Discurso durante a 168ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Louvor à iniciativa do Senador Ramez Tebet de reconhecer o que há de extraordinário na atitude do Banco Grameen.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS. POLITICA SOCIO ECONOMICA. ELEIÇÕES.:
  • Louvor à iniciativa do Senador Ramez Tebet de reconhecer o que há de extraordinário na atitude do Banco Grameen.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2006 - Página 31166
Assunto
Outros > BANCOS. POLITICA SOCIO ECONOMICA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, BANCOS, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, REGISTRO, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, AUTOR, INICIATIVA, PAIS ESTRANGEIRO, BANGLADESH.
  • ANALISE, HISTORIA, PROXIMIDADE, CRESCIMENTO, ECONOMIA, BRASIL, MUNDO, AMPLIAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), AUSENCIA, SOLUÇÃO, MISERIA, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO, CRESCIMENTO ECONOMICO, GRAVIDADE, TENSÃO SOCIAL, OPOSIÇÃO, LIBERALISMO, ESPECIFICAÇÃO, RESULTADO, ELEIÇÕES, AMERICA LATINA.
  • ANALISE, ELEIÇÕES, BRASIL, MANIFESTAÇÃO, POVO, CONSCIENTIZAÇÃO, POSSIBILIDADE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, IMPORTANCIA, OCORRENCIA, DEBATE, CAMPANHA ELEITORAL, MODELO, ESTADO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, DIRETRIZ, POLITICA EXTERNA, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, VALORIZAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • DEFESA, ETICA, CAMPANHA ELEITORAL, ESPECIFICAÇÃO, FORMA, ACUSAÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, ADVERSARIO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MANIPULAÇÃO, ELEITOR, AUTORIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, PRIMEIRO TURNO, ELEIÇÕES.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, eu não gastarei os vinte minutos, fique tranqüilo, mas agradeço a condescendência, a forma gentil com que V. Exª sempre me trata. Aliás, não somente a mim, mas a todos os seus Colegas de tribuna.

            Subo hoje à tribuna, Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, para, em primeiro lugar, tecer um comentário sobre a iniciativa do Senador Ramez Tebet, que achei muito oportuna e importante, em reconhecer o que há de extraordinário nessa iniciativa do Banco Popular, a primeira experiência mundial em matéria de banco popular, o Grameen Bank, tomada por um cidadão de Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo. O Sr. Yunus teve o seu mérito reconhecido pela Academia sueca, que lhe concedeu o Prêmio Nobel.

            Assim, é muito importante que nós, brasileiros, e nós, Senadores do Brasil, reconheçamos o que há de extraordinário e o que há de simbólico também no quadro mundial que estamos vivendo nos dias de hoje.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui um homem do século XX e vivi intensamente a segunda metade desse século. Tive esse privilégio porque o século XX, depois das duas grandes catástrofes na sua primeira metade, apresentou ao mundo um quadro de prosperidade, de realizações e de inovações extremamente revolucionárias para o mundo em geral. Por exemplo, vi nascer a televisão, este instrumento que hoje cidadão nenhum do mundo imagina que possa viver sem ela, pois eu vivi sem televisão e vi nascer a primeira televisão no Brasil, como também uma série de iniciativas que transformaram a face do mundo.

            Nesse período de 1950, pós-guerra, até o ano 2000, as estatísticas apuradas mostram que a economia do mundo cresceu cinco vezes. Quer dizer, o PIB mundial multiplicou-se por cinco, em valor real - claro -, descontada a inflação, até porque o próprio dólar se desvalorizou bastante nesse período. Mas, em valor real, a produção mundial, o PIB mundial multiplicou por cinco, o que é extraordinário. E esse crescimento econômico, mesmo a população tendo duplicado e mais do que duplicado, daria para acabar com a miséria do mundo. Uma multiplicação por cinco na capacidade produtiva, na produção mundial efetiva, seria suficiente para acabar com a miséria, a fome, a pobreza no mundo. No entanto, não acabou e até sob certos pontos de vista, em certos lugares, a miséria aumentou, cresceu. E isso por que, Sr. Presidente? Porque se a economia mundial cresceu cinco vezes, a desigualdade entre os cidadãos do mundo cresceu quatro vezes. Quer dizer, o mundo, ao final do século, era quatro vezes mais desigual do que em 1950; desigual no sentido de diferença de renda e de capacidade aquisitiva, de qualidade de vida entre cidadãos pobres e ricos; cidadãos pobres e ricos em cada um dos países e cidadãos de países pobres em relação a cidadãos de países ricos.

