Discurso durante a 172ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comparação entre o pensamento da antiga União Democrática Nacional (UDN) e os oposicionistas ao governo Lula.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • Comparação entre o pensamento da antiga União Democrática Nacional (UDN) e os oposicionistas ao governo Lula.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2006 - Página 32790
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, POLITICA PARTIDARIA, BRASIL, CONFLITO, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), COLIGAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO SOCIAL DEMOCRATICO (PSD), PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB).
  • IDENTIFICAÇÃO, SEMELHANÇA, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), LIBERALISMO, ATUALIDADE, ESPECIFICAÇÃO, DIRETRIZ, PRIVATIZAÇÃO, RESTRIÇÃO, FUNÇÃO, ESTADO, DEFESA, INCENTIVO, CAPITAL ESTRANGEIRO, BUSCA, MODELO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SUJEIÇÃO, POLITICA EXTERNA, DISCRIMINAÇÃO, CLASSE SOCIAL, BAIXA RENDA, DESVALORIZAÇÃO, POVO, PRIORIDADE, ACUSAÇÃO, CORRUPÇÃO, AUSENCIA, DEBATE, PROBLEMAS BRASILEIROS, TENTATIVA, UTILIZAÇÃO, GOLPE DE ESTADO, MOTIVO, PERDA, ELEIÇÕES, REGISTRO, CONTRIBUIÇÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, HISTORIA, BRASIL.
  • AVALIAÇÃO, EVOLUÇÃO, GOVERNO FEDERAL, INTEGRAÇÃO, BUSCA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PRIORIDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PREVENÇÃO, AGRAVAÇÃO, TENSÃO SOCIAL, VIOLENCIA.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, grande Senadora Heloísa Helena, Presidente desta sessão. Srªs e Srs. Senadores, a partir do ano que vem - do ano próximo -, com mais disponibilidade de tempo, pretendo desenvolver um estudo de natureza política, embora não seja acadêmico, mas um estudo sobre um fenômeno político brasileiro da segunda metade do século passado, que eu conheci muito bem e com o qual me confrontei durante muito tempo, que foi o fenômeno do udenismo, que era a ideologia professada por um grupo de políticos brasileiros, quase todos filiados à UDN, a União Democrática Nacional - daí a denominação, udenismo -; políticos entre os quais figuraram representantes e homens públicos da maior envergadura, que deram uma contribuição muito positiva e importante para o desenvolvimento da vida política do Brasil. Basta citar Milton Campos, Afonso Arinos, especialmente os udenistas de Minas, mas também Prado Kelly, que era do Rio de Janeiro. Enfim, um conjunto de lideranças políticas da maior envergadura que se confrontou sempre continuamente com as forças da coligação PSD, PTB, PCB, os comunistas, e que manteve o governo durante um período longo, na segunda metade do século passado.

Nós, que pertencíamos ao outro lado e nos confrontávamos com a UDN, classificávamos o pensamento udenista em cinco dimensões principais: o pensamento privatista, o pensamento entreguista, o pensamento elitista, o pensamento moralista e, finalmente, é preciso citar a quinta dimensão, a dimensão golpista. Esse grupo, efetivamente, tentou por várias vezes, derrotado nas urnas, ganhar o poder pelo golpe, até que, na derrubada de João Goulart, conseguiram, não totalmente, mas, em grande parte, o seu intento.

Mas, Srª Presidente, é claro que o quadro mudou, a situação mudou, o próprio desenvolvimentismo, que se confrontava com o udenismo no passado, também mudou. Entretanto, certas linhas e características permanecem tal qual no tempo da UDN, hoje incorporadas pelo neoliberalismo, pelo grupo que faz uma oposição mais forte e substanciosa ao Governo atual. Há outros grupos também que não se enquadram no neoliberalismo e que também se opõem ao Governo Lula.

Vou recordar o que significava, na época, a ideologia udenista que, como eu disse, tem muito a ver com a ideologia neoliberal, à qual nos opúnhamos de uma forma que, em alguns momentos, chegou a um grau de tensão efetivamente muito grande. Os udenistas eram privatistas. O que quer dizer isso? Quer dizer que sempre viam como um fator negativo o Estado intervir na economia. Para eles, a iniciativa privada sempre fazia melhor que o Estado e não havia razão para o Estado intervir em matéria econômica porque era supérfluo e era desperdício. Essa mesma linha de raciocínio considerava o Estado gastador, desperdiçador e apontava esses gastos excessivos do Estado como sendo uma das principais causas do processo inflacionário que sufocou, que angustiou o Brasil e os brasileiros durante muito tempo.

