Discurso durante a 177ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Regozijo pela vitória do presidente Lula, uma genuína manifestação da democracia.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Regozijo pela vitória do presidente Lula, uma genuína manifestação da democracia.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2006 - Página 33148
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, VITORIA, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONSOLIDAÇÃO, DEMOCRACIA, ELOGIO, POPULAÇÃO, NEGAÇÃO, OPINIÃO, IMPRENSA.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O DIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, IMPRENSA, TENTATIVA, DERRUBADA, CANDIDATURA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FAVORECIMENTO, CANDIDATO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB).
  • COMENTARIO, MOTIVO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, MELHORIA, JUSTIÇA SOCIAL, POPULAÇÃO CARENTE, GARANTIA, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL.
  • EXPECTATIVA, POSTERIORIDADE, GOVERNO, AUMENTO, APOIO, POPULAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MANUTENÇÃO, PRIORIDADE, JUSTIÇA SOCIAL, MELHORIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, REGISTRO, DADOS.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, admirável Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, ontem, foi o dia dos pronunciamentos dos Líderes. A Líder Ideli, o Líder Arthur Virgílio, o Líder Heráclito Fortes, cada um fez sua apreciação sobre as eleições, o fato eleitoral.

            Hoje é o dia dos Senadores mais simples. Acabei de ouvir um belo discurso, elevado, poético, do Senador Crivella, e quero fazer as minhas observações, com o espírito carregado de regozijo, essa é a verdade, porque o candidato que apoiei foi vitorioso, e largamente vitorioso, num segundo turno, que foi, sob todos os pontos de vista, extremamente importante e útil para o Brasil e a democracia brasileira.

            Ao manifestar o meu regozijo, não quero, de forma alguma, reduzir em nada o valor do candidato adversário e de todos os que o apoiaram, porque tiveram uma importância muito grande. Aliás, nos debates que travamos no Senado, em nenhum momento deixei de reconhecer a importância deste embate político com a Oposição, em termos com os quais nem sempre concordávamos, mas que eram importantes para o conhecimento do povo, enfim, para que o eleitorado tivesse plena notícia do que se passava e do significado das propostas de cada um dos candidatos. Assim é que quero manifestar o meu regozijo com o fenômeno democrático brasileiro.

            O Brasil não é um País que tem uma tradição democrática de 100 anos, sequer de 50 anos. O Brasil a teve por 20 anos, de 1945 a 1964, depois a interrompeu e, agora, teve-a nos 20 anos mais recentes, mas não é um País que tenha uma tradição como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde, enfim, pratica-se a democracia há séculos.

            A democracia, para a sua realização plena, exige um tempo de prática, uma cultura política democrática, que só se consolida e se sedimenta com o passar do tempo. Mas eis que alguma coisa iluminou o povo, o eleitorado brasileiro. Percebo, e por isso manifesto o meu regozijo, que essa eleição, no segundo turno travado entre Lula e Alckmin, teve como resultado uma realização plena de manifestação democrática como antes não tinha ainda ocorrido em nosso País, na medida em que o povo mais simples, o povo trabalhador, o povo excluído mesmo do processo econômico e social, formou a sua opinião, e o fez tendo notícia de tudo que se passava e independentemente do pensamento das elites, da classe média, especialmente da mídia, que sempre influenciou muito a formação da opinião pública brasileira, principalmente do povo mais humilde.

            Pois desta vez o que aconteceu foi que o povo se emancipou e formou a sua opinião, independentemente do que lia nos jornais, do que via na televisão, do que escutava nos rádios e do que, enfim, diziam aqueles que, ao longo da vida, aprendeu a respeitar como sendo pessoas de elite, de pensamento, de formação cultural mais elevada. O povo achou que era o momento de manifestar a sua opinião, a sua vontade em relação ao seu interesse próprio, sem ser iludido, sem que lhe fosse ocultada nenhuma face da informação. Tudo foi dito, até de forma exagerada em muitos momentos, e o povo, escutando tudo isso, lendo, conversando, discutindo e debatendo, fez a sua opção clara em favor do candidato que lhe era muito conhecido pela identidade na origem, e que, no exercício do poder, tinha correspondido a essa identidade com programas de natureza social muito importantes para a mudança do perfil de distribuição da riqueza e da renda na sociedade brasileira.

