Discurso durante a 197ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o tema "Planejamento para um Brasil Novo", afeto às reformas, ao crescimento econômico, ao combate à pobreza. Apelo aos parlamentares no sentido de uma contribuição efetiva na formulação das políticas públicas, na definição das prioridades nacionais e na apreciação e aprovação do Orçamento.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. ORÇAMENTO.:
  • Considerações sobre o tema "Planejamento para um Brasil Novo", afeto às reformas, ao crescimento econômico, ao combate à pobreza. Apelo aos parlamentares no sentido de uma contribuição efetiva na formulação das políticas públicas, na definição das prioridades nacionais e na apreciação e aprovação do Orçamento.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2006 - Página 36366
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO. ORÇAMENTO.
Indexação
  • REITERAÇÃO, DISCURSO, INICIO, MANDATO PARLAMENTAR, ORADOR, DEFESA, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROGRAMA, GOVERNO, PLANEJAMENTO, LONGO PRAZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, COMBATE, POBREZA.
  • ANALISE, HISTORIA, DESCUMPRIMENTO, GOVERNO, PLANO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, RESSALVA, ATUAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESULTADO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ELOGIO, PROGRAMA, BOLSA FAMILIA, NECESSIDADE, POLITICA, INCLUSÃO, QUEBRA, DEPENDENCIA, SIMULTANEIDADE, MEDIDA DE EMERGENCIA, COMBATE, FOME.
  • ANUNCIO, GOVERNO, PRIORIDADE, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, LEITURA, TRECHO, ESTUDO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), DETALHAMENTO, PROVIDENCIA, REDUÇÃO, DIVIDA PUBLICA, TAXAS, JUROS, TRIBUTAÇÃO, AUMENTO, INVESTIMENTO PUBLICO, INFRAESTRUTURA.
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, MENSAGEM PRESIDENCIAL, EXERCICIO FINANCEIRO SEGUINTE, REMESSA, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, COMPARAÇÃO, DADOS, PLANO PLURIANUAL (PPA).
  • ANALISE, PROBLEMA, GESTÃO, GOVERNO, CUMPRIMENTO, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, EXCESSO, BUROCRACIA, INVESTIMENTO, PREJUIZO, EFICIENCIA, GASTOS PUBLICOS, AUSENCIA, PREVENÇÃO, CORRUPÇÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AGILIZAÇÃO, PROCESSO LEGISLATIVO, ORÇAMENTO, COBRANÇA, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO (MPOG), LONGO PRAZO.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 26 de março de 2003, quando fiz o meu primeiro pronunciamento na tribuna desta Casa, abordei o tema “Planejamento para um Brasil Novo”, com o qual procurei colocar em pauta a urgente e grave necessidade de o Congresso Brasileiro aprofundar o debate e a participação nos programas de governo e no planejamento estratégico de longo prazo.

Hoje, quase quatro anos depois, retorno a esta tribuna para abordar praticamente o mesmo tema, afeto às reformas, ao crescimento econômico, ao combate à pobreza; e para conclamar os nobres Pares, mais uma vez, a contribuírem efetivamente na formulação das políticas públicas e na definição das prioridades nacionais.

Naquela ocasião, li para esta egrégia platéia trechos da apresentação de um Plano Nacional de Desenvolvimento que propunha, além da retomada do crescimento, a erradicação da pobreza, o resgate da dívida social e a melhoria da distribuição de renda por meio da recuperação dos salários.

Após a leitura daquela apresentação, que antecipava o conteúdo de um projeto absolutamente atualizado e adequado à realidade nacional, fiz aos nobres Colegas a surpreendente revelação de que o texto, de fato, antecedia um Plano Nacional de Desenvolvimento -- referente, porém, ao período, pasmem, de 1986 a 1989.

Com aquele subterfúgio, pretendi, na verdade, demonstrar a inconsistência do planejamento estratégico em nosso País, onde os planos se sucedem sem lograr transformações mais profundas e eficazes na nossa realidade econômica e na nossa estrutura social. Assim, a apresentação das diretrizes de Governo, lida duas décadas depois, conservava incrível atualidade.

É mister reconhecer que, por muito tempo, o planejamento governamental em nosso País foi prejudicado por um processo inflacionário exacerbado que, impossibilitando prever receitas e despesas com razoável acerto, praticamente jogava por terra a construção de qualquer cenário macroeconômico no médio e no longo prazos.

