Discurso durante a 192ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão a respeito da participação do PMDB no governo.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Reflexão a respeito da participação do PMDB no governo.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2006 - Página 35345
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DETALHAMENTO, HISTORIA, UNIÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, FORMA, OBTENÇÃO, APOIO, CONGRESSO NACIONAL, VIABILIDADE, GOVERNO, REGISTRO, EXPERIENCIA, IMPOSSIBILIDADE, CONTROLE, PAIS, AUSENCIA, ACORDO, PARTIDO POLITICO.
  • QUESTIONAMENTO, OBJETIVO, GOVERNO, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), COMENTARIO, PROMESSA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROMOÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, SIMPLIFICAÇÃO, TRIBUTAÇÃO, COMBATE, BUROCRACIA, SONEGAÇÃO FISCAL, EFETIVAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, VINCULAÇÃO, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), PREJUIZO, POSSIBILIDADE, LANÇAMENTO, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, GOVERNO ESTADUAL.
  • QUESTIONAMENTO, INCOERENCIA, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESCOLHA, MINISTRO DE ESTADO, POSTERIORIDADE, ELEIÇÕES, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, IRREGULARIDADE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), PARTICIPAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL, PROVOCAÇÃO, SUSPEIÇÃO, PRETENSÃO, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, ATENDIMENTO, INTERESSE PARTICULAR, AUSENCIA, CONTRIBUIÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Eu diria, Senador Marcelo Crivella, carne, osso, sangue e inteligência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, a realidade brasileira dos últimos anos tem-se caracterizado pela obra de engenharia política que o Professor Bolívar Lamounier, com muita propriedade, denominou de “presidencialismo de coalizão” - que o Senador Heráclito às vezes confunde com colisão. Estou brincando, Senador Heráclito Fortes.

A essa configuração não são estranhos nem os governos, nem os partidos brasileiros; quer os da República Liberal de 1946 a 1964; quer os de 1985 para cá, que consumaram o processo de transição política.

“Uma coalizão de partidos” - define a Enciclopédia das Instituições Políticas, do Professor Vernon Bogdanor - “é um conjunto de partidos que perseguem um objetivo comum”. E um governo de coalizão, completa o mesmo autor, não é mais que “uma forma específica de coalizão”. “As coalizões de governo são apenas uma forma de coalizão entre partidos políticos. Existem duas outras formas: coalizões legislativas e coalizões eleitorais”, registra a mesma fonte. O vocabulário político brasileiro estabelece uma distinção entre as duas modalidades. As alianças eleitorais chamam-se entre nós coligações, reservando-se o termo coalizão, para as alianças políticas que se consumam, quer no âmbito do Parlamento, quer na constituição de governos.

No regime de 1946, o partido majoritário que elegeu o Marechal Dutra, o Partido Social Democrático, conquistou 52,80% das cadeiras na Câmara e 61,9% das do Senado, maioria que lhe permitiria governar folgadamente, sem o concurso de qualquer outra legenda. É fato conhecido, porém, que, ainda assim, logo no primeiro ano de seu governo, em 17 de outubro, o Presidente consumou uma coalizão parlamentar e de governo com o Partido Republicano, do ex-Presidente Arthur Bernardes, quando a pasta da agricultura foi destinada ao Deputado mineiro Daniel de Carvalho, nela substituindo o udenista Neto Campelo, que em 1947 concorreu sem sucesso ao Governo de Pernambuco, por meio de uma coligação que incluía, além da UDN, o PDC e o Partido Libertador, de Raul Pila.

Na segunda legislatura, em 1950, as coligações eleitorais somaram 22,13% dos votos, proporção que subiu, progressivamente, para 27,01% no pleito de 1954, para 35,94% em 1950 e para 48,26% em 1962, a última eleição antes do regime militar. Não fosse o golpe de 1964, a eleição de 1966 seria calcada na escolha de mais de metade dos Deputados por coligações eleitorais. Tal como as coligações, as coalizões de governo tornaram-se, a partir de então, também inevitáveis.

No Governo do Presidente Getúlio Vargas, os dois partidos que lhe davam sustentação, o PSD e o PTB, lograram, juntos, 53,62% dos assentos na Câmara Baixa. Quando veio a crise de 1954, é do domínio público o destino que a história lhe reservou. Não é difícil supor que fim estaria reservado ao Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, num cenário em que o seu partido logrou não mais que 21,17% da Câmara; e o PTB, que em coligação lhe deu o Vice-Presidente, apenas 15,03%, somando 36,20% do total das cadeiras.

O Partido Republicano, que também participou da coalização do governo, representado pelo ministro da Educação Clóvis Salgado, dispunha apenas de 2,69% dos assentos, correspondendo a apenas sete deputados. Não fora a dissidência do PSP, o quarto partido em número de deputados, com 9,35% em número relativo dos assentos e 24 representantes, dificilmente o presidente teria concluído o seu mandato, depois de enfrentar duas sucessivas rebeliões militares de oficiais da Aeronáutica.