            Isso me faz acreditar que, agora, pode-se dizer que a democracia se consolidou, enraizou-se definitivamente na sociedade brasileira, na vida política do País, o que é muito importante, porque a democracia é um valor por si mesma, e não um instrumento. É claro que por meio dela também se obtém o melhor resultado em termos de bem-estar da sociedade, porém ela não é instrumento. Ela é valor em si mesma, porque é a participação do povo, é a realização do verdadeiro espírito republicano. Isto é, a vontade manifestada pelo povo é decidida por ele de uma forma absolutamente livre e implementada segundo essa vontade.

            O Dia, que é o jornal mais lido do Rio de Janeiro, mas não é voltado para as elites e a classe média, é um jornal de tradição popular, estampou ontem, segunda-feira, a seguinte manchete: “O povo não é bobo e elege Lula de novo”. O que O Dia quis dizer com “O povo não é bobo e elege Lula de novo”? O Dia não quis atacar a Oposição, nem o candidato Alckmin. O Dia quis mostrar que a mídia, que é voltada para a classe média e as elites, fez tudo para derrubar a candidatura do Lula, mas não conseguiu derrubar o Lula no coração do povo e na preferência popular. O povo não se deixou iludir por toda a campanha midiática, feita de uma forma como há muito tempo não se via neste País, negativamente, voltada contra a candidatura Lula. O povo, assim mesmo, diz O Dia, não é bobo e soube formar sua opinião sem se deixar influenciar por essa mídia voltada para as elites e que sempre defendeu os interesses econômicos mais fortes do País, que alijavam, como continuam pretendendo fazer, o povo trabalhador da vida econômica e social.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Saturnino, permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Já concedo um aparte a V. Exª.

            Essa manchete é antológica e vai ficar, também, na história da imprensa brasileira como alguma coisa que reflete uma opinião que é do próprio povo. Trata-se de um jornal voltado para o povo, que refletiu o sentimento popular da segunda-feira, depois que o País despertou já com o novo Presidente, eleito num processo absolutamente democrático, num segundo turno que trouxe à tona tudo que era importante para a formação do julgamento popular.

            Vitória da democracia brasileira, vitória da maioria do povo trabalhador, mas do sistema democrático, do regime democrático, da cultura democrática, formando, agora sim, uma tradição democrática que há de ter continuidade e de se perpetuar neste País.