Para além dessa agravante histórica, é preciso reconhecer, também, que muitas vezes as diretrizes governamentais se resumiam a peças de oratória, não porque suas premissas e propostas fossem equivocadas, mas porque o poder público nem sempre estava de fato comprometido com a execução das metas ali estabelecidas.

Isto posto, quero fazer uma ressalva no que concerne às propostas do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o seu primeiro mandato: em que pese o fato de que muitas delas não foram cumpridas na sua integralidade ou não corresponderam à expectativa, o combate à pobreza foi uma tônica do seu Governo, de forma a tornar realidade, pela primeira vez na nossa história recente, a sempre prometida transferência de renda.

Essa conquista, naturalmente, é ressaltada na Mensagem Presidencial que encaminha o Projeto de Lei Orçamentária para o exercício financeiro de 2007, a qual demonstra ter ocorrido um aumento de 3,2% no rendimento dos trabalhadores de menor remuneração (os 50% mais pobres). Essa mudança se refletiu no índice de Gini, que mede a concentração de renda e que, segundo o IBGE, alcançou em 2004 seu valor mais baixo (0,547) desde 1981. A essa mudança na distribuição do rendimento se acrescem, com maior impacto para as famílias de baixa renda, os efeitos do Programa Bolsa-Família e a desoneração da cesta básica.

A esse propósito, aliás, Srªs e Srs. Senadores, quero chamar a atenção para um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que observa:

(...) a experiência recente com programas condicionais de transferência de renda à população mais pobre abriu uma perspectiva nova para as políticas sociais. A recente redução dos índices de desigualdade e pobreza indica que é possível operar mudanças mesmo num contexto de baixo crescimento e de recursos pouco vultosos.

O próprio documento, porém, adverte:

No entanto, os programas atuais precisam de maior articulação na provisão de assistência social, de modo a gerar uma possibilidade real de rompimento do círculo vicioso da pobreza, impedindo que a dependência se perpetue.

A questão social, sabemos todos, tem raízes profundas. O resgate social, a inclusão de imensos contingentes de desamparados e a extensão da verdadeira cidadania a todos os brasileiros requerem, além de firme determinação, políticas públicas continuadas e consistentes, além do empenho de toda a sociedade.

No pronunciamento já aludido, de quase quatro anos atrás, referi-me ao agravamento das condições sociais nas últimas décadas, quando sucessivos governantes se enredaram, ora na escalada inflacionária, ora na estagnação econômica, ora no endividamento público. Por muito tempo, Sr. Presidente, prevaleceu a tese de que o combate à pobreza não era possível sem antes lograr um crescimento econômico significativo e sustentado.

Ocorre que a fome é implacável, e o combate à miséria não pode esperar, o que exige uma atuação em duas vertentes: a primeira, com medidas de urgência, para aplacar o sofrimento e até garantir a sobrevivência de milhões de brasileiros marginalizados pelo mercado; a segunda, com a adoção de políticas duradouras, que permitam romper essa condição de dependência, como adverte o Ipea.

Em seu primeiro governo, vimos que o Presidente Lula conseguiu a façanha de resgatar um pouco da nossa histórica dívida social. Ainda que se trate de uma tarefa incipiente, essa conquista é relevante por melhorar as condições de vida de parcela da população e também por desmentir a teoria de que é preciso fazer crescer o bolo para só então reparti-lo.

Agora, às vésperas de iniciar seu segundo mandado, o Presidente Lula anuncia medidas para promover o crescimento econômico em índices mais elevados. Há um consenso de que diversas medidas precisam ser adotadas para que o Governo consiga recuperar as condições de crescimento. Essa é também a conclusão do Ipea, que, em estudo divulgado no mês passado, ponderou:

Do ponto de vista das principais variáveis macroeconômicas, a recuperação do crescimento deve estar assentada em quatro pilares inter-relacionados. Primeiro, uma trajetória de redução da dívida pública/PIB para níveis mais próximos daqueles de países que já alcançaram grau de investimento (abaixo de 30% do PIB), liberando assim recursos financeiros para a expansão do investimento privado. Segundo, tem que ocorrer em um contexto de expressiva - ainda que gradual - diminuição das taxas de juros, tendência que depende do comportamento da relação dívida pública/PIB e de todos os fatores capazes de reduzir estruturalmente a taxa de inflação. Terceiro, precisa ser alavancada por uma retomada do investimento público em infra-estrutura. E quarto, precisa vir de mãos dadas com a redução da carga tributária.