            Essa desigualdade foi brutal e é fruto do modelo que presidiu esse crescimento econômico da segunda metade do século e que não é possível continuar, porque é inaceitável; é inaceitável sob o ponto de vista moral e é inaceitável fisicamente. Os pobres do mundo não vão mais aceitar isso, daí as tensões a que o mundo de hoje está sujeito. Não são mais tensões entre países capitalistas, como as européias que determinaram a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Não. Agora as tensões são entre países pobres e ricos e entre cidadãos pobres e ricos de qualquer país. E essas tensões vão aumentar porque a população pobre sabe que é perfeitamente viável e possível fisicamente distribuir melhor. Essa distribuição é uma questão política. É uma questão eminente e exclusivamente política.

            Então, os pobres não vão mais aceitar. Essas manifestações populares estão acontecendo em várias partes do mundo, especialmente na América Latina. As eleições da Bolívia, do México, do Peru, do Equador - que se processou no domingo, e, ao que parece, haverá segundo turno -, do Brasil e da Venezuela, que vão dar-se ainda este ano, estão mostrando claramente que há um pronunciamento popular contra este tipo de modelo de crescimento que não pode mais continuar, qual seja, este modelo de crescimento que, em nome da eficácia e da competição, cada vez exclui mais os não-competitivos das possibilidades de vida digna de mercado. É esse neoliberalismo.

            Então, a população não aceita mais isso e, é claro, enfrenta nos seus pronunciamentos populares, nos seus pronunciamentos eleitorais, o poderio das elites que gozaram dos privilégios, que têm o comando da mídia e da imprensa e que, por meio desse comando, exerce uma influência sobre camadas enormes da população, mostrando isso, mostrando aquilo, influenciando, distorcendo e apresentando de uma forma a não deixar a vontade popular produzir a mudança que o povo quer, que o povo exige, porque não é possível mais continuar dentro daquele modelo que privilegia uma elite cada vez menor e joga na exclusão uma parte cada maior da população.

            Esse privilégio ao mundo de negócios não é mais possível no mundo de hoje, muito especialmente na América Latina. Por que se manifesta mais na América Latina? Porque nos países ricos, mal ou bem, teve vigência, em um certo momento, um modelo social-democrata que atenuou essa divisão e essa relação de desigualdade profunda. Em outros países, como o continente africano, por exemplo, o estado de miséria e de cultura política do povo ainda não atingiu aquele patamar capaz de fazer com que o povo tome ciência de que é possível mudar e se pronuncie pela mudança, como está ocorrendo na América Latina, onde essas condições foram criadas.

            Isso está se sucedendo e sendo mostrado claramente na disputa que está se dando aqui no Brasil nesta eleição que está se travando. Trata-se de um momento crucial da história do Brasil, porque se trata, exatamente, de um momento em que o povo se pronunciou pela sua emancipação. O povo brasileiro não ficou mais na cantilena, não ficou mais a reboque das teses, defendidas pela mídia e pela elite, de que é preciso competitividade, de que é preciso regras de economia neoliberal.

            O povo compreendeu que isso não é uma determinação científica, compreendeu que, ao contrário, isso é forjado, que isso é uma falácia que vem sendo urdida, manifestada e imposta ao povo durante décadas e décadas, produzindo essa desigualdade característica da segunda metade do século passado. Chegou o momento de rever isso.

            É claro que isso é um embate muito grave, muito sério, muito difícil, porque mudar um país não é fácil. Foram décadas e décadas desse modelo privilegiador, introduzindo as regras do deus mercado e do Estado mínimo. Mas, finalmente, o povo brasileiro compreendeu que esse não é um caminho único, que existe uma alternativa, e esse embate está se dando.

            Finalmente a campanha eleitoral traduziu esse embate, porque, na semana passada, esse debate aflorou, finalmente, contra os esforços da Oposição, que sempre queria desviar desse embate. Tenho enfatizado muito, desta tribuna, que há duas questões essenciais nesta disputa eleitoral.

            Uma é o modelo de Estado mínimo, enxugado, privatista, mercadista, que privilegia os negócios, o business, contra o Estado distributivista, desenvolvimentista em novo modelo, modelo distributivo, que usa o Estado para isso, porque o mercado jamais fará a distribuição, pois só o Estado faz a redistribuição. Para isso, ele precisa de meios, de recursos, de servidores e de estruturas. É claro que precisa.

            O Estado mínimo, o corte de despesas, tudo isso reflete a filosofia do novo modelo distributivista contra a filosofia do velho modelo mercadista, privilegiador dos “competitivos”, isto é, da elite privilegiada. Finalmente esse debate aflorou.

            Outro tema importante e que ainda não foi utilizado com a dimensão que lhe é própria é a política externa. O Brasil está produzindo uma política externa de presença da Nação brasileira no cenário mundial muito diferente daquela que, tradicionalmente, era feita, da política de atrelamento, de subserviência - não vou usar a palavra subserviência -, mas, de certa forma, de apequenamento da posição, da importância da Nação brasileira, sempre seguindo as diretrizes ditadas pela potência mundial, pelo grande irmão do norte.

