Discurso durante a 183ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a distribuição dos profissionais da área de saúde nos municípios brasileiros.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre a distribuição dos profissionais da área de saúde nos municípios brasileiros.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2006 - Página 34332
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, MEDICO, PAIS, SUPERIORIDADE, CARENCIA, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO NORTE, REGISTRO, INSUCESSO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TENTATIVA, BENEFICIO, MUNICIPIOS, INSUFICIENCIA, SERVIDOR, SAUDE.
  • NECESSIDADE, CONSELHO FEDERAL, MEDICINA, ASSOCIAÇÃO MEDICA, DEBATE, IMPORTANCIA, REMANEJAMENTO, MEDICO, IGUALDADE, ATENDIMENTO, ESTADOS.
  • REGISTRO, DIFICULDADE, CRIAÇÃO, FACULDADE, MEDICINA, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, DISTRIBUIÇÃO, MEDICO, DESIGUALDADE REGIONAL, NECESSIDADE, MELHORIA, SALARIO, INTERIOR, IMPORTANCIA, OBEDIENCIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, FORNECIMENTO, ASSISTENCIA MEDICA, POPULAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje quero abordar um tema ligado à minha formação como médico.

Eu assisti, no sábado passado, a uma matéria na TV Globo sobre o número de médicos no País, na qual se falou, principalmente, da má distribuição dos médicos no Brasil. Há concentração desses profissionais nos grandes centros e ausência deles em alguns Municípios até dos grandes Estados. Em se tratando de Nordeste e Norte, a situação é ainda muito mais calamitosa.

Quando assumi meu mandato, em 1999, apresentei um projeto que objetivava criar um estímulo para que a pessoa formada na área de saúde, não apenas o médico, só pudesse inscrever-se nos respectivos conselhos após passar um ano - apenas um ano - fazendo uma espécie de estágio remunerado nos Municípios onde não estivesse contemplada a correlação de um profissional para mil habitantes, como recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

O projeto, lamentavelmente, não prosperou porque - e tenho que declarar isso - a própria categoria médica entende que isso é uma espécie de inconstitucionalidade, pois estaríamos obrigando alguém a exercer uma profissão onde, teoricamente, não quisesse. Não entendo assim, porque isso seria até um estímulo para que o aluno formado, por exemplo, em um grande centro como São Paulo, fizesse uma pós-graduação em outro canto do Brasil, passando um ano, por exemplo, em Rio Branco, no Acre, ou em Boa Vista, no meu Estado de Roraima, ou mesmo em um Município paulista carente. No fundo, o objetivo seria propiciar a esses Municípios a presença do profissional de saúde, incluído o médico, para que a população tivesse essa oportunidade.

Talvez, após ficar um ano naquele Município, o profissional decidisse ficar lá. Lembro-me do exemplo do Projeto Rondon no meu Estado. Muitos alunos da Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, foram fazer extensão universitária em Roraima e ficaram lá. Há inúmeros casos, tanto de médicos como de bioquímicos e odontólogos. Foi realmente um projeto que deu certo nesse particular.

O projeto a que me referi recebeu parecer contrário.

Outro projeto de minha autoria considera como residência médica o período de um ou dois anos que o aluno recém-formado ficasse em um desses Municípios, sob supervisão, evidentemente, de médicos que lá existissem. Nenhum dos projetos caminha.

Faço uma crítica construtiva ao Conselho Federal de Medicina e à Associação Médica Brasileira, que realmente precisam debater essa questão. É inadmissível que o Brasil tenha mais médicos que, teoricamente, o necessário. Este País tem mais médicos que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde. No entanto, esses médicos - repito -, até pelas condições de trabalho, remuneração, oportunidade de aperfeiçoamento e acompanhamento dos avanços da Medicina, preferem ficar nos grandes centros, mesmo ganhando menos.

O ex-Ministro da Saúde José Serra, copiando, mais ou menos, essa idéia, fez um projeto estabelecendo que quanto mais distante ficasse o Município, maior seria o salário pago ao profissional. Então, por exemplo, um médico que, dentro desse programa, fosse servir no Acre, em Roraima, ou em Rondônia ganharia em torno de R$7 mil, mas, mesmo assim, as vagas não foram preenchidas. Por quê? Eu me formei em Belém, voltei para Roraima, de onde eu sou natural, e tentei, depois, como Secretário de Saúde, levar colegas meus de turma para lá, mas eles diziam claramente que preferiam ganhar menos no asfalto a ganhar mais no mato. É preciso mudar essa realidade. Fala-se, por exemplo, em políticas para atender aos Estados que têm, digamos, mais necessidade, que são mais carentes, mas, na prática, essas coisas não são efetivadas. Temos de mudar alguma coisa. E precisamos debater e encontrar um caminho.

Essa obrigatoriedade não seria uma coisa absurda. Outros países, como a Austrália, já fizeram isso e deu certo.