(...)

A queda da relação entre as despesas públicas correntes e o PIB [enfatiza o IPEA] é o elo que garante a consistência desse conjunto de condições.

O próprio Ipea estima que uma expansão da economia da ordem de 5% ao ano exigiria uma taxa de investimento em torno de 26% do PIB, o que não será fácil - basta ver os números recém-anunciados sobre o crescimento destes últimos três meses, muito aquém do que se esperava ao compararmos com o crescimento de igual período no ano passado.

Diversos economistas têm alertado para as dificuldades de investir esse montante - volto a repetir, Sr. Presidente: são 26% do PIB -, em face do aumento dos gastos públicos com pagamento de pessoal e benefícios previdenciários. Além disso, especialistas advertem que o setor elétrico não suportaria um crescimento superior a 3% ou 4% ao ano. Embora o Ministro Silas Rondeau esteja otimista, a ameaça de racionamento, para os especialistas do setor, não pode ser ignorada.

A Mensagem em que o Presidente da República encaminha ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária lista alguns fatores favoráveis ao crescimento, destacando:

        Somente assegurando as condições necessárias para manter a estabilidade dos preços, a austeridade fiscal e o ajuste das contas externas, o País poderá crescer de forma mais acelerada e com melhor distribuição de renda.

Entre os fatores favoráveis, o documento cita a reversão da trajetória ascendente do endividamento público e a melhoria do perfil da dívida. Enfatiza também a estabilidade dos preços e a previsibilidade do comportamento da economia, tão necessárias à competitividade das empresas e ao aumento de eficiência do setor produtivo. Finalmente, a Mensagem de Sua Excelência menciona a redução da vulnerabilidade externa como um dos fatores que favoreceriam o crescimento econômico em seu segundo mandato presidencial.

A combinação de fatores, tais como o reforço da política fiscal, o controle da inflação, a redução da vulnerabilidade externa e o ambiente internacional favorável, resultou na expressiva redução do risco-país, que declinou do patamar de 1.446 pontos-base, no final de 2002, para 479 pontos-base no final de 2003, diminuindo ainda mais nos anos seguintes [diz o documento; que acrescenta que] Em 14 de agosto de 2006, o risco-país atingiu o patamar mínimo histórico de 206 pontos-base, aproximando-se rapidamente do risco das principais economias emergentes.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, eu precisaria de um pouco mais de tempo. Tenho certeza de que agora vou me disciplinar para encerrar.

Para o próximo ano, o projeto oriundo do Executivo prevê crescimento real de 4,75%; PIB nominal de 2 trilhões e 299 bilhões; IPCA acumulado de 4,5%; taxa de juros de 13% ao final de dezembro; câmbio médio na razão de R$2,3 para US$1.00 e crescimento nominal da massa salarial de 9,9%.

Esses dados coincidem com as metas da Revisão do Plano Plurianual 2004/2007, agora colocadas em bases mais realistas, mas ainda assim constatamos falhas em alguns aspectos. Para o presente exercício, o PPA previa crescimento real do PIB de 5%; a revisão baixou essa meta para 4,5%, mas os resultados do terceiro trimestre autorizam uma previsão de apenas 3,2% entre os mais otimistas, Sr. Presidente. Para 2007, esse crescimento, que era estimado em 5,5%, baixou para 4,75%, índice, ainda assim, visto com muita desconfiança. O próprio Poder Executivo, a fim de tornar essa previsão viável, vem anunciando medidas como a utilização dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a desoneração de impostos e da folha salarial, com a finalidade de reduzir os custos dos investimentos.

Tomo agora, Srªs e Srs. Senadores, alguns dados do Plano Plurianual 2004/2007 para ressaltar o propósito deste pronunciamento, com o qual pretendo chamar a atenção para a necessidade de debatermos as peças orçamentárias com maior profundidade e elaborarmos o planejamento estratégico com mais consistência.

