Discurso durante a 176ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de contratulações e aplauso pela passagem dos cem anos de vôo do 14 Bis, bem como, pela inestimável contribuição dada por Santos Dumont ao desenvolvimento da ciência e da aviação em especial.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de contratulações e aplauso pela passagem dos cem anos de vôo do 14 Bis, bem como, pela inestimável contribuição dada por Santos Dumont ao desenvolvimento da ciência e da aviação em especial.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2006 - Página 33034
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, VOO, ALBERTO SANTOS DUMONT, PIONEIRO, AVIAÇÃO, REGISTRO, BIOGRAFIA, DESCOBERTA, PERSONAGEM ILUSTRE, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, OPOSIÇÃO, UTILIZAÇÃO, AERONAVE, GUERRA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), HOMENAGEM, PIONEIRO, AVIAÇÃO.
  • EXPECTATIVA, RECUPERAÇÃO, SAUDE, FABIO KONDER COMPARATO, JURISTA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, VIDA PUBLICA, ATUALIDADE, DEBATE, AUTONOMIA, POLICIA FEDERAL, SUGESTÃO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), CRIAÇÃO, POLICIA JUDICIARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso.Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, os Senadores Wellington Salgado e Heráclito Fortes expressaram também a vontade de assinar o requerimento. Fico honrado. Agradeço à Secretaria da Mesa se puder levar o requerimento até ambos a fim de que possam assiná-lo.

Um sonho não tem preço nem medida. Houve um brasileiro que voou mais alto porque realizou seu sonho. Ao levantar seu 14 Bis no Campo de Bagatelle, em Paris, exatamente em 23 de outubro de 1906, 100 anos atrás, o mineiro Alberto Santos Dumont realizava também o antigo sonho, próprio da humanidade: voar, manobrar no ar, dirigir e dominar o vento, ter a elegância de um pássaro - a mesma que ele ostentava em sua vida em Paris, em plena belle époque, no final do século XIX e começo do século XX.

Cinco anos antes, em 1901, ele já havia contornado a Torre Eiffel com um balão dirigível em forma de charuto, o Baladeuse, ou Carro Aéreo, ou Número 6, simplesmente. Esse foi o grande recorde do que podemos chamar de navegação aérea até então.

Mas avião não é balão. O biplano 14-Bis, que recebeu esse nome porque o modelo anterior, igualzinho, ainda tinha acoplado um balão sobre ele, foi o primeiro biplano a ter autonomia de vôo apenas com seu motor. Foi o primeiro vôo de uma máquina mais pesada que o ar. Pela façanha, Santos Dumont recebeu o prêmio Archdeacon.

Alberto Santos Dumont nasceu na fazenda de seus pais, o francês Henrique Dumont e a brasileira Francisca de Paula Santos. Desde menino, interessava-se por máquinas e cresceu admirando o que era novidade. Aos 18 anos, em 1891, foi a Paris e lá encantou-se com o que viu. Na sua infância e adolescência, era um grande admirador do escritor Júlio Verne, que fez com que ele se interessasse tanto pela aviação.

O mundo fervilhava. Paris era a capital que todos queriam conhecer. A exposição de 1889, em comemoração ao centenário da Revolução, mostrou muitas inovações. O progresso criava conforto, como os encanamentos para água e aquecimento nas casas, o telégrafo, o transporte urbano, a máquina de escrever, as bicicletas e, logo depois, os primeiros carros, na verdade, carruagens motorizadas.

Santos Dumont ficou encantado com o progresso, mas queria mais. Ele subiu os 1.671 degraus da Torre Eiffel e viu os balões pelo céu. Ele viajou neles uma infinidade de vezes e imaginava como poderia dirigi-los. Isto era o importante: ir e voltar voando para qualquer lugar, vencer o vento e não depender dele.

Ele montou o que ficou conhecido como o primeiro hangar do mundo que, na verdade, era uma grande oficina onde tinha o cuidado de usar materiais leves e fortes ao mesmo tempo, como a seda e o bambu. Ele fez inúmeras tentativas: viu o Número 1 se partir ao meio, bateu em árvores, caiu com o Número 6 que lhe dera tanta glória na Baía de Montecarlo, em Mônaco, entre outras coisas.

Freqüentava os melhores lugares, era amigo de artistas e de intelectuais, mas estava em sua oficina todos os dias, atrás de seu grande sonho. Foi quando percebeu que não dava para dirigir suas máquinas no ar e olhar o relógio ao mesmo tempo. Naquela época, todos os relógios eram de bolso, presos com uma corrente ao colete. Santos Dumont pediu, então, ao seu amigo Cartier, joalheiro da alta sociedade parisiense, que lhe criasse um relógio de pulso para que não se atrapalhasse no vôo. Foi aí que surgiu o “Santos” - e estava criado o relógio de pulso, como usamos até hoje.

