Discurso durante a 184ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, da autoria da jornalista Marta Salomon, intitulada "ONGs ineptas recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • Comentários sobre matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, da autoria da jornalista Marta Salomon, intitulada "ONGs ineptas recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU".
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2006 - Página 34391
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMENTARIO, SUSPEIÇÃO, IRREGULARIDADE, REPASSE, VERBA, GOVERNO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • REGISTRO, ABERTURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INICIATIVA, ORADOR, INVESTIGAÇÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, COMPROVAÇÃO, DESVIO, ENTIDADE, RECURSOS, DESTINAÇÃO, SAUDE, COMUNIDADE INDIGENA.
  • REGISTRO, FISCALIZAÇÃO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), UTILIZAÇÃO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, APREENSÃO, REVISÃO, LEGISLAÇÃO, FACILITAÇÃO, CONVENIO, ENTIDADE, PODER PUBLICO.
  • COBRANÇA, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, CONTROLE, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, ENDEREÇAMENTO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o jornal Folha de S.Paulo, de ontem, dia 12, publicou uma reportagem de autoria da jornalista Marta Salomon, cujo título é: “ONGs ‘ineptas’ recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU. Entre 1999 e 2005, dez entidades” - apenas dez entidades! - “receberam R$150,7 milhões do governo federal”.

Sr. Presidente, este é um tema em que tenho batido aqui desde que assumi meu mandato. Consegui, inclusive, criar uma CPI a fim de apurar a atividade das ONGs, especialmente na Amazônia. Sempre disse que temos que separar o joio do trigo. E, no meu entender, as instituições que mais deveriam ter interesse nessa separação são exatamente as ONGs, as ONGs sérias, pois sob a denominação de ONGs - organizações não-governamentais - se abriga uma quantidade enorme de associações, sob os mais diversos títulos, que, no fundo, são verdadeiras arapucas destinadas a tomar dinheiro público - dinheiro governamental, dinheiro do povo, portanto - para “atuar” em áreas em que, teoricamente, o Estado é ineficiente ou é omisso. Elas se especializam, por exemplo, na área de saúde, de educação, de assistência à infância, de assistência ao idoso, de defesa do meio ambiente, das minorias etc. Aliás, sob esse rótulo, existem os mais diversos e possíveis tipos de organizações.

Tive muita dificuldade para colocar em funcionamento uma CPI que dizia respeito às ONGs. De uma maneira muito interessante, não houve uma notícia na imprensa sobre essa CPI, o que, na verdade, foi até bom, porque não estávamos em busca de holofotes ou de aparecer na mídia. O que me preocupava como amazônida, e me preocupa ainda hoje, é a predominância dessas instituições, muitas financiadas pelo próprio Governo, cuja finalidade é trabalhar contra as populações locais e contra as minorias, que muitas dizem estar em defesa.

Basta dizer que na nossa CPI duas das instituições investigadas realmente cometiam irregularidades com o dinheiro público; eram duas entidades ditas constituídas por indígenas para cuidar da saúde indígena principalmente, a Cunpir e a Paca, lá no Estado de Rondônia; identificamos desvio de recurso público e má aplicação de recurso público. Depois, o próprio Ministério da Saúde chegou à conclusão, por meio de auditoria, que realmente essas duas instituições não só roubaram mesmo o recurso, como os seus dirigentes, simplesmente, ainda estão impunes até hoje. Felizmente o Procurador do Tribunal de Contas da União tem realmente se preocupado com isso. À época enviamos, como era da obrigação da CPI, as nossas conclusões ao Ministério Público, à Receita Federal, à Polícia Federal e ao Tribunal de Contas da União.

            Hoje está aqui, e vou ler só uma parte, Sr. Presidente, sobre essa questão:

Entidade obteve R$ 33,85 milhões antes de ser desativada

“Este telefone está programado para temporariamente não receber chamadas”. Ouviu esse recado quem ligou na sexta-feira para a ONG Urihi-Saúde Yanomami, uma das entidades auditadas pelo Tribunal de Contas União.

A fiscalização aponta que a entidade foi criada em 1999 em Boa Vista (RR) [capital do Estado de Roraima que tenho a honra aqui de representar] exclusivamente para celebrar convênios com a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) a partir da associação de seis pessoas e cuja sede era a própria casa de seus dirigentes.

Até 2002, recebeu R$33,85 milhões para prestar assistência à saúde dos índios ianomâmis. O primeiro convênio, de R$8,77 milhões, foi firmado só três meses após sua fundação, sem apresentação de certidão de regularidade fiscal nem documentos comprovando a capacidade jurídica, descumprindo a legislação. Em documento de 2005, a própria ONG admite ter sido montada para receber recursos do Governo Federal.

