Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem à Senadora Heloísa Helena pela forma como se dedicou à campanha como candidata à Presidência da República. Comentários a estudo da ONU que trata da questão da violência praticada contras as crianças e adolescentes.

Autor
Patrícia Saboya (PSB - Partido Socialista Brasileiro/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem à Senadora Heloísa Helena pela forma como se dedicou à campanha como candidata à Presidência da República. Comentários a estudo da ONU que trata da questão da violência praticada contras as crianças e adolescentes.
Aparteantes
Mão Santa, Serys Slhessarenko.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2006 - Página 32514
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ELOGIO, EMPENHO, DETERMINAÇÃO, HELOISA HELENA, SENADOR, CAMPANHA ELEITORAL, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, COMENTARIO, VOTAÇÃO, DEMONSTRAÇÃO, VONTADE, MELHORIA, SITUAÇÃO, POLITICA, PAIS.
  • REGISTRO, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ANALISE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, PREJUIZO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PROPOSIÇÃO, FORMA, PREVENÇÃO, COMBATE, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, COMBATE, VIOLENCIA, FAMILIA, ASSEDIO SEXUAL, PREJUIZO, CRIANÇA, REGISTRO, OMISSÃO, SOCIEDADE.
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), NUMERO, CRIANÇA, VITIMA, ASSEDIO SEXUAL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, OCORRENCIA, IMPUNIDADE, ANALISE, DEFICIENCIA, SISTEMA, EDUCAÇÃO, PAIS, FAVORECIMENTO, VIOLENCIA, CRITICA, DEMORA, CAMARA DOS DEPUTADOS, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL.
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), OCORRENCIA, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, RISCOS, CRIANÇA, ANALISE, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), SUPERIORIDADE, HOMICIDIO, PREJUIZO, JUVENTUDE, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, COMPARAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, CRITICA, PROPOSTA, REDUÇÃO, IMPUTABILIDADE PENAL.
  • COMENTARIO, ESTUDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEMONSTRAÇÃO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, CRIANÇA, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, VITIMA, VIOLENCIA, IMPORTANCIA, ABERTURA, CRECHE, NECESSIDADE, EDUCAÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, ANALISE, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), REGISTRO, HOMICIDIO, PREJUIZO, JUVENTUDE, NEGRO.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, VALORIZAÇÃO, INFANCIA, JUVENTUDE.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Senadora Heloísa Helena, que preside esta sessão e que concede a oportunidade a cada um de nós que esteja hoje neste plenário de dizer aquilo que pensa no tempo que achar conveniente. É uma alegria muito grande, Senador Mão Santa, ter a Senadora Heloísa Helena na Presidência da sessão, porque é a oportunidade que temos de falar sobre assuntos que são tão relevantes para o País.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Aqui nunca houve tanta beleza com a Senadora Heloísa Helena na Presidência e com V. Exª na tribuna.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Srª Presidente, antes de começar a falar sobre o motivo que me trouxe a esta tribuna, eu queria fazer uma homenagem. Depois das eleições, eu não tinha tido a oportunidade de me pronunciar aqui. Eu queria render uma homenagem à forma como V. Exª se dedicou e se engajou nesta disputa política eleitoral tão difícil, com situações tão diversas, que lhe colocaram, em muitos momentos, em posições de humilhação e de constrangimento. No entanto, V. Exª, como é do seu feitio, da sua personalidade e do seu caráter, levantou a cabeça e foi à frente, mostrando ao Brasil a esperança que podemos ter.

V. Exª, como candidata à Presidência, mostrou para os brasileiros, principalmente para as mulheres, a importância da sua luta, da sua determinação, da sua coragem e da sua fortaleza, que impressionam todo o Brasil. Eu vi como a Senadora Heloísa Helena, que foi ao meu Estado por duas ou três vezes, deslocava-se, às vezes de ônibus, para o interior, indo a dois, três, quatro, cinco Municípios no mesmo dia, com um sacrifício enorme, mas sem perder a postura. Seu rosto demonstra a esperança e a força do povo brasileiro.

