Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a política econômica e o crescimento da economia no atual governo.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. HOMENAGEM.:
  • Reflexões sobre a política econômica e o crescimento da economia no atual governo.
Aparteantes
Marcelo Crivella, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2006 - Página 34563
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, EX-CHEFE, RECEITA FEDERAL, TRIBUNA, SENADO.
  • DEFESA, ISENÇÃO, CONDUTA, PRESIDENTE, EMPRESA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO S/A (RADIOBRAS), MOTIVO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESPECULAÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), REIVINDICAÇÃO, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, ATUAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, OBJETIVO, ATENDIMENTO, INTERESSE, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA.
  • COMENTARIO, POLEMICA, REFERENCIA, ESCOLHA, DIRETRIZ, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL.
  • ANALISE, CONJUNTURA ECONOMICA, BRASIL, MUNDO, FAVORECIMENTO, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, CONTINUAÇÃO, CONTROLE, INFLAÇÃO, APROVEITAMENTO, CAPACIDADE, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, AUMENTO, TAXAS, INVESTIMENTO, AMPLIAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, EQUIDADE, BALANÇA COMERCIAL, SUPERAVIT, SETOR PRIMARIO, REDUÇÃO, DEFICIT, SETOR PUBLICO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • NECESSIDADE, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, CARGA, TRIBUTAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, FOLHA DE PAGAMENTO, EMPRESA, RECUPERAÇÃO, INVESTIMENTO, SETOR PUBLICO, RACIONALIZAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, TRANSFERENCIA, RENDA, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, INCENTIVO FISCAL, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, AMPLIAÇÃO, OFERTA, EMPRESTIMO, BANCO OFICIAL, FLEXIBILIDADE, POLITICA MONETARIA, POLITICA CAMBIAL.
  • CONGRATULAÇÕES, ATLETA PROFISSIONAL, DISTRITO FEDERAL (DF), VITORIA, COMPETIÇÃO ESPORTIVA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, quero registrar que, na Tribuna de Honra, temos a presença do ex-Secretário da Receita Federal, Ozires Lopes Silva, que tanto tem contribuído com conhecimento, experiência e sugestões aqui no Senado em tantas ocasiões em que temos estudado assuntos sobre política tributária fiscal, sobretudo na Comissão de Assuntos Econômicos. A sua contribuição tem sido sempre muito importante.

Srª Presidenta, hoje o meu tema será política econômica, o crescimento da economia, tal como inúmeros Senadores tiveram a oportunidade de fazê-lo. Ainda há pouco, os Senadores César Borges, Mão Santa, Romeu Tuma manifestaram-se, e o Senador Rodolpho Tourinho vai tocar no assunto. Ainda na semana passada, o Senador Aloizio Mercadante fez um discurso a respeito e deu uma contribuição importante, aparteado por inúmeros Senadores, inclusive os Senadores Crivella e Romero Jucá.

Quero hoje reiterar a minha disposição de estar sempre cooperando com o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, normalmente expressando a defesa dos princípios e anseios maiores que foram defendidos pelo PT desde o início de nossa história, bem como os que levaram o povo brasileiro a, novamente, eleger o Presidente Lula para mais um mandato.

Tenho por norma desde que ingressei na vida política não fazer indicações de nomes para o Poder Executivo. Quando perguntado a respeito sobre as pessoas que conheço, tenho dado o meu testemunho sobre a sua qualificação. Em nenhum momento, entretanto, aqui me posicionei sobre qualquer votação em função de quem quer que fosse designado para tal ou qual função, assim como também não avalio como certo que qualquer congressista se posicione nas votações em função da liberação ou não de recursos para as suas emendas ou para suas indicações. Minha recomendação ao Presidente é que sempre diga aos Deputados e Senadores que votem e se posicionem no Parlamento em função do que considerem o melhor para a Nação e para o interesse maior do povo brasileiro.

Estranho notícia hoje divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo segundo a qual setores do PT gostariam que houvesse mudanças na Radiobrás para torná-la instrumento mais dócil aos interesses do Governo. A notícia não identifica que pessoas do PT estariam exercendo essa pressão. Quero, entretanto, afirmar que considero positiva a diretriz até agora levada adiante pelo Presidente da Radiobrás, que procurou fazer desta, que é uma das principais senão a mais importante empresa de comunicação oficial, um órgão isento e imparcial com o intuito, sobretudo, de levar a melhor informação, a mais completa possível sobre os atos do Governo e o que se passa no Brasil.

