Discurso durante a 193ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Êxito da Segunda Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, realizada pelo Senado Federal. Análise de projeto de sua autoria, que trata da política do chamado corte das diferenças.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Êxito da Segunda Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, realizada pelo Senado Federal. Análise de projeto de sua autoria, que trata da política do chamado corte das diferenças.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2006 - Página 35451
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, FUNCIONARIOS, GRAFICA, BIBLIOTECA, COMUNICAÇÃO SOCIAL, SENADO, ARTISTA, TELEVISÃO, PARTICIPAÇÃO, SEMANA, VALORIZAÇÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, REALIZAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, FIXAÇÃO, REPASSE, RECURSOS, UNIÃO FEDERAL, EMPRESA, ADOÇÃO, PROJETO, INTEGRAÇÃO SOCIAL, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, EDUCAÇÃO, CULTURA, GARANTIA, RESPEITO, POPULAÇÃO.
  • REGISTRO, VISITA, SENADO, REPRESENTANTE, CORRETOR, PAIS, REIVINDICAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, NEY SUASSUNA, SENADOR, MELHORIA, SITUAÇÃO, SETOR.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, RESPEITO, DIFERENÇA, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, NEGRO, REDUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, AUMENTO, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO, CONSTRUÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, COMUNIDADE, CUMPRIMENTO, ESTATUTO, IDOSO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ARTISTA, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, ESTADO DA BAHIA (BA), ARRECADAÇÃO, ASSINATURA, SOLICITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, OBJETIVO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko, fiz questão de falar nesta manhã, porque concluímos ontem, com sucesso absoluto, a 2ª Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, no Senado da República.

O Brasil todo acompanhou o evento, que contou com delegações de praticamente todos os Estados.

Cumprimento de forma carinhosa e solidária todos os funcionários do Senado da República.

Cumprimento os funcionários da Gráfica. Teremos, agora, definitivamente, um parque moderno de impressão em braile para que as pessoas cegas possam fazer a leitura dos textos.

Cumprimento os funcionários da Biblioteca, a Diretora Simone. Participei da abertura de uma sala para pessoas com deficiência e idosos. Teremos o que há de mais moderno no mundo agora na nossa biblioteca.

Cumprimento todo o sistema de comunicação da Casa: TV Senado, Rádio Senado, Agência Senado, Jornal do Senado pelo brilhante trabalho que fizeram nesses dias.

Ontem à noite, no Auditório Petrônio Portela, fizemos um grande debate com o Dudu, filho do Roberto Carlos, que é cego. Um excelente apresentador. Tivemos a felicidade de apresentar o projeto Cantando as Diferenças.

Cumprimento também, Srª Presidente - por medo até de esquecer algum nome -, todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que esse grande momento acontecesse.

O Diretor Agaciel cumpriu um papel fundamental. Cumprimento os artistas globais Sheron, Isabel, Marcos Frota. Participei, inclusive, de um show com crianças e adultos deficientes que dançavam, cantavam, falavam, choravam, brincavam, riam. Enfim, foi um momento muito bonito.

O Marcos Frota, de fato, está fazendo um belíssimo, belíssimo trabalho. Comoveu-me, Senadora Serys, a história de Isabel e seu esposo, que estavam aqui, de seu filho deficiente e do trabalho que vêm fazendo em todo o Brasil. Eu queria citar todos. Parabenizo o trabalho da Fiesp, na figura de um deficiente visual, o Guilherme, que fez aqui uma belíssima palestra. Foi um grande momento.

Eu tinha preparado um pronunciamento sobre o corte das diferenças. Ouvindo tudo isso, adquirindo experiência nessa caminhada, aprendendo muito, muito, muito com as pessoas com deficiência, apresentei um projeto propondo que qualquer verba da União só poderá ser destinada para aqueles setores da sociedade - e aqui vamos pegar principalmente as Prefeituras e os Estados - que adotem políticas do corte das diferenças, que tenham políticas voltadas para as pessoas com deficiência e para a inclusão de todos aqueles que, de uma forma e de outra, são discriminados. Espero que esse projeto seja aprovado com rapidez aqui na Casa e, com isso, asseguremos que todas as cidades deste País tenham o que chamo “corte das diferenças”. É como uma lei de responsabilidade social e de inclusão.