Portanto, Senadora Heloísa Helena, os sete milhões de votos que V. Exª teve, com certeza, representam a esperança, a vontade de que este País cresça e se desenvolva, a vontade que todos nós temos de que este País seja mais justo e igualitário, de que todos os homens e mulheres de boa-fé realmente tenham um lugar, uma terra, um canto para viver com dignidade. E foi V. Exª quem conseguiu esses votos, mesmo dispondo de menos de um minuto na televisão, mesmo sem jato particular, sem estrutura, sem militância, sem nada pago na sua campanha, com uma campanha publicitária a mais simples possível, que conseguiu tocar os corações de todos nós, brasileiros, inclusive o meu, que deposita em V. Exª a esperança, o carinho, a fraternidade, a generosidade de que o povo brasileiro tanto necessita, que o povo tanto deseja e que viu em V. Exª durante estas eleições.

Todos nós, brasileiros, principalmente nós, mulheres, pudemos observar o carinho das crianças, dos jovens para com V. Exª, por onde andava, o que representou e representa essa luta. Isso aqui foi apenas um momento. A luta continua, e muitas coisas ainda precisam ser feitas.

Tenha em mim uma admiradora, uma pessoa que a respeita muito, que a admira e que sabe que tudo o que sai da sua boca vem do coração e da alma. É disto que precisamos na política brasileira: de pessoas que falem com o coração aquilo que sonham, aquilo em que acreditam, sem medo de atingir a quem quer que seja. V. Exª tem essa coragem e determinação, que, para nós, é motivo de muito orgulho e estímulo para continuarmos no Senado lutando por aquilo em que também acredito. Terei sempre, no meu coração, na minha cabeça, a admiração de uma pessoa que será para o resto da minha vida, eu tenho certeza.

Parabéns por toda essa luta.

Senadora Heloísa Helena, venho também aqui hoje falar um pouco sobre um relatório. No último dia 11 de outubro, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um estudo inédito - que eu mostrava agora há pouco a V. Exª - sobre a questão da violência praticada contra crianças e adolescentes em todo o Planeta. O relatório foi coordenado pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, um dos maiores e mais respeitados especialistas sobre esse tema no mundo.

O documento apresenta uma visão global sobre a violência contra a criança e propõe uma série de ações a serem adotadas pelos países para prevenir e combater esse problema. Coletadas em processo participativo que incluiu consultas regionais, sub-regionais e nacionais, reuniões temáticas com especialistas, visitas de campo, entrevistas com as próprias crianças, as informações apresentadas pelo estudo da ONU são contundentes, são impactantes, são revoltantes e, enfim, um motivo de tristeza para todos nós.

Espero que todos os brasileiros que assistem, neste momento, à TV Senado compreendam o porquê dessa minha obstinação, dessa minha eventual intransigência quando vou falar do assunto ligado à criança e ao adolescente. É que as mazelas que o mundo tem aprontado para os nossos filhos, para as nossas filhas tem sido algo tão terrível que é preciso repartir todos os dias, se for preciso, com a nossa Nação, para que a população entenda, para que a sociedade entenda, para que os Governos acordem para esse mal, para essa chaga, para essa doença que tem contaminado o nosso País e outros países e principalmente as regiões, como sempre, mais pobres do nosso País e do mundo. A violência contra as crianças está nas ruas, na escola e até mesmo no lugar onde elas deveriam se sentir mais seguras, que é o lar, a sua própria casa.

