Discurso durante a 172ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem à Muhammad Yunus, brilhante professor de Economia de Bangladesh, recentemente agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, conhecido no mundo inteiro como o "Banqueiro dos Pobres".

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem à Muhammad Yunus, brilhante professor de Economia de Bangladesh, recentemente agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, conhecido no mundo inteiro como o "Banqueiro dos Pobres".
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2006 - Página 32842
Assunto
Outros > BANCOS. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, CRIAÇÃO, BANCO PARTICULAR, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, CONGRATULAÇÕES, INICIATIVA, BANQUEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, BANGLADESH, RECEBIMENTO, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, AUXILIO FINANCEIRO, MULHER, BAIXA RENDA, MOTIVO, NEGAÇÃO, EMPRESTIMO, ESTADO.
  • DETALHAMENTO, IDEOLOGIA, FUNDADOR, BANCO PARTICULAR, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, VIDA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, DADOS, EVOLUÇÃO, FUNCIONAMENTO, BANCOS, INFERIORIDADE, LUCRO, COMENTARIO, RESULTADO, ESTUDO, EFICACIA, EMPRESTIMO, APOIO, TRANSFORMAÇÃO, SITUAÇÃO, DEVEDOR, REGISTRO, HISTORIA, EXPERIENCIA, MUNDO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ZERO HORA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ENTREVISTA, BANQUEIRO, SUGESTÃO, BANCOS, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, COMBATE, EXCLUSÃO, REGISTRO, PESQUISA, RESULTADO, EXPERIENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, BANGLADESH, MELHORIA, CONTROLE DA NATALIDADE, SAUDE PUBLICA, ACESSO, EDUCAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, MULHER, SOCIEDADE, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • REGISTRO, INICIATIVA, INTELECTUAL, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, PROPOSTA, CRIAÇÃO, BANCOS, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, COMENTARIO, HISTORIA, INICIO, PROGRAMA DE CREDITO, SUPRIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, começo o meu pronunciamento de hoje com uma singela pergunta: pode um professor de Economia, residente numa nação periférica, com uma idéia muito simples, criar, em poucos anos, a mais formidável fórmula para eliminar a pobreza?

A resposta é sim.

Venho a esta tribuna para falar um pouco da vida de Muhammad Yunus, o brilhante professor de Economia de Bangladesh, conhecido no mundo inteiro como o Banqueiro dos Pobres, cidadão que recentemente foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, numa das premiações mais certeiras dos últimos anos.

Aliás, parece paradoxal essa surpreendente decisão da Academia Sueca, que resolveu, com imensa sabedoria, contemplar, pela primeira vez, um banqueiro com o Nobel da Paz.

Terceiro filho de uma família de 14 irmãos, Muhammad Yunus nasceu em 1940. Depois de estudos brilhantes, ele recebeu uma bolsa de estudos para se graduar nos Estados Unidos. Lá se tomou professor de economia. Três anos depois de ter voltado a Bangladesh - nação criada em 1971 com a divisão do Paquistão -, uma terrível epidemia de fome acometeu aquele país. Esse evento acabaria mudando a visão de mundo de Yunus e também a sua vida.

Certa vez, quando perguntaram a Yunus como tivera a idéia de emprestar dinheiro às pessoas, fato que o acabou levando a fundar um banco para atendimento exclusivo de pobres, ele respondeu:

Eu não tinha qualquer intenção de criar um banco. Foram as circunstâncias que me levaram a isso. Eu lecionava Economia na Universidade nos anos posteriores à independência do Bangladesh. O país passava por muitas dificuldades. Em 1974, enfrentamos um terrível período de fome. Eu via pessoas morrendo de fome nas ruas e estava frustrado, sem saber o que fazer para ajudar. Afinal, todas as grandes teorias de desenvolvimento econômico que eu ensinava não contribuíam para resolver aquele problema. Pensei que era preciso ser útil. Assim, fui à aldeia mais próxima do campus universitário visitar os pobres. Vi como as pessoas sofriam, como estavam dependentes dos usurários que lhes emprestavam dinheiro, quase sempre montantes muito pequenos. Por que não fazer uma lista destas pessoas e tentar ajudá-Ias? Com a colaboração de alguns alunos, fizemos uma lista de 42 pessoas e chegamos à conclusão que o total de dinheiro necessário era de 27 dólares! Meu Deus! Nós andávamos a falar de milhões e milhões de dólares para investir e desenvolver a economia do país e, no entanto, havia pessoas que precisavam de uns poucos dólares. Decidi, naquele momento, que os pobres iriam se tomar meus professores.

Muhammad Yunus descobriu, naquela época, que a grande maioria dos pobres era incapaz de conseguir empréstimo nos bancos tradicionais. Para esses bancos, pobres são inadimplentes potenciais. Além disso, gastariam o dinheiro do financiamento na compra de alimentos. Não valia a pena emprestar quantias irrisórias, não seria rentável. E, no final das contas, pobres não teriam garantia para dar em troca dos empréstimos.