No outro lado do mundo, entretanto, uma dupla de irmãos, Oliver e Wilbur Wright, tentava fazer a mesma coisa. Em 1808, eles conseguiram voar por mais de duas horas.

Santos Dumont, nessa mesma época, sofria algumas frustrações com seus novos modelos, mas acertou com o Número 20, que chamou de Demoiselle.

Com ele, em 1909, levou 5,5 minutos para percorrer 8 km, o que dá quase 90 km/h. Bateu recorde de altitude ao atingir 196 m do solo nesse ano, ao voar 16 km em 18 minutos.

Enquanto os americanos vendiam sua invenção para o Ministério da Guerra dos Estados Unidos, cobrando US$ 25 mil por máquina, Santos Dumont autorizou ao fabricante de automóveis Clement-Bayard que reproduzisse suas máquinas. Foram fabricadas 300. Cada uma custava US$ 1,25 mil ou 5% do que cobravam os americanos.

No ano seguinte, após um acidente grave com seu Deimoselle, Santos Dumont demonstrava esgotamento psíquico. Sofria vertigens e entrou em depressão.

A Primeira Guerra Mundial levou embora os sonhos e trouxe uma realidade sem volta: a aviação se aperfeiçoava com a guerra; sua paixão e seu invento serviam também para matar. Ele se sentia culpado por isso.

De volta ao Brasil, ganhou do Governo brasileiro uma casa em Petrópolis, no Morro do Encanto. Chamou-a de “A Encantada”. Foi ali que construiu a famosa escada de meios degraus, onde sempre se começava a subir com o pé direito. Voltou à Europa algumas vezes, passou a ter problemas de saúde cada vez mais sérios, internou-se na França e na Suíça.

Em 1932, a aviação comercial crescia e mostrava ao mundo todo que voar era possível, sim, e que, voando, o homem poderia ir cada vez mais longe, como fazemos agora. Mas Santos Dumont, mais uma vez, passa a ter problemas de depressão por saber que, na reação ao Movimento Constitucionalista, aviões estavam sendo usados por brasileiros para atacar outros brasileiros. A doença avança e tira-lhe as forças. Fala-se em esclerose múltipla, na verdade nunca confirmada.

            O sofrimento era grande. Num quarto de hotel no Guarujá, no litoral de São Paulo, ainda em 1932, comete o suicídio, enforcando-se com sua própria gravata. Foi uma comoção nacional.

Seu coração foi embalsamado e até hoje está exposto no Museu Aeroespacial do Rio de Janeiro - junto com outra de suas invenções que os cariocas particularmente mais apreciam: a asa delta.

E toda vez que a gente entrar num avião, seja para cruzar o Brasil, seja para atravessar o oceano, é bom lembrar que tudo isso começou com um sonho que só se tornou realidade pela persistência do sonhador.

Quero também registrar um cumprimento ao jornal O Estado de S. Paulo pela publicação, no último dia 23, do suplemento especial sobre Santos Dumont com os artigos de Daniel Piza, Guto Lacaz e outros. Requeiro, Sr. Presidente, a transcrição na íntegra do suplemento nos Anais da Casa.

Considero da maior relevância que mais e mais brasileiros, sobretudo os jovens, possam conhecer a extraordinária vida de Santos Dumont, a sua contribuição. Ele foi homenageado também por Marcos Pontes quando do vôo desse astronauta no início deste ano, que levou para o espaço alguns pertences de Santos Dumont.

Santos Dumont constitui um estímulo formidável a todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento da ciência por tanto ter acreditado que poderia atingir aquele sonho tão importante.

Quero fazer um registro sobre o artigo que Daniel Piza escreve sobre Santos Dumont, o principal texto nesse suplemento do jornal O Estado de S. Paulo, num trecho sobre os concorrentes americanos:

“O futuro estava mais próximo daquilo que dois inventores americanos, os irmãos Orville e Wilbur Wright, vinham fazendo em segredo desde 17 de dezembro de 1903. Nas cercanias de Kitty Hawk, Carolina do Norte, seu avião Flyer atingiu a distância de 258 metros em 59 segundos. Embora mais lento e menos divulgado do que seria o vôo do 14 bis três anos depois, e embora ajudado por um trilho, o invento dos Wright se revelou de um design mais eficiente, com meios de controle lateral que permitiam maior estabilidade aerodinâmica. Os americanos estavam mais interessados em patentear e lucrar com sua criação do que em registrar recordes. Tanto que já em 1909 venderam seus aviões para o Ministério da Guerra de seu país a US$25 mil cada um.