Estão saindo aqui neste momento os representantes dos corretores de todo o País. Quero informar a eles algo que já comuniquei ao Presidente e aos Representantes dos Estados aqui presentes. No projeto do Senador Ney Suassuna, conforme entendimento feito, será atendida, na íntegra, a reivindicação dos senhores. Então, fiquem tranqüilos. Conversei com o Senador Ney Suassuna, e, em resumo: em relação à resolução do encontro que os senhores estão realizando hoje aqui em Brasília e, pelo entendimento que fiz com o Senador Suassuna, suas reivindicações serão atendidas na íntegra. Sei que estão retornando para seus Estados. Parabéns. Tenham um belo fim de Encontro Nacional.

Voltando a meu pronunciamento, Srª Presidente, eu queria começar, se me permitir, a fazer uma análise rápida do que entendo que seja o corte das diferenças. Isso está relacionado a um projeto de resolução já entregue nesta Casa que se chama “Cantando a diferença”.

Srª Presidente, sei que nem todos entendem quando venho à tribuna falar de deficiente, de idoso, de violência contra a mulher, de crianças de rua abandonadas, daqueles que se envolvem, de forma equivocada, errada e criminosa, com o narcotráfico, mas essas são bandeiras que norteiam a minha caminhada e a minha vida e não tenho como mudá-las.

Por isso, começo dizendo, Srª Presidente, que ainda carrego dentro de mim uma enorme vontade de ver os seres humanos interagindo de forma mais positiva. Gostaria muito que certos comportamentos simplesmente deixassem de existir e que todos se unissem em torno de uma causa maior: a construção de uma sociedade efetivamente pluralista.

Muitos, às vezes, riem ou dizem piadas, até mesmo desses nossos sonhos. Sonhos que, tenho certeza, não são só meus; são seus também e é de grande parte do povo brasileiro, de homens e mulheres de bem, como se fosse um sonho tolo. Mas acredito que tolices assim é que permitirão a sobrevivência, a solidariedade da espécie humana. É por essa razão que venho aqui e faço discursos, pronunciamentos, batendo na mesma tecla: a mudança de atitude e políticas humanitárias para todos.

Nesta semana, quando vim a esta tribuna, comentei que vivemos um dos momentos mais bonitos, que fortalecem e fazem-me acreditar que viver de forma fraternal é possível. E é muito bom quando a vida nos reserva tais momentos. Foram integrados à Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, também o dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Nessa estrada, podemos passar nossos olhos pelas questões da sensibilidade, das diferenças, do ideal para a construção de uma nova sociedade e, portanto, seres humanos de uma beleza interior tal que o mundo, certamente, se fará mais belo se adotarmos essa conduta. Se começarmos pela questão da sensibilidade, veremos que, entre outras definições, ela é a facilidade na aproximação.

Será que essa proximidade não pode existir de fato? Será que ela está sendo vivenciada por aqueles que não podem ver, que não podem ouvir, que não podem falar, ou que não podem locomover-se?

Segundo dados divulgados por grande parte do Instituto de Pesquisa, calcula-se que, no mundo inteiro, haja mais de 500 milhões de pessoas com alguma deficiência. Acredita-se que, ainda na América Latina, por volta de 10% das pessoas são afetadas por algum tipo de deficiência. No Brasil, já são quase 3 milhões de crianças com algum tipo de deficiência. Lamentavelmente, as pessoas com deficiência ainda são relegadas ao mundo em que a discriminação existe. Na verdade, essa discriminação não contribui em nada; só prejudica a todos. Muitos acreditam que as limitações de algumas pessoas impedem que elas vivam de forma inclusiva. Pergunto: quem não tem limitações de alguma natureza na vida? Eu tenho já um problema de coluna, de visão, de hipertensão. Enfim, quem não os tem? Então todos nós, no fundo, somos pessoas com algum tipo de deficiência. Ou será que alguns têm dificuldade de ser solidário, de abrir o coração?

