Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 10/10/2006
Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre o debate ocorrido no último domingo, entre os dois candidatos à Presidência da República, e a questão da política externa, abordada na ocasião. Críticas à postura do candidato Alckmin, que considerou desrespeitosa.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.
ELEIÇÕES.
POLITICA EXTERNA.:
- Considerações sobre o debate ocorrido no último domingo, entre os dois candidatos à Presidência da República, e a questão da política externa, abordada na ocasião. Críticas à postura do candidato Alckmin, que considerou desrespeitosa.
- Aparteantes
- Roberto Saturnino.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/10/2006 - Página 30637
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM. ELEIÇÕES. POLITICA EXTERNA.
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, FERNANDO GASPARIAN, EX-DEPUTADO, RESPONSAVEL, JORNAL, OPINIÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
- SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ENTREVISTA, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTINUAÇÃO, MELHORIA, POLITICA EXTERNA, BRASIL.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, em homenagem à manifestação do Senador Arthur Virgílio, considerando a extraordinária figura do arquiteto Oscar Niemeyer, eu gostaria de requerer a transcrição do artigo publicado há dois dias na Folha de S.Paulo, em que Oscar Niemeyer fala do diálogo que teve com alguns dos maiores cientistas brasileiros há poucos dias e que todos comentavam o resultado das eleições.
No artigo, Oscar Niemeyer diz, com muita clareza, por que considera importante que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva prossiga como Presidente neste próximo mandato, sobretudo em função das diretrizes de política externa que têm caracterizado o Governo do Presidente Lula. Aliás, é sobre este tema que eu gostaria de tecer opiniões aqui, em acréscimo ao que comentei a respeito do debate entre os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin na Rede Bandeirantes de Televisão.
Quero também registrar que, ainda ontem, eu e os Senadores Roberto Saturnino e Marco Maciel expressamos, apresentando requerimentos, nosso pesar pelo falecimento do ex-Deputado Federal Fernando Gasparian, colega e amigo do Senador Arthur Virgílio e de tantos de nós, que foi Constituinte e responsável pelo jornal Opinião, pela Livraria Argumento e por tantas outras iniciativas importantes no Brasil.
O Presidente Lula declarou-se triste com o debate de domingo e comparou o comportamento do seu adversário ao de um “delegado de porta de cadeia”. O Presidente tem as suas razões. O candidato Alckmin adotou um tom desrespeitoso e agressivo, a começar pela forma como se dirigiu ao Presidente, tratando-o de “você” e de “candidato Lula”. Eu, de alguma maneira, presente ao encontro, estranhei que o ex-Governador Geraldo Alckmin estivesse assim tratando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque, diversas vezes, fui testemunha do diálogo muito construtivo e respeitoso que ambos tiveram quando ele era Governador de Estado e Lula, o Presidente - em inúmeras ocasiões.
O Presidente Lula, que, na minha opinião, foi mais humilde e mais educado, começou o debate tratando Geraldo Alckmin de Governador e até de V. Exª. Só no final do debate, diante da atitude, que não foi a mais respeitosa, do candidato Geraldo Alckmin, é que o seu interlocutor abandonou aquele tratamento respeitoso.
Já veremos como o eleitorado brasileiro reagirá a esse novo estilo do ex-Governador de São Paulo.
Ao assistir ao debate, tive a impressão de que Alckmin estava encarnando, com perfeição, o sentimento muitas vezes caracterizado de superioridade, de arrogância, que é característico não de toda, mas de parte da elite da classe média no trato com o povo brasileiro, povo que é pacífico, cordato, mas que tende a rejeitar atitudes que não são de respeito para com aqueles que nem sempre tiveram a mesma origem.