Outras pessoas defendem que o profissional da saúde em vez de prestar o serviço militar obrigatório, preste - há vários títulos, mas seria o quê? - um serviço civil que equivaleria ao período do serviço militar obrigatório. Com isso, ele teria também o atestado, digamos assim, de reservista como se ele tivesse servido às Forças Armadas.

Nós temos de encontrar alternativas.

Eu me entusiasmei muito ao ver uma televisão, como a Globo, abordar esse tema e com muita propriedade.

Srª Presidente, pode ser que as autoridades, assim como as entidades da área de saúde - não só dos médicos - entendam que não é possível continuar essa concentração nos grandes centros. Há concentração de tudo: concentração do saber, concentração da excelência no serviço médico, concentração do poder político, concentração do poder econômico. Devemos começar exatamente por aquilo que entendo ser o mais importante, considerando-se o aspecto social que é justamente a saúde. É evidente que antes mesmo de cuidar da saúde - eu sempre digo isso - é preciso educar, porque se não educamos a pessoa sequer tem consciência de que precisa tomar certas medidas para ter saúde. Se não houver a presença de um profissional de saúde, principalmente o médico, pelo menos na correlação recomendada pela Organização Mundial da Saúde, a nossa Pátria será sempre um País desigual.

Vejo, por exemplo, em meu Estado, como em muitos outros deste Brasil, que a questão do tratamento fora de domicílio é alarmante. Não se tem, na maioria dos Estados, condições de tratar determinadas enfermidades. Então se sobrecarregam, por exemplo, centros como Brasília, São Paulo e Rio. Isso traz desequilíbrio na prestação adequada de serviços. Aí, vamos entrar na análise, por exemplo, do atendimento pelo SUS, que, na teoria, é um modelo muito bom, mas na prática é ineficiente para a população. Talvez a raiz de tudo isso esteja justamente na má distribuição dos médicos, na má remuneração dos serviços médicos. Porque o que se paga, por exemplo, a um médico numa consulta no SUS é realmente um absurdo. O médico, então, tem que fazer número de atendimentos para poder ter “x” de recursos.

Precisamos discutir muito esse tema. Espero que V. Exª, que é Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, possa colocar esse assunto em debate. Necessitamos encontrar um caminho para equilibrar essa questão.

Repito: não são somente os Estados do Norte ou do Nordeste têm esse problema; tenho certeza de que o Centro-Oeste também. Em São Paulo, por exemplo, participei de um debate com alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal, e os alunos eram completamente contra a idéia. Por quê? Porque ele achavam que era só porque a coisa era obrigatória. Mas se, de outra forma, não estamos conseguindo atingir o objetivo, temos que pensar nisso.

Se alguém estuda numa universidade pública - paga, portanto, pelo povo - e depois não pode dar um ano sequer da sua vida profissional para as comunidades mais carentes, é impensável que esse profissional da saúde tenha a profissão também como um sacerdócio.

Ouço, com muito prazer, o Senador Mão Santa, que, como médico e ex-Governador, conhece muito bem esse problema.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo, também caberia aqui o debate qualificado, porque o Presidente da República, em campanha, dizia que a saúde atinge a perfeição. Não! Ela está bem pior. Vou completar 40 anos de médico agora e quero dizer que está bem pior. Então, a minha geração de cirurgião-geral já quase não existe. Encontro com eles e nenhum mais opera. Senadora Lúcia Vânia, fazer um parto, fazer uma cirurgia de próstata é complicado. Fiz centenas! É trabalhoso: tem o pré, tem o pós, a idade avançada. É R$100,00. Por um parto, pagam R$100,00. Mas atentai bem, um parto leva um ano: tem o pré-natal, tem depois as complicações do puerpério. Uma consulta médica está R$2,50. Então, você teria que dar quanto para subsistir? Então, o que houve, na realidade, é uma falácia. Teoricamente é bom, mas ficaram defasados. No meu tempo, trabalhei em Santa Casa, existia até aquele Funrural, que a gente abdicava, ia direto para o hospital. Para o hospital ter um padrão bom, nós não cobrávamos. Tinha uma renda fixa. O Funrural foi um avanço, um avanço no regime ditatorial. Então, nós abdicávamos. E essas Santas Casas quase todas funcionavam assim: ganhavam um valor “x” e era direto para o hospital, e os médicos abdicavam para melhorar o padrão, porque por lá eles podiam ganhar nas tabelas do INPS, que eram boas, que eram satisfatórias. O que há no Brasil é o seguinte - temos que entender. Ninguém entende mais do que eu, porque convivi com o médico que criou o Programa de Saúde de Família. Vi o primeiro livro, ele me mostrou quando eu era Governador do Piauí, no único hospital de Havana. Era impresso, mimeografado, tal a pobreza. Mas esse padrão trouxe um benefício: é direto com as prefeituras. Então, médicos de alta resolutividade, por necessidade, estão se encaminhando a atender o PSF. Esse PSF já existiu, por exemplo, na Inglaterra. E se constatou que acabou com a especialização, porque o PSF convoca médico geral, o antigo clínico geral, os pediatras. A pediatria caiu na Inglaterra. O que está havendo é que chegou o caos. A única coisa séria que tem hoje na estrutura é o médico residente sobrecarregado, porque era sério, eram instituições sérias. Fiz residência, há quarenta anos, no HSE. Era como uma religião a gente ser médico residente. O professor catedrático era um pai, o outro era um irmão, era um companheiro, tinha a responsabilidade do aprendizado. Então, esses médicos residentes que estavam sustentando as unidades hospitalares que têm resolutividade estão em pânico, porque não têm compromisso. Eles se entregavam não pelo retorno salarial, porque eles têm uma carga de trabalho enorme, mas pelo compromisso do saber, da qualificação. E hoje os hospitais não têm mais isso. Todos os hospitais estão decadentes. O SUS é uma ilusão, não existe. Tenho testemunho de colegas meus urologistas: “Não, não opero mais, passei para o PSF”. Por quê? “É mais tranqüilo e tem um ganho correto”. Então, está acabando a resolutividade. Esses que estão na fila... São uns exames especializados que vão marcar para 2008, para 2007. A melhora da saúde é na mídia, que garantiu essa fantasiosa vitória do PT. A saúde está em caos e redunda, hoje, numa greve muito forte, que é a do médico residente, único, vamos dizer, que consolidava uma Medicina séria, científica e, vamos dizer, de dedicação ao saber. Só pode servir bem dando uma formação profissional.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa.