Na última campanha eleitoral o Presidente Eugênio Bucci, da Radiobrás, teve a preocupação de transmitir ao Presidente do Tribunal Superior Eleitoral o seu objetivo de sempre noticiar os fatos mais importantes da disputa eleitoral com a maior isenção. Certamente, o Presidente Eugênio Bucci assim agiu seguindo a diretriz do Presidente Lula, com a compreensão correta de que as instituições públicas como as escolas, os hospitais, o IBGE e a própria Radiobrás devem ser administradas com espírito público, não se tornando aparelhos de quaisquer interesses político-partidários.

Essa também é a posição da Líder Ideli Salvatti, a quem mostrei este meu pronunciamento.

Quero aqui expressar a minha solidariedade ao Presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci.

Dentro desse espírito de colaboração, passo agora ao tema central de meu pronunciamento, pois quero refletir sobre a política econômica.

            Acirra-se no País e dentro do próprio Governo Federal o debate sobre os rumos que devem tomar as políticas macroeconômicas - a política fiscal, a monetária, a cambial, as reformas estruturais - no segundo mandato do Presidente Lula. Os participantes nessa discussão se dividem, grosso modo, em dois grandes campos: os “desenvolvimentistas”, que se filiam de alguma maneira à tradição estruturalista-cepalina, com raízes na obra de Raúl Prebisch e Celso Furtado, e o campo “ortodoxo”, mais ligado ao pensamento monetarista e à preocupação com a estabilidade monetária e o ajustamento fiscal. Há muitas variações dentro desses dois grandes campos, mas a polarização básica é essa.

A dúvida crucial é: o que fazer para colocar a economia brasileira numa trajetória de crescimento mais expressivo, de pelo menos mais 5% ao ano? Que aspectos devem ser considerados prioritariamente? Ninguém se conformará com a continuação do quadro dos últimos dez ou doze anos, período em que o Brasil tem crescido cerca de 2% a 3% ao ano, menos do que o da economia mundial em seu conjunto e muito menos do que quase todos os países emergentes como a China, a Índia, a Rússia, a Argentina e tantos outros.

De que instrumentos dispõe o Brasil para superar a estagnação e voltar a um ritmo adequado de expansão dos níveis de atividade e de emprego? É possível adotar uma política mais ativa de crescimento ou cabe ao Governo simplesmente garantir a estabilidade da moeda e a responsabilidade fiscal e aguardar que os agentes privados respondam positivamente a esse esforço, aumentando o investimento e ampliando a capacidade produtiva?

Registre-se, em primeiro lugar, que as condições são propícias para a retomada do desenvolvimento brasileiro - tanto as condições domésticas quanto as condições internacionais. A bonança externa que prevaleceu de 2003 a 2006 ainda não deu sinais de esgotamento. Persistem preocupações quanto aos desequilíbrios da economia mundial, em particular da economia dos Estados Unidos. Mas a maior parte das avaliações é de que esses desequilíbrios não desembocarão em grave deterioração do ambiente econômico mundial. O futuro é sempre incerto. Mas o fato é que, por enquanto, não há indicações fortes de mudança para pior das variáveis comerciais e financeiras relevantes para o Brasil. A economia mundial continua em expansão, os preços médios das exportações brasileiras e os termos de troca do País continuam favoráveis, as taxas de juros internacionais subiram, mas não de forma acentuada, e as condições de liquidez internacional e a oferta de capitais para países como o Brasil mostram-se auspiciosas.

As condições econômicas internas também favorecem a aceleração do crescimento a partir de 2007. Em primeiro lugar, a inflação está sob controle. As projeções apontam para uma variação do IPCA, que serve de referência para o Banco Central, de apenas 3% ao ano, em 2006. A inflação ficará, portanto, bem abaixo do centro da meta oficial, que é de 4,5%, e mais próxima do piso da meta, que é de 2,5%. As projeções para 2007 indicam algo em torno de 4%. A inflação brasileira é hoje nitidamente inferior à média da inflação das economias emergentes e deve situar-se abaixo da taxa de inflação dos Estados Unidos em 2006.

Recorde-se, também, que, para efeitos práticos, os principais bancos centrais do mundo consideram uma inflação anual de aproximadamente 2% nos índices de preços ao consumidor como o equivalente à estabilidade monetária. Estamos, portanto, operando com um nível de inflação já muito próximo daquilo que o Federal Reserve, o Banco Central Europeu e o Banco Central do Japão consideram preços estáveis para fins da condução da política de juros.

