Discurso durante a 194ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Louva a iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, de promover seminário, de interesse das populações indígenas. Defesa do Projeto de Lei do Senado 121, de 1995, de autoria de S.Exa., em tramitação na Câmara dos Deputados, que visa a diciplinar a exploração mineral nas terras indígenas.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Louva a iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, de promover seminário, de interesse das populações indígenas. Defesa do Projeto de Lei do Senado 121, de 1995, de autoria de S.Exa., em tramitação na Câmara dos Deputados, que visa a diciplinar a exploração mineral nas terras indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2006 - Página 35782
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ELOGIO, INICIATIVA, PRESIDENTE, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, MINORIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, ANALISE, PROPOSIÇÃO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, BENEFICIO, COMUNIDADE INDIGENA, AGRADECIMENTO, APOIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), VINCULAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), VALORIZAÇÃO, INDIO.
  • COMENTARIO, REFORÇO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), APROXIMAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, PROBLEMA, POLITICA, SETOR PUBLICO, CONTRIBUIÇÃO, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, SENADO, DEBATE, SITUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • DETALHAMENTO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSIÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, EXPLORAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, RECURSOS HIDRICOS, TERRAS INDIGENAS.
  • DEFESA, INTEGRAÇÃO, PROGRESSO, COMUNIDADE INDIGENA, PARTICIPAÇÃO, LUCRO, IMPRENSA, EXPLORAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, TERRAS INDIGENAS.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de mais nada, gostaria de manifestar o quanto eu aprecio a iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, de promover este seminário sobre as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional, -- e particularmente, é claro, na Câmara dos Deputados, -- de interesse das populações indígenas. Não só isso, mas também sobre as demandas -- dos índios e de seus defensores e representantes -- que ainda não tomaram uma forma legislativa. Ao reconhecer esse gesto, faço também uma vênia ao ilustre Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, presidente desta Comissão, em razão de sua biografia voltada à defesa dos segmentos sociais mais frágeis, ou marginalizados, ou injustiçados. Meu reconhecimento ao Deputado!

Louvo, igualmente, ou mais ainda, o interesse da Organização Não-Governamental CIMI (Conselho Indigenista Missionário) em provocar esta Comissão de Direitos Humanos e Minorias para que promovesse um encontro, no parlamento, sobre o assunto. Foi a informação que obtive do ofício que me foi encaminhado pelo Deputado Greenhalgh com o intuito de gentilmente me convidar a falar nesta oportunidade. O CIMI, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), notabiliza-se por ser uma entidade competente e bem organizada e pelos seus mais de 30 anos de luta em favor da valorização dos povos e das culturas indígenas brasileiros.

Vejo, aliás, com satisfação, já não digo a emergência, pois isso já se deu faz alguns anos, mas o fortalecimento das Organizações Não-Governamentais, -- as ONG, -- em nosso País. Elas têm muito a contribuir, -- e estão efetivamente contribuindo, em toda sua diversidade, -- com nosso projeto, que é comum a todos os brasileiros, de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Vejo também com satisfação que as ONG se têm aproximado do parlamento, para discutir e propor questões de políticas públicas.

            Exemplo disso é o seminário que se realizará no Senado Federal amanhã e depois de amanhã, o 2º Fórum Senado Debate Brasil, seminário que versará justamente sobre a situação, principalmente legal, das ONG no Brasil, e que reunirá, como aqui, parlamentares e representantes dessas organizações da sociedade civil.

Feita esta introdução, quero dizer que penso ter sido convidado a este seminário por dois motivos. Primeiro, porque sou senador por um estado, -- Roraima, -- que se distingue por abrigar grande contingente de índios e por ter parcela considerável de seu território ocupada por terras indígenas. E segundo, porque sou autor de um projeto de lei, que tramita, desde 1996, nesta egrégia Câmara dos Deputados, e que disciplina a exploração mineral nas terras indígenas, -- o que, juntamente com o aproveitamento dos recursos hídricos dessas mesmas terras, é o tema deste painel do qual sou um dos expositores.

Vou falar sobre o projeto de lei, dando mais uma noção geral de suas motivações do que entrando em minúcias jurídicas às quais remeteria a análise aprofundada de seus 23 artigos e 29 parágrafos. Quem sabe este seminário possa resultar na retomada da tramitação desse projeto por mim apresentado faz 11 anos?