Ontem, no último debate, uma doutora especializada na área de recuperação de pessoas com deficiência do nosso Sarah Kubitschek disse o seguinte: “Será que algumas pessoas têm dificuldade de dizer que amam o próximo? Têm dificuldade de dizer que amam uma pessoa com deficiência? Ou têm dificuldade de dizer que amam alguém pela cor da pele? Ou por idade? Ou pela livre opção sexual?”

O Senado Federal apresentou, na 2ª Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, no Salão Negro, uma série de projetos belíssimos. Por várias vezes, discursei desta tribuna sobre alguns desses projetos, em articulação com a sociedade civil.

Srª Presidente, a implementação de projetos como esses que vi aqui, no Senado, dar-se-á pela capacitação dos atores de políticas públicas para que, na execução dessas políticas, faça-se por aquilo que chamo, mediante projeto que apresentei, um corte transversal, que contemple todas as diferenças próprias da condição humana.

Sempre digo que a natureza respeita a diferença. Se olharmos a natureza, se não for a mão do homem, ela nos dá uma aula de vida e de solidariedade.

Srª Presidente, com relação a esse projeto que chamo de reflexão da diferença, já temos um grande entendimento de parceria na linha dos direitos humanos, com a aplicação dos Estatutos do Idoso, do Deficiente, da Criança e do Adolescente. Estão aqui em debate os povos indígenas, a política das mulheres, a igualdade racial. Caminhamos muito de lá para cá para aquilo que chamo de inclusão social por meio também da educação e da cultura.

Entendo, Srª Presidente, que juntos, sociedade, empresários, universidades, Poder Público, pelo reconhecimento da diversidade da sua gente, com certeza, poderemos apontar para esse novo caminho.

O Senador Heráclito Fortes esteve lá conosco ontem e fez um belíssimo depoimento.

Senador Heráclito Fortes, meu pronunciamento é longo, mas gostaria de dizer que aquele foi o dia em que vi V. Exª emocionado. V. Exª tem feito aqui um debate firme e duro defendendo as suas convicções. Vou contar isto aqui porque aquele evento foi gravado: penso que foi a primeira vez que eu vi - conheço V. Exª há mais de 20 anos - algumas lágrimas correndo do canto dos seus olhos. Eu acho isso muito bonito. Eu não tenho vergonha de dizer que inúmeras vezes isso aconteceu comigo. Ontem, aquele foi um momento bonito. Veja como as pessoas com deficiência nos aproximam tanto! V. Exª deu ontem um depoimento sobre a sua experiência com o Pitanguy no Piauí, depois em Porto Alegre. Isso foi de fato comovente.

Srª Presidente, eu poderia lembrar de muita coisa aqui. Poderia lembrar-me de Ray Charles, que era filho de Bailey Robinson, mecânico e faz-tudo, e de Aretha Robinson. Na fase da Grande Depressão, mesmo após a mudança para Greenville, quando Ray Charles ainda era criança, não havia facilidades econômicas, ganhos financeiros para ninguém, em especial para as famílias negras - e aí, no caso, devido à segregação sulista naquele país. Aqui Ray Charles recorda a extrema pobreza de sua família, na autobiografia que escreveu, em que diz: “Éramos os mais pobres dentre os pobres, estávamos no fundo da escada olhando para cima, apenas o chão nos pertencia”. A infância de Ray Charles não foi fácil: quando tinha cinco anos, viu seu irmão mais novo, George, afogar-se na grande tina, onde a mãe lavava roupa, trauma que o acompanhou por toda a vida. E ele foi perdendo a visão gradualmente.