Outra circunstância favorável: a economia brasileira opera com margem de capacidade produtiva ociosa. Para a indústria, os dados disponíveis indicam uma ociosidade média da ordem de 20%. Especialistas em economia industrial, como o professor Antônio Barros de Castro, atualmente Diretor do BNDES, sempre ressaltam que essas estatísticas podem ser enganosas, pois tendem a subestimar a efetiva capacidade de produção da indústria. Com pequenos ajustes do processo produtivo (por exemplo, o aumento do número de horas trabalhadas, do número de turnos de produção, investimentos marginais), as empresas conseguem, quando instigadas por uma pressão de demanda, ampliar os níveis de produção corrente para além dos limites sugeridos pelos dados de capacidade instalada.

Alguns analistas apontam o reduzido nível da taxa agregada de investimento, a chamada formação bruta de capital fixo, como obstáculo à retomada do desenvolvimento no Brasil. É verdade que a taxa de investimento precisa aumentar para que o crescimento possa ser sustentado a longo prazo. Mas, no curto e no médio prazo, o crescimento pode apoiar-se, em larga medida, no maior aproveitamento da capacidade produtiva já instalada. Aliás, dificilmente ocorrerá um processo intenso de investimentos enquanto houver margens elevadas de capacidade ociosa nas empresas. Antes de investir, de ampliar suas plantas, de comprar máquinas e equipamentos, de instalar novas unidades produtivas, as empresas vão querer observar maior utilização do potencial produtivo de que já dispõem.

No mercado de trabalho, o quadro geral também é de capacidade produtiva não aproveitada ou mal aproveitada. Nos anos recentes, intensificou-se a criação de empregos, inclusive com carteira assinada, mas as taxas de desemprego e subemprego continuam, conforme V. Exª tem assinalado, Senador Marcelo Crivella, muito elevadas no Brasil. É o que mostram os levantamentos mensais do IBGE e da Fundação Seade Dieese, por exemplo. Existe, inegavelmente, expressiva oferta potencial de trabalho que poderia ser mobilizada se a economia conseguisse escapar da estagnação.

No passado, e muito particularmente nos anos 90, os desequilíbrios de balanço de pagamentos constituíram uma restrição poderosa à sustentação de taxas elevadas de expansão da produção no Brasil. Quantas recuperações não foram abortadas por crises cambiais e dificuldades graves de balanço de pagamentos? O quadro atual é muito diferente sob esse aspecto. As contas externas brasileiras apresentam-se bastante fortes, em parte por causa do quadro mundial favorável, em parte, também, porque o baixo crescimento mantém desaquecida a demanda por importações e contribui para gerar excedentes exportáveis.

Mas, mesmo que a economia crescesse mais, não haveria no horizonte visível grandes ameaças de desequilíbrio do balanço de pagamentos. O superávit comercial ultrapassou US$46 bilhões nos últimos doze meses, até outubro último. Como a razão exportações/importações é muito alta, a taxa de crescimento das importações tem de superar por larga margem a das exportações, para que o saldo comercial se reduza de forma expressiva. Em 2006, o balanço de pagamento em conta corrente será superavitário pelo quarto ano consecutivo. As reservas internacionais do País subiram consideravelmente para quase US$80 bilhões, segundo a última informação do Banco Central.

As contas fiscais não estão tão fortes, mas também não apresentam dificuldades insuperáveis. Não há crise fiscal, ou seja, uma situação que exija medidas de emergência ou “choques fiscais”. O superávit primário continua ligeiramente acima de 4,25% do PIB. O déficit nominal do setor público, no seu conjunto, anda por volta de 3,5% do Produto Interno Bruto, nada de excepcional para padrões internacionais e nada que não possa ser financiado, tudo indica, com razoável tranqüilidade. O Governo terá, provavelmente, que tomar providências no curto prazo, para conter a ampliação de despesas e apertar a política fiscal, mas nada que comprometa as possibilidades de crescimento da economia em seu conjunto.

Em resumo, tanto as condições do Brasil como as condições internacionais afiguram-se favoráveis para que o País consiga, finalmente, registrar um ritmo de expansão mais acelerado. A questão é: como efetivar essas condições favoráveis? Como convertê-las no crescimento que todos desejamos ver acontecer em nosso País, Senador Rodolpho Tourinho?

