Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 30/11/2006
Discurso durante a 197ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Defesa do marco regulatório específico para o terceiro setor e criação de um cadastro nacional de ONGs, qualificando a entidade que recebe recursos públicos, como organização de sociedade civil de interesse público.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
POLITICA SOCIAL.:
- Defesa do marco regulatório específico para o terceiro setor e criação de um cadastro nacional de ONGs, qualificando a entidade que recebe recursos públicos, como organização de sociedade civil de interesse público.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/12/2006 - Página 36373
- Assunto
- Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG). POLITICA SOCIAL.
- Indexação
-
- COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONFERENCIA, REALIZAÇÃO, SENADO, DEBATE, SITUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), NECESSIDADE, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, FUNCIONAMENTO, ORGANIZAÇÃO CIVIL, OBJETIVO, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, ATIVIDADE.
- REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), SUPERIORIDADE, QUANTIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PARTICIPAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB).
- CONTRADIÇÃO, OBJETIVO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DESENVOLVIMENTO, TRABALHO, PROMOÇÃO, CIDADANIA, DEFESA, DIREITOS SOCIAIS, AUSENCIA, OBTENÇÃO, LUCRO, QUESTIONAMENTO, DEPENDENCIA, ORGANIZAÇÃO CIVIL, RECURSOS FINANCEIROS, ESTADO, PROVOCAÇÃO, ILEGALIDADE, DESVIO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, REGISTRO, DADOS, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).
- LEITURA, TRECHO, RELATORIO, AUTORIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, CADASTRO, ORGANIZAÇÃO CIVIL, REGULAMENTAÇÃO, FUNCIONAMENTO, ENTIDADE, OBJETIVO, VIABILIDADE, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, REDUÇÃO, ILEGALIDADE, ATIVIDADE, NECESSIDADE, CAMARA DOS DEPUTADOS, URGENCIA, APROVAÇÃO, PROJETO.
- COMENTARIO, IMPORTANCIA, ARTIGO, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO), NECESSIDADE, EXECUTIVO, INICIATIVA, PROJETO DE LEI, AMPLIAÇÃO, CONTROLE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, UNIÃO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
- REGISTRO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, REPRESENTANTE, SOCIEDADE CIVIL, ESTADO, OBJETIVO, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, pela manhã, tive a honra de participar de um painel do II Fórum do Senado, intitulado “Debate Brasil”, cujo tema foi o Terceiro Setor.
Coube-me, mais especificamente, falar sobre o marco regulatório do Terceiro Setor, em que se localizam as ONGs e outras entidades afins. Aproveito para registrar a explanação que fiz, para que conste também dos Anais do Senado.
O assunto é atual e, por isso mesmo, cumprimento o Senado pela iniciativa de promover esse fórum, bem como as entidades que dele participaram e que promovem o debate de um assunto tão momentâneo e importante para a Nação.
A crescente importância do Terceiro Setor impõe que se analise, profundamente, a sua realidade - uma realidade multifacetada, complexa e desafiadora. O Poder Legislativo, em particular, deve assumir tal encargo, uma vez que a regulamentação legal da matéria se revela insuficiente, ou mesmo inconsistente.
A última pesquisa completa sobre o Terceiro Setor no Brasil, realizada pelo IBGE juntamente com outras instituições, mostrou um crescimento impressionante, tanto em número de entidades como em sua relevância econômica. Alcançávamos em 2002, ano de referência da pesquisa, um quantitativo de 276 mil entidades privadas sem fins lucrativos, ao passo que a participação no PIB dos recursos por elas movimentados, Sr. Presidente, pulava de 1,5%, em 1995, para um muito significativo 5,7% do PIB nacional.
Essa verdadeira explosão traduz uma nova realidade no que se refere às relações entre essas instituições e o conjunto da sociedade; mais particularmente entre elas e o Estado brasileiro.
Há muita discussão sobre o conceito e a identidade do Terceiro Setor. Parece-nos que, se o Primeiro Setor corresponde ao Estado e o Segundo, ao mercado, devemos incluir no Terceiro, de pleno direito, todas as instituições privadas sem fins lucrativos, por mais díspares que sejam as suas atividades. Delas se supõe, por não visarem a lucros, que representem interesses financeiros de certos grupos ou coletividades, que podem ser seus próprios associados; ou ainda que suas ações promovam causas de interesse público, isto é, de relevância para a sociedade como um todo.