Nós nos opúnhamos a esse pensamento, a esse vetor ideológico, mas hoje reconhecemos que alguma razão eles tinham, por exemplo, no policiamento do excesso de gastos, na própria realimentação do processo inflacionário, um dos males terríveis que afligiram a Nação, o povo brasileiro durante todo o século passado. Hoje reconhecemos certos aspectos que têm que ser considerados, mas continuamos nos opondo a esse pensamento, na medida em que nós desenvolvimentistas pensamos que o desenvolvimento é um propósito do Estado, uma política pública, uma missão, juntamente com outras como, por exemplo, justiça, defesa etc., que os neoliberais reconhecem. O processo de desenvolvimento é planejado, desencadeado, orientado e supervisionado pelo Estado em parceria com a iniciativa privada.

Essa idéia de que o Estado faz sempre mal e a iniciativa privada faz sempre bem nós não aceitamos. Mas isso persiste na idéia neoliberal de hoje. Era um dos vetores principais do udenismo, no passado, e que persiste, caracterizando o pensamento neoliberal de hoje, oposto a nós, ao Governo Lula, enfim, ao que nós representamos como força política.

A segunda característica era o chamado entreguismo. O que era isso? Era a afirmação feita por eles, sempre, continuamente, de que o Brasil era um País que não tinha capital, que era preciso se desenvolver com o capital estrangeiro, que era preciso fazer concessões e estímulos ao capital estrangeiro para atraí-lo e reforçar com a poupança externa nossa escassa poupança, e que devíamos imitar os grandes países capitalistas do mundo, especialmente os Estados Unidos da América. Devíamos, enfim, ter como baliza: o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil. Essa foi uma frase que ficou célebre, antológica, do grande udenista Juracy Magalhães, o chefe da UDN baiana. Juracy dizia “o que é bom para os Estados Unidos é para o Brasil”. Não importa o que seja. O que importa é que nós, brasileiros, devíamos sempre imitar, seguir os passos dos Estados Unidos da América e receber, de muito bom grado, abrindo as facilidades necessárias, o capital norte-americano para o nosso desenvolvimento.

Essa característica também persiste até hoje, na medida em que os neoliberais de hoje querem ver sempre a política externa brasileira como uma política de natureza populista, porque fica procurando integração com países pobres, países da América do Sul, países da Ásia, quando devia aliar-se aos países ricos, porque lá é que está o dinheiro, o grande mercado. Para eles, o Mercosul não tem sentido nenhum - aliás, está acabando -; o importante é retomar as negociações da Alca. Enfim, filiar-se à corrente que, no passado, chamávamos de entreguista, na medida em que eles não reconheciam possibilidades de o Brasil desenvolver-se com recursos próprios e estavam sempre a admitir a possibilidade de entrega de nossos recursos naturais, de nossa economia, de modo geral.

Outra característica do pensamento udenista, naquele momento histórico do Brasil, era o elitismo. O que era o elitismo? A UDN era um Partido que tinha algumas bases rurais importantes - por exemplo, a base de Minas Gerais -, mas era um Partido extraordinariamente forte nas classes médias urbanas, dos grandes centros brasileiros. Ali estava a força da UDN. E esse pensamento de classe média foi sempre um pensamento moldado pelo elitismo, no sentido de que, pelo pensamento deles, o País deveria ser dirigido, governado, pelas elites, isto é, por pessoas que tivessem conhecimento, que tivessem grau superior, que tivessem, enfim, consciência plena e plenamente desenvolvida sobre as necessidades do País, sobre problemas que afligem a população. Nunca se poderia pensar num Presidente da República que não tivesse curso superior. Isso era absolutamente impensável. Mas não era só isso, era a idéia de que as elites e as classes médias e médias superiores deveriam dirigir o País; não só o Executivo, mas também o Legislativo. E faziam uma crítica muito pesada aos trabalhistas e aos comunistas que desenvolviam atividades políticas junto à classe trabalhadora e que traziam para o Congresso e para determinados postos do Executivo os representantes da classe trabalhadora.

Essa era uma característica udenista que também está presente hoje entre os neoliberais. Freqüentemente flagramos um pronunciamento, um modo de dizer, ou uma afirmação, por parte da Oposição ao Presidente Lula, de que o que está faltando é conhecimento, é cultura, é nível de educação aos dirigentes atuais do País.