Evidentemente, essa questão não admite respostas simples e tem sido objeto de intensa controvérsia. De qualquer maneira, gostaria de colocar em discussão algumas diretrizes considerando os principais instrumentos de política econômica. Não sou dos que rejeitam a possibilidade de uma política ativista do Estado diretamente voltada para a promoção do crescimento. Creio que a experiência brasileira internacional mostra que o crescimento não vem por geração espontânea, Senadora Heloísa Helena. O Estado não pode se limitar a garantir a estabilidade monetária e fiscal e esperar, de braços cruzados, que o setor privado lidere o processo de desenvolvimento.

No que diz respeito primeiramente à política fiscal, ou seja, a política de gastos e a política tributária, parece claro que existe um enorme campo para aumentar a racionalidade e a qualidade das despesas e dos tributos no Brasil. A carga tributária brasileira, definida como o total de tributos sobre o PIB, cresceu demais desde o início dos anos 90. Apesar disso, o investimento público, inclusive em áreas prioritárias, tem ficado sempre muito aquém do necessário. A infra-estrutura de transporte talvez seja o exemplo mais gritante. O problema é que os gastos correntes, financeiros e não-financeiros, cresceram rapidamente desde o Governo Fernando Henrique Cardoso até hoje; os financeiros impulsionados pela política de juros do Banco Central, os não-financeiros, em parte, para atender objetivos de distribuição de renda e combate à pobreza. Ora, ninguém deseja cortar despesas correntes não-financeiras prioritárias como as relacionadas com a saúde, com a educação, com o Programa Bolsa-Família, por exemplo. Mas um exame cuidadoso e aprofundado das despesas do Governo certamente identificará desperdícios, sobreposição de programas e gastos de baixa prioridade em boa parte da administração pública.

A redução dessas despesas correntes não-financeiras contribuiria para abrir espaço para diminuir a carga tributária e recuperar o investimento do setor público. É possível caminhar na direção de uma integração maior e racionalização dos programas de transferência de renda, num passo adicional ao que se fez em outubro de 2003, quando o Programa Bolsa-Família unificou o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação, o Auxílio-Gás e o Cartão-Alimentação. Estudos sobre o Sistema Previdenciário, os Benefícios de Prestação Continuada, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que já começa a ser integrado com o Bolsa-Família, indicam que maior racionalidade pode ser alcançada nessa área. É importante estudar como o melhor desenho de transferência de renda, incluindo a perspectiva de chegarmos à Renda Básica de Cidadania, estará interagindo com a definição do valor do salário mínimo em seus efeitos sobre os objetivos de erradicação da pobreza absoluta, aumento das oportunidades de emprego, competitividade da economia e melhoria da distribuição da renda. Porém, o maior desperdício talvez seja o excesso de despesa de juros provocado pela política monetária, ponto ao qual voltarei mais adiante.

No campo da tributação, especialidade do Dr. Osires, há muito a fazer. Por exemplo: cabe reduzir a tributação sobre a folha de pagamentos, de forma a estimular a formalização das relações de trabalho e a contratação de trabalhadores com carteira assinada. Isso significa substituir, pelo menos em parte, os tributos incidentes sobre a folha pelos tributos incidentes sobre o faturamento ou, preferencialmente, sobre o valor adicionado. Quero lembrar que, no debate final da Rede Globo entre os candidatos Geraldo Alckmin e Luiz Inácio Lula da Silva, esse foi um ponto de consenso. Outro exemplo: caberia realizar um exame aprofundado da estrutura de incentivos fiscais e creditícios existentes no País. Esses incentivos têm peso considerável e uma avaliação criteriosa pode revelar que muitos deles possuem baixa eficácia econômica e pouco valor social.

E quero aqui estimular os estudantes de pós-graduação pela experiência que tive na Comissão de Assuntos Econômicos. É muito difícil passar uma semana sem que, na CAE, haja um novo projeto concedendo um incentivo fiscal ou creditício a algum segmento do setor da economia. Acho que seria importante que fizéssemos um estudo, uma avaliação muito criteriosa sobre o conjunto de todos esses incentivos fiscais e creditícios.