Teríamos, entre essas últimas, as chamadas Organizações Não-Governamentais. As ONGs distinguem-se das entidades privadas e das sociedades beneficentes internacionais, na medida em que buscam realizar antes de tudo “um trabalho de promoção da cidadania e de defesa dos direitos coletivos”, nas palavras do Diretor-Geral da Associação Brasileira de Organização não-Governamentais (Abong), aliás, um dos expositores deste painel que se realizou pela manhã. Elas teriam, assim, necessariamente um viés político.
Essa visão corresponde a uma espécie de ideologia dominante entre as ONGs, as quais insistem em marcar sua posição de independência face ao Estado e também face ao mercado, o que legitimaria a possibilidade de conflitos com governos e empresas.
Essa ideologia tem o seu encanto radical, não desprovido de um elemento utópico. Mas, como tem ocorrido com diversas utopias, corre um sério risco de completa descaracterização ao contato com o mundo real.
É saudável questionar, primeiramente, a legitimidade com que uma ONG do mundo real se intitula defensora, e, logo, representante dos interesses de tais ou quais grupos sociais, como, por exemplo, de uma tribo indígena, ou dos moradores de rua. Seria necessário perguntar quem lhes outorgou, afinal, tal direito de representação, e como, e em que termos, isso foi feito.
Ao observar a realidade concreta das ONGs no Brasil, vemos que há uma crescente dependência delas em relação ao Estado, isto é, dos recursos públicos. Em um caso recentemente noticiado, mas já de há muito sabido, uma determinada ONG, que recebeu milhões de reais para cuidar da saúde dos índios Ianomâmi, lá no meu Estado de Roraima, reconheceu, em documento, que havia sido criada justamente para receber essas verbas. Ou seja: essa ONG não existia antes; a verba surgiu e tinha que se gastar aqueles recursos, então, criou-se uma ONG para receber tal verba.
Ou seja, há uma dependência dos repasses de recursos públicos, viabilizados pela terceirização da execução de ações de competência do Estado. As ONGs não são culpadas dessa tendência da política administrativa de muitos países, mas têm, sem dúvida, se beneficiado imensamente delas. É importante questionar, de qualquer modo, se não tem havido um exagero na transferência de incumbências do Estado Nacional a terceiros.
O pior quadro ocorre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entretanto, quando impera, desde o início, o intuito deliberado da fraude, de desvio dos preciosos recursos públicos para o enriquecimento ilícito de uns poucos, os quais muito dificilmente serão punidos, se é que já o foram alguma vez.
O exemplo acima referido é, sem dúvida, um lídimo representante dessa espécie. Infelizmente, não é um caso isolado, pois tem havido um número crescente de denúncias de malversação de verbas públicas por ONGs - e um grande número delas vêm sendo corroboradas pelos fatos apurados.
Ainda há pouco, uma auditoria do Tribunal de Contas da União mostrou uma situação de verdadeiro descalabro nos convênios firmados entre órgãos da administração pública e Organizações Não-Governamentais. A simples conclusão, tal como noticiada pela imprensa, de que ONGs ineptas receberam 54% dos repasses analisados - o que permite uma estimativa para o universo total desse tipo de transferência de verba da União - já fala por si mesmo. Quer dizer, 54% de recursos foram repassados para ONGs ineptas, isto é, ONGs que não tinham capacidade de exercer aquela tarefa para a qual o dinheiro estava sendo destinado.
O que perde o País com isso? Em 2005, mais de R$2,5 bilhões, em valores corrigidos, foram repassados do Tesouro Nacional para entidades privadas sem fins lucrativos. Talvez tenha havido, portanto, neste ano, uma perda de recursos da União de mais de R$1,250 bilhão.
Uma análise mais detida do respectivo relatório do TCU revela uma sucessão de falhas tanto da parte dos órgãos do Executivo como das ONGs, que se acumulam em todas as fases do processo, dos procedimentos prévios até à avaliação final dos resultados, se é que esta última ocorre - quando esta última ocorre.
Muitas dessas falhas representam o não-cumprimento das normas vigentes. Ainda assim, a reformulação do marco legal pode desempenhar um papel decisivo para alterar esse quadro lastimável.
