Pronunciamento de Marco Maciel em 20/11/2006
Discurso durante a 188ª Sessão Especial, no Senado Federal
Solicitação de voto de pesar pelo falecimento do Senador Ramez Tebet, ocorrido no dia 17 último, na cidade de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul.
- Autor
- Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
- Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Solicitação de voto de pesar pelo falecimento do Senador Ramez Tebet, ocorrido no dia 17 último, na cidade de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul.
- Aparteantes
- Roberto Cavalcanti.
- Publicação
- Publicação no DSF de 21/11/2006 - Página 34828
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM POSTUMA, RAMEZ TEBET, SENADOR, EX PRESIDENTE, SENADO, EX GOVERNADOR, EX VICE GOVERNADOR, EX MINISTRO DE ESTADO, EX-DEPUTADO, EX PREFEITO, MUNICIPIO, TRES LAGOAS (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ELOGIO, VIDA PUBLICA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, LEITURA, TRECHO, POSSE, PREFEITURA, EX-CONGRESSISTA.
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Para encaminhar a votação. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Renan Calheiros, Srªs e Srs. Senadores, junto-me ao sentimento desta Casa - e creio que de todo o País - pelo falecimento do Senador Ramez Tebet, nosso colega e amigo.
Tive a ventura de conhecê-lo há cerca de vinte anos, eu então Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, na gestão do Presidente José Sarney, e ele se preparando para assumir as funções de Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, visto que o seu titular, o Senador Wilson Martins, se afastara para concorrer ao Senado Federal.
Aliás, é bom salientar que, por ocasião das eleições que antecederam a eleição do Governador Wilson Martins, o Senador Ramez Tebet pretendia se candidatar a Deputado Federal. Na composição política, seu nome surgiu como candidato a vice-Governador. Ele abriu mão dessa postulação à Câmara Federal e, ao final, tornou-se Governador do Estado, tendo a oportunidade de dirigir uma das novas Unidades da federação brasileira, o Mato Grosso do Sul, como todos sabemos, que se desmembrou do Estado do Mato Grosso, que era o segundo maior em extensão territorial do País.
Eu era Presidente da Câmara dos Deputados quando ocorreu o desmembramento de Mato Grosso do Sul do Estado de Mato Grosso. A partir daí, comecei a acompanhar, obviamente, a política que surgia no novo Estado.
E faço uma observação que julgo pertinente.
Logo depois tomei conhecimento de que um insidioso câncer o afetava, câncer que o vitimou 20 anos depois. Tive oportunidade de conversar com ele naquela ocasião, sobretudo quando começou seu primeiro tratamento, no Hospital das Clínicas, se não estou equivocado, no Estado de São Paulo.
Tiro da vida de Ramez Tebet é a lição da resignação e da coragem. Aceitou o que era impossível deixar de acontecer. Essa frase não é minha, é de Shakespeare. Ele aceitou o que era impossível deixar de acontecer: conviver com um tumor maligno, que afetou seus últimos anos de vida. E, apesar disso, soube conviver com a adversidade. Nem todo mundo reage com resignação a tão cruel sofrimento, e ele foi, como poucos, uma pessoa que lutou. Em momento nenhum a doença o abateu.
Foi perseverante, determinado, poderia dizer até otimista na medida em que não deixou que a doença limitasse seus gestos e seus atos. Ele seguiu, talvez, as pegadas de Gonçalves Dias: “Lutar é viver; a vida é um combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar”.
Não vi pessoa com tanta provisão de energia interior quanto Ramez Tebet durante todo esse período. Ele não somente escondia a doença, mais do que isso, todo dia ele trazia uma renovada vontade de viver e, sobretudo, de fazer algo que caracterizou a sua vida: lutar por sua terra, lutar por sua gente e, por que não dizer, pelo País.
Senador por dois mandatos, mas antes fora advogado, promotor público e Prefeito de sua terra natal, Três Lagoas, Município agora governado por sua filha, Simone. Também foi Vice-Governador. Nos dois mandatos no Senado Federal presidiu a Comissão de Assuntos Econômicos e integrou as Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania; Infra-Estrutura e Educação; foi Relator da CPI do Sivam - acompanhei isso de perto como Vice-Presidente da República -, foi Relator também da CPI do Judiciário e da Mineração; e Relator do Orçamento da União. Foi Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
Se eu pudesse listar três qualidades de Ramez Tebet entre as muitas que ele possuía, gostaria de destacar três: em primeiro lugar, seu espírito público. Ele era essencialmente um homem público, isto é, aquele que fazia da sua atividade ciência, virtude e arte do bem comum. Porque vida pública é servir e não se servir. E ele era uma pessoa totalmente dedicada à causa que abraçara.