O jornalista Janio de Freitas, em sua coluna de hoje, na Folha de S.Paulo, foi certeiro quando escreveu:
Geraldo Alckmin, à revelia do que até então aparentara, apresentou-se como um misto de Carlos Lacerda e Fernando Collor. O pior de ambos: a agressividade compulsiva de Lacerda e a arrogância de Collor. (...) A ostentação de uma superioridade humilhante lembrou muito pouco, se chegou a lembrar, o Geraldo Alckmin até então apresentado aos eleitores e muito o Collor do debate com Lula. O Geraldo Alckmin da Bandeirantes pode ter correspondido à cobrança de Fernando Henrique, que expôs de público a sua nostalgia pela ausência de Carlos Lacerda, não pelo brilho, mas pela agressividade.
Na minha avaliação, o Presidente Lula saiu-se bastante bem. Sei que não é a sua opinião, Senador Antonio Carlos Magalhães, mas esta é a minha.
Foi duro em alguns momentos, como tinha de ser em face do tom do seu adversário, mas não se nivelou à agressividade de Alckmin. Valeu-se da ironia, do bom humor e deu-se ao luxo até de estranhar o comportamento do seu adversário, que não estava realmente no seu estilo habitual.
Um dos pontos altos do Presidente foi na discussão sobre a política externa. O ex-Governador Alckmin, que nunca mostrou experiência ou conhecimento na área internacional, partiu para o ataque declarando, peremptoriamente, que a política externa do Governo Lula “fracassou” e que o Brasil havia sido “humilhado” pela Bolívia, que recuara diante da Argentina e que estava sofrendo uma “invasão” de produtos chineses.
A resposta do Presidente foi incisiva e precisa. Disse o Presidente Lula: “Possivelmente, o Governador não sabe que temos superávit comercial com a China”.
De fato, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Brasil registra, nas relações comerciais com a China, um superávit de US$ 803 milhões no período de janeiro a setembro de 2006. No mesmo período de 2005, o superávit brasileiro com a China chegou a US$ 921 milhões.
É verdade que as importações oriundas da China têm crescido rapidamente - 44% contra igual período do ano anterior -, estimuladas pelo câmbio artificialmente valorizado no Brasil. Nesse ponto, cabe a observação de Geraldo Alckmin de que há, de alguma forma, uma valorização excessiva. Mas o forte crescimento da economia chinesa tem permitido rápida expansão das exportações brasileiras para aquele País - o aumento foi de 35% de janeiro a setembro deste ano, em comparação com igual período de 2005.
Como destacou o Presidente, no debate de domingo, o comércio com a China, o nosso terceiro parceiro comercial mais importante depois dos Estados Unidos e da Argentina, tende a se tornar mais expressivo.
O Presidente referiu-se ao fechamento de contrato para a venda de nada menos que 100 aviões da Embraer para a China. Trata-se do maior negócio fechado pela Embraer nos últimos anos. Aparentemente, é a Embraer que está “invadindo” a China.
Ainda mais eficaz foi a resposta que o Presidente deu sobre a Bolívia. O candidato Alckmin, quando adotou tom exaltado e palavras fortes para se referir a divergências com o nosso vizinho menos desenvolvido, fez por merecer a comparação com o comportamento do Presidente George Walker Bush na questão do Iraque.
A integração sul-americana que o ex-Governador também diz defender jamais prosperará se os Países maiores e mais desenvolvidos, como Brasil e Argentina, não tiverem equilíbrio e moderação no uso de seu poder nas relações com os Países menos desenvolvidos, como a Bolívia.
Como comentou o Chanceler Celso Amorim, após o debate, o candidato do PSDB passa a impressão de que sua política externa será truculenta com os fracos e submissa com os fortes. Um diplomata que é assessor do ex-Governador tem repetido que, com Alckmin, a política externa voltará ao seu leito natural. O que isso significa? Esperemos que esse leito natural não seja o velho e surrado alinhamento à agenda dos Estados Unidos, que caracterizou boa parte da política externa dos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
As declarações programáticas do candidato do PSDB parecem apontar nessa direção. Ele tem afirmado reiteradamente, por exemplo, que buscará restabelecer a prioridade nas relações com os Países desenvolvidos. O que significa isso? Por acaso uma aceitação da Área de Livre Comércio das Américas nos termos altamente problemáticos e desiguais propostos por Washington, que levam em conta muito mais o interesse dos proprietários das grandes empresas multinacionais, nem sempre com o equilíbrio ou o interesse dos seres humanos? Só se pensa em livre circulação do capital e dos bens e serviços e não dos seres humanos. Estão ali a construir esse muro totalmente contrário ao bom senso com o México.