A taxa de juros média, por exemplo, foi sempre superior ao previsto nesses três anos. Estimada em 14,5% para 2004, fechou com 16,24%; prevista em 12,4% para 2005, ficou em 19,12%. O crescimento do PIB superou a previsão de 4% em 2004, fechando o ano com o índice de 4,94%. Entretanto, a previsão de 4,5% para 2005 viu-se reduzida a 2,28%, enquanto a estimativa para o presente exercício, de 4,5%, deve realizar-se em, no máximo, 3,2%.

Para manter a previsão de crescimento mais acentuado em 2007, sem afetar a estabilidade de preços, o Governo Lula pretende dar continuidade à política de responsabilidade fiscal, com obtenção de superávits e declínio do endividamento do setor público; aposta na expansão dos investimentos públicos e privados, tendo como trunfo a anunciada desoneração tributária, e confia num cenário internacional favorável, a exemplo dos dois últimos anos.

Entretanto, ainda que se obtenham os recursos no volume suficiente para impulsionar a economia, é necessário gastá-los de forma adequada e em tempo hábil, e essa é outra dificuldade. A revista Desafios do Desenvolvimento, em recente edição, abordou esse assunto, enfatizando: “Excesso de rigidez do modelo orçamentário e problemas de gestão tornam difícil para o Governo Federal cumprir as metas de investimento autorizadas pelo Congresso”.

A citada reportagem, intitulada “O problema é conseguir gastar”, lembra que a dificuldade se repete quase todo ano. Nos últimos dias de cada exercício, as equipes dos Ministérios tentam gastar os recursos liberados pelo Tesouro Nacional “no apagar das luzes” - normalmente, na última semana de dezembro. Entretanto, não tendo a mesma agilidade das empresas privadas, e ainda presa a um conjunto de regras fiscais que emperram sua eficiência “sem conseguir evitar a corrupção”, a máquina pública não consegue fazer bom uso desse dinheiro.

“O modelo do Orçamento federal brasileiro torna difícil cumprir as metas, especialmente as de investimentos”, diz a revista. Os problemas começam já na elaboração do Orçamento, pois o primeiro esboço das prioridades é encaminhado ao Congresso com o Projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias até 15 de abril, ou seja, quase um ano antes de as despesas serem efetivamente implementadas. Nessa ocasião, ainda não se tem uma definição de como se comportarão a economia e a arrecadação de tributos.

Além disso, o Orçamento da União é engessado por diversas receitas previamente comprometidas, como o pagamento de juros e os gastos obrigatórios com educação, saúde, benefícios e custeio. Para Renato Villela, diretor-adjunto do IPEA, essa definição a priori do destino das receitas “tira do gestor público a capacidade de definir prioridades”. Como exemplo desse engessamento, ele cita o fato de que, em 1998, o Governo Federal podia aplicar discricionariamente cerca de 55% das receitas; em 2005, essa parcela foi de apenas 15%. Para os próximos anos, a tendência é de agravamento desse quadro, pois o Governo Federal, após 2007, não poderá mais contar com a Desvinculação dos Recursos da União (DRU).

Nós mesmos, Srªs e Srs. Senadores, aqui no Congresso Nacional, precisamos criar mecanismos capazes de conferir maior agilidade na apreciação e aprovação das leis orçamentárias. Independentemente de opções ideológicas ou partidárias, de questões regionais e de interesses setoriais, não se pode admitir que o Projeto de Lei Orçamentária para 2006 somente tenha sido encaminhado à sanção no mês de maio, e que a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano fiscal de 2007, encaminhada no mês de abril, ainda não tenha sido apreciada.

Por sua vez, o Poder Executivo também precisa promover mudanças na sua forma de lidar com o Orçamento federal. Todos os anos, com uma constância gregoriana, o Ministério da Fazenda libera os recursos em doses homeopáticas, com receio de que as metas de arrecadação não se confirmem. Quando maiores volumes de recursos são, enfim, liberados, os Ministérios nem sempre dispõem de projetos adequados à boa aplicação dessas verbas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil paga um elevado preço por não dar maior importância ao planejamento estratégico de longo prazo. Há quase quatro anos, desta tribuna, alertei a classe política e os governantes quanto à fragilidade de setores importantes de nossa economia, referindo-me, então, aos investimentos previstos no PPA 2000/2003, parcialmente executados. Na ocasião, mencionei a falta de novos investimentos devido à ausência de regras claras no modelo setorial e à inobservância do planejamento público. Hoje, embora com maior nível de definição regulatória, os investidores estão reticentes, falta regulação, o Governo parece inerte e a sociedade continua preocupada diante da possibilidade de um novo “apagão”, com as conseqüências que traz. Situações idênticas se repetem em outros setores, como o de transportes, com reflexos graves na elevação dos custos da economia e na perda de competitividade dos nossos produtos.