Segundo Yunus, recusar o acesso ao crédito é a fonte de todas as exclusões porque a pobreza é raramente criada por problemas pessoais, preguiça ou falta de inteligência, mas sim pelo custo proibitivo do capital.

O que falta basicamente para que uma pessoa tenha acesso a um pequeno capital são taxas de juros justas e um prazo de resgate maior que o tradicional.

Só com um pequeno investimento, segundo Yunus, os pobres poderão entrar verdadeiramente num ciclo econômico que lhe garantirá a criação de sua própria fonte de renda.

Esse sistema de microempréstimo, inicialmente, ajudou a financiar os projetos de 42 mulheres dentro das áreas mais pobres do vilarejo. No prazo fixado, o banqueiro foi integralmente reembolsado. A experiência inicial, portanto, foi um sucesso.

Disse Yunus: "As mulheres queriam antes de tudo me reembolsar para me provar que mereciam a minha confiança. Seus olhares de reconhecimento e a sua pontualidade decuplicaram a minha vontade de expandir a experiência".

É importante ressaltar que, num primeiro momento, o professor Yunus tentou convencer bancos locais e membros do governo à ajudá-Io nesta empreitada. Mas as respostas eram sempre as mesmas: Pobres são inadimplentes. Não oferecem nenhuma garantia, caso não reembolsem o empréstimo. É arriscado demais! Não vai funcionar.

Depois de alguns anos em que inutilmente tentou convencer os céticos, Yunus decidiu deixar seu cargo de professor e criar sua própria empresa: Grameen Bank. Criada em 1978, em apenas um vilarejo, a empresa expandiu rapidamente suas atividades. Hoje, passados vinte e seis anos, os resultados são capazes de convencer até mesmo os mais descrentes. O banco se tomou uma verdadeira instituição daquele país. Está presente em milhares de vilarejos, já emprestou mais de 16 bilhões de re.ais para 12 milhões de clientes, sendo 96% mulheres.

Um dado interessante é que essa experiência provou que as mulheres são mais responsáveis e sérias do que os homens. A taxa de pagamento, que tanto preocupava os banqueiros tradicionais, é de 98,9%. Ou seja, é muito superior a dos bancos comerciais.

O sistema funciona assim: as clientes estão organizadas em grupos de cinco pessoas, e cada uma das devedoras é responsável perante as quatros outras integrantes do grupo e pode pedir ajuda caso esteja com um problema. O Grameen Bank não pede para elas que assinem um contrato, não processa ninguém em caso de inadimplência e não exige nenhuma garantia.

O banco idealizado por Muhammad Yunus tem hoje mais de 12 mil funcionários. É uma verdadeira empresa que paga os mesmos salários que os bancos tradicionais. Segundo Yunus, o banco não tem como objetivo ganhar dinheiro. Os 2,4 milhões de clientes são os donos do banco. O lucro é sempre marginal, depois de pagos todos os custos e feitos os novos investimentos.

Atualmente, esse modelo é aplicado em mais de 57 paises ao redor do mundo. O micro-crédito ajuda mais de 55 milhões de famílias, sendo 27 milhões na faixa da população que tem menos de 1 dólar por dia para sobreviver. Segundo estudos, graças ao microcrédito, três de quatro devedores conseguem sair da extrema pobreza de maneira definitiva.

Dono de um verdadeiro império, o professor Muhammad Yunus não mudou de estilo de vida. Ele vive com sua esposa e sua filha em um pequeno apartamento de dois quartos em Dacca, capital de Bangladesh.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao entrevistar Muhammad Yunus, o jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, perguntou-lhe que conselhos ele daria ao Brasil sobre microcrédito. Disse Yunus: "Eu diria que os programas de microcrédito precisam se focar em atender aos muito pobres. Se os muito pobres não forem incluídos desde o início, estarão excluídos mais à frente, e o objetivo do microcrédito, de reduzir a pobreza, fracassará. Eu sugeriria que priorizassem a qualidade à quantidade".

O jornal Zero Hora também perguntou a Yunus qual seria o impacto do Grameen Bank na vida Bangladesh. Ele respondeu que vários estudos mostram que a mortalidade infantil caiu, o controle de natalidade começou a dar resultados, a saúde pública melhorou, as crianças tiveram mais acesso à educação e as mulheres têm ganho maior participação em atividades sociais e políticas no país, que é bastante machista.