Entre todas as formas de violência, a mais difícil de ser combatida é a violência doméstica, que engloba desde os supostamente educativos castigos físicos até o abuso sexual. Isso porque a sociedade, de modo geral, não quer interferir naquilo que acontece entre quatro paredes. É a aplicação da velha máxima de que, “em briga de marido e mulher, não se mete e colher”. Na grande maioria das vezes, as crianças têm medo de denunciar seus algozes, nesses casos, os próprios familiares. Muitas vezes, as crianças sequer entendem o que está acontecendo. Isso é muito comum, por exemplo, nas situações de abuso sexual, pois a criança ainda não tem maturidade emocional para distinguir o afeto construtivo e natural daquele que faz mal a ela, que a violenta, que deixa marcas profundas no seu corpo e na sua alma, prejudicando-a para o resto da vida.

Os estudos, Senador Mão Santa, apontam que 94% dos casos de abuso sexual acontece na casa dessas crianças. Geralmente é cometido pelo pai, pelo padrasto, por um avô, por alguém da família que convive com essa criança e que a seduz. As crianças são tão pequenas quando começa o abuso sexual que sequer o conseguem distinguir no carinho de um pai, que é uma coisa tão natural, porque as crianças vêem os pais beijando seus filhos e acham que é normal, até que esse carinho passa a ser uma sedução e acaba vitimando essa criança.

O primeiro estudo global sobre violência contra as crianças quer promover uma grande virada em todo o mundo, o fim de qualquer justificativa dos adultos para praticar violência contra meninos e meninas, seja ela fruto de tradições e culturas, seja ela camuflada como forma de disciplina.

Segundo o documento, nenhum tipo de violência contra crianças é justificável. Todas as formas de violência devem e podem ser prevenidas. O estudo faz um apelo a todos os governantes do mundo e à sociedade de modo geral. Diz o relatório da ONU:

As crianças devem ser protegidas contra a violência urgentemente. Elas têm sofrido atos de violência por parte de adultos como não eram registradas há séculos. Agora que a escala, o impacto de todas as formas de violência contra as crianças está se tornando mais conhecida, as crianças devem ter meios de prevenção e proteção aos quais têm um direito não reconhecido.

Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, o relatório da ONU mostra como o cenário de violência contra crianças é grave em todo o mundo. É muito importante agora que compreendamos esse número, porque eu, que milito nessa área da criança e do adolescente praticamente a minha vida toda, fiquei completamente estarrecida com esse relatório da ONU, da Organização Mundial da Saúde.

Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos menores de 18 anos foram forçados a manter relações sexuais ou sofreram outras formas de violência sexual que os envolveram com contato físico em 2002.

Pasmem, Srs. Senadores: são 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos! É a população do nosso País! E essa chaga, essa doença continua. E o que mais me revolta é que parece que, quanto mais falamos para os governos, menos eles acreditam que isso seja verdade. Alguns colegas nossos Senadores, de boa-fé mesmo, muitas vezes, quando eu falava aqui na CPMI da Exploração Sexual, perguntavam a mim: “Senadora, será que V. Exª não está exagerando? São crianças assim, desse tamanho, que estão fazendo sexo nas ruas do País em troca de um prato de comida ou de R$0,50?” Como vi, no Vale do Jequitinhonha, crianças se vendendo por R$0,50 na boléia de um caminhão; como vi, no Rio de Janeiro, faixa oferecendo meninas a R$1,99; como vi no meu Estado, o Ceará, turista holandês dizendo que é muito fácil fazer sexo com uma menina no Ceará, porque basta dar um prato de comida; como vi em Recife, no calçadão, na praia, uma criança com cinco anos de idade, com chupeta, com bico na boca, fazendo sexo oral com turistas estrangeiros, que, em vez de virem ao nosso País para aproveitar as nossas belezas, o nosso litoral, as nossas serras, a nossa paisagem, a nossa cultura, o nosso artesanato, o nosso povo, vêm para cá para explorar sexualmente.

E acabamos por ter de pensar numa coisa que é muito grave: a nossa conivência com esse tipo de coisa, porque, a partir do momento em que nos calamos, a partir do momento em que não lutamos contra esse tipo de mazela, isso se vai proliferando cada vez mais, porque é o que querem esses criminosos, que continuam soltos, livres, passeando pelas mesmas ruas que passearam no passado, quando violentaram as meninas. Eles continuam livres, vivendo nas suas casas. Alguns foram condenados e hoje estão soltos.