            Agora o Brasil está patrocinando outra diretriz de política externa, congregando as nações sul-americanas, dialogando com outras nações importantes do mundo, como a Índia e a China, liderando um grupo de vinte países, o G-20, a fim de obter novas condições mais justas no comércio mundial. Há outra presença do Brasil, que é reconhecida.

            O Presidente Lula tem sido chamado a muitas reuniões importantes, o que não acontecia antes. Está-se dando importância ao Brasil. O Presidente Lula recebeu, outro dia, uma homenagem de homem do ano de uma grande instituição sediada nos Estados Unidos da América. Por quê? Por causa dessa nova feição, dessa nova diretriz mais afirmativa da importância e da soberania nacional no mundo. Isso é muito importante.

            Essas questões do modelo econômico e da política externa são as decisões fundamentais desta eleição. É claro que a Oposição reluta em discuti-las, porque sente o peso da vontade popular a favor do novo modelo econômico e da nova política externa. Isso é natural. Faz parte do jogo político privilegiar este ou aquele ponto e ressaltá-lo. Mas o que não devemos fazer ou o que não devemos permitir é que esse embate resvale para algo que possa prejudicar a própria instituição democrática, que, aos olhos do povo, os grupos contendores não apresentem respeito às instituições. É preciso usar a linguagem adequada, que, na campanha eleitoral, no embate eleitoral, é dura mesmo, buscando-se, freqüentemente, a acusação. É preciso haver o mínimo de respeito.

            Hoje, a Senadora Ideli Salvatti, na tribuna, chamou a atenção para um fato importante: usar uma pequena deficiência do Presidente Lula para fazer dela motivo de campanha eleitoral. Isso não é possível, não é permitido. Então, é preciso cuidado, inclusive na linguagem que se usa para atacar o adversário, sim. É legítimo que se faça isso na campanha, mas com respeito às instituições.

            A Presidência da República é uma instituição. O Presidente da República é uma instituição. O Congresso Nacional é uma instituição. O Poder Judiciário é outra instituição. Evidentemente, é possível e é nosso dever fazer a crítica que julgamos deve ser feita, mas é preciso ter o mínimo de resguardo para que as instituições não sejam degradadas aos olhos do povo, que está observando isso e, pela primeira vez, manifestando-se de modo emancipado. Estamos assistindo, no Brasil, a um processo de emancipação do povo trabalhador, do povo humilde, do povo marginalizado, do povo excluído, que está se manifestando e, apesar de todo o tiroteio e de toda a artilharia da imprensa, que faz todo o tipo de manobra.

            Não vou ler, mas vou fazer referência à edição desta semana da revista Carta Capital, que traz a matéria “A trama que levou ao segundo turno”, mostrando as formas e os artifícios usados pela mídia para induzir o eleitor, aqui e ali, e modificar a vontade popular ao sabor dos seus interesses.

            Com tudo isso, o povo vai aprendendo. À medida que ele observa o que está acontecendo, ele vai aprendendo.

            Quando se usa uma linguagem inadequada, o povo a rejeita. Em vez de apoiar aquele que se extravasa nos limites institucionais da linguagem, o povo o rejeita.Tudo isso é uma aprendizagem democrática que está se dando no País, neste momento crucial da nossa história em que se processa a emancipação do povo trabalhador do Brasil.

            É um momento histórico, Sr. Presidente. Tenho o privilégio de observar e até de participar deste momento histórico, como tive o privilégio - como há pouco dizia V. Exª - de assistir também ao primeiro momento da formação do Estado republicano brasileiro, com Getúlio Vargas. São momentos históricos muito importantes.

            Tive também o privilégio de observar o momento histórico da ocupação do território brasileiro, com Juscelino Kubitscheck, que, no seu momento, foi duramente criticado.

            Sr. Presidente, V. Exª há de se lembrar o que se dizia de Brasília, que essas estradas eram as estradas das onças, que ligavam o nada a coisa nenhuma. E essas estradas produziram a ocupação do território brasileiro, que antes não existia - existia no mapa, mas não estava ocupado. Hoje está totalmente ocupado, fruto dessa decisão política, dessa centelha do gênio político que foi Juscelino Kubitschek. A mudança da capital foi tão criticada, mas tão criticada pelas elites, que achavam que isso aqui era um desperdício, que não tinha sentido nenhum.

            Enfim, a política produz toda essa história, e sabemos que produz assim mesmo e que é preciso dar a perspectiva do tempo para se fazer o julgamento correto de cada ato e de cada momento.

            Sr. Presidente, mais uma vez, agradeço a V. Exª a gentileza.

            Eu disse que não ia usar os 20 minutos e usei 21, mas não quero abusar mais da paciência dos nobres colegas e da condescendência de V. Exª.

            Agradeço muito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2006 - Página 31166