Para citar um exemplo, é do entendimento daquele egrégio Tribunal de Contas da União que a assinatura de convênios e instrumentos congêneres pela administração pública deva ser, via de regra, amparada em licitação ou, então, em procedimento análogo que observe os princípios constitucionais pertinentes, em particular, o da impessoalidade.
Não há, contudo, uma unanimidade na interpretação do famoso “no que couber”, constante do art. 116, da Lei nº 8.666, Lei das Licitações, havendo mesmo uma tendência da jurisprudência em considerar que a exigência da licitação, que é regra dos contratos, não se aplica aos convênios. Seria muito positiva, portanto, uma disposição expressa sobre esse ponto na legislação.
Decerto, não apenas as ONGs, mas muitas das entidades que se classificam como beneficentes, têm apresentado conduta desabonadora; são, às vezes, não mais que uma fachada, escondendo um vazio de ação e um desmedido talento para se apoderar dos recursos públicos, tão insuficientes diante da necessidade de nosso povo.
Mas, no caso específico das ONGs, é comum, também, que os recursos que as mantêm venham de fora do País: de fundações e empresas privadas, da mesma ou de outras ONGs, de governos e de vários tipos de instituições públicas estrangeiras ou internacionais. Na medida em que essas ONGs exercem, no Brasil, atividades que apresentam um cunho político - embora não sejam, em princípio, de caráter partidário -, é muito justo que o Governo brasileiro acompanhe com atenção seus alegados objetivos e sua atuação.
Embora estejamos em tempos globalizados, não queremos, de modo algum, abrir mão da soberania de decisão sobre os rumos que a nossa Nação deve tomar; nem podemos admitir atividades ilícitas acobertadas pela proclamação de belos ideais, seja em que língua ou com que sotaque for.
Srªs e Srs. Senadores, levantei, aqui, uma série de problemas relacionados à atuação das entidades privadas sem fins lucrativos, pois julgo que elas são de fundamental importância para que se pense a redefinição do marco legal para o Terceiro Setor.
Certamente, há uma diversidade de aspectos que devem ser aí contemplados, como a distinção dos vários tipos de organizações do Terceiro Setor ou a questão dos incentivos.
Entretanto, face ao enorme crescimento do Setor e das ONGs em particular; e, mais ainda, face a grande quantidade de ilícitos denunciados ou comprovados, consideramos de fundamental importância, nesse momento, implementar normas que aumentem a possibilidade de controle da sociedade sobre suas atividades, sem prejuízo da liberdade de livre associação.
Um tal processo, ao separar o joio do trigo, vai criar um ambiente propício a que as ONGs sérias desenvolvam, com responsabilidade e tranqüilidade, o seu trabalho.
No que se refere à ênfase sobre a necessidade de um maior controle, talvez não fosse outra a expectativa daquele fórum ou dos seus organizadores ao convidarem, para abrir esse painel, o Senador - no caso, eu - responsável pela instalação da CPI das ONGs, que funcionou entre 2001 e 2002. E já estamos às vésperas de uma nova CPI das ONGs.
Julgamos que a realização da CPI que presidi resultou, sem dúvida, em um maior conhecimento pela sociedade a respeito da atuação das Organizações Não-Governamentais no País. Uma das inevitáveis conclusões de seus trabalhos é que deva haver, de fato, uma maior transparência quanto ao conjunto das ONGs em atividade no País.
A CPI das ONGs - a primeira, pois diversos Parlamentares, capitaneados pelo Senador Heráclito Fortes, já se mobilizaram para a instalação de uma nova - não esteve alheia à questão do marco legal. De seu relatório final, consta o seguinte trecho, que passo a citar:
A Lei nº 9.790/99, que trata da qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), está longe de representar a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Sociedade Civil. De fato, é apenas um pequeno passo nessa direção.
Assim, Srªs e Srs. Senadores, resultou dos trabalhos da CPI um projeto de lei que, sob a forma de substitutivo, foi aprovado por unanimidade no Senado e que tramita, presentemente, na Câmara, sob o nº 3.877. Tramita parado há mais de três anos. Não sei por quê. E agora se reclama que deve haver um marco regulatório.
Nós aqui do Senado, com a realização da CPI e a aprovação da matéria em Plenário, fizemos a nossa parte já há algum tempo.