Poderia mencionar muitos exemplos do seu espírito público, mas um deles eu retiro de um discurso que fez tão logo retornou do exercício das funções de Ministro da Integração Nacional no Governo Fernando Henrique Cardoso. Ao voltar ao Senado, ele diz o seguinte: “Recentemente, fui Ministro da Integração Nacional, por pouco tempo, é verdade, mas tempo suficiente para robustecer a reflexão sobre a imensidão do nosso País, sobre as suas diferenças e desigualdades, sobre sua multiplicidade e diversidade e sobre o imenso desafio que nós, políticos, temos: o de diminuir as distâncias entre os brasileiros. Distâncias que não se medem apenas em quilômetros, mas que só se podem mensurar olhando fundo as feridas que se abriram em séculos de injustiças sociais e econômicas, e que nós, a muito custo estamos enfrentando”.
Outra característica dele, além dessa sua dedicação integral à vida pública, fazendo da política uma permanente ação missionária, era a de um conciliador. Tinha um temperamento ameno, convivia bem com todos e cada um. Era um homem extremamente educado e, em todos os instantes de sua vida, sempre procurava trazer a sua porção, sua disponibilidade e espírito de mediação para resolver problemas dentro da Casa e fora dela.
“É mais do que a hora de trocarmos a intolerância pela harmonia. E mais agora, temos também necessidade de trocarmos as inócuas disputas pessoais pelo entendimento, pela solidariedade e pela fraternidade. Isso não é apenas essencial para o Senado da República, é essencial para o Brasil”.
Extraio essa frase de seu discurso de posse na Presidência do Senado Federal, num momento difícil em que vivia esta Casa. E a sua mensagem foi, sobretudo, uma mensagem da conciliação e do entendimento voltados para o País e suas instituições. Enfim, reconhece que ao político não deve faltar ao lado das suas qualidades cívicas também essa função de articulador, de busca do entendimento.
E o Brasil, ao longo de sua história, oferece ricos exemplos que marcaram também a personalidade de Ramez Tebet. O Brasil resolveu suas grandes crises, a maioria delas certamente por meio da conciliação. Isso no Império, por exemplo, no Gabinete do Marquês do Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão; quer na República. E o último exemplo que podemos inclusive brandir, levantar foi justamente o compromisso com a Nação, que tornou possível a eleição da chapa Tancredo Neves - José Sarney, concluindo, assim, o processo de transição para a democracia com a Constituinte de 1988.
A terceira qualidade de Ramez Tebet que desejo aqui destacar dentre as muitas que poderíamos mencionar, sem contar com outras tantas que já foram há pouco lembradas, foi o telurismo, ou seja, o amor à terra. Houve um político mineiro, Bernardo Pereira de Vasconcelos, que foi liberal e depois se tornou regressista - e o Império foi um período pendular entre os liberais e os conservadores, entre os “Luzias e saquaremas” -, disse, certa feita, que a Pátria começa no solo em que se nasce. Com isso, ele queria expressar que o político, por mais universal que seja a sua vocação, é sempre um ente provinciano, sempre tem, conseqüentemente, uma grande carga de apego a terra, enfim, o homem é o animal que tem raízes e ainda que ele alce vôos para outros postes e para outras regiões, ele delas não consegue se desvencilhar.
Ramez Tebet foi o tempo todo esse ser telúrico. E ser telúrico não quer dizer ser uma pessoa meramente provinciana. Não! O telúrico tem o seu apego à terra, mas consegue ter uma visão universal. Por sua vez, ser universal não quer dizer cosmopolita. O universal é aquele que tem uma visão abrangente não-somente de sua terra, do seu estado e de seu país, mas uma visão do mundo e de sua circunstância. Ramez Tebet era justamente essa pessoa teluricamente apegada à sua gleba. Daí porque ele menciona que uma das maiores alegrias na sua vida foi a oportunidade de governar Três Lagoas, terra em que nasceu e, conseqüentemente, sua pátria natal. E diria que ele não se esqueceu de sua terra. Em seu último ou penúltimo discurso, ele se refere a Três Lagoas. Este é um discurso de outubro deste ano:
“Sr. Presidente, aqui está um representante de Três Lagoas, talvez o mais antigo. Se não o mais antigo, o mais caloroso defensor de Três Lagoas e de Mato Grosso do Sul, troféu que não entrego a ninguém. Troféu que ostento com muito júbilo e muita satisfação. Lá estamos de portas abertas”.
E mais adiante:
“Sr. Presidente, é interessante r como vale a pena sonhar. Permita-me uma digressão que pode ser - e é mesmo - sentimental, que parte do fundo do meu coração. Fui prefeito da cidade em 1975. Em meu discurso de posse, ocasião em que se iniciava o plantio, atualmente um dos maiores, senão o maior, de maciço florestal do Brasil, afirmei que a minha cidade do querido Estado do Mato Grosso, estava fadada a ter a maior fábrica de celulose do mundo! E isso agora está acontecendo”.
Por aí se vê que ele não esquecia sua comunidade, não esquecia sua querida Três Lagoas.
Aliás, os grandes homens públicos são entes telúricos. Poderia mencionar um conterrâneo meu, Joaquim Nabuco, que, em Pernambuco, recolheu as lições que o levaram à única causa: a luta pela abolição do trabalho escravo.