Acredito, porém, que o estímulo ao crescimento depende, na atual conjuntura, mais de uma mudança na política monetária do que na política fiscal. É principalmente no campo da moeda e do crédito que parece estar havendo um excesso de restrição, com prejuízos para o crescimento da economia. A taxa básica de juros, fixada pelo Banco Central, continua elevada, apesar das diminuições recentes. E ressalto que, desde agosto do ano passado, tivemos diminuições que vêm gradualmente fazendo com que a taxa de juros chegue a um nível melhor. Mas ainda estamos longe de chegar ao nível ideal. Como os spreads bancários são muito altos, as taxas cobradas dos tomadores finais, especialmente pequenas empresas e consumidores, chegam a ser exorbitantes. Os depósitos compulsórios sobre passivos bancários são pesados, contribuindo para conter o crédito e manter a taxa de juros em nível elevado. O aperto monetário contribui também para a valorização do real em relação a moedas estrangeiras, o que afeta negativamente o nível de atividade, uma vez que desencoraja as exportações e provoca a substituição de produtos nacionais por importações.

Os instrumentos à disposição do Banco Central poderiam, a meu ver, ser utilizados de forma mais eficiente e mais flexível. O ritmo de diminuição da taxa básica de juros poderia ser acelerado para que, ao longo do próximo ano, a taxa real de curto prazo praticada no Brasil se aproxime daquelas que se observam no resto do mundo. A TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo, que vigora nos empréstimos do BNDES, também poderia sofrer diminuição adicional, o que estimularia a retomada dos investimentos. O Banco Central poderia, além disso, iniciar uma redução gradual dos compulsórios bancários para aumentar a oferta de crédito e diminuir as taxas de juros na ponta da aplicação. Os bancos públicos - o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES - poderiam ser mobilizados mais intensamente para ampliar a oferta de empréstimos, reduzir os juros e aumentar o grau de concorrência entre os bancos.

O BNDES, este ano, tinha um orçamento de aplicações da ordem de R$60 bilhões, mas parece que só vai aplicar cerca de R$50 bilhões; em parte porque muitas das unidades do setor público, sejam os governos estaduais, sejam os governos municipais, não tiveram condição de, ao apresentar projetos de investimentos, fazê-lo sem descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, e o Tesouro, então, disse que não poderia.

Quem sabe possamos nós aqui estudar possibilidades para que uma prefeitura municipal de uma capital, de uma região metropolitana, ou um governo estadual que esteja apresentando um investimento que realmente envolva uma expansão da capacidade arrecadadora daquela unidade administrativa, tenha a consideração feita por nós aqui de aprovação dessa operação? Ou, quem sabe, fazermos uma alteração na Lei de Responsabilidade Fiscal visando isso?

O problema da taxa de câmbio está estreitamente relacionado à condição da política monetária, como se sabe. Não convém fixar a taxa de câmbio nem voltar ao regime de bandas. Para o Brasil, o regime de câmbio flexível ou flutuante é mais eficiente. Com a diminuição mais rápida da taxas de juro e a ampliação da oferta de crédito, é provável que o Real sofra alguma depreciação, o que contribuiria para estimular o crescimento do PIB e manter as contas externas ajustadas. A flexibilização monetária afetaria a taxa de câmbio por dois canais: pela conta de capitais, na medida em que reduziria o estímulo ao ingresso de capitais decorrente do diferencial de juros; pela conta comercial, na medida em que o crescimento da economia resultante do estímulo monetário provocasse aumento da demanda por importações e diminuição do excedente exportável.

Uma taxa de câmbio mais depreciada aumentaria a competitividade das exportações de bens e serviços e da produção brasileira que disputa o mercado interno com importações. Além disso, as exportações brasileiras devem continuar a ser apoiadas pela política de comércio exterior e pelas negociações comerciais que o Brasil já vem desenvolvendo com algum sucesso. Especialmente a integração da América do Sul deve prosseguir e se intensificar, abrindo espaço para o desenvolvimento conjunto dos países do continente.

Em resumo, há espaço para acionar os instrumentos básicos da política econômica - a política fiscal, a política de moeda e de crédito, a política cambial, a política de comércio exterior - na direção do desenvolvimento.

É possível conciliar esse grande objetivo com a preservação do que foi conquistado no combate à inflação. O Presidente Lula tem todas as condições de conduzir o País a um processo de crescimento compatível com o potencial da economia brasileira e as esperanças da população, fazendo jus à sua promessa de que o nome do seu segundo mandato será desenvolvimento, com grande prioridade para a expansão das oportunidades e boa qualidade da educação e para melhoria da distribuição da renda.