“A Urihi decidiu não firmar novo convênio. A partir daí, a estrutura administrativa dessa ONG, montada especificamente para apoiar a execução de convênios com a Funasa, foi desativada”, relata o Tribunal de Contas da União.

Outro caso destacado é o da Cunpir (Coordenação da União dos Povos e Nações Indígenas de Rondônia) que também abrangeu o Norte do Mato Grosso e Sul da Amazonas, que se configura com caráter cultural, mas fez convênios com a Funasa [vejam bem, que se configura com caráter cultural, mas fez convênios com a Funasa] no valor total de R$11,39 milhões, para prestar assistência médica ao índios. A Folha tentou falar com representantes da Cunpir, mas os números de telefones sequer estão ligados.

Já a APNE, Associação Plantas do Nordeste, que firmou três convênios com o Governo Federal no valor de R$8,84 milhões, é citada como “mera intermediadora de gerenciamento de recursos”. A fiscalização diz que a ONG não tem sede própria e funciona em salas cedidas por empresa pública do Estado de Pernambuco. O diretor da APNE, Franz Pareyn, diz que a entidade tem um acordo de colaboração com a empresa desde 1994, quando foi criada.

Pareyn rebate as críticas dizendo que há doze anos a ONG tem trabalhos com o Governo Federal e que em momento algum teve a sua capacidade questionada.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, na verdade, o que estamos vendo agora é que finalmente o Tribunal de Contas da União tem efetivamente buscado fiscalizar essas organizações não-governamentais que - olhem o nome: não-governamentais - vivem basicamente à custa de recursos governamentais e que, diferentemente de uma prefeiturazinha de interior, não tem que se submeter a nenhum procedimento para receber recursos públicos, principalmente recursos federais.

O que me preocupa muito, Sr. Presidente, é que li também nos jornais desta semana que o Governo Federal pretende estabelecer novo marco regulatório para as chamadas ONGs. Destaco um trecho da matéria que peço a V. Exª faça constar como parte integrante do meu pronunciamento:

“(...) o Governo planeja rever todos os projetos de lei que estão no Congresso sobre o assunto”.

Quer dizer, o Governo vai rever os projetos de lei, inclusive os oriundos da própria CPI das ONGs para quê?

De acordo com o Ministro Luiz Dulci, o cronograma das discussões deverá permitir que até o fim desse ano existam propostas. A modernização do marco deve trazer transparência e reduzir a burocracia de convênios e parcerias, pois, segundo o Ministro, as entidades enfrentam muitos obstáculos para fazer convênios e receber apoio financeiro.

Ora, Sr. Presidente, eu fico extremamente preocupado. O Tribunal de Contas da União detecta essa situação, corroborando o que nós vimos na CPI das ONGs, que presidi.

Agora, o Governo achando pouco todas essas denúncias, pensa em fazer uma legislação ainda mais flexível, que elimine qualquer procedimento ou exigência para que essas instituições possam firmar convênios com o Poder Público, diga-se, com o dinheiro público.

Não posso compreender. Estou atento a essa questão porque o projeto principal, resultante dessa CPI das ONGs, presidida por mim, que terminou em 2002 - estamos terminando 2006 -, foi aprovado aqui no Senado e está na Câmara, parado. Pelo que sei, parado por pressão dessas instituições.

Deveríamos até mesmo cobrar da Relatora desse projeto na Câmara; o projeto já foi aprovado no Senado e estabelece justamente esses mecanismos de controle. Uma coisa é realmente uma ONG séria, que se propõe claramente a prestar um serviço e que tem apoio. E deve ter, sim, apoio do Poder Público, mas tem que estar submetida às mesmas normas como qualquer ente público. Senão seria muito fácil: nos juntaríamos, como no caso dessa ONG de Roraima, seis pessoas, faríamos uma ONG, nem sequer a registraríamos, mas receberíamos recursos da ordem de R$38 milhões. Isso realmente não pode passar despercebido. Isso não pode permanecer assim.

Espero levar essa questão para a Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, porque não podemos fazer vista grossa para isso. Trata-se de um roubo, não há outra palavra. E vamos deixar que isso aconteça? Que vá para debaixo do tapete coisas dessa ordem que o próprio Procurador junto ao Tribunal de Contas da União denuncia?

Aqui não se trata de viés ideológico; trata-se de saber por que e para que recebem recursos essas instituições, se aplicam o dinheiro corretamente e se efetivamente estão cumprindo o dito papel social que elas deveriam desempenhar.