Mas as crianças tiveram a coragem de enfrentar o medo, a vergonha, o preconceito, na frente de vários Senadores e Deputados que nunca tinham visto na vida, e denunciar o que tinha acontecido com elas para evitar que outros meninos e meninas pudessem também ser vítimas dessa violência terrível.

Ouço com muito prazer o Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PCdoB - TO) - Senadora Patrícia Saboya Gomes, ouvimos estarrecidos os números que V. Exª traz a esta Casa, realçando a violência contra a infância e a adolescência no mundo inteiro. E é mais lamentável ainda que o Brasil contribua de forma expressiva para esses números que são alcançados hoje pela ONU. É lamentável que aqui estejamos vendo os sucessivos governos gastando muito dinheiro com repressão, com aparato policial, com aumento de cadeias, superlotando nossas cadeias, sem se preocuparem em combater esse problema da violência lá na raiz, atacando a causa. Ecoa ainda em meus ouvidos uma manifestação insistente do nosso colega Senador Cristovam Buarque, que elencou vários problemas enfrentados pela população brasileira que têm como raiz a educação. Seguramente essa questão da violência cometida contra as mulheres e as crianças tem também vínculos com a educação, com a despreocupação que o País tem com a educação de qualidade dos nossos cidadãos. Aliás, seria importante que os governos tivessem a preocupação de fazer investimentos maciços no indivíduo, no cidadão, exatamente na sua fase de formação.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - É claro.

O Sr. Leomar Quintanilha (PCdoB - TO) - Desde a criança na creche, como V. Exª falou, passando pela adolescência, amparando-a até a juventude. Aí, sim, o cidadão estaria formado e preparado para o enfrentamento dos desafios. Iriam cometer ilícitos, violência, crimes, por exceção à regra. Não o que vemos hoje: um amontoado de pessoas que, abandonadas à própria sorte, às vezes, não encontram alternativa de sobrevivência senão os descaminhos da vida. Portanto, ouço-a com muita atenção. Louvo V. Exª pelo pronunciamento que traz e me associo a essas preocupações. Espero que possamos dar, a partir desta Casa, uma contribuição para que o Brasil, nosso querido País, tão rico, tão belo, com pessoas tão maravilhosas e esperançosas, possa ter um futuro mais digno, mais promissor, exatamente quando os governos entenderem que a educação é a grande alavanca de desenvolvimento de qualquer povo, de qualquer nação.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Muito obrigada, Senador Leomar. Concordo plenamente com V. Exª e também faço minhas as suas palavras, no sentido do que tem apregoado o Senador Cristovam e outras Senadoras e Senadores, que é lutar nesta Casa para uma educação de qualidade, porque, infelizmente, no nosso País, há uma educação de faz-de-conta. Tenho a oportunidade de visitar as escolas públicas; lamento muito a condição das crianças que estão nessas escolas. Como se, a uma criança, bastasse colocá-la em uma sala de aula. Nós sabemos - quem tem filho sabe, e eu já disse isto aqui - como os jovens, principalmente os adolescentes, dão trabalho para ir a uma escola. Eles querem gazear aula, querem matar aula, querem fazer isso, querem fazer aquilo, em uma escola boa que tem laboratório, Internet, voleibol, futebol, basquetebol, curso de inglês, curso de teatro, tudo do bom e do melhor. Imaginem então uma criança, filha de um trabalhador, filha de uma dona de casa humilde, que precisa ir à escola, que vai à escola, como se sentar num banco escolar bastasse para a formação, o que não acontece.