Esse elitismo está presente inclusive no pensamento segundo o qual a maioria, a massa do povo, não sabe votar e se deixa iludir, fazendo escolhas erradas, e que pode ou não se arrepender, mas a Nação é que sofre. Assim, essa ideologia elitista, própria da UDN, dos udenistas, no passado, está presente hoje entre os neoliberais, aqueles que atacam, que criticam o Governo do Presidente Lula exatamente pela suposta falta de conhecimento, por aquilo que eles consideram falta de conhecimento ou de nível cultural.

Eles exerceram um papel importante, tendo em vista que, com esse pensamento, valorizaram a educação, o chamamento à educação, o esforço, o investimento na educação. Esse é um mérito que devemos reconhecer que veio exatamente dessa visão, que era elitista, mas que tinha uma abertura importante, positiva, porque dava prioridade à educação, tema que em muitos momentos dos Governos PSD/PTB não mereceu a devida prioridade. E o País, hoje, sofre as conseqüências dessa desatenção dos governos desenvolvimentistas do passado em relação à questão da educação.

A quarta vertente era o moralismo. O que é o moralismo? É a visão de que em todo lugar há corrupção, tudo é corrupção. E o grande mal do País não era a desigualdade de renda, não era a falta, por exemplo, de investimentos em infra-estrutura, não era a falta de abertura de novos mercados para possibilitar a expansão econômica do País; o mal do País era a corrupção. Resolvido o problema da corrupção, o País progrediria e implantaria um regime de justiça social.

Essa visão, que nós chamávamos de visão moralista e que combatíamos, não enxergava, nunca enxergou e até hoje não enxerga a moralidade do atacado. Ela via sempre os episódios do varejo, mas não a grande imoralidade deste País, que é a desigualdade social, a injustiça estrutural que está no nosso quadro social e econômico. Essa imoralidade o moralismo udenista não via, não enxergava, assim como o moralismo neoliberal de hoje também não enxerga; fica insistindo no combate à corrupção - que teve o seu efeito positivo, à medida que abriu as possibilidades, os mecanismos e os instrumentos de apuração dos atos de corrupção, com a conseqüente punição ou repressão, o que não acontecia no passado. No passado, reclamava-se da corrupção, mas ela nunca era apurada, porque o governo, de uma forma ou de outra, sempre tinha meios de impedir que essa apuração fosse levada a efeito, e as acusações ficavam sem nenhuma possibilidade de comprovação.

Isso também mudou. Ninguém esconde mais nada neste País. Hoje temos uma imprensa desenvolvida e há consciência da população acerca da importância de se combater a corrupção, sim, de evitar esses atos ilícitos dentro do Governo e, inclusive, do Parlamento, o que é inédito. Nunca aconteceu no Parlamento brasileiro uma punição de Parlamentar por ato de corrupção. Aconteceu com o velho Barreto Pinto porque ele deu uma entrevista indecorosa, mas não punição por atos de corrupção.

Então, esse aspecto também evoluiu. O moralismo udenista produziu o seu fruto e hoje temos que reconhecer a sua importância. Porém, trata-se de uma característica que ainda atinge os neoliberais, que é a incapacidade de ver a grande imoralidade do País que é a injustiça social, a desigualdade na distribuição dos frutos do trabalho de todos, como se o fruto devesse ir para uma minoria cada vez mais estreita de brasileiros porque são eles os capazes, os competentes, e os outros devem ficar mesmo excluídos. Alega-se que isso é natural, é parte do processo de seleção natural, conforme a lei darwinista, enfim, mas todos esses argumentos no fundo escondem uma enorme, gigantesca e profunda imoralidade da nossa sociedade, a qual nós, os “neodesenvolvimentistas” enxergamos. Refiro-me ao desenvolvimentismo com justiça social, que é a característica, a principal nota de destaque, de definição, de distinção do Governo Lula; a eleição como prioridade da questão social, da injustiça estrutural, que é a grande imoralidade deste País e que os neoliberais, assim como os udenistas do passado, não enxergam.