Essas reflexões representam uma contribuição ao Governo do Presidente Lula, aos Ministros da área econômica e social - Guido Mantega, Paulo Bernardo, Patrus Ananias, Luis Marinho e outros - e inclusive ao Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, todos responsáveis por terem arrumado a casa - inclusive, o Ministro Antonio Palocci -, por terem levado a economia brasileira a uma condição propícia para termos agora uma fase sustentada de crescimento.

Gostaria de concluir sugerindo ao caro Presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que ontem observou que “não dá para criticar o goleiro por que não faz gol”, que, quem sabe, será muito bom para todos nós se ele puder se imbuir do exemplo e do espírito do goleiro Rogério Ceni, do São Paulo Futebol Clube - vejam que quem fala isso é um torcedor do Santos -, que, mais uma vez neste ano, além de defender a sua meta muito bem, tem colaborado para que sua equipe se torne campeã brasileira, com a marcação de inúmeros gols.

Srª Presidente, Senadora Heloísa Helena, encaminhei requerimento à Mesa para inserção em Ata de Voto de Congratulações ao atleta Marilson Gomes dos Santos, ganhador da São Silvestre por duas vezes, em 2003 e 2005, e da 37ª Maratona de Nova Iorque, em cinco do corrente. Ele nasceu aqui perto, em Ceilândia, teve uma infância pobre. Tantas pessoas vêm acompanhando-o com extraordinária admiração.

O Senador Arthur Virgílio apresentou, na semana passada, um requerimento. Mas gostaria também de me somar à homenagem, porque se trata de um extraordinário esportista brasileiro.

Muito obrigado.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Marcelo Crivella, com muita honra, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª fez um discurso irretocável. V. Exª fez mais que um discurso, na verdade, fez uma análise de quem observa com os olhos de economista e com a experiência que V. Exª tem adquirido nesta Casa, em diversos mandatos, o que ocorre hoje em nosso País. Precisamos voltar a crescer. V. Exª fez, na macroeconomia, uma análise irretocável.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Ontem, na inauguração da ponte sobre o rio Orinoco, tive a oportunidade de conversar com o Vice-Presidente do BNDES do início do Governo do Presidente Lula, Darc Costa, que disse que, no primeiro ano do Governo Lula, ele apresentou grandes projetos estruturais para o Brasil, tais como hidrelétricas, estradas, pontes etc. Naquela época, isso somava a R$400 bilhões. O Presidente disse: “Como vamos pagar essas coisas?” Ele disse: “Presidente, se cairmos 1% na taxa de juros...” - naquela ocasião, 26%, que herdamos do governo anterior -, “... vamos economizar sete bilhões por ano. Portanto, o senhor tem quatro anos, se cair 10% e se V. Exª fizer as contas, verá que vai chegar a R$300 bilhões”. Na ocasião, a equipe econômica previu que a redução de 10 pontos na taxa de juros poderia trazer uma grande inflação. Baixamos a taxa de juros de 26% para 13%, e a inflação baixou também. Mas não fizemos os investimentos. A taxa de juros é um instrumento agressivo. Um sujeito, quando vende algo, pega aquele dinheiro e o reaplica no sistema financeiro, de tal maneira que, no fundo, é uma operação contábil: sai o recurso de uma conta, o recurso entra na outra, e anota-se no papel. No entanto, o superávit primário - que V. Exª acentuou perfeitamente -, esse, sim, afeta-nos diretamente, porque são recursos do pagamento de impostos das nossas empresas e do nosso povo que não voltam em forma de serviços nem em forma de investimentos, e, caindo a taxa de juros, vai diminuir o nosso déficit, e não vamos precisar fazer um superávit tão alto. Se eu pudesse apenas fazer uma sugestão, à contemplação de V. Exª, quando toca na taxa de câmbio...

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Já concluo, Srª Presidente. A sugestão seria que pudéssemos criar um tipo de quarentena para que os grandes exportadores brasileiros não internalizassem esses recursos de imediato. Talvez, se esses recursos ficassem lá fora por certo período, teríamos menos oferta de dólar no mercado interno, e aí poderíamos ter um real mais valorizado, o que facilitaria um pouco a nossa exportação. Essa não é uma idéia minha não. Outros países já adotaram isso em momentos em que precisaram fortalecer o seu câmbio. Eu queria apenas aplaudir, dar os parabéns e dizer-lhe que V. Exª deu uma contribuição extraordinária como economista, como um economista especial. V. Exª tem, diria, no seu projeto de renda mínima e na sua alma, a maior preocupação com o povo brasileiro. Todos nós somos testemunhas; aliás, fato que fez com que V. Exª voltasse a esta Casa com uma consagradora eleição com mais de 8 milhões de votos. Parabéns, Senador Eduardo Suplicy, pelo seu discurso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/ PT - SP) - Muito obrigado, Senador Marcelo Crivella. Incorporo a sugestão de V. Exª ao meu pronunciamento. Agradeço-lhe muito a avaliação.