No Brasil, costumamos ver e ouvir as velhas estatísticas, como se atrás desses números, atrás dessas estatísticas, não existissem seres humanos, pessoas, crianças que têm fome, que têm sede de aprender e de conhecer o mundo, de poder colocar em prática todos os seus sonhos. Qualquer criança ou qualquer jovem, de qualquer lugar deste planeta, tem os mesmos sonhos. Mas acabam sendo - como diz tão bem a Senadora Heloísa Helena - cooptados pelo crime organizado, pelo desmantelo da exploração sexual, pelo desmantelo do crime organizado, de crianças pegando em armas, de crianças vendendo e usando drogas, de crianças que ficam grávidas precocemente, de crianças, enfim, que estão vendo suas vidas sendo destruídas enquanto muitos ainda estão de braços cruzados ou de venda nos olhos.

É impressionante como a questão da exploração sexual é um exemplo disso. Quando a exploração sexual não acontecia nos metros quadrados mais caros deste País, quando era escondida, as pessoas não se importavam. Mas quando começou a ir para a Vieira Souto, quando começou a ir para a Beira-Mar, na minha cidade, Fortaleza, quando começou a ir para a Avenida Paulista, quando começou a ir para os lugares mais caros deste País, aí parece que a sociedade acordou e se chocou com o que vê. Não considero que as pessoas tenham má vontade ou que não tenham coração. Sei que vivemos num mundo em que, às vezes, não damos conta nem da nossa própria casa.

Fica difícil olhar para o outro, para mais outro, para quem está sofrendo. Mas, infelizmente, se continuarmos com essa mesma visão, com essa venda nos olhos, o destino dessas crianças vai ser cada vez mais cruel.

Por isso, faço este pronunciamento para tentar alertar as pessoas e, principalmente, os governos para o que está acontecendo.

A nossa CPI, Senador, que pude presidir, trabalhou um ano, visitou 22 Estados, recebeu mais de 800 denúncias. Indiciamos mais de 200 pessoas, encaminhamos à Polícia Federal, ao Ministério Público, ao Ministério da Justiça, a todas as Secretarias de Segurança Pública deste País, de cada um dos Estados, e ninguém fez nada. Essas pessoas continuam livres. Ninguém fez nada, ninguém investigou, ninguém foi a fundo. Trabalhei, sofri, dediquei-me, fiquei doente com essa CPI, e até hoje nada foi feito.

Há dois anos votamos aqui no Senado, por unanimidade, os projetos da CPI que modificam o Código Penal Brasileiro, e estão na Câmara há mais de um ano, com todos os apelos que já pudemos fazer, com a assinatura de todos os líderes. Mas os projetos que interessam às nossas crianças, que seriam uma resposta a essas famílias, continuam lá parados, como se não fossem prioridade. Como se votar um projeto para tapar um buraco de uma estrada fosse mais importante do que salvar a vida de uma criança que está solta, abandonada, por essas ruas escuras do nosso País.

Ainda de acordo com os dados da OMS, entre 100 e 140 milhões de meninas e mulheres do mundo sofreram alguma forma de mutilação genital. Estimativas do Unicef, publicadas em 2005, sugerem que na África Subsaariana, Egito e Sudão, três milhões de meninas e mulheres são submetidas à mutilação genital anualmente - três milhões de meninas e mulheres!

Conforme dados da OIT, Organização Internacional do Trabalho, 218 milhões de crianças participaram, em 2004, de esquemas de trabalho infantil, das quais nada menos do que 126 milhões em atividades perigosas.

Outro dado extremamente preocupante publicado no relatório é o de que, segundo a OMS, a taxa de homicídios de crianças, em 2002, foi duas vezes mais alta em países de baixa renda do que nas nações mais desenvolvidas - comprovando o que V. Exª acaba de dizer. E a taxa de homicídio é mais alta entre os adolescentes, principalmente entre os meninos com idade entre 15 a 17 anos.