Ao aproximar-se o final de mais um ano e também o final do primeiro Governo Lula, quero aproveitar a oportunidade para conclamar os colegas Parlamentares a fazer da apreciação das leis orçamentárias um compromisso relevante desta Casa, para que as políticas públicas se tornem mais eficientes e os recursos do contribuinte sejam melhor aproveitados. E, lembrando que em 2007 deveremos apreciar também a proposta do Plano Plurianual 2008/2011, quero fazer um apelo no sentido de nos prepararmos, desde já, para conferir àquela proposta um elevado grau de acerto e de eficácia. Com o nosso empenho e com o aperfeiçoamento dos órgãos governamentais na execução das políticas públicas, o planejamento, tenho certeza, se consolidará como um instrumento poderoso para alavancar o crescimento econômico de forma sustentada, para expandir as ações de resgate da dívida social e para tornar o Brasil mais competitivo no cenário internacional.

Sr. Presidente, eu gostaria de ver registrada a íntegra deste pronunciamento nos Anais do Senado e de, mais uma vez, agradecer a paciência de V. Exª e dos demais Senadores, que me ouviram até agora.

Muito obrigado.

 

************************************************************************************************SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL.

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           O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 26 de março de 2003, quando fiz o meu primeiro pronunciamento na tribuna desta Casa, abordei o tema Planejamento para um Brasil Novo, com o qual procurei colocar em pauta a urgente e grave necessidade de o Congresso Brasileiro aprofundar o debate e a participação nos programas de Governo e no planejamento estratégico, de longo prazo.

           Hoje, quase quatro anos depois, retorno a esta tribuna para abordar praticamente o mesmo tema, afeto às reformas, ao crescimento econômico, ao combate à pobreza; e para conclamar os nobres Pares, mais uma vez, a contribuírem efetivamente na formulação das políticas públicas e na definição das prioridades nacionais.

           Naquela ocasião, li para esta egrégia platéia trechos da apresentação de um Plano Nacional de Desenvolvimento que propunha, além da retomada do crescimento, a erradicação da pobreza, o resgate da dívida social e a melhoria na distribuição da renda por meio da recuperação dos salários.

           Após a leitura daquela apresentação, que antecipava o conteúdo de um projeto absolutamente atualizado e adequado à realidade nacional, fiz aos nobres Colegas a surpreendente revelação de que o texto, de fato, antecedia um Plano Nacional de Desenvolvimento referente, porém, ao período de 1986 a 1989.

           Com aquele subterfúgio, pretendi, na verdade, demonstrar a inconsistência do planejamento estratégico em nosso País, onde os planos se sucedem sem lograr transformações mais profundas e eficazes na nossa realidade econômica e na nossa estrutura social. Assim, a apresentação das diretrizes de Governo, lida duas décadas depois, conservava incrível atualidade.

           É mister reconhecer que, por muito tempo, o planejamento governamental em nosso País foi prejudicado por um processo inflacionário exacerbado que, impossibilitando prever receitas e despesas com razoável acerto, praticamente jogava por terra a construção de qualquer cenário macroeconômico no médio e no longo prazos.

           Para além dessa agravante histórica, é preciso reconhecer, também, que muitas vezes as diretrizes governamentais se resumiam a peças de oratória, não porque suas premissas e propostas fossem equivocadas, mas porque o Poder Público nem sempre estava de fato comprometido com a execução das metas ali estabelecidas.

           Isto posto, quero fazer uma ressalva no que concerne às propostas do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o seu primeiro mandato, em que pese o fato de que muitas delas não foram cumpridas na sua integralidade ou não corresponderam à expectativa; o combate à pobreza foi uma tônica do seu Governo, de forma a tornar realidade, pela primeira vez na nossa história recente, a sempre prometida transferência de renda.