Finalmente, o udenismo se caracteriza - além dos vetores já citados, que são privatismo, entreguismo, elitismo e moralismo - pelo golpismo. Efetivamente, não me refiro a todos. É claro que Milton Campos nunca defendeu a idéia de um golpe, como Afonso Arinos, como as grandes cabeças. Entretanto, o corpo da UDN vivia a tentar: conseguiu derrubar Getúlio Vargas, como tentou derrubar Juscelino por várias vezes, como acabou derrubando Jango e chamando a ditadura militar, porque não conseguiam ganhar a eleição. Só conseguiram vencer as eleições uma vez, em toda a história do século passado, que foi com Jânio Quadros, que não era, no fundo, um udenista - não professava ideologia nenhuma, era um homem individualista que tinha um oportunismo levado às últimas conseqüências -, mas foi apanhado, lançado pela UDN, e houve a conquista do Poder pela primeira vez.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Afora esse caso, era sempre a derrota eleitoral e o recurso ao golpe, a alguma forma de golpe.

Não quero crer que hoje esse espírito esteja presente no neoliberalismo. Estou fazendo certa analogia, caso a caso, mas quero excluir dos neoliberais de hoje esta quinta dimensão do udenismo, que era o golpismo, não obstante ouvir falar e ler nos jornais sobre esse tal terceiro turno, que não sei direito o que é, mas que tem certa conotação golpista. Não quero crer que isso faça parte do ideário neoliberal, porque este é muito respeitador da regra democrática, isto é, dos valores democráticos por inteiro.

Ouço o Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Roberto Saturnino, vou entrar de gaiato nesse seu discurso. Não sou neoliberal nem fui udenista. Sobre udenismo, creio que o Senador Antonio Carlos Magalhães é quem pode discutir. Infelizmente, quando me tornei eleitor, já não existia a UDN, e também não sou neoliberal.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Desculpe. Na minha apreciação, no meu juízo, V. Exª é um neoliberal, pelos pronunciamentos que tem feito, atacando a política externa, atacando o excesso de gastos do Governo, querendo reduzir o Estado, atacando a falta de cultura do Governo. Portanto, vejo em V. Exª uma característica neoliberal. V. Exª pode divergir, não se sentir como tal. Aliás, não é demérito nenhum, não há nenhuma intenção pejorativa nessa caracterização.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - De maneira nenhuma. Tire o “neo” e deixe-me só com o “liberal”. Não quero também chamá-lo de “neopetista”, não fica bem. Agora, V. Exª fala em golpismo, e aí põe uma argamassa num passado recente, quando o atual Partido de V. Exª pregava golpe, dizendo: “Fora! Impeachment já!” Isso era tentativa de golpe. Mas quero falar com V. Exª, porque é coerente, de fatos práticos e que o Brasil acompanha. Esperava que V. Exª viesse hoje, nesta tarde, protestar contra o crescimento da Vale do Rio Doce, que está se tornando a segunda maior empresa siderúrgica do mundo, tudo por conta da privatização. Eu esperava que V. Exª viesse fazer um discurso aqui contra a Vale. Vim preparado para discutir esse processo de privatização, tão combatido por V. Exª e pelo Partido de V. Exª, embora seu Partido combata e privatize. Agora, tem o seguinte: ninguém do PT hoje comemora aqui a vitória da Vale, que está crescendo apesar do PT. O PT é inimigo da Vale, o PT não queria a Vale privatizada, queria a Vale dando prejuízo; o PT não queria a Vale pagando imposto ao Estado, não queria a Vale dominando o mercado internacional. Portanto, não sou neoliberal nem ex-udenista. Sobre udenista, neste recinto, há os que possam falar. Agora, em matéria de golpismo, ninguém tem mais know-how para falar do que o Partido que hoje abriga - acho até que para honra dele - V. Exª. Muito obrigado.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Heráclito, quanto à questão do golpismo, fiz a referência de que não se aplicava aquela vertente, aquela dimensão udenista aos neoliberais de hoje. Por conseguinte, não vou comentar essa parte do discurso de V. Exª. Também não consegui ver onde estava o golpismo do PT. Na verdade, eu não era do PT naquele tempo, mas não consegui enxergar golpismo.

Mas não é isso que quero discutir; quero discutir a Vale, sim, porque ela foi uma empresa formada pelo Estado, desenvolvida pelo Estado, feita uma grande empresa, uma multinacional pelo Estado brasileiro e pela competência dos servidores estatais da Vale do Rio Doce. Ela foi comprada, “oportunisticamente”, a um preço vil e com financiamento de dinheiro público, numa operação com a qual não concordamos e com que jamais concordaremos, porque acreditamos que uma das grandes imoralidades cometida neste País foi a venda da Vale por aquele preço. Mas, por causa disso, vamos ficar contra o crescimento da Vale? Em absoluto. Que a Vale cresça cada vez mais e traga para o Brasil os benefícios desse crescimento. Vamos bater palmas, vamos elogiar, mas não vamos aceitar nunca aquela operação de privatização, porque a Vale foi fruto do esforço brasileiro e do esforço do Estado brasileiro, dentro de uma visão desenvolvimentista, que foi o que caracterizou aqueles Governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek e o curto período de João Goulart, que, infelizmente, foi golpeado. O fato é que não há como deixar de fazer essa distinção.