            Escuto, com muito prazer, o Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Saturnino Braga, a minha admiração por V. Exª é extraordinária. O que tenho a lamentar é que este Senado praticamente terá novembro, dezembro e ainda janeiro com a presença de V. Exª. E quis Deus estar presente também Heloísa Helena! Eu acho que vamos ficar mais pobres. V. Exª traduz muito e, atentai bem, V. Exª tem quase duas décadas aqui, que enriqueceram este Senado. E essa admiração é principalmente de quando V. Exª era muito jovem e enfrentou os canhões da ditadura aqui, os atos institucionais: V. Exª, Brossard, Mário Covas, Juscelino Kubitschek, cassado aqui humilhantemente. Mas, atentai bem, eu sei a emoção de V. Exª, está até na Bíblia: alegrai com as vitórias e chorai nos momentos tristes. Então, V. Exª está fugindo. A democracia não foi assim, a democracia foi o povo, é uma conquista do povo, mas porque tem um poder absoluto. E a sabedoria de um homem, de um jurista, Montesquieu, acabou com o “L’État c’est moi” e dividiu os poderes. Então, atentai bem: olhai os lírios do campo, não é assim a democracia. Lula mostrou que é simpático, que tem boa conversa, que tem muitos votos, mas a democracia ele não tem. A democracia foi bem dividida em três poderes: o Legislativo, o Judiciário e o Executivo - o do Lula, o que ele levou. A democracia é tudo. Mitterrand, que teve uma cultura ímpar, no seu último livro, quando já não falava - foi gravado -, deixou um ensinamento: fortalecer os outros poderes. Lula tem de respeitar o Judiciário. Lula tem de respeitar este Poder aqui, que não faz mais leis, é só medida provisória. Sucederam o Presidente, e o que veio aqui foi uma tempestade de medida provisória. Isso não é uma lei que fez nascer a democracia na divisão do poder. Há um poder fortalecido, mas quero advertir: Atentai bem, olhai a democracia americana. Richard Nixon também foi vitorioso, Heloísa Helena, em um segundo turno, vitória exuberante, e aí ele tombou diante dos outros dois Poderes. E tem de estar atento a isso. Sei que o Crivella foi poético, mas ainda faço aquela pergunta a S.Exª: “Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Vi ontem um jovem do Ministério Público, autêntico, sensível, corajoso, firme, que, para não tumultuar o País, pediu a prisão de Palocci. Aí, sim, aí é que quero saber: se aquela conversa do Lula era tudo mentira, de colocar o lixo, de cortar na carne. Está aí o Palocci, está aí. Ontem, ouvimos a voz do Ministério Público. Então, Senador Saturnino, gostaria que, antes de V. Exª deixar esta Casa, que tanto engrandeceu pelo seu exemplo de nobreza, V. Exª não permitisse que aqueles incautos que sujaram esta Casa, que sujaram a democracia... Nós viemos do povo também, como Lula. Que V. Exª atentasse para o impedimento desses que voltaram rindo, debochando do povo, da Justiça, da vergonha - foram todos eles reeleitos. Então, isso não foi vitória da democracia. A vitória da democracia será quando a Justiça - “Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça...”, isso era o que o Senador Marcelo Crivella devia ter aprendido - predominar, quando for, como o sol, igual para todos e não quando a Polícia Federal prender alguns. Estão aí os 40 indiciados. Foi alguém preso? Estão todos aí soltos, fagueiros. Então, a democracia está abalada. Democracia foi aquela que viu um Presidente reeleito e se curvou diante do Poder Legislativo e do Judiciário, afastando Nixon.

            O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Mão Santa, V. Exª tem a sua opinião. Aliás, foi emitida aqui com muita freqüência. V. Exª é um dos maiores freqüentadores desta tribuna. Então, V. Exª tem todo o direito de fazer as considerações que faz.

            Eu só quero dizer o seguinte: que, quando V. Exª fala em justiça, a justiça quando é de Deus, muito bem, ela é acima dos mortais, dos seres humanos. Mas a justiça, na sociedade humana, é feita pelos homens. Nós temos de reconhecer a justiça feita pela maioria dos homens porque nenhum de nós é melhor do que o outro. Então, nenhum de nós é suficientemente sábio para dizer que o povo não sabe votar, que é bobo, tolo, inculto, porque esse é o espírito da República e da democracia. Então, há que respeitar e há que atribuir justiça à decisão, que foi a decisão do povo brasileiro. E é por isso que estou aqui manifestando o meu regozijo. A democracia não é feita pelo Lula, não; foi feita pelo povo brasileiro. E é isso que estou dizendo.

            Agora, quero manifestar também o meu regozijo pelo destino do Brasil, na medida em que o que faltava à sociedade brasileira, à República brasileira, ou seja, a justiça social, que é o fundamento ético de toda nação, a distribuição equânime e justa do fruto do trabalho de todos, que antes era feita de uma maneira tão gritantemente injusta no Brasil. Enfim, todas essas desigualdades estruturais começam a ser reduzidas por uma prioridade do Governo Lula, que foi, aliás, a linha política que lhe deu a vitória consagradora, que é exatamente a prioridade na distribuição da renda por meio de quatro anos de programas sociais que trouxeram resultados concretos.