O próprio autor que interpretou Ray Charles no cinema, ao ser perguntado sobre a experiência, disse: “A coragem. Não imaginava que ele era um cara tão corajoso. Esse filme conta a história da infância e da adolescência dele. A maioria das pessoas não tem a mínima idéia de como tudo foi tão difícil. Negro, pobre, órfão aos 15 anos. E querendo fazer música? Meu Deus! Ray Charles pegou um ônibus sozinho e foi para a costa oeste tocar, com 17 anos”. Era cego e teve uma vida de sucesso.

Outro exemplo é o do escritor Marcelo Rubens Paiva, que, entrevistado sobre o fato de alguém ter dito ser impossível ser feliz em uma cadeira de rodas, respondeu: “Isso é bobagem. Sou paraplégico há 23 anos, já viajei o mundo e conheci muito deficiente realizado. Tenho amigo instrutor de mergulho, alpinista, advogado, arquiteto, empresário”. São padeiros, mecânicos, trabalhadores da construção civil. Dêem-lhes somente oportunidades. “O dono do Unibanco é paraplégico. Eu, por exemplo, sou feliz. Meu problema não é a cadeira de rodas, mas os problemas de um cara de 44 anos. Uma vez, fui fazer terapia e disse logo: Não vim aqui para discutir a minha deficiência; vim discutir minha relação com a minha mãe, com a minha mulher, minhas frustrações”. Ou seja, como todo e qualquer cidadão.

Podemos ainda citar Evandro Haponiuk, 33 anos, que sofreu paralisia cerebral ao nascer, tem grandes dificuldades motoras, inclusive de articulação da fala, e está no 2º ano de Direito da Faculdade Dom Bosco. Ele disse: “Agradeço a Deus a oportunidade que me dá todos os dias. Tenho uma família maravilhosa. Minha vida não parou por causa da minha deficiência. Posso conversar com vocês. A única coisa que peço é que tenham um pouquinho de paciência”.

É muito bonito uma pessoa dizer isso. E são coisas que gravei nessa caminhada. Enfim, muitas foram as citações, as falas, que jamais vou esquecer.

Há uma outra de uma pessoa cega, que disse o seguinte: “Preciso agradecer, acima de tudo, a Deus a oportunidade da vida, as experiências que me levaram à compreensão de que não me faltam os olhos físicos, não me faltou a visão interior, a visão que me permite ver a beleza que é a criação, a energia de Deus, a beleza do ser humano, que traz em si a capacidade da superação dos limites”.

Mas todos dizem: o preconceito existe, e temos de combatê-los todos.

Sr. Presidente, eu poderia voltar a falar - hoje há até um artigo publicado no Jornal do Brasil - sobre a realidade desse corte da comunidade negra. Claro que não vou fazer a leitura desse enorme documento que está aqui, mas quero registrar, por exemplo, o trabalho que realiza o Grupo Olodum lá na Bahia. E sou do Rio Grande do Sul, não tenho nenhuma dúvida, nascido em Caxias do Sul, no interior do Estado. O Olodum fez uma marcha com mais de 100 mil pessoas.

Pelas informações que tenho, ele já arrecadou mais de um milhão de assinaturas para que o Estatuto da Igualdade Social seja efetivamente aprovado na Câmara dos Deputados.

A Câmara dos Deputados fez, ontem, uma sessão de homenagem à comunidade negra. Mas como seria bom se, em vez de ser uma sessão de homenagem, fosse uma sessão para aprovação de políticas públicas de combate ao racismo.

Recebo correspondências de todo o País. E o que eles pedem? Sessões de homenagem são muito boas. Claro que são muito boas! São lembranças, momentos de encontro, são reflexos sobre o combate a todo o tipo de discriminação. Mas como seria bom se a Câmara tivesse copiado o exemplo do Senado e já aprovado o Estatuto que nós já aprovamos aqui por unanimidade.