Espero, Senadora Heloísa Helena, que em breve possamos discutir nesta Casa um tema muito polêmico, mas que precisamos enfrentar: a questão da redução da idade penal. No Congresso, tramitam mais de trinta projetos, dos mais variados tipos, que pretendem reduzir a idade penal. Como se não tivéssemos uma dívida enorme com esses jovens. Como se a forma de pagar essa dívida fosse puni-los novamente, colocá-los para fazer o “mestrado” em criminalidade, para cometer crimes. É isso que se oferece. Penso que esse assunto precisa ser discutido e encarado de frente.

Sei que a população, ansiosa por decisões, por soluções em relação à violência e à insegurança, procura, de boa-fé, saídas mais curtas para enfrentar o problema da violência. Porém, estudos já mostram claramente que as crianças são mil vezes mais vítimas dos crimes do que praticantes. Apenas 0,3% dos jovens praticam os crimes, e pensamos que os colocar na cadeia vai resolver o problema da insegurança e da violência, como se eles fossem os responsáveis por isso.

O estudo do especialista Paulo Sérgio Pinheiro mostra também que determinados grupos de crianças estão mais vulneráveis à violência, tais como as portadoras de deficiências, as das minorias e pertencentes a grupos marginalizados, os meninos e meninas de rua, as que estão em conflito com a lei e as refugiadas.

Outros fatores determinantes para a escalada da violência, segundo o relatório, são as crescentes desigualdades de renda, os efeitos perversos do fenômeno da globalização, a migração, a urbanização desenfreada e desorganizada, as ameaças à saúde e os conflitos armados. A superação desses desafios, diz o documento, ajudar-nos-á a eliminar a violência contra as crianças.

Assim como mostra o triste quadro da violência generalizada contra as crianças em todo o mundo, o estudo aponta alguns caminhos para que os diversos segmentos da sociedade possam trabalhar, conjuntamente, para combater essa mazela. Esse enfrentamento passa, por exemplo, pelo fortalecimento das competências familiares. Uma família coesa, no sentido de ser equilibrada, evidentemente, é uma fonte poderosa de proteção contra a violência em qualquer ambiente.

Quando falo em família equilibrada, não estou querendo usar aqui nenhuma idéia moralista em relação às famílias que se divorciam, aos pais separados - até porque sou divorciada. Não é esse o problema que relato aqui, mas a questão de a família ser o porto seguro dessas crianças, o ambiente em que elas se sintam seguras, protegidas e que saibam que ali, ao lado de sua mãe, de seu pai ou de quem cuida delas, terão a proteção necessária.

Nesse sentido, medidas simples são bem-vindas, como, por exemplo, o estímulo ao fortalecimento do vínculo afetivo entre pais e filhos, tal como estamos propondo no projeto que amplia a licença-maternidade de quatro para seis meses, e as condições necessárias para que pais e mães possam trabalhar - essa foi uma luta da Senadora Heloísa Helena, por meio de uma emenda à Constituição - com tranqüilidade, com a oferta de creches e pré-escola de qualidade para todas as crianças brasileiras.

Ouço com atenção o Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PCdoB - TO) - Senadora, permita-me intervir mais uma vez neste brilhante pronunciamento com que V. Exª nos brinda neste começo de noite. Quando V. Exª fala na importância dos cuidados que a família tem com o cidadão na sua fase primeira, ou mais especificamente com a criança, vêm-me à lembrança as dificuldades que o nosso País enfrenta nesse particular. Experimentamos um fenômeno social muito forte neste País nos últimos 50 anos, mas que ainda não foi suficiente para nos estimular a fazer uma avaliação, um exame, um estudo mais profundo de suas conseqüências. Refiro-me ao êxodo rural. Há exatos 50 anos, mais de 70% da população brasileira moravam no campo. Hoje, com a migração para a cidade, apenas 18% moram no campo; o restante da população veio para a cidade. Essa população mudou do campo para a cidade exatamente pela desassistência e pelo abandono em que vivia no campo, inclusive na questão da educação. Pessoas desqualificadas vieram para as cidades, tiveram de se ajustar a um novo cenário de vida e tiveram de trabalhar. Muitas mães de família, abandonadas pelos maridos, têm de trabalhar e deixam suas crianças em casa, sem o carinho da mãe, sem a proteção da mãe, sem a proteção da família. Às vezes, as mães deixam três, quatro, cinco crianças sendo cuidadas pela mais velha, de cinco ou seis anos de idade. Avalie V. Exª os riscos que essas crianças correm em casa na ausência das mães.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - São muitos.