Srªs e Srs. Senadores, o atualmente designado Projeto de Lei nº 1.610, de 1996, da Câmara dos Deputados, foi apresentado por mim no Senado Federal, em março de 1995. Lá, recebeu o nome de PLS nº 121, de 1995. A tramitação no Senado foi rápida: durou um ano. O projeto foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais, em decisão terminativa. Não havendo recurso do plenário, foi expedido à Câmara dos Deputados em março de 1996, onde, desde então, se encontra.

O sentido maior dessa proposição legislativa é permitir a exploração mineral das terras indígenas em condições muito estritas, muito rigorosas, em que, -- após ouvida a comunidade indígena afetada e concedida autorização pelo Congresso Nacional, como exige a Constituição, -- garanta-se a remuneração em favor dessa comunidade indígena e a sua participação substancial nos resultados financeiros do empreendimento.

É notório que é baixo o aproveitamento do potencial mineral existente no território nacional. É notório, também, que muitas terras indígenas são ricas em minério. Em razão disso, temos uma situação insatisfatória, por todos os ângulos. Por um lado, temos riquezas importantes jazendo intocadas no subsolo, e que poderiam estar contribuindo com o esforço do desenvolvimento nacional. Por outro lado, temos a cobiça e a busca por uma vida melhor que têm empurrado alguns brasileiros não-índios ou caboclos para dentro das terras indígenas, de forma clandestina, sendo usados métodos de exploração predatórios e bastante prejudicais ao meio ambiente.

A tudo isso uma legislação bem cuidada e responsável poderia fazer frente. A disciplina legal contribuiria para que a racionalidade pudesse ser instaurada nessa questão. Tal legislação deve levar em conta, sempre!, o interesse das populações indígenas. O interesse das populações indígenas, por sua vez, deve ser a premissa a observar para que se dê qualquer tipo de exploração mineral, aliás como já prevê nossa Lei Maior, nossa Constituição, que, em seu art. 231, parágrafo 3º, estabelece expressamente que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. Esse comando constitucional, na parte que se refere à pesquisa e à lavra de recursos naturais em terras indígenas, é reproduzido no art. 2º de minha proposição.

Penso que possa não haver incompatibilidade entre os legítimos interesses das populações indígenas e a exploração de atividade econômica disciplinada legalmente com rigor em suas terras. O índio também quer prosperar, o índio também quer melhores condições de vida, o índio também quer ter melhor infra-estrutura e equipamento de uso social em sua comunidade, bem como ter acesso a alguns bens de consumo. O índio, hoje, mesmo o que vive aparentemente isolado em aldeias, tem informação. Ele vive aparentemente isolado, mas sabe do mundo que o circunda. Muitos deles, ao mesmo tempo e sem nenhuma contradição necessária, estimam sua cultura e seu modo de vida tradicional, mas também já incorporaram alguns valores da comunidade nacional mais ampla, da qual eles também fazem parte. E tudo isso é legítimo.

Alguns puristas, que não são índios, querem manter as comunidades indígenas em uma espécie de redoma de vidro. Qualquer aproximação dos índios com os valores e os meios de vida da comunidade nacional mais ampla é vista por esses puristas como decadência e contaminação. Esse modo de ver as coisas satisfaz as necessidades psicológicas dos puristas, que são uma espécie de neo-rousseaunianos em busca do paraíso perdido, mas não satisfaz aos próprios índios. Vez ou outra, os índios revoltam-se contra esses elementos que os querem tutelar.

Não se pode, portanto, ser radical nessa questão. Nem, por um lado, querer integrar o índio à marra, sem preparo nem proteção, à sociedade nacional mais ampla; nem, por outro lado, sonegar aos índios meios materiais para sua prosperidade e bem-estar. Sejamos democráticos, pois, e deixemo-los, aos próprios índios, que decidam, que manifestem sua vontade. Deixemo-los falar! É esse, igualmente, o espírito do projeto sobre o qual passo a discorrer com um pouco mais de minúcia.

Vamos a alguns pontos dele.

O parágrafo único do art. 3º reserva aos próprios índios a exploração mineral de suas terras em regime de garimpagem, que é o regime de trabalho, vamos dizer assim, artesanal.

Para que a exploração seja efetivada por métodos industriais, por empresa constituída, o projeto faz uma série de exigências rigorosas e detalhadas.

Antes de tudo, a área indígena pretendida para exploração deve ser declarada apta à mineração. Somente o será se um parecer técnico elaborado conjuntamente pelos órgãos federais de gestão dos recursos minerais e de assistência ao índio concluir nesse sentido. Tal parecer, manda o projeto, deve ser apoiado em laudo antropológico específico.