Enfim, Senadora Serys, eu poderia falar aqui de uma mulher, até em homenagem a V. Exª, chamada Agualtune, mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi. Ela era filha do rei do Congo e foi vendida como escrava para o Brasil em razão do tráfico negreiro da época. Quando os Javas invadiram o Congo, Agualtune foi à frente de batalha para defender o seu reino. E ela, uma mulher negra, comandou um exército de 10 mil guerreiros. Derrotada, foi trazida como escrava em um navio negreiro para o Brasil. Aqui engravidou. Nos últimos meses da sua gravidez, organizou sua fuga e a de alguns escravos para Palmares. Ela começou, então, ao lado de Ganga Zumba, a organização dos negros. E ali uma de suas filhas deu-lhe um grande presente, que foi um neto: Zumbi dos Palmares.

Eu poderia aqui falar de tantos homens, mulheres, brancos, negros e índios que se destacaram nessa grande caminhada. Poderia aqui falar de Martin Luther king, poderia falar de Nelson Mandela.

Lembro-me de uma citação de Martin Luther King: “E quando isso acontecer, quando nós permitirmos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo Estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro: ‘Livre, afinal; livre afinal.’ Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal”. Nós brancos, negros, deficientes, índios, todos, todos, somos livres.

Martin Luther King morreu pela luta em defesa das ações afirmativas, de todas elas. Lamento que o nome dele tenha sido destroçado por alguns segmentos que tentam dar a impressão de que ele era contra as ações afirmativas. Martin Luther King foi assassinado por defender exatamente aquilo que contempla hoje o Estatuto da Igualdade Racial. Não façam essa violência com a memória de Martin Luther King, por favor. Ele não está aqui para explicar. Não façam isso! Martin Luther King morreu, foi assassinado por defender as políticas afirmativas, para que houvesse a efetiva inclusão.

Senadora Serys, comentei desta tribuna tudo o que aconteceu. Os jornais publicaram no fim de semana a violência que é o preconceito não só contra negros, mas contra deficientes, mulheres, índios.

Eu poderia aqui lembrar rapidamente a história de Sepé-Tiarajú, que morreu para defender o solo pátrio, para defender brancos e negros, ele morreu lá. Falamos tanto aqui dos lanceiros, enfim. Eu poderia falar aqui do Maurício de Sousa, um homem sensível, com imensa consciência, que fez dos seus livros um marco nas histórias em quadrinhos contra as discriminações. Eu poderia aqui falar, por exemplo, de uma criança iraquiana. Recebi uma carta de Natal de um menino iraquiano em que, resumindo - não vou ler a carta, Senadora, pelo tempo, porque sei que V. Exª também tem que viajar -, ele pede de presente de Natal o silêncio. Ele não quer mais ver as bombas estourando em cima das casas, das escolas. Todo dia, quando ele sai, a mãe abraça-o e beija-o como se fosse a última vez, a última lágrima. Ele pede: “Eu, que já pedi tanto ao Papai Noel, queria que ele me desse no Natal somente o silêncio para que eu não ouça mais o barulho das bombas, para que eu não tenha de caminhar por cima de corpos e ver, em vez de águas nas ruas, o sangue de homens e mulheres, tanto americanos quanto iraquianos, mortos”.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª permite um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Heráclito Fortes, ouço com alegria o aparte de V. Exª.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Paulo Paim, é com muita alegria que interrompo o seu belo discurso para, com um modesto aparte, parabenizá-lo pelo que pude ver ontem. Na realidade, Senadora Serys, a culpa da minha ida ontem ao encontro que finalizava essa extraordinária iniciativa do Senado na direção da valorização dos que têm alguma forma de deficiência foi do Senador Paim. Eu estava aqui, e ele me falou rapidamente do que havia acontecido e que, à noite, haveria o ato final. Ontem, o dia aqui foi muito movimentado. O fato me passou despercebido, e esqueci. Já estava na garagem, indo para minha casa, quando me lembrei do fato e de que havia visto a Srª Mara na sua cadeira de rodas, com uma fibra fantástica, circulando exatamente em direção do auditório Petrônio Portela cedo da noite. Infelizmente, quando lá cheguei, o encontro já estava adiantado, mas tive oportunidade de ver o depoimento de V. Exª. Se lágrimas correram ontem na reunião, pela maneira com que foi desenvolvida e pela simplicidade, quero dizer que V. Exª, de maneira muito justa, foi quem puxou esse cordão, no depoimento em que relatou as experiências que viveu, mas, acima de tudo, nos exemplos, trazendo para a sua equipe um deficiente visual e promovendo a sua integração na sociedade. O que mais me impressionou é que estávamos ali, e todos os integrantes da Mesa, comandada pelo Dudu, o filho do Roberto Carlos, eram pessoas com algum tipo de deficiência ou que carregam problemas com filho ou com outro ente querido. E não vi semblante de amargura em nenhuma delas, só otimismo. Nós, Senadora Serys, que somos sadios, vivemos reclamando da vida. Aquilo me tocou muito. Naquele momento, lembrei-me do nosso querido Tebet, que, já sabendo da irreversibilidade do seu problema, só falava de futuro e não admitia que interrompessem seu pensamento de otimismo, principalmente com relação ao Brasil. Dei alguns depoimentos do que vivi, de experiências que tive; sobre outras, não quis dar, calei-me. De fato, foi uma noite extraordinária. O mais incrível, Senador Paulo Paim, é que cheguei ali bastante cansado - eram 22 horas quando saí do meu gabinete. No entanto, após o encontro, estava lépido e fagueiro e fui, inclusive, jantar, num restaurante da cidade, com o Guilherme, deficiente visual.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Ele representava a Fiesp no evento.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Representava a Fiesp. No jantar, ficamos conversando sobre a vida. E observei novamente que, em nenhum instante, esse rapaz mostrou amargura ou revolta. É algo que toca, Presidente Serys, a maneira otimista como ele enfrenta a vida. De repente, pediu-me permissão para usar o celular, ligou para a namorada e falou com ela com otimismo. Uma coisa fantástica! Perguntei-lhe: “Sua namorada está aqui?” Ele disse: “Não. Minha namorada trabalha em turismo e está no seu Estado, Mato Grosso, acompanhando uma missão”.