Entre as medidas que propõe o projeto, destaco a criação do Cadastro Nacional das Organizações Não-Governamentais, instrumento importante para viabilizar a transparência a que há pouco eu me referia. Além disso, a qualificação como Oscip passará a ser exigida para que a organização possa ser beneficiária de qualquer tipo de transferência de recursos públicos.
Observe-se que, no parágrafo único desse artigo, a qualificação como Oscip é dispensada àquelas organizações que detenham o título de utilidade pública, tenham atestado de registro do Conselho Nacional de Assistência Social ou sejam qualificadas como organizações sociais ou entidades de apoio.
Tais exigências vão garantir um grau muito maior de segurança quanto à idoneidade e competência técnico-administrativa da organização que pleiteie a parceria com o Estado ou desenvolva o seu trabalho de interesse público em qualquer dos níveis de Governo.
Sabemos, entretanto, que são necessários outros instrumentos de controle, voltados, particularmente, para assegurar a boa utilização das verbas públicas. Não é por outra razão que as Leis de Diretrizes Orçamentárias têm-se dedicado a estabelecer condições para transferências de recursos públicos a entidades privadas, conforme previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre elas, temos a exigência de qualificação das entidades beneficiárias, de acordo com o tipo de transferência de recursos.
A LDO tem suprido, contudo, as lacunas da legislação permanente sobre administração orçamentária e financeira. Conscientes dessa contradição, os legisladores determinaram, no art. 35 da LDO/2004, que o Poder Executivo deveria apresentar “projeto de lei disciplinando a destinação de recursos da União para o setor privado, inclusive a Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, a título de subvenções, auxílios, contribuições correntes e de capital, e outras denominações”, fixando, para isso, um prazo de 270 dias.
Embora esse artigo não tenha sido vetado, tampouco se obedeceu à determinação, de modo que as subseqüentes Leis de Diretrizes Orçamentárias mantiveram os mencionados dispositivos e até mesmo os ampliaram. É o caso da exigência, constante da LDO/2007, de que “sejam divulgadas informações relativas aos convênios em páginas específicas na Internet mantidas pelos órgãos concedentes”, conforme informado na Nota Técnica nº 100, de 2006, da Consultoria de Orçamentos do Senado. Foi também incluída na nova LDO “a obrigatoriedade de publicação de edital de licitação pelos órgãos responsáveis pela execução de programas constantes da Lei Orçamentária para a seleção de instituições prestadoras de serviços à comunidade com recursos do Governo Federal”.
Como podemos perceber, todo esse conjunto de normas deveria constar, de forma sistemática, da legislação de caráter permanente. Essa é uma tarefa a ser implementada pelo Congresso Nacional - e repito, pela Câmara, porque o Senado já fez a sua parte -, mesmo que haja, enfim, a iniciativa, por parte do Poder Executivo, de uma proposição mais abrangente.
Não obstante já tramitarem diversas proposições sobre a matéria, nas duas Casas do Poder Legislativo, inclusive o projeto de lei aprovado no Senado a que me referi, não há dúvida de que é sempre importante ampliar o debate e ouvir os representantes da sociedade civil e do Estado, direta ou indiretamente envolvidos no assunto. Esse é um objetivo para o qual o 2º Fórum do Senado “Debate Brasil” certamente virá a contribuir.
Peço, portanto, Sr. Presidente, que esta palestra aqui lida seja parte também do meu pronunciamento.
Eu gostaria de fazer um comentário final. O meu medo é que no Brasil há sempre uma mania quando não se quer resolver algo, de constituir-se uma comissão ou fazer um fórum ou um seminário para debater o assunto. Espero que isso não ocorra, diante de tantos escândalos que estamos vendo diariamente nos jornais, envolvendo essas entidades.
Quero, novamente, deixar claro que existem muitas ONGs sérias, e elas deveriam capitanear, comandar um movimento de depuração para tirar do circuito essas que não são sérias. Chamo também atenção para o aspecto das ONGs transnacionais, que, muitas vezes, estão a serviço de outros interesses - interesses comerciais e de corporações financeiras -, o que é muito fácil ocorrer, por exemplo, na questão do meio ambiente, como na questão dos transgênicos. Enfim, é realmente muito importante que se faça esse marco regulatório e que se estabeleça, realmente, uma legislação que permita ao brasileiro de boa-fé não cair em uma armadilha como essa que, recentemente, foi divulgada nas emissoras de televisão sobre uma instituição criada para amparar pacientes portadores de câncer. As pessoas, na verdade, colaboravam para uma quadrilha colocar o dinheiro no bolso.