A ruptura que se consumou em 1964, começou a se desenhar nas eleições parlamentares de 1958 e no pleito presidencial de 1960, quando Jânio se elegeu. Embora o número de partidos com representação na Câmara tivesse baixado de doze para dez, nenhuma das legendas conseguiu atingir nem 22% das cadeiras. O maior partido, ainda o PSD, teve 21,17% do total e o segundo, o PTB, 14,11%. A UDN, que lhe deu sustentação eleitoral e parlamentar, contava com apenas 13,19%. Senador Mão Santa, esse foi o panorama político com o qual Jânio teve que conviver, não sendo de se estranhar que não tenha logrado governar mais de sete meses, período em que jamais chegou a dispor de maioria no Congresso Nacional. A geografia parlamentar de João Goulart, que o sucedeu, era ainda mais pulverizada. O seu partido, o PTB, já o segundo da Câmara, conquistou 13,45% das cadeiras, representando 63 deputados, e o PSD, que não o apoiou integralmente, apenas 19,32%, ou seja, 79 representantes. O resultado é o que a Nação conhece: renúncia e 21 anos de regime militar.

O quadro político pós-regime militar não tem sido diferente. O presidente José Sarney governou com o suporte da Aliança Democrática, que não só o elegeu com a maioria absoluta do Colégio Eleitoral, entre 1985 e 1986, como também teve o apoio da mesma coalizão a partir de 1987, quando tomou posse a Legislatura eleita em 1986. Naquele pleito, o PMDB e o PFL do Senador José Agripino conquistaram 77,6% das vagas na Câmara dos Deputados, ou seja, 378 de 487 deputados, correspondendo a 79,4% dos assentos daquela Casa do Congresso Nacional. Não é preciso lembrar que, com um governo apartidário, com apenas três ministros filiados que não representavam os partidos a que pertenciam - o da Justiça, Bernardo Cabral, integrante do PMDB, e os da Educação e da Saúde, Carlos Chiarelli e Alceni Guerra, ambos do PFL -, o destino reservado ao governo Collor tenha sido o que todos nós conhecemos, culminando, como no caso de Jânio, com o afastamento do presidente, seguido da renúncia e de sua substituição pelo vice-presidente Itamar Franco. O governo Itamar Franco conheceu não só o maior número de titulares de ministérios relativamente a seus antecessores, como também abrangeu a maior coalizão já formada entre os partidos então representados no Congresso Nacional. Governos de coalizão foram também os relativos aos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso. No primeiro, de 1994 a 1998, três dos partidos que o apoiaram, total ou parcialmente, como foi o caso do PMDB, dispunham de 50,1% das cadeiras e os que lhe deram suporte ocasional nas propostas mais relevantes de sua plataforma política contavam com mais 23,1% dos votos, o mesmo ocorrendo durante o segundo mandato, de 1998 a 2002, quando coalizão similar se reproduziu no Congresso.

Não é de estranhar que, em qualquer dos seus sucessivos mandatos, tenha sido o presidente da República que mais emendas constitucionais logrou aprovar, inclusive a da reeleição, instituto jurídico de que Sua Excelência foi o primeiro mandatário a se beneficiar.

Em 2003, quando presidente Lula ganhou as eleições em seu primeiro mandato, era natural e previsível que, logrando seu partido conquistar apenas 17,74% das cadeiras da Câmara, onde nada menos de 19 legendas estavam representadas, a busca da viabilidade política de seu governo se lograsse pela via de uma ampla coalizão parlamentar. Os métodos heterodoxos de buscar a maioria no Congresso, contudo, comprometeram gravemente seu governo. Mesmo que os metidos escolhidos não tenham afetado a popularidade do presidente nem tenham contaminado a maioria do eleitorado que lhe deu a reeleição, é justo esperar que o caminho para garantir suporte político e partidário de seu segundo governo siga outros caminhos.

Coalizões de governo são correntes e corriqueiras nos regimes parlamentares. São freqüentes e usuais nos países que adotam sistemas eleitorais proporcionais, que geram, necessariamente, o pluripartidarismo, de que são exemplos históricos, entre tantos outros, os casos das democracias exemplares da Holanda e da Bélgica. Executivos monopartidários tornam-se cada vez mais raros em todo o mundo e seguem o modelo vigente em um dos dois únicos sistemas bipartidários do mundo, de que o melhor exemplo são os Estados Unidos.

Coalizões, como ensinam os especialistas, se assentam em dois pilares básicos: idéias e interesses. Para tanto, é indispensável que as idéias se expressem em projetos, programas e propostas, e que os interesses sejam legítimos. Aqui vale lembrar a lição do mestre de tantas gerações, o professor Norberto Bobbio, de que a ilegitimidade dos meios contamina a legitimidade dos fins. Buscar apoio político, partidário e parlamentar por meios ilegítimos contamina necessariamente os fins que deveriam justificar o apoio desejado. O Presidente Lula tem o direito e, diria mesmo, o dever de viabilizar o seu governo através do apoio partidário e do suporte parlamentar das respectivas bancadas na Câmara e no Senado. Se a busca desse acordo não se fizer em torno de idéias claras, projetos objetivos e programas públicos, indicando os meios com que materializá-los, o risco é que esse caminho tenha a justificá-lo apenas interesses pessoais, vantagens particulares ou proveitos próprios. Isso pode ser tudo, Sr. Presidente. Pode até ser chamado de negociação, nunca de coalizão, de acordo político nem de sustentação parlamentar.