            O perfil da distribuição de renda no Brasil está mudando. Essa vitória consagradora no segundo turno garante a continuidade desses programas. Mesmo que, daqui a quatro anos, seja eleito um Presidente com uma linha política diferente, ele não terá mais condições de modificar essa trilha implantada, dada pela prioridade, pelo balizamento em relação à questão da justiça social.

            A meu juízo, esta é mais importante até do que o crescimento. Já que se fala tanto em crescimento, também acho que é preciso crescer, mas se, para distribuir renda, for necessário que o crescimento não seja de 7%, mas de 5%, a minha opção é pelo crescimento de 5% desde que se mantenha a prioridade da justiça social, da igualdade mínima estrutural entre os brasileiros, porque essa é a grande vergonha nacional, vergonha histórica que vem desde o regime de escravidão e que se perpetuou de uma forma na medida em que o crescimento econômico do Brasil era sempre feito segundo aquela lei que dizia que, primeiro, deveria crescer o bolo para, depois, distribuir. O Governo Lula, nestes quatro anos, mostrou que não, que é possível crescer até de maneira mais modesta, mas enfrentando o problema da distribuição, da justiça social, da harmonização da sociedade brasileira, que não podia mais... E a continuidade desse processo de concentração ia tornar-se inviável, íamos ter fenômenos indescritíveis ou impensáveis de comoção social, porque não era possível continuar crescendo para, depois, distribuir o bolo. Era preciso enfrentar, desde logo, o problema da distribuição, e foi o que foi feito. E isso resultou na preferência popular inequívoca, reconhecendo isso, apesar de todo o tiroteio oposicionista.

            De forma, Sr. Presidente, que, quando o Presidente Lula foi eleito há quatro anos e visitou o Senado, na primeira visita que fez, entreguei-lhe um envelope que continha uma carta. Até fui muito ironizado pelos colegas, que me disseram: “Que é isso, Saturnino, já está entregando um currículo?”. Mas não era um currículo, era uma carta dirigida ao Presidente Lula, em que eu manifestava minha confiança em que Sua Excelência, no exercício da Presidência, desenvolveria políticas que mudariam o País, a sociedade brasileira. E, mudando a sociedade brasileira, abriria um destino mais largo, uma perspectiva mais larga de realização de uma sociedade mais justa. E mais, na medida em que o Brasil mude profunda e socialmente, isso será um exemplo para induzir a mudança do mundo, da economia, do próprio relacionamento econômico mundial, que não pode continuar nesta linha do neoliberalismo, de tudo ao mercado, de “Deus mercado”, marginalizando países, nações, continentes inteiros, para usufruto de um grupo de países cada vez mais ricos e poderosos militarmente.

            De forma que reescrevo o que escrevi naquela carta, neste momento de reeleição, fortalecendo minha convicção, certo de que será muito difícil mudar. Mudar a sociedade é uma missão extremamente difícil, pois se encontram resistências muito fortes, poderosas, de poder econômico, midiático, enfim, institucionalizado. É muito difícil, mas acredito que o Presidente Lula, com apoio popular e dos partidos que estarão coligados na defesa do seu Governo, conseguirá manter essa prioridade, elevando a taxa de crescimento para um pouco mais do que foi na média dos quatros anos, mas nada de extraordinário, em termos de 7% ou 8%. A Argentina está crescendo muito, mas não está enfrentando o problema social, e a sociedade argentina já está reagindo a isso, o que mostra que não adianta pretender crescer muito, mas dentro daquele modelo que, primeiro, esperava o crescimento para, depois, distribuir. Não, a distribuição é imediata. Ela tem de ser imediata, junto com o crescimento, ainda que com um pouco de sacrifício das taxas respectivas de crescimento.

            Mas era essa, Srª Presidente, a mensagem que eu queria deixar hoje, manifestando meu regozijo e também reconhecendo o valor dos adversários, especialmente do candidato Geraldo Alckmin, que se manteve de forma muito democrática e elevada em toda a campanha, e de todos os que o apoiaram neste Senado, no Congresso e na vida pública do País, de modo geral.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2006 - Página 33148