Satisfeitos esses requisitos, abre-se processo para a pré-qualificação de empresas interessadas em explorar a lavra. As regras para a qualificação e a concorrência entre empresas interessadas serão estabelecidas por Edital elaborado pelos mesmos órgãos federais que cuidam, cada um, dos recursos minerais e da assistência ao índio. Hoje seriam o Ministério de Minas e Energia e a FUNAI. Faz-se, a seguir, uma série de exigências detalhadas sobre o que não pode deixar de ser contemplado pelo Edital, -- sempre com o intuito de proteger a comunidade indígena, -- mas sobre as quais não farei comentários, para não tornar cansativa minha exposição. Apenas abordarei os pontos mais importantes e gerais.

Quanto às empresas concorrentes, elas devem ter experiência comprovada; ter capital social mínimo não inferior a 50% do valor do orçamento do programa de pesquisa a ser desenvolvido na área; devem apresentar certidão negativa de tributos federais, estaduais e municipais, também comprovar a regularidade do recolhimento das obrigações previdenciárias; e devem firmar cartas-compromisso que prometam formalmente a apresentação de garantias financeiras para as despesas com pesquisa e pagamento de renda aos índios. Tais condições podem ser atenuadas somente na hipótese de empresas de mineração pertencentes à própria comunidade indígena.

O pagamento às comunidades indígenas será feito de duas formas: primeiro, renda pela ocupação do solo; segundo, participação nos resultados da lavra.

A renda pela ocupação do solo será paga por hectare ocupado e será devida por todo o tempo de vigência do alvará de pesquisa. Quanto à participação da comunidade indígena nos resultados da lavra, ela não poderá ser inferior a 2% do faturamento bruto da empresa, de acordo com certas condições de cálculo. Há a exigência de que essas receitas sejam aplicadas em benefício direto e exclusivo de toda a comunidade indígena, segundo plano de aplicação previamente definido. Para a elaboração desse plano de aplicação, os índios poderão assessorar-se livremente.

Outro aspecto importante do projeto é o detalhamento de todo o andamento do processo de concorrência para escolher a empresa melhor habilitada para a exploração mineral, sendo prevista, em certa etapa do processo, a negociação direta da empresa com a comunidade indígena, negociação que será assistida por representante do Ministério Público Federal, que, por sua vez, deverá atestar a legitimidade da manifestação da vontade dos índios.

Uma vez concluída a tramitação administrativa do processo, ele será encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, para que este, ouvidos os índios, delibere sobre a aprovação da permissão para a exploração mineral, consoante o que determina o já citado parágrafo 3º do art. 231 da Constituição Federal.

Depois de aprovada a exploração mineral, o projeto ainda normatiza várias questões legais e administrativas atinentes ao seguimento do processo, para, entre outros aspectos, harmonizar os preceitos do Código de Mineração, que é de 1967, com os da Constituição de 1988. Define, também, claramente, a responsabilidade, no processo, do Ministério de Minas e Energia, da FUNAI e do Ministério Público. O Ministério Público tem a importante missão de ser o fiador de todo o processo e da vontade manifesta dos índios.

Srªs e srs. Senadores, acredito ter dado uma contribuição relevante, ao apresentar o mencionado projeto de lei, para que seja bem regulamentada a delicada questão da exploração mineral em terras indígenas. Tanto as comunidades indígenas quanto a comunidade nacional mais ampla têm muito a beneficiar-se de um tratamento adequado e racional deste assunto.

A sociedade brasileira está em constante evolução. Tudo muda. E tem mudado para melhor. O entendimento que tínhamos no passado sobre os índios não é o mesmo que temos hoje. E nessa afirmação incluo, é claro, os missionários religiosos, como é evidente e nos ensina a História. Por seu turno, o entendimento que os índios tinham no passado sobre nós, os não-índios, não é o mesmo que têm hoje. As expectativas que eles tinham tampouco são as mesmas. Nem suas aspirações.

O importante, o realmente importante, é que sejamos respeitosos com os índios, reconhecendo-lhes os legítimos direitos, desfazendo-nos de idéias preconcebidas sobre o que é o índio, deixando-os, cada vez mais, expressarem-se livremente, como têm feito com muita assertividade. E, por fim, que não sejamos negligentes com os interesses maiores desta grande nação, que se chama Brasil, e que deve nos irmanar a todos.

Encerro aqui minhas palavras e aguardo a oportunidade de prestar quaisquer esclarecimentos no debate em que culminará este painel.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2006 - Página 35782