           Essa conquista, naturalmente, é ressaltada na Mensagem Presidencial que encaminha o Projeto de Lei Orçamentária para o exercício financeiro de 2007, a qual demonstra ter ocorrido um aumento de 3,20% no rendimento dos trabalhadores de menor remuneração (os 50% mais pobres). Essa mudança se refletiu no índice de Gini, que mede a concentração de renda, e que, segundo o IBGE, alcançou em 2004 seu valor mais baixo (0,547), desde 1981.

           A essa mudança na distribuição do rendimento se acrescem, com maior impacto para as famílias de baixa renda, os efeitos do Programa Bolsa-Família e a desoneração da cesta básica.

           A esse propósito, aliás, Srªs e Srs. Senadores, quero. chamar a atenção para um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA - , que observa: (...) " a experiência recente com programas condicionais de transferência de renda à população mais pobre abriu uma perspectiva nova para as políticas sociais. A recente redução dos índices de desigualdade e pobreza indica que é possível operar mudanças mesmo num contexto de baixo crescimento e de recursos pouco vultosos".

           O próprio. documento, porém, adverte: "No entanto, os programas atuais precisam de maior articulação na provisão de assistência social, de modo a gerar uma possibilidade real de rompimento do círculo vicioso da pobreza, impedindo que a dependência se perpetue".

           A questão social, sabemos todos, tem raízes profundas. O resgate social, a inclusão de imensos contingentes de desamparados e a extensão da verdadeira cidadania a todos os brasileiros requerem, além de firme determinação, políticas públicas continuadas e consistentes, além do empenho de toda a sociedade.

           No pronunciamento já aludido, de quase quatro anos atrás, referi-me ao agravamento das condições sociais nas últimas décadas, quando sucessivos governantes se enredaram, ora na escalada inflacionária, ora na estagnação econômica, ora no endividamento público. Por muito tempo, prevaleceu a tese de que o combate à pobreza não era possível sem, antes, lograr um crescimento econômico significativo e sustentado.

           Ocorre, Sr. Presidente, que a fome é implacável e o combate à miséria não pode esperar, o que exige uma atuação em duas vertentes: a primeira, com medidas de urgência, para aplacar o sofrimento e até garantir a sobrevivência de milhões de brasileiros marginalizados pelo mercado; a segunda, com a adoção de políticas duradouras, que permitam romper essa condição de dependência, como adverte o IPEA.

           Em seu primeiro governo, vimos que o Presidente Lula conseguiu a façanha de resgatar um pouco da nossa histórica dívida social. Ainda que se trate de uma tarefa incipiente, essa conquista é relevante por melhorar as condições de vida de parcela da população e também por desmentir a teoria de que é preciso fazer crescer o bolo para só então reparti-lo.

           Agora, às vésperas de iniciar seu .segundo mandato, o Presidente Lula anuncia medidas para promover o crescimento econômico em índices mais elevados. Há um consenso de que diversas medidas precisam ser adotadas para que o Governo consiga recuperar as condições de crescimento. Essa é também a conclusão do IPEA, que, em estudo divulgado no mês passado, ponderou:

           "Do ponto de vista das principais variáveis macroeconômicas, a recuperação do crescimento deve estar assentada em quatro pilares inter-relacionados. Primeiro, uma trajetória de redução da relação dívida pública/PIB para níveis mais próximos daqueles de países que já alcançaram grau de investimento (abaixo de 300/0 do PIB), liberando assim recursos financeiros para a expansão do investimento privado. Segundo, tem que ocorrer em um contexto de expressiva - ainda que gradual - diminuição das taxas de juros, tendência. que depende do comportamento da relação dívida pública/PIB e de todos os fatores capazes de reduzir estruturalmente a taxa de inflação. Terceiro, precisa ser alavancada por uma retomada do investimento público em infra-estrutura. E, quarto, precisa vir de mãos dadas com a redução da carga tributária". "A queda da relação entre as despesas públicas correntes e o PIB - enfatiza o IPEA - é o elo que garante a consistência desse conjunto de condições".

           0 próprio IPEA estima que uma expansão da economia. da ordem de 5% ao ano exigiria uma taxa de investimento em torno de 260/0.dó PIB, o que não será fácil. Diversos economistas têm alertado para as dificuldades de investir esse montante, em face do aumento dos gastos públicos com pagamento de pessoal e benefícios previdenciários. Além disso, especialistas advertem que o setor elétrico não suportaria um crescimento superior a 3% ou 4 % ao ano. Embora o Ministro Silas Rondeau esteja otimista, a ameaça de racionamento, para os especialistas do setor, não pode ser ignorada.