Se sua intenção é que a economia cresça 5% ao ano a partir de 2007, já que, segundo o ministro Mantega, estão dadas todas as condições para tanto, o Presidente deve tornar claros e públicos os meios, instrumentos e modos de que vai se utilizar para tanto, assumindo o compromisso público de cumprir a meta prometida mas não lograda nos últimos doze anos. Nem eu, e suponho que ninguém, nesta ou na outra Casa do Congresso, negará o seu voto a qualquer das medidas para tanto necessárias. Mas se isso implicar confisco, aumento da carga tributária, supressão de direitos ou aparelhamento do Estado por amigos, correligionários e integrantes de partidos aliados, nenhum governo se legitimará, por mais amplos que sejam seus compromissos com esta ou aquela legenda, com esta ou aquela influência, por mais notória que seja, aqui ou na Câmara. Se o desenvolvimento do País for apenas o “espetáculo do crescimento”, um mero slogan já anunciado, já prometido e não cumprido até hoje, parece-me, Sr. Presidente, que nem este nem nenhum outro governo se legitimará quer ante a opinião pública do País, quer perante o eleitorado brasileiro.

O aumento dos investimentos públicos em infra-estrutura de rodovias, portos e aeroportos do País, para tornar auto-sustentável nosso crescimento e aumentar nossa participação no comércio mundial, não se fará apenas com “vontade política” ou meras declarações de intenções. É preciso conter os gastos correntes, racionalizar a administração, simplificar o sistema tributário, evitando mantê-lo regressivo como hoje, e pôr fim à guerra fiscal através de um amplo acordo que abranja, sem prejudicá-los, os Estados e os Municípios.

O País requer uma guerra de várias frentes, contra dois males endêmicos. A primeira, contra a burocracia que inferniza a vida dos cidadãos e tolhe os empreendimentos produtivos, afetando a racionalidade do serviço público, a lógica e o bom senso comum. A segunda, contra todas as formas insidiosas de sonegação fiscal, de corrupção, de apropriação indébita e de violações éticas de qualquer natureza. Para isso é preciso dar efetividade à reforma do Judiciário, que, durante mais de uma década de tramitação no Congresso, ainda não mostrou a que veio. Fui o único membro desta Casa a votar contra essa reforma, ressaltando em minha declaração de voto que a julgava insuficiente, pois, mais do que uma reforma do Judiciário, necessitávamos, como continuamos necessitando, de uma reforma da Justiça. A segurança jurídica é um dos primados necessários do Estado de Direito democrático. E essa segurança deve se estender ao âmbito da disputa eleitoral, da vida política, da vida pública e, por fim, da própria vida comunitária, sem a qual não é possível cultivarmos as virtudes cívicas dos cidadãos.

Faço esta profissão de fé, Sr. Presidente, Senador Mão Santa, porque a porção majoritária do meu, do nosso partido, o PMDB, conforme é público e notório, pretende integrar a frente parlamentar de apoio ao Governo, como de resto tem feito na atual legislatura e provavelmente continuará a fazer durante a que se instala em 1º de fevereiro. Melhor seria que mantivesse posição de independência. Digo isso porque prezo a perspectiva de participarmos das próximas eleições com candidatos próprios à Presidência da República e aos Governos estaduais. E a experiência tem mostrado que a participação do PMDB em coalizões de governo tem comprometido tal perspectiva, como ocorreu no recente processo eleitoral, no qual o Partido deu as costas a uma candidatura nacional.

Por outro lado, parece que os graves erros cometidos até agora não serviram para correção de rumos e procedimentos. O envolvimento da Petrobras num suspeito esquema de financiamento indireto de campanhas envolvendo milhões recoloca, na ordem do dia, questões éticas que julgávamos superadas. Além disso, o anúncio, pelo Presidente da República, de que só tratará da composição do novo Ministério após a eleição das Mesas da Câmara e do Senado nos autoriza a supor que a pretendida coalizão se dará meramente em torno de interesses, sem levar em conta idéias que possam mudar a face deste querido País. De mais a mais, tratar o Poder Legislativo como se fosse um ministério a mais na partilha do poder é atitude que apequena o Parlamento e não contribui para o aperfeiçoamento das instituições democráticas.

Por isso, Sr. Presidente, optei por guiar-me por minha consciência e minhas convicções, como até agora tenho feito invariavelmente, em minha curta trajetória de detentor de mandato popular, sofrida e muito combatida, mas da qual não me arrependo. Estarei em sintonia com outros combativos Senadores do PMDB, atuais e futuros, para, juntos, apoiarmos as medidas que sejam importantes para o País e trabalharmos para o fortalecimento deste Partido que precisa se reencontrar com o povo brasileiro em torno de um grande projeto nacional.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2006 - Página 35345