Zero Hora também quis saber de Yunus sobre suas perspectivas para o futuro do banco. Respondeu ele:

Tenho 63 anos. Quero melhorar a qualidade de vida de quem recorre ao banco. Nos últimos anos, criamos bolsas de estudo para os filhos de pessoas que tomaram empréstimos conosco. Muitos estão cursando escolas profissionalizantes. No futuro, eles vão ajudar as suas famílias. O Grameen emprestou dinheiro a 3 O mil pessoas para que comprassem telefones celulares e oferecessem serviços de telecomunicação. Estas "mulheres-telefonistas" têm lucros com esses telefones, ao mesmo tempo em que oferecem aos moradores uma ligação com o "mundo exterior", antes inimaginável. Também levamos serviços de Internet às vilas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de dizer que a idéia do "Banco do Povo" não é nova. Foi proposta pelo pensador Alexis de Tocqueville (1805 - 1859), em dois ensaios publicados em 1835 e intitulados “Memória sobre a pobreza" e "Segundo artigo sobre a pobreza". A finalidade desses estudos era discutir como estruturar a sociedade moderna, aglutinando os cidadãos desunidos. A pobreza, considerava Tocqueville, era uma espécie de doença social surgida nos países que experimentaram o enriquecimento capitalista. A pobreza, dizia o pensador francês, só se tomou visível onde havia para se contrapor a ela um pano de fundo de riqueza e bem-estar.

Esse problema era mais visível, na época, na Inglaterra, onde um sexto da população engrossava as fileiras do proletariado urbano, contrastando a sua pobreza com o bem-estar da maioria. Tocqueville se indagava como integrar essa parcela de pobres na sociedade a fim de que pudesse gozar das benesses do progresso. Tocqueville partia da definição moral do princípio da beneficência. Dizia ele:

Creio que a beneficência deve ser uma virtude máscula e fundada racionalmente, não um gosto frágil e irrefletido; que não se deve fazer o bem que mais agrada àquele que o faz, mas o mais verdadeiramente útil àquele que o recebe; não aquele que alivia de forma mais completa as misérias de alguns, mas aquele que serve ao bem-estar do maior número.

A primeira manifestação de microcrédito da qual se tem notícia ocorreu no sul da Alemanha, em 1846. Denominada Associação do Pão, ela foi criada pelo pastor Raiffeinsen. A região passou por um rigoroso inverno que levou os fazendeiros locais a contraírem dívidas e ficarem na dependência de agiotas. O pastor cedeu-Ihes farinha de trigo para que, com a fabricação e comercialização do pão, pudessem obter capital de giro. Com o passar do tempo, a associação cresceu e transformou-se numa cooperativa de crédito para a população pobre.

Em 1900, um jornalista da Assembléia Legislativa de Quebec criou as Caisses Populaires, que, com a ajuda de 12 amigos, reuniram o montante inicial de 26 dólares canadenses para emprestar aos mais pobres. Atualmente, estão associados às Caisses Populaires cinco milhões de pessoas, em 1.329 agências.

Nos Estados Unidos, em 1953, Walter Krump, presidente de uma metalúrgica de Chicago, criou os "fundos de ajuda" nos departamentos das fábricas, onde cada operário participante depositava mensalmente U$1,00 destinado a atender aos associados necessitados. Posteriormente, os fundos de ajuda foram consolidados e transformados no que foi denominado Liga de Crédito. Após esta iniciativa, outras se sucederam, existindo atualmente, a Federação das Ligas de Crédito, operadas nacionalmente e em outros países.

Provavelmente, entre 1846 e 1976, muitas outras manifestações pontuais e isoladas devem ter ocorrido ao redor do planeta com características de microcrédito, porém o grande marco que desenvolveu, difundiu e serviu de modelo para popularizar o micro-crédito foi a experiência iniciada em 1976 em Bangladesh, pelo Professor Muhammad Yunus.

A experiência do Grameen gerou a revolução do microcrédito no mundo, onde hoje existem programas nele espelhados em sessenta países, inclusive alguns considerados ricos, como Canadá, França e Estados Unidos.

Normalmente, as instituições que operam com microcrédito, como ONGs, OSCIPs e Bancos do Povo, emprestam dinheiro para negócios já existentes com mais de seis meses de existência.

Exatamente neste espírito, apresentei, em dezembro de 2003, o PLS nº 505 - Complementar, que institui o crédito para os microempreendedores. Minha sugestão de proposição se baseou nestas várias experiências já realizadas no Brasil e Bangladesch - com o Banco do Povo.

Especificamente, inspirei-me nas propostas e nos programas realizados pela Prefeitura de Porto Alegre, Governos do Rio Grande do Sul e Distrito Federal, mais as lições do Banco do Povo de Bangladesh, do Sr. Yunus.

Sr. Presidente, encerro dando os meus parabéns à Academia Sueca e, mais ainda, muitos parabéns e meus votos de longa e profícua vida a esse benemérito cidadão, agora também do mundo, esse iluminador, sr. Muhammad Yunus.

Lembro, por fim que, grande otimista, Muhammad Yunus acha que outros homens como ele, empreendedores, vão trazer soluções simples e criativas para vencer os grandes desafios planetários. Segundo ele, projetos gigantescos não são suficientes: porque é preciso antes de tudo preocupar-se com o primeiro elo da cadeia: o ser humano.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2006 - Página 32842