Participei das lides políticas desde os anos 50 e me lembro bem do que foi a oposição, o udenismo, o desenvolvimentismo daquela época, que muito se parece - não é igual, porque há vetores novos, há dimensões novas - com a oposição de hoje dos neoliberais, com o desenvolvimentismo social distributivista, porque a grande distinção e a grande característica do Governo Lula é exatamente enfrentar o problema da concentração de renda, esse problema imoral e vergonhoso do nosso País, que o coloca como campeão das desigualdades sociais, campeão da injustiça social no mundo todo.

Então, é importante, como valor histórico, vir aqui para rememorar o que foram as batalhas parlamentares, o que foram as batalhas eleitorais; que razões, que argumentos, que grandes pronunciamentos foram feitos e destacados naquele momento histórico brasileiro, extremamente fértil. Não vamos nos esquecer que o Brasil, naquele tempo, foi o campeão de crescimento econômico. Nenhum Japão do mundo, nenhuma Coréia, nenhum Tigre Asiático cresceu o que o Brasil cresceu durante aquele final da segunda metade do século XX até os anos 80, quando o País se embaraçou na questão inflacionária e não conseguiu mais resolver o problema.

Coincidentemente, o mundo, naquele momento, também caminhou para o neoliberalismo com a derrocada da União Soviética, que fazia o contraponto das tensões mundiais durante o pós-guerra. Mas é sempre útil buscarmos na história os veios que ligam a situação de hoje àquela situação que produziu o Brasil no qual todos acreditavam. Os brasileiros ficaram orgulhosos do Brasil e este País mostrou ao mundo do que era capaz com o esforço próprio, com um planejamento bem sucedido, com investimentos muito importantes do Estado, como foi o caso da Vale do Rio Doce. Esses investimentos foram extremamente importantes e estratégicos e deram o resultado que deu, colocando o Brasil numa posição de destaque mundial.

Agora estamos numa outra fase, onde a prioridade passou a ser reduzir no Brasil esse coeficiente de desigualdade, dar um mínimo de estabilidade à sociedade brasileira. Sem isso, iremos enfrentar conflitos cada vez maiores, tensões cada vez maiores, que não vão dar em revolução nenhuma, porque não se faz mais revolução, porém vai dar nesse processo de enfrentamento e de esgarçadura social que resulta em banditismo, em criminalidade e insegurança em cada uma das nossas grandes cidades. Não que a insegurança seja fruto da pobreza, mas ela é fruto, sim, da desigualdade, do sentimento de desigualdade, do sentimento de injustiça, do sentimento de desrespeito à idéia moral de uma sociedade justa e do fundamento ético da sociedade que é a justiça social e a justiça econômica.

Essa, então, passou a ser a prioridade, que está sendo enfrentada neste momento e a população está reconhecendo. O povo brasileiro tem o sentido histórico. O povo brasileiro não perdeu essa sensibilidade histórica que esteve presente naqueles momentos do passado, aos quais estou me referindo, e que continua presente, quando ele manifesta sua preferência por uma orientação política, por uma força política capaz de detectar o que é mais importante para a sociedade, para a paz interna, para a harmonia da sociedade brasileira e para um crescimento harmônico, sustentado num quadro de justiça social capaz de mobilizar toda a sociedade para o esforço de desenvolvimento.

Srª Presidente, este era o recado que eu queria dar hoje. Agradeço muito a V. Exª pela benevolência. E prometo a mim mesmo fazer um estudo, quando eu tiver mais tempo, sobre o que foi esse período histórico do desenvolvimentismo brasileiro, onde o udenismo figurou com grandes expressões, que merecem figurar no panteão da política nacional, fazendo o contraponto à grande arrancada desenvolvimentista que foi aquele período em que o Brasil foi o melhor do mundo em termos econômicos. Não o foi em termos sociais porque descuidou da distribuição da renda.

Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente, no dia de hoje.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2006 - Página 32790