Então, é muito importante estarmos atentos tanto para as ONGs que trabalham no setor privado quanto para as que trabalham com verbas públicas, para que elas, realmente, sejam fiscalizadas. Assim, teremos a tranqüilidade de que elas agirão com honestidade na aplicação do dinheiro e no alcance dos objetivos para os quais elas foram constituídas.
Muito obrigado.
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI.
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O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crescente importância do Terceiro Setor impõe que se analise, profundamente, a sua realidade - uma realidade multifacetada, complexa e desafiadora. O Poder Legislativo, em particular, deve assumir tal encargo, uma vez que a regulamentação legal da matéria se revela insuficiente, ou mesmo inconsistente.
A última pesquisa completa sobre o Terceiro Setor no Brasil, realizada pelo IBGE junto com outras instituições, mostrou um crescimento impressionante, tanto em número de entidades como em sua relevância econômica. Alcançávamos, em 2002, ano de referência da pesquisa, um quantitativo de 276 mil entidades privadas sem fins lucrativos; ao passo que a participação no PIB dos recursos por elas movimentados pulava de 1,5%, em 1995, para um muito significativo 5,7%.
Essa verdadeira explosão traduz uma nova realidade no que se refere às relações entre essas instituições e o conjunto da sociedade; mas, particularmente, entre elas e o Estado brasileiro.
Há muita discussão sobre o conceito ou sobre a identidade do Terceiro Setor. Parece-nos que, se o Primeiro Setor corresponde ao Estado e o Segundo ao mercado, devemos incluir no Terceiro, de pleno direito, todas as instituições privadas sem fins lucrativos, por mais díspares que sejam suas atividades.
Delas se supõe, por não visarem lucro, que representem interesses não financeiros de certos grupos ou coletividades, que podem ser os seus próprios associados; ou, ainda, que suas ações promovam causas de interesse público, isto é, de relevância para a sociedade como um todo.
Teríamos, entre essas últimas, as chamadas organizações não- governamentais. As ONGs distinguem-se das fundações privadas e das entidades beneficentes tradicionais, na medida em que buscam realizar, antes de tudo, "um trabalho de promoção da cidadania e de defesa dos direitos coletivos”, nas palavras do Diretor-Geral da Associação Brasileira de Organizações não-governamentais (Abong), aliás, um dos expositores deste painel. Elas teriam assim, necessariamente, um viés político.
Essa visão corresponde a uma espécie de ideologia dominante entre as ONGs, as quais insistem em marcar sua posição de independência face ao Estado, e também face ao mercado, o que legitimaria a possibilidade de conflitos com governos e empresas.
Essa ideologia tem o seu encanto radical, não desprovido de um elemento utópico. Mas, como tem ocorrido com diversas utopias, corre um sério risco de completa descaracterização ao contato com o mundo real.
É saudável questionar, primeiramente, a legitimidade com que uma ONG do mundo real se intitula defensora, e logo representante, dos interesses de tais ou quais grupos sociais, como, por exemplo, de uma tribo indígena, ou dos moradores de rua. Seria necessário perguntar quem lhes outorgou, afinal, tal direito de representação - e como, e em que termos, isso foi feito.
Ao observar a realidade concreta das ONGs no Brasil, vemos que há uma crescente dependência do Estado, isto é, dos recursos públicos. Em um caso recentemente noticiado, mas já de há muito sabido, uma determinada ONG, que recebeu milhões de reais para cuidar da saúde dos índios Yanomani, reconheceu, em documento, que tinha sido criada justamente para receber essas verbas.
Ou seja, há uma dependência dos repasses de recursos públicos, viabilizados pela terceirização da execução de ações de competência do Estado. As ONGs não são culpadas dessa tendência da política administrativa de muitos países, mas têm, sem dúvida, se beneficiado imensamente delas. É importante questionar, de qualquer modo, se não tem havido um exagero na transferência de incumbências do Estado nacional a terceiros.
O pior quadro ocorre, entretanto, quando impera, desde o início, o intuito deliberado de fraude, de desvio dos preciosos recursos públicos para o enriquecimento ilícito de uns poucos, os quais muito dificilmente serão punidos, se é que já o foram alguma vez.