No caso dessas duas de Rondônia, ficou provado que os seus dirigentes colocaram o dinheiro no bolso. Quanto a essa de Roraima, eu conheço a história. Não sei sequer se eram seis pessoas que compunham a ONG, sei bem que eram dois ou três. Agora, depois que a Funasa assumiu o controle - diga-se de passagem que a Funasa em Roraima é um caso que precisa ser investigado pela Presidência da Funasa, pelo Ministério da Saúde, pela CGU e pelo Tribunal de Contas da União, porque as denúncias e informações que temos são as piores possíveis. A Funasa, também nesse caso, é tão ruim quanto essa ONG que recebia dinheiro da Funasa para prestar assistência aos índios. Espero que aqui não se venha falar, por exemplo, como se fala, que precisamos cuidar dos índios e que isso significa demarcar terra. Como médico, entendo que cuidar dos índios é cuidar do ser humano, do índio. Mas o que se está fazendo é brincadeira com o nome do índio, enquanto meia dúzia de pessoas se enriquecem.

Sr. Presidente, deixo aqui este meu registro. Estou encaminhando ainda hoje requerimento de informações ao Sr. Ministro da Saúde, ao Presidente da Funasa e também ao Tribunal de Contas da União para que se esclareça a questão dessa ONG de Roraima e também da atuação da Funasa.

Ouço o Senador Mão Santa com muito prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo, eu apenas gostaria de dar o meu testemunho de que V. Exª foi o primeiro que alertou, nesta Casa, sobre a necessidade de legislação especial para o controle dessas ONGs.

Isso é ululante, é dos princípios administrativos. Quando começou a administração, Henri Fayol, na França, ele disse: “Planejar, ensinar, orientar, coordenar e fazer o controle”. São incontroláveis. Ninguém controla. As câmaras de vereadores não têm poder, nem as assembléias, nem o Congresso Nacional. Elas estão soltas. Todo mundo sabe disso. E V. Exª, ao longo desses anos que convivemos, sempre alertou para o que estava acontecendo, até que tudo se tornou público. Mais da metade é picaretagem. Entendo que foi muito feliz o Senador Heráclito Fortes, do Piauí, ao pedir a CPI das ONGs. Temos que separar o joio do trigo, porque algumas ONGs são boas - nós sabemos disso - e outras não. Está comprovado: os números refletem a verdade, os números não mentem. Eu jamais poderia dizer que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ganhou as eleições. Os números dizem que ele ganhou, e ganhou. A mesma coisa são os números relativos às ONGs. Eles mostram que precisamos ter uma atenção especial. Temos que entender isto: primeiro surge o fato e depois vem a lei. Não havia uma lei que controlasse - e está aí o fato da corrupção, mostrado hoje na imprensa, segundo o qual mais da metade das ONGs não têm o comportamento desejado. Então, V. Exª tem nosso apoio e nossa solidariedade. Reconhecemos que bastaria essa bandeira que V. Exª levantou para eternizar o passo rumo à austeridade, às virtudes e à honestidade necessárias neste País. Temos de afastar as expressões: “eu não sei”, “eu não tinha conhecimento”, “eu não sabia”, “o amigo não”. Temos de buscar a verdade, e a verdade está com Ulysses Guimarães, que disse: “O cupim que destrói a democracia é a corrupção”. Nunca antes houve tanta corrupção neste País como hoje.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa.

Gostaria também, Sr. Presidente, de ressaltar uma parte da conclusão do Tribunal de Contas da União, segundo a qual a relação entre o Estado - portanto, entenda-se, entre Governo Federal principalmente - e as ONGs é pautada pela quase absoluta falta de controle, com conseqüente perda aos cofres públicos e à população.

Então, é muito importante que este caso esteja hoje sendo analisado por um órgão isento, como é o caso do Tribunal de Contas da União, e que a imprensa esteja efetivamente dando publicidade a isso.

Requeiro a V. Exª que faça parte do meu pronunciamento as seguintes matérias divulgadas: “ONGs terão marco regulatório”; “Dulci quer rever relações sobre ONGs”; “Organizações (não) governamentais?”, artigo de autoria do Dr. Aldo Pereira; “ONGs ‘ineptas’ recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU”, matéria publicada na Folha de S.Paulo.

Finalmente, é importante que se diga aqui, Senador Mão Santa, “Auditoria sobre ONGs deve ampliar a pressão por CPI”.

Nesse caso, pela segunda CPI sobre as ONGs, porque a primeira CPI foi concluída e tomou as providências que em seu âmbito podia tomar. Espero que se possa desdobrar o assunto e aprofundar na apreciação dele.

Recentemente assisti a um documentário com o título: “Quanto vale ou é por quilo?”, feito por um cineasta brasileiro, que enfoca muito bem o grande número de ONGs; segundo o TCU, a maioria delas, 54%.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“ONGs terão marco regulatório;”

“Dulci quer rever legislação sobre ONGs;”

“Organizações (não) governamentais?

“ONGs ‘ineptas’ recebem 54% dos repasses ao setor, diz TCU;”

“Auditoria sobre ONGs deve ampliar a pressão por CPI.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2006 - Página 34391