(Interrupção do som.)

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Ela acompanhava uma missão, um programa de turismo, algo assim, não me lembro dos detalhes. É uma lição, caro Senador Paulo Paim, fantástica! Mas fui até lá por outro problema. Quando cheguei ao meu gabinete, recebi, dentre as correspondências do dia, alguns e-mails de preocupação sincera, outros de má-fé, a respeito da CPI que solicitei para averiguar o desvio de recursos nas ONGs. Gosto de fazer - e minha vida pública pode mostrar - as coisas com muita responsabilidade. Se prestarem atenção, em nenhum momento fiz acusações a qualquer ONG, de quem quer que seja. No dia em que a imprensa noticiou o possível envolvimento de uma ONG com a mulher de um político do Nordeste, desmenti de imediato, até porque não sabia do fato. Sobre a questão da Unitrabalho, muito citada, sempre me pronuncio com cautela. Temos que ter muito cuidado com a investigação que, com certeza, vamos iniciar. Eu tinha que dar uma satisfação, Senador Paulo Paim - conto com sua compreensão para isso -, naquele momento. Até porque, em um gesto de confiança, todos os Senadores lá presentes tinham aposto assinaturas para a instalação da Comissão. Eu não estava presente, mas está aqui o Senador Tião Viana, que também o fez.

É preciso que todos saibam que não se trata de uma CPI política. Para evitar essa conotação não movi uma palha durante o período eleitoral. Seria até um prato muito bom para ser explorado, mas tive o cuidado, a ética, de não tratar desse assunto. Usei um termo muito gaúcho ao falar da separação do joio do trigo. É preciso, caro Senador Paulo Paim, que façamos isso. Se não tivermos cuidado, quando formos atentar de maneira mais detalhada para o fato só teremos o joio, o que não é possível. Fiquei muito feliz ontem quando vi a compreensão de todos que estavam no encontro e a necessidade que eles também têm de salvar as boas ONGs. Isabel Fillardis sabe bem disso porque tem ligações, participa de uma ONG que presta extraordinários serviços. Essas ONGs que protegem as pessoas com algum tipo de deficiência, além de uma necessidade de funcionamento pleno e de recursos, têm que estar protegidas. Senti-me, portanto, no dever de dar essa explicação. Fomos todos compreendidos. E peço ao Senador Paulo Paim, que é uma pessoa de influência na sociedade que me ajude, a partir de agora, a mostrar ao Brasil que não há nenhum intenção de discriminar.