           A Mensagem em que o Presidente da República encaminha ao Congresso Nacional o Projeto de Lei

           Orçamentária lista alguns fatores favoráveis ao crescimento, destacando: "Somente assegurando as condições necessárias para manter a estabilidade dos preços, a austeridade fiscal e o ajuste das contas externas, o País poderá crescer de forma mais acelerada e com melhor distribuição da renda".

           Entre os fatores favoráveis, o documento cita a reversão da trajetória ascendente do endividamento público e a melhoria do perfil da dívida. Enfatiza, também, a estabilidade dos preços e a previsibilidade do comportamento da economia, tão necessárias à competitividade das empresas e ao aumento de eficiência do setor produtivo. Finalmente, a Mensagem de Sua Excelência menciona a redução da vulnerabilidade externa, como um dos fatores que favoreceriam o crescimento econômico em seu segundo mandato presidencial.

           "A combinação de fatores, tais como o reforço da política fiscal, o controle da inflação, a redução da vulnerabilidade externa e o ambiente internacional favorável, resultou na expressiva redução do risco-país, que declinou do patamar de 1.446 pontos-base, no final de 2002, para 479 pontos-base ao final de 2003, diminuindo ainda mais nos anos seguintes", diz o documento, acrescentando: Em 14 de agosto de 2006, o risco-país atingiu patamar mínimo histórico de 206 pontos-base, aproximando-se rapidamente do risco das principais economias emergentes".

           Para o próximo ano, o projeto oriundo do Executivo prevê crescimento real de 4,75%; Pie nominal de 2 trilhões 299 bilhões; IPCA acumulado de 4,5%; taxa de juros de 13% ao final de dezembro; câmbio médio na razão de R$2,3 para um dólar e crescimento nominal da massa salarial de 9,9%.

           Esses dados coincidem com as metas da Revisão do Plano Plurianual 2004/2007, agora colocadas em bases mais realistas, mas ainda assim falhas em alguns aspectos. Para o presente exercício, o PPA previa crescimento real do Pie de 5%; a revisão baixou essa meta para 4,50/0, mas os resultados do terceiro trimestre autorizam uma previsão de apenas 3,2% entre os mais otimistas. Para 2007, esse crescimento, que era estimado em 5,50/0, baixou para 4,75%, índice, ainda assim, visto com muita desconfiança. O próprio Poder Executivo, a fim de tornar essa previsão viável, vem anunciando medidas como a utilização dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a desoneração impostos e da folha salarial, com a finalidade de reduzir os custos dos investimentos.

           Tomo agora, Srªs e Srs. Senadores, alguns dados do Plano Plurianual 2004-2007 para ressaltar o propósito deste pronunciamento, com o qual pretendo chamar a atenção para a necessidade de debatermos as peças orçamentárias com maior profundidade e elaborarmos o planejamento estratégico com mais consistência.

           A taxa de juros média, por exemplo, foi sempre superior ao previsto nesses três anos. Estimada em 14,5% para 2004, fechou com 16,24%; prevista em 12,4% para 2005, ficou em 19",12%. O crescimento do PIB superou a previsão de 4%, em 2004, fechando o ano com o índice de 4,94%. Entretanto, a previsão de 4,5% para 2005 viu-se reduzida a 2,28%, enquanto a estimativa para o presente exercício, de 4,5%, deve realizar-se em, no máximo, 3,2%.

           Para manter a previsão de crescimento mais acentuado em 2007, sem afetar a estabilidade de preços, o Governo Lula pretende dar continuidade à política de responsabilidade fiscal, com obtenção de superávits e declínio do endividamento do setor público aposta na expansão dos investimentos públicos e privados, tendo como trunfo a anunciada desoneração tributária, e confia num cenário internacional favorável, a exemplo dos dois últimos anos.

           Entretanto, ainda que se obtenham os recursos no volume suficiente para impulsionar a economia, é necessário gastá-los de forma adequada e em tempo hábil, e essa é outra dificuldade. A revista Desafios do Desenvolvimento, em recente edição abordou esse assunto, enfatizando: "Excesso de rigidez do modelo orçamentário e problemas de gestão tornam difícil para o Governo Federal cumprir as metas de investimento autorizadas pelo Congresso".