O exemplo acima referido é, sem dúvida, um lídimo representante dessa espécie. Infelizmente, não é um caso isolado, pois tem havido um número crescente de denúncias de malversação de verbas públicas por ONGs - e um grande número delas vêm sendo corroboradas pelos fatos apurados.
Ainda há pouco, uma auditoria do Tribunal de Contas da União mostrou uma situação de verdadeiro descalabro nos convênios firmados entre órgãos da administração pública e organizações não-governamentais. A simples conclusão, tal como noticiada pela imprensa, de que ONGs ineptas receberam 54% dos repasses analisados - o que permite uma estimativa para o universo total desse tipo de transferência de verbas da União - já fala por si mesma.
O que perde o País com isso? Em 2005, mais de R$2,5 bilhões, em valores corrigidos, foram repassados do Tesouro Nacional para entidades privadas sem fins lucrativos. Talvez tenha havido, portanto, uma perda de recursos da União, neste ano, de mais de um bilhão, duzentos e cinqüenta milhões de reais.
Uma análise mais detida do respectivo relatório revela uma sucessão de falhas, tanto da parte dos órgãos do Executivo como das ONGs, que se acumulam em todas as fases do processo, dos procedimentos prévios até a avaliação final dos resultados, se é que esta última ocorre.
Muitas dessas falhas representam o não cumprimento das normas vigentes. Ainda assim, a reformulação no marco legal pode desempenhar um papel decisivo para alterar esse quadro lastimável.
Para citar um exemplo, é do entendimento daquele egrégio Tribunal que a assinatura de convênios e instrumentos congêneres pela Administração Pública deva ser, via de regra, amparada em licitação ou, então, em procedimento análogo que observe os princípios constitucionais pertinentes, em particular o da impessoalidade.
Não há, contudo, uma unanimidade na interpretação do famoso “no que couber”, constante do art. 116 da Lei nº 8.666, havendo mesmo uma tendência da jurisprudência em considerar que a exigência de licitação, que é regra dos contratos, não se aplica aos convênios. Seria muito positiva, portanto, uma disposição expressa sobre esse ponto na legislação.
Decerto, não apenas as ONGs, mas muitas das entidades que se classificam como beneficentes têm apresentado conduta desabonadora; são, às vezes, não mais que uma fachada, escondendo um vazio de ação e um desmedido talento para se apoderar dos recursos públicos, tão insuficientes diante das necessidades de nosso povo.
Mas, no caso específico das ONGs, é comum, também, que os recursos que as mantêm venham de fora do País: de fundações e empresas privadas, da mesma ou de outras ONGs, de governos e de vários tipos de instituições públicas estrangeiras ou internacionais. Na medida em que essas ONGs exercem, no Brasil, atividades que apresentam um cunho político - embora não sejam, em princípio, de caráter partidário -, é muito justo que o Governo brasileiro acompanhe com atenção seus alegados objetivos e sua atuação.
Embora estejamos em tempos globalizados, não queremos, de modo algum, abrir mão da soberania de decisão sobre os rumos que nossa Nação deve tomar. Nem podemos admitir atividades ilícitas acobertadas pela proclamação de belos ideais, seja em que língua ou com que sotaque for.
Prezadas senhoras e prezados senhores, levantei aqui uma série de problemas relacionados à atuação das entidades privadas sem fins lucrativos, pois julgo que elas são de fundamental importância para que se pense a redefinição do marco legal para o Terceiro Setor.
Certamente, há uma diversidade de aspectos que devem ser aí contemplados, como a distinção dos vários tipos de organizações do Terceiro Setor ou a questão dos incentivos.
Entretanto, em face do enorme crescimento do setor e das ONGs, em particular; e, mais ainda, em face da grande quantidade de ilícitos denunciados ou comprovados, consideramos de fundamental importância, neste momento, implementar normas que aumentem a possibilidade de controle da sociedade sobre suas atividades, sem prejuízo da liberdade de livre associação.
Um tal processo, ao separar o joio do trigo, vai criar um ambiente propício a que as ONGs sérias desenvolvam, com responsabilidade e tranqüilidade, o seu trabalho.
No que se refere à ênfase sobre a necessidade de um maior controle, talvez não fosse outra a expectativa da platéia, ou dos organizadores que convidaram, para abrir este painel, o Senador responsável pela instalação da CPI das ONGs...