Santos-Dumont, que nesse período colecionava frustrações com seus inventos nº 15 a nº 19, não gostou do que viu no verão de 1908: o primeiro vôo público na Europa do Flyer, que ficou no ar por 2 horas e 18 minutos. Wilbur Wright, ainda que desprovido da sofisticação cosmopolita de Santos-Dumont, passou a ser o herói da vez: dominava a atenção da classe rica de Paris, era assunto em todos os jornais e até lançou a moda de usar boné. Santos-Dumont, em suas memórias, se queixaria da “ingratidão” daqueles que até pouco tempo antes o “cobriam de glória”. Mas não desistiu de inventar.

O sucesso do Demoiselle chamou de novo a atenção para “le petit Santos” - assim chamado por sua baixa estatura pelos franceses, que pronunciavam “Santô”. Em setembro de 1909, ele subiu em sua máquina e foi visitar um amigo em Buc, a oito quilômetros de Paris. Levou cinco minutos e meio, o que significa uma velocidade aproximada de 90 km/h - ao que consta, a maior já atingida até então por um humanóide em cruzeiro pelos ares. Alguns dias depois, voou para o castelo d’Aion, a 18 quilômetros, em 16 minutos; como se não bastasse, chegou a uma altitude de 196 metros - também recorde. Com autorização de Santos-Dumont, o avião passaria a ser fabricado por Clement-Bayard, produtor de carros; foram 300 unidades a US$1.250 cada.

Mas a retomada da glória pouco durou, dando lugar a tormentos que o perseguiriam até o fim da vida. Em janeiro de 1910, sofreu grave acidente com sua Demoiselle. Não se sabem os detalhes, apenas que faltou pouco para que morresse. Foi seu último vôo. Visões duplas e vertigens poderosas o impediram de seguir a carreira. Pouco tempo depois, ouviu do médico que tinha esclerose múltipla. Tampouco existe certeza de que essa era sua doença; de qualquer modo, o esgotamento psíquico era claro. Seu contato com o céu agora se resumiria a observá-lo pelo telescópio.”

Quero, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, prestar uma homenagem especial a Santos Dumont quanto à sua preocupação de que a sua invenção, que o seu espírito científico, aquilo que foi a sua maior contribuição, não fosse utilizada para fins bélicos. Uma das principais razões da sua tristeza, da sua depressão, foi a utilização do avião para a guerra, seja durante a Primeira Grande Guerra, seja quando, aqui, brasileiros usaram aviões para matar brasileiros; enfim, até hoje, ainda vivemos situações de guerra, simplesmente inadequadas.

Quero fazer um registro agora, Sr. Presidente, pois o Senador Heráclito Fortes acaba de dar uma notícia difícil para todos aqueles que admiramos o Prof. Fábio Comparato, que, durante reunião da OAB em Salvador, com juristas e advogados, teve um problema de saúde e está hospitalizado. Trata-se de uma isquemia, segundo me informou o Senador Heráclito Fortes. Quero aqui expressar o desejo de todos nós, Senadores, de pronto restabelecimento deste extraordinário jurista, Fábio Konder Comparato, que tem dado enorme contribuição à ciência jurídica, inclusive para projetos que muitos de nós temos debatido, discutido e apresentado. Eu próprio, juntamente com o Senador Pedro Simon e outros, apresentei projeto de lei no sentido de aperfeiçoar as iniciativas populares, o referendo, o plebiscito, à luz dos ensinamentos do Prof. Fábio Comparato, para estender ao povo brasileiro o direito de realizar referendos e plebiscitos. Da mesma forma, um projeto de lei para possibilitar que, em meio ao mandato, possa o povo fazer o chamado recall, confirmando ou não o mandato seja de um chefe do Executivo, seja de parlamentares, antes mesmo da conclusão do mandato, à luz da experiência de outros países.

Gostaria de registrar, Sr. Presidente, que há poucos dias o painel da Folha e o editorial da Folha de S.Paulo registrou uma preocupação com respeito a um projeto de reforma de autonomia da Polícia Federal, que o Senador Valmir Amaral apresentou, dizendo que contava com diversas assinaturas, como as da Senadora Ideli Salvatti, minha própria e outros. Quero aqui dizer que essa assinatura foi com o sentido de apoiar a iniciativa para que ela seja objeto de debate. Inclusive na justificativa apresentada pelo Senador Valmir Amaral está uma citação do Prof. Fábio Konder Comparato. Eu conversei com ele, porque ele tem objeções a essa proposição. Ele é a favor da criação de uma Polícia Judiciária; disse que, juntamente com a OAB e diversas organizações jurídicas, enviaria essa sugestão para que pudéssemos apresentá-la no Senado na forma de projeto de lei.

Espero que o Professor Fábio Konder Comparato, em breve, possa contribuir de maneira completa para essa nova iniciativa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2006 - Página 33034