           A citada reportagem, intitulada "O problema é conseguir gastar", lembra que a dificuldade se repete quase todo ano. Nos últimos dias de cada exercício, as equipes dos Ministérios tentam gastar os recursos liberados pelo Tesouro Nacional "no apagar das luzes". Entretanto, não tendo a mesma agilidade das empresas privadas, e ainda presa a um conjunto de regras fiscais que emperram sua eficiência "sem conseguir evitar a corrupção", a máquina pública. não consegue fazer bom uso desse dinheiro.

           "O modelo de Orçamento federal brasileiro torna difícil cumprir as metas, especialmente as de investimentos", diz a revista. Os problemas começam já na elaboração do orçamento, pois o primeiro esboço das prioridades é encaminhado ao Congresso com o Projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias até 15 de abril, ou seja, quase um ano antes de as despesas serem efetivamente implementadas. Nessa ocasião, ainda não se tem uma definição de como se comportarão a economia e a arrecadação de tributos.

           Além disso, o Orçamento da União é engessado por diversas receitas previamente comprometidas, como o pagamento de juros e os gastos obrigatórios com educação, saúde, benefícios e custeio. Para Renato Villela, Diretor-Adjunto do IPEA, essa definição a priori do destino das receitas “tira do gestor público a capacidade de definir prioridades". Como exemplo desse engessamento, ele cita o fato de que, em 1998, o Governo Federal podia aplicar discricionariamente cerca de 55% das receitas; em 2005, essa parcela foi de apenas 15°k. Para os próximos anos a tendência é de agravamento desse quadro, pois o Governo Federal, após 2007, não poderá mais contar com a Desvinculação dos Recursos da União (DRU).

           Nós mesmos, Srªs e Srs. Senadores, aqui no Congresso Nacional, precisamos criar mecanismos capazes de conferir maior agilidade na apreciação e aprovação das leis orçamentárias. Independentemente de opções ideológicas ou partidárias, de questões regionais e de interesses setoriais, não se' pode admitir que o Projeto de Lei Orçamentária para 2006 somente tenha sido encaminhado à sanção no mês de maio; e que a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano fiscal de 2007, encaminhada no mês de abril, ainda não tenha sido apreciada.

           Por sua vez, o Poder Executivo também precisa promover mudanças na sua forma de lidar com o orçamento federal. Todos os anos, com uma constância gregoriana, o Ministério da Fazenda libera os recursos em doses homeopáticas, com receio de que as metas de' arrecadação não se confirmem;" e quando maiores volumes de recursos são enfim. liberados, os Ministérios nem sempre dispõem de projetos adequados à boa aplicação dessas verbas.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil paga um elevado preço por não dar maior importância ao planejamento estratégico de longo prazo. Há quase quatro anos, desta Tribuna, alertei a classe política e os governantes quanto à fragilidade de setores importantes de nossa economia, referindo-me, então, aos investimentos previstos no PP A 2000-2003, parcialmente executados. Na ocasião, mencionei a falta de novos investimentos devido à ausência de regras claras no modelo setorial e à inobservância do planejamento público. Hoje, embora com maior nível de definição. regulatória, os investidores estão reticentes, o Governo parece inerte e. a sociedade continua preocupada diante da possibilidade de um novo "apagão". Situações idênticas se repetem em outros setores, como o de transportes, com reflexos graves na elevação dos custos da economia e na perda de competitividade.

           Ao aproximar-se o final de mais um ano e também o final do primeiro Governo Lula, quero aproveitar a oportunidade para conclamar os Colegas Parlamentares a fazer da apreciação das leis orçamentárias um compromisso relevante desta Casa para que as políticas públicas se tornem mais eficientes e os recursos do contribuinte sejam melhor aproveitados. E, lembrando que em 2007 deveremos apreciar também a proposta do Plano Plurianual 2008-2011, quero fazer um apelo no sentido de nos prepararmos, desde já, para conferir aquela proposta um elevado grau de acerto e de eficácia. Com o nosso empenho e com o aperfeiçoamento dos órgãos governamentais na execução das políticas públicas, o planejamento, tenho certeza, se consolidará como um instrumento poderoso para alavancar o crescimento econômico de forma sustentada, para expandir as ações de resgate da dívida social e para tornar o Brasil mais competitivo no cenário internacional.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2006 - Página 36366