(Interrupção do som.)

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - A nossa intenção é fazer a inclusão do sistema, de maneira correta, para ajudar uma sociedade que, muitas vezes, não tem acesso a recursos, a gabinetes. Nós ouvimos o depoimento de um casal - Suplicy o trouxe - que vive na Praça da Sé e outros vários depoimentos. Aquilo me deu forças para dizer, Senadora Serys, com muita convicção: é bobagem discutir a oportunidade de instalação dessa CPI; o importante é que ela é fundamental para o País. Tanto prova, Senador Paim, que, ontem mesmo prisões foram feitas, em alguns Estados brasileiros, por mau uso de recursos dessas entidades. Portanto, Senador Paim, quero parabenizá-lo, não pelo que está dizendo na tribuna, mas pelo que V. Exª fez e vem fazendo, ao longo do tempo, para diminuir essas desigualdades, tentando a inclusão, de qualquer maneira e a qualquer custo, com gestos anônimos, sem necessidade de holofotes; um trabalho cujo resultado se vê pelos depoimentos de seus companheiros do Rio Grande do Sul que estiveram ontem aqui. Quero lhe dar parabéns. Parabéns ao Senado, ao Renan, à Mônica Freitas...

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Mônica... Muito bem lembrado. Eu estava fazendo um esforço para lembrar o nome, mas me dava uma falha... O trabalho da Mônica é excelente. Parabéns pela lembrança.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - A Mônica, quero parabenizá-la, simbolizando todos os funcionários do Senado. Que os funcionários perdoem a mim e a V. Exª, porque é impossível nomear todos, mas aquilo é um trabalho de equipe ao qual eles se dedicaram meses e meses para preparar essa semana que, tenho certeza, terá grande repercussão no País. Saí de lá, Senador Tião Viana, com uma convicção: a única deficiência incurável é a deficiência moral; as restantes, tenho certeza, com um trabalho daquela natureza, se não são superadas de todo, pelo menos são amenizadas e, acima de tudo, dá-se força e fé para que as pessoas lutem pela vida. Muito obrigado.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Obrigado, Senador Heráclito Fortes.

Senador Tião Viana, se V. Exª me permitir, vou tentar não improvisar para encerrar mais rapidamente este meu pronunciamento.

Nós todos queremos ser felizes e viver plenamente. É nosso dever fazer o melhor por todos nós, por nós mesmos, mas, principalmente, pelos outros. É nosso dever conviver de tal forma, que todos se sintam integrados, atuantes, plenos com aquilo que são, com suas diferenças que os tornam ímpares. Afinal, ninguém é igual. Mudanças internas precisam ser feitas, a fim de que as externas encontrem terreno fértil para avançar. Cada um de nós é único nesse universo. Conclamo todos a trabalhar na linha de uma política que tenha a inclusão como meta, como sentimento, como atitude.

Termino, Senador Tião Viana, com algo que falei quando, por delegação de V. Exª e do Presidente Renan Calheiros, fiz a abertura daquele espaço privilegiado lá na Biblioteca, espaço que, sem dúvida, foi uma conquista do deficiente. Senador Cristovam, V. Exª estava lá e deve se lembrar de um improviso que fiz e que aqui tento reproduzir. Disse que o homem que não descobriu uma causa pela qual ele poderia morrer ainda não entendeu o sentido da vida. Acho que estou pronto, pois descobri essa causa. É a causa da inclusão, da igualdade, da liberdade, da justiça e do meio ambiente. É a causa de nossa vida e por ela, com certeza, poderia morrer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2006 - Página 35451