O Sr. Leomar Quintanilha (PCdoB - TO) - Tenho conhecimento de tragédias que ocorreram. Há mães que deixam os filhos amarrados. Se acontecer alguma coisa com a mãe lá fora e ela não puder retornar, como ficarão essas crianças fechadas, trancadas e abandonadas dentro de casa? Esse cenário se multiplica neste País em uma quantidade de que poucas pessoas têm conhecimento. A iniciativa da Senadora Heloísa Helena foi muito importante. A creche é fundamental em todas as sociedades, em todas as comunidades, porque a criança, na sua idade tenra, na sua fase primeira de formação, precisa efetivamente de amor, de carinho e de educação adequada, mas só vai encontrar isso na escola, na creche. Às vezes, ela não encontra isso em casa, porque muitas vezes a mãe é acuada pelas pressões da vida. Ela passa o dia fora e, quando retorna, desconta o estresse que teve lá fora nas suas crianças. É muito importante realmente que tenhamos essa preocupação com a formação do cidadão na sua fase de formação.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Desde o ventre, Senador.

O Sr. Leomar Quintanilha (PCdoB - TO) - Exatamente. Desde o ventre. Teremos sucesso, sim, neste País, quando nossos governantes enxergarem esse tipo de situação e entenderem - volto a lembrar nosso querido professor e Senador Cristovam Buarque - que a educação realmente não é a panacéia, o remédio para todos os males, mas efetivamente é o principal instrumento de que uma sociedade dispõe para libertar-se e construir seu cidadão. Muito obrigado.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Obrigada, Senador, mais uma vez, por sua contribuição. Compartilho novamente todas as suas palavras.

Essa foi uma luta que todo o Senado travou em função da credibilidade da Senadora Heloísa Helena, mas, acima de tudo, também da crença da necessidade de que esse é um dever nosso.

Quando o Fundeb foi encaminhado a esta Casa, não estavam incluídas as crianças de zero a três anos de idade. Essa foi uma luta muito forte do Congresso Nacional, de Parlamentares, principalmente aqueles que compõem a Frente Parlamentar pelos Direitos das Crianças, que mostram, claramente, ao Governo que estaríamos cometendo um crime se deixássemos, mais uma vez, de fora aquelas crianças que mais precisam. São as menores, que não têm vez, que não têm voz, que não sabem falar, que não podem vir aqui se manifestar, subir a rampa do Palácio do Planalto para reivindicar o que desejam e querem. Elas precisam de nós, da nossa voz e do nosso coração nessa luta.

Falarei agora exatamente sobre a educação, que, aliás, deve exercer, como diz o próprio documento, papel fundamental nessa luta. O estudo da ONU sugere que as escolas adotem currículos eficazes, que apóiem o desenvolvimento de atitudes e comportamentos não violentos e não discriminatórios. A cultura da paz pode e deve ser disseminada não só no ambiente escolar, mas em toda a sociedade. É de extrema importância que a sociedade supere a arraigada visão que banaliza e naturaliza a violência e os preconceitos de raça, gênero, etnia e condição social.

Por fim, Srª Presidente, no Brasil, especificamente, precisamos também concentrar esforços na redução das taxas de homicídios de crianças e adolescentes. Constatamos, no dia-a-dia das nossas cidades, que os meninos e meninas são as maiores vítimas dessa espécie de guerra civil que se instalou em nosso País. Segundo estudo do Unicef, apenas em 2000, foram cometidos, em média, 16 homicídios por dia contra crianças e adolescentes no Brasil. Dessas vítimas, 14 tinham entre 15 e 18 anos. E, do total de mortos nessa faixa etária, 70% eram negros. Esse é um cenário que não podemos mais aceitar. Temos que atacar as causas da violência e, ao mesmo tempo, melhorar - e muito - o nosso sistema de segurança pública.