Julgamos que a realização da CPI resultou, sem dúvida, em um maior conhecimento pela sociedade a respeito da atuação das organizações não governamentais em nosso País. Uma das inevitáveis conclusões de seus trabalhos é que deva haver, de fato, uma maior transparência quanto ao conjunto das ONGs em atividade no País.
A CPI das ONGs - a primeira, pois diversos parlamentares, capitaneados pelo Senador Heráclito Fortes, já se mobilizaram para a instalação de uma nova - não esteve alheia à questão do marco legal. De seu relatório final consta o seguinte trecho, que passo a citar:
“A Lei nº 9.790/99, que trata da qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), está longe de representar a reforma do marco legal que regula as relações entre Estado e Sociedade Civil. De fato, é apenas um pequeno passo nessa direção”.
Assim, Srªs e Srs. Senadores, resultou dos trabalhos da CPI um projeto de lei que, sob a forma de substitutivo, foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e que tramita, presentemente, na Câmara dos Deputados, sob o número 3.877.
Entre as medidas que propõe destaco a criação do Cadastro Nacional de Organizações Não-Governamentais, instrumento importante para viabilizar a transparência a que há pouco eu me referia. Além disso, a qualificação como Oscip passará a ser exigida para que a organização possa ser beneficiária de qualquer tipo de transferência de recursos públicos. Observe-se que, no parágrafo único a esse artigo, a qualificação como Oscip é dispensada àquelas organizações que detenham o título de utilidade pública, tenham atestado de registro do Conselho Nacional de Assistência Social ou sejam qualificadas como organização social ou entidade de apoio.
Tais exigências vão garantir um grau muito maior de segurança quanto à idoneidade e competência técnico-administrativa da organização que pleiteia a parceria com o Estado ou desenvolve seu trabalho de interesse público, em qualquer dos níveis de governo.
Sabemos, entretanto, que são necessários outros instrumentos de controle, voltados, particularmente, para assegurar a boa utilização das verbas públicas.
Não é por outra razão que as Leis de Diretrizes Orçamentárias têm-se dedicado a estabelecer condições para transferências de recursos públicos a entidades privadas, conforme previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre elas, temos a exigência de qualificação das entidades beneficiárias, de acordo com o tipo de transferência de recursos.
A LDO tem suprido, contudo, as lacunas da legislação permanente sobre administração orçamentária e financeira. Conscientes dessa contradição, os legisladores determinaram, no artigo 35 da LDO/ 2004, que o Poder Executivo deveria apresentar “projeto de lei disciplinando a destinação de recursos da União para o setor privado, inclusive a Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, a título de subvenções, auxílios, contribuições correntes e de capital, e outras denominações”, fixando, para isso, um prazo de 270 dias.
Embora esse artigo não tenha sido vetado, tampouco a determinação foi obedecida. De modo que as subseqüentes Leis de Diretrizes Orçamentárias mantiveram os mencionados dispositivos e até mesmo os ampliaram.
É o caso da exigência, constante da LDO/2007, de que “sejam divulgadas informações relativas aos convênios em páginas específicas na Internet mantidas pelos órgãos concedentes”, conforme informado pela Nota Técnica nº 100, de 2006, da Consultoria de Orçamentos do Senado. Foi também incluída na nova LDO “a obrigatoriedade de publicação de edital de licitação pelos órgãos responsáveis pela execução de programas constantes da lei orçamentária para a seleção de instituições prestadoras de serviços à comunidade com recursos do Governo Federal”.
Como pode perceber o distinto público deste Fórum, todo esse conjunto de normas deveria constar, de forma sistemática, da legislação de caráter permanente.
Essa é uma tarefa a ser implementada pelo Congresso Nacional, mesmo que haja, enfim, a iniciativa, por parte do Poder Executivo, de uma proposição mais abrangente.
Não obstante já tramitarem diversas proposições sobre a matéria, nas duas Casas do Poder Legislativo, inclusive o projeto de lei aprovado no Senado a que me referi, não há dúvida de que é sempre importante ampliar o debate e ouvir os representantes da sociedade civil e do Estado, direta ou indiretamente envolvidos no assunto. Este é um objetivo para o qual este 2º Fórum do Senado “Debate Brasil” muito tem, certamente, a contribuir.
Muito obrigado.