Nabuco perdeu a mãe muito cedo e foi criado por sua madrinha Ana Rosa, em um engenho de açúcar. Vendo a situação do escravo, fez da luta pela abolição a sua única causa. Ele era político de uma única causa. Retirara essa convicção no momento em que viu que não haveria outro caminho para construir um país verdadeiramente justo e desenvolvido a não ser tornando possível que nos livrássemos da chaga da escravidão. E dedicou praticamente toda uma vida a esse mister.
Sr. Presidente, gostaria de aproveitar a ocasião para dizer que Ramez Tebet era um excelente pai de família. Casado com D. Fairte, tinha duas filhas e dois filhos. Simone, advogada, é Prefeita de Três Lagoas, onde vem realizando um excelente trabalho. Há cerca de um ano, procurei saber notícias das atividades dela e recolhi depoimentos muito positivos, o que confirma a vocação que herdou do pai. É comum que os filhos herdem traços de caráter do pai, mas nem sempre é comum herdarem a vocação, no caso para a política.
Devo estender, portanto, o meu sentimento de pesar não somente a D. Fairte, a viúva, à Prefeita Simone, à médica Eduarda, ao professor Rodrigo, ao advogado Ramez Tebet, e a toda a comunidade de Três Lagoas, ao Estado de Mato Grosso do Sul e a todas as instituições a que ele teve oportunidade de pertencer.
Sr. Presidente, antes de encerrar minhas palavras, desejo afirmar que certamente Ramez Tebet está em bom lugar. Viveu sete décadas. A vida não se mede por sua duração, pelo passar dos tempos, não se mede simplesmente por ser mais ou menos extensa. Mais importante do que a extensão da vida é certamente aquilo que se realiza em favor do seu povo, de sua gente. A vida não se mede pelo quanto se viveu, mas por como se viveu. Ramez Tebet deixa um bom exemplo, enriquece a história do Senado, do seu Estado, Mato Grosso do Sul, e da sua querida cidade de Três Lagoas.
O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Senador Marco Maciel, concede-me V. Exª um aparte?
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Concedo o aparte a V. Exª, agradecendo-lhe por me ceder seu tempo, permitindo-me falar neste instante.
O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Todas as atenções que porventura possa ter para com V. Exª é muito pouco, dada trajetória da nossa amizade.
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado a V. Exª.
O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Na verdade, faço minhas as palavras de V. Exª e quero reforçar o aspecto final do discurso de V. Exª sobre o valor do tempo. O tempo realmente é um conceito muito relativo. Não tive o privilégio que V. Exª teve de conviver por mais de 20 anos com Ramez Tebet. Estou há poucos meses nesta Casa, mas a medida de tempo é relativa, pois em pouco tempo aprendi muito com Ramez Tebet. Na nossa terra, em Pernambuco, na Paraíba, as pessoas são avaliadas pela sua trajetória e pela coragem que têm no decorrer de suas vidas. Não se escolhe inimigos, eles chegam. E a medida, a dimensão do inimigo mostra a coragem: quanto maior o inimigo, maior a coragem das pessoas que resistem a ele, que se opõem a essa barreira. O nosso saudoso Ramez Tebet teve como inimigo uma doença fatal, mas deu a todos nós um exemplo de resistência à adversidade; uma adversidade que ele sabia que iria ter uma tremenda dificuldade de suplantar, mas ele nos enriqueceu a todos nós com seu exemplo de coragem. E eu, como pernambucano e como paraibano, guardo para mim, como lição de vida, essa capacidade de resistência.
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - V. Exª, nobre Senador Roberto Cavalcanti, citou um dado importante, também ressaltado por outros Colegas, o exemplo que ele nos deixou: como enfrentar a adversidade, como viver com uma doença extremamente grave e como conseguir, sem prejuízo do tratamento a que tinha de se submeter, continuar trabalhando pelo seu povo.
Encerro, Sr. Presidente, lembrando uma figura que ainda hoje está muito presente no imaginário do povo argentino: Evita Perón. Ela também conviveu anos com um câncer e conseguiu forças suficientes para enfrentar a adversidade. É dela uma concisa frase que talvez se aplique a Ramez Tebet: “Prefiro morrer de dor a morrer de tristeza”.
Posso dizer que Ramez Tebet pode ter sofrido muito, mas não morreu triste, porque realizou seu sonho: dedicar-se a sua cidade, ao seu Estado e a sua gente. Foi intimorato, não se deixou abater com a doença e, em que pesem todas as carências e limitações físicas, com determinação continuou a exercer, de maneira proba e digna, seu mandato de Senador da República. Portanto, nosso sentimento de pesar.
Sei quanto vamos sentir falta de Ramez Tebet nesta Casa. Certamente, seu testemunho de vida há de nos inspirar, porque o exemplo é mais forte do que a palavra. O seu exemplo vai continuar a presidir as nossas ações. A vida, disse Jô, é um sopro. A vida é um espaço muito veloz de qualquer existência, mas tem a força do exemplo.
Muito obrigado.