Ou o protecionismo europeu em matéria de agricultura? Um País que exaltou a queda do Muro de Berlim, que recomendou que não se construísse o muro com a Cisjordânia agora estabelece um muro daquela ordem na fronteira com o México.
Um dos grandes méritos da política externa brasileira, em 2003, foi ter atuado de forma eficaz para impedir que a Alca e o acordo Mercosul-União Européia progredissem nos termos em que as negociações vinham sendo conduzidas no Governo Fernando Henrique Cardoso.
O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Permita-me V. Exª um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concedo o aparte, com muita honra, ao Senador Roberto Saturnino.
O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Vejo que V. Exª está terminando o seu pronunciamento e não queria tomar o seu tempo, mas gostaria apenas de ressaltar a importância do tema que V. Exª está desenvolvendo. A questão da política externa é um dos três ou quatro temas que são decisivos para os destinos da Nação e que diferenciam bem a candidatura Lula da candidatura Alckmin, como o papel e a presença do Estado, as estatais, a questão social e os investimentos. Dois ou três pontos, esses, sim, devem ser objeto de debate e de diferenciação bem grande, como a política externa, o que ficou bem claro no debate - ainda há pouco, eu o ressaltava da tribuna. É importante que V. Exª novamente retome o tema e marque essa diferença realmente essencial, que diz respeito aos destinos do Brasil.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Roberto Saturnino Braga, que bem destaca a importância das linhas que vêm sendo traçadas pelo Presidente Lula e pelo Ministro Celso Amorim.
(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Estou concluindo, Sr. Presidente.
Nas negociações da OMC, o Brasil assumiu papel de destaque, coordenando uma ampla coligação de Países em desenvolvimento, o chamado Grupo dos 20, hoje mundialmente reconhecido como um dos principais interlocutores da negociação comercial multilateral.
A discussão sobre política econômica ainda deixa muito a desejar. O ex-Governador de São Paulo insiste sempre na necessidade de cortar gastos, o que, em princípio, é defensável. No entanto, raramente ele abandona o terreno das generalidades e das declarações vagas de intenção.
No debate de domingo, na TV Bandeirantes, a sua resposta sobre esta questão foi genérica e imprecisa “Como seria o corte de despesas públicas no seu governo?” A sua resposta foi: “Cortaremos a corrupção, a ineficiência, os cargos em comissão e as compras superfaturadas”. Ninguém pode ser contra essas generalidades bem intencionadas, mas não se podem alimentar ilusões.
Por exemplo: a economia que se pode obter com a redução dos cargos em comissões é sabidamente limitada. Se seu desafio é realizar um grande ajustamento fiscal, como insiste o ex-Governador, vinculando inclusive a redução das taxas de juros a esse ajustamento, ele terá que ser mais explícito sobre os caminhos que pretende seguir no corte das despesas correntes.
Curiosamente, ele não mencionou, no debate, a necessidade de diminuir a carga de despesas correntes com um determinado item: as despesas financeiras do setor público. Uma diminuição mais rápida das taxas de juros praticadas pelo Banco Central, que é perfeitamente possível e não pressupõe, a meu ver, um grande ajustamento prévio das contas públicas ou reformas profundas na Constituição; essa seria uma forma de evitar desperdícios no gasto público. Com juros menores e taxas de crescimento mais elevadas do nível de atividade, será mais fácil equacionar o ajustamento da Previdência e das contas públicas brasileiras, de modo geral.
São questões que ainda precisam ser mais debatidas neste segundo turno da eleição presidencial.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.)
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Matéria referida:
“Em defesa da nossa soberania”, artigo de Oscar Niemeyer, publicado na Folha de S.Paulo, de 09 de outubro de 2006.