Senador Rodolpho Tourinho, gostaria que V. Exª fosse breve, porque há outros Senadores inscritos para falar.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Serei muito breve. Quero parabenizá-lo por sua brilhante posição sobre economia. Não quero discordar ou concordar, mas apenas levantar alguns pontos, Senador Eduardo Suplicy, para futura discussão, já que estamos avançados na hora. A primeira é a questão dos incentivos fiscais, que creio está na hora de acabarem. Temos algo que foi aprovado aqui no Senado e dorme na Câmara: a reforma tributária. Vamos perder a oportunidade de acabar com os incentivos fiscais. É um acordo que vem desde o tempo do ex-Governador Mário Covas. Esses acordos vão-se esgarçando ao longo do tempo. Esse é um ponto. O outro ponto que gostaria de deixar claro e preocupa-me muito é que tenho ouvido falar de alteração nas negociações com os Estados. Isso significa, de alguma forma, modificar o pilar central de alguma coisa que foi feita com muita propriedade: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a renegociação da dívida dos Estados. Se abrirmos aí, creio que vamos ter imensos problemas pela frente. O terceiro e último ponto se refere à questão de renda mínima, a que V. Exª dá muita atenção, de transferência de renda. A transferência de renda, da forma como é feita hoje pelo Bolsa-Família, tem um poder germinador de crescimento muito pequeno. Então, se juntarmos a isso - e tenho certeza de que pensamos da mesma forma - o Microcrédito Produtivo Orientado, aí vamos ter a saída verdadeira, para que se evite esterilização de recursos, que são poucos, tendo em vista o volume imenso de recursos que o Governo paga. São apenas três pontos, eu sei, para futura discussão, que, tenho certeza, voltaremos a tratar com V. Exª. Parabéns, Senador Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Rodolpho Tourinho. É importante termos o cuidado com a Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme V. Exª aqui aponta. É muito importante que V. Exª esteja de acordo em que venhamos a estudar os excessos que, ao longo de décadas, foram sendo criados na forma de incentivos fiscais, creditícios, etc. Precisamos dar maior racionalidade, e acho que não é a melhor forma... Se for para incentivarmos o crescimento, uma forma racional, que combine o combate à pobreza absoluta e atenda ao objetivo de melhora da distribuição da renda, é aperfeiçoarmos ainda mais o sistema de transferência de renda, na direção da renda básica de cidadania incondicional, vendo-se o Bolsa-Família como um passo nessa direção.

Por que razão isso? Podemos levar em conta que, nos países desenvolvidos, hoje há sistemas de transferência de renda de enorme volume e valor, como nos Estados Unidos. Nesses últimos anos, cerca de 22 milhões de famílias receberam créditos fiscais por remuneração recebida, um complemento de renda que acrescenta renda à família do trabalhador. Se este recebe, por exemplo, US$10 mil por ano, ele terá 40% a mais, recebendo US$ 14 mil, o que o torna mais satisfeito e mais produtivo. E é a sociedade que complementa o rendimento desse trabalhador. Isso fez com que a economia norte-americana tivesse até uma baixa no grau de desemprego, Então, essa medida é compatível com maior competitividade da economia, inclusive em relação à nossa. É nos Estados Unidos mesmo que temos a indicação de que aquilo que estou propugnando - e que já está, felizmente, aprovado aqui no Congresso Nacional -, a renda básica universal incondicional, será um sistema ainda mais eficiente. E a prova disso está no Alasca, onde, por 25 anos, se estabeleceu um dividendo igualmente pago a todos - hoje são 700 mil habitantes -, o que fez com que o Alasca tivesse uma economia com um crescimento estável, com baixo desemprego e com a maior igualdade entre os 50 Estados norte-americanos.

Agradeço muito, Senadora Heloísa Helena, Presidente da sessão nesta tarde.

Muito obrigado, inclusive pela atenção e pelos apartes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2006 - Página 34563