O tema que V. Exª abordou no seu pronunciamento, o qual acompanhei a caminho do Senado, que é a greve dos médicos residentes, é mais um ponto que mostra que realmente o ensino médico precisa ser reformulado e desconcentrado dos grandes centros.

Quando criamos a Universidade Federal de Roraima, projeto de minha autoria, começamos a trabalhar em seguida na instalação de um curso de Medicina. Fizemos um trabalho difícil perante o Conselho Nacional de Saúde, porque havia a pregação de que não se podia mais criar cursos de Medicina no Brasil. Ora, porque há muito curso de Medicina em São Paulo ou porque há muito curso de Medicina no Rio de Janeiro ou em Minas, o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste vão pagar o pato? Não se cria mais curso de Medicina? Se há muito em São Paulo, vamos, então, deslocar alguns para lugares onde há necessidade realmente de ter esses cursos.

Hoje, Roraima já formou várias turmas. O pessoal que se forma lá tem tido êxito nos concursos que presta para residência, para pós-graduação. E, lá no Acre, agora começou o curso de Medicina também. Mas antes, na Amazônia toda, só tínhamos curso em Belém, onde me formei, e, muitos anos depois, em Manaus. Então, era só em Belém e em Manaus. Veja como a própria distribuição da formação do médico está concentrada em dois ou três Estados!

Precisamos rediscutir a formação do profissional e a distribuição do profissional. Se não houver uma medida que não só obrigue o profissional a ir, mas também o remunere de maneira razoável, como é o caso do projeto Saúde na Família, não há como realmente pensar que nós vamos melhorar a saúde. Se os profissionais, incluindo aí o médico, o enfermeiro, o odontólogo, o bioquímico, não tiverem essa condição, não há realmente como pensar que a questão da saúde vai melhorar.

Nós estivemos, no dia de hoje, vendo nos jornais o quê? Que o Incor, um centro de referência nacional, está passando por uma dificuldade financeira horrível. Independentemente do fato de se analisar se isso foi uma questão de gestão ou não, o certo é que 80% dos atendimentos do Incor são pagos pelo SUS e só 20% por convênios e atendimentos particulares. Esses 20%, na verdade, mantêm a estrutura - equipamentos e profissionais de qualidade - que há no Incor. Ora, se um centro como esse, que é uma referência nacional, está passando por essa dificuldade, imagine, Senador Mão Santa, como estão as outras instituições de prestação de serviços da saúde no Brasil!

Portanto, gostaria de deixar isso aqui registrado - por coincidência está na Presidência desta sessão a Presidente da Comissão de Assuntos Sociais -, para que nós possamos efetivamente discutir esse tema. Eu tenho esses dois projetos e sei que há outros tramitando. Quem sabe podemos encontrar, junto com o Conselho Federal de Medicina e com a Associação Médica Brasileira, um caminho para sair desta mesmice, pois até mesmo quem se forma, por exemplo, em Manaus e Belém termina indo para São Paulo. Faz residência e fica lá. Não volta sequer para seu Estado de origem.

É preciso, efetivamente, que o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação repensem essa questão e que nós aqui também discutamos, pois o Poder Legislativo não pode ficar a reboque das decisões do Poder Executivo. Mas que discutamos, até de maneira conjunta, uma saída para que todo brasileiro, efetivamente, como manda a Constituição, tenha direito à assistência médica, à saúde e o Estado cumpra o seu dever, como está na Constituição, de propiciar esse tipo de atendimento.

Esta questão é, com certeza, fundamental: a presença do profissional em todos os Municípios do Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2006 - Página 34332