Nossas crianças merecem receber da família, da sociedade e do Estado aquilo que está escrito em nossa Constituição. E precisam viver livres, sem violência, com direito à felicidade, a brincar, a ser criança. É com isso que sonho, é o que quero, é o que desejo. Isso me deixa desanimada, eu diria, em alguns momentos, mas esse desânimo não me afasta da luta. Por que é tão difícil, Senadora Heloísa Helena, que os Governos entendam isso?

Por que é tão difícil, se os Governos adoram fazer contas, entenderem que, se investirem nessas crianças, teremos um Brasil muito melhor, muito mais rico, muito mais justo? São crianças que se formarão, são crianças que terão a chance de serem felizes, são crianças que vão poder crescer e criar suas famílias com dignidade. Não consigo entender. É por isso que, às vezes, eu me decepciono tanto com as coisas. Falamos, explicamos, pedimos, choramos na tribuna para vermos se escutam, se entendem. Por que as coisas não funcionam? Por que não se prioriza o que é mais importante na vida, que são os nossos filhos? Por quê?

Deixo essa pergunta para que todos possamos refletir sobre este assunto, que, para mim, é um dos mais graves e que merece todo o nosso coração, a nossa paixão, o nosso amor, a nossa vida, a nossa luta e a nossa voz.

Srª Presidente, Senadora Heloísa Helena, antes de encerrar, permita-me apenas conceder um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Patrícia Saboya Gomes, o Ceará sempre nos surpreendeu. O Ceará foi o primeiro Estado a libertar os escravos; agora manda uma Senadora brava que vai libertar os nossos jovens e as nossas crianças para a vida e para a felicidade. V. Exª tem muito mais competência e capacidade que eu com relação ao tema, pois se dedica com amor ao assunto. Nas minhas leituras, li algo, certa vez, sobre o Napoleão Bonaparte estadista, não o guerreiro. Ele ficou na história por ter feito o primeiro Código Civil. Fez também a primeira Constituição francesa, que ainda hoje é respeitada e admirada. Napoleão estava numa solenidade com governantes da França. Sua professora, que estava presente, notou que ele estava entristecido. Napoleão extravasou dizendo que estava triste porque investia em educação, mas a França não melhorava, o povo continuava mal-educado. Referiu-se a esse drama social. Sua professora, então, disse-lhe que deveria fazer uma escola de mães, mostrando que a mãe, como diz V. Exª, é a primeira escola, a primeira professora. V. Exª, então, dá esse exemplo. Além de grande Senadora, é a mãe que se preocupa com os seus e que se tornou uma mãezona. V. Exª está resguardando todos os filhos que estão ameaçados. Continue com sua bravura. V. Exª já fez muito e vai fazer muito mais para a felicidade dos nossos jovens.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (Bloco/PSB - CE) - Muito obrigada, Senador Mão Santa. Agradeço-lhe pela generosidade, pelas palavras sempre tão gentis para com meu Estado, com meu povo e comigo mesma.

Fico muito grata por V. Exª ser uma pessoa que muito tem ajudado nesta luta. Quando pronuncio-me sobre esses temas, V. Exª sempre está presente, dizendo algo que realmente tem muito sentido e que deve ser o caminho que todos nós estamos buscando para podermos viver melhor.

Embora, às vezes, com tristeza, raiva e revolta, continuo com esta luta, que é minha, que está dentro de mim, que é minha missão aqui no Senado ou fora dele. Onde quer que eu esteja, esta luta vai estar sempre muito forte dentro de mim.

Muito obrigada a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2006 - Página 32514