao Bolsa-Família e tudo mais, é que possibilitou uma distensão daquela desigualdade injusta, revoltante, que era característica - e ainda é, infelizmente - da sociedade brasileira.

A terceira parte desse estudo mostra a evolução das despesas públicas no País, das despesas da União.

Freqüentemente, nos jornais, podem ser lidas críticas ao grande gasto do Governo Federal com despesas de consumo de um modo geral, reduzindo a possibilidade de investimentos públicos. Isso é, de certa forma, verdade, mas que reflete essa priorização do gasto social, porque os gastos com pessoal e encargos diminuíram em relação aos períodos anteriores. O que aumentou foi exatamente os gastos com esses programas sociais que são fundamentais para que a sociedade brasileira encontre um ponto de equilíbrio, um ponto de harmonização que hoje infelizmente não existe e que leva muitos brasileiros, especialmente brasileiros jovens, a contestar os valores tradicionais das nossas crenças, da nossa sociedade, a contestar a lei e a buscar a sua realização individual por meio da criminalidade, já que a sociedade, o funcionamento da economia é de tal forma injusta que tolhe para eles as possibilidades de obtenção de uma vida digna mediante um trabalho, na medida em que o trabalho tem sido historicamente tão desvalorizado neste País em benefício dos rendimentos do capital.

Esse é o tema da política que eu espero seja discutido no grande debate nacional que se vai instalar agora no segundo turno,. porque essa é também uma questão ética. E eu diria mais: é uma questão ética de fundo, porque é essa questão que fundamenta a convivência dos brasileiros dentro de uma sociedade e que não pode continuar sendo injusta como vinha sendo com aquele modelo de crescimento, que era concentrador de renda e que sempre esperava o bolo crescer para depois ser repartido de uma forma mais justa. Isso não pode continuar, isso parou há quatro anos; agora há uma forma dinâmica, um outro processo, um outro modelo de crescimento e é preciso discutir isso durante a campanha eleitoral nesses próximos 15 dias, nesse segundo turno. O segundo turno parece que vem para abrir essa possibilidade de duas correntes de pensamento representadas por dois candidatos bem representativos se oponham num debate franco, aberto e honesto do qual participe a sociedade como um todo e, evidentemente, nós, políticos, que temos a nossa vida ligada a esse tipo de atividade.

Sr. Presidente, nesta oportunidade que me é dada, tenho batido muito nessa tecla. Alguns até acham que, de alguma forma, tenho sido monocórdio, mas é porque considero a questão prioritária, absolutamente prioritária, e tem que ser discutida no Brasil. É possível mudar essa sociedade, a organização da economia brasileira, de forma a permitir uma distribuição mais justa dos frutos do trabalho de todos. Ou não é? Esses estudos que estão sendo feitos agora ao fim do quarto ano do mandato do Presidente Lula estão mostrando que é possível e que é importante que haja continuidade nesse tipo de política, para que a sociedade brasileira encontre o seu ponto de equilíbrio e não venha a, daí para frente, conflitos muito graves de comoções sociais que não podemos prever, cujas conseqüências são imprevisíveis.

Era essa a mensagem, Sr. Presidente, que eu queria trazer. Agradeço a V. Exª pela benevolência do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2006 - Página 30108