Discurso durante a 198ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagens pela passagem do Dia Nacional do Samba, em 2 de dezembro último.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.:
  • Homenagens pela passagem do Dia Nacional do Samba, em 2 de dezembro último.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2006 - Página 36943
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MUSICA POPULAR, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, REGISTRO, HISTORIA, MANIFESTAÇÃO, CULTURA, NEGRO, LUTA, COMBATE, REPRESSÃO, SAUDAÇÃO, INTEGRAÇÃO, BRASIL.
  • EXPECTATIVA, MANDATO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LUTA, CRESCIMENTO ECONOMICO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

Hoje é dia 4 de dezembro, Senador Eduardo Suplicy, e como não falhei em nenhum desses quatro anos, eu gostaria de dedicar a abertura deste pronunciamento a uma data que sempre trago à lembrança da Nação desta tribuna: o dia 2 de dezembro, o Dia Nacional do Samba. Como dia 2 foi sábado, na minha cidade fizemos uma belíssima comemoração no mercado público. Toda a rapaziada que se dedica ao samba reuniu-se: as escolas de samba e os compositores da cidade. Foi uma atividade muito bonita. Começou às 19 horas, ainda com o céu claro, e terminou depois da meia-noite. Apresentou-se toda a riqueza cultural que o samba produz em todos os cantos do nosso País.

Por isso, eu não poderia deixar de, com um pequeno atraso de dois dias, mandar todo o meu carinho, o meu abraço e o meu axé a esse ritmo, a esse som que vem de uma ancestralidade africana, que vem de três séculos de submissão, que vem do fundo das senzalas a que, por mais de 300 anos, foram submetidos, segundo as estimativas, mais de seis milhões de homens e mulheres, que foram arrancados do continente africano para contribuir com a criação do nosso País. Esse ritmo, esse som, essa música que vem do fundo das senzalas e dos quintais se sobrepôs; veio da escravidão, de um outro continente e aqui se consolidou, se sobrepôs e hoje, indiscutivelmente, a nossa marca cultural mais forte é o samba.

A construção da musicalidade dos africanos e a briga pela manifestação cultural, perseguida durante décadas por ser considerada fora-da-lei - como a capoeira, o samba e o samba-de-roda -, são uma demonstração inequívoca de força contra a opressão e de clamor por liberdade, com raiz na unidade. Assim, essa manifestação cultural, que tem a marca da resistência dos que vêm de baixo, não pode deixar de ser referenciada e, em todo 2 de dezembro - que, neste ano, caiu em um sábado -, trago o assunto à tribuna.

Por isso, o meu mais profundo axé a todos que têm ligação direta e imediata com o samba, como os passistas, os ritmistas, os cantores, os compositores e os sambistas, enfim, todo o povo que samba em cada canto deste País, com a sua diversidade.

Já tive oportunidade de fazer discursos com trechos de samba de todos os cantos do nosso imenso País, porque o samba é o canto do Brasil. Ele se coloca em todos os cantos, mas, efetivamente, é o canto do País, do povo brasileiro. É um canto com tempo histórico, que se sobrepôs a tudo de ruim, à opressão e à violência que se abateu, durante tanto tempo, sobre parcela tão significativa e importante do nosso País.

Esse canto, essa música, esse ritmo, essa manifestação cultural tem a dimensão da luta, do enfrentamento, do sofrimento, mas também é feita com uma alegria imensa e contagiante daqueles que têm a certeza de possuir a razão, daqueles que bradam por igualdade e almejam a felicidade.

Devido a essa característica complexa que envolve o mundo, a história e a consolidação do samba como manifestação cultural tão importante, todo ano faço questão de abordar o assunto.

No dia 20 de novembro, em que comemoramos Zumbi dos Palmares, o herói da resistência dos afrodescendentes do nosso País, dizemos “Valeu, Zumbi!”. No entanto, há milhares de Zumbis que resistiram não apenas fugindo e se colocando em quilombos, mas por meio da cultura, da manifestação cultural forte. Isso me faz trazer à tribuna, todo ano, esse cumprimento e essa reverência a todos que fazem do samba uma escola de vida, de luta, de enfrentamento, de resistência e de alegria. Assim fazem, em Florianópolis, minha escola, a Copa Lord, a Protegidos da Princesa, a Unidos da Coloninha, a Consulado do Samba; e, no Rio de Janeiro, a Mangueira, a Acadêmicos do Salgueiro, a Portela, a Unidos de Vila Isabel e tantas outras. Assim acontece em cada canto do País, em manifestações da cultura maravilhosa do nosso povo. Enfrentando e encarando, eles nos dão uma lição.

Trago, hoje, um pequeno trecho de um samba de Almir Guineto, cujo título é muito lindo, Senador Eduardo Suplicy: “Conselho”.

Trata-se de um conselho muito bom para todos nós, porque retrata o conselho dos que enfrentam o cotidiano e não perdem a dimensão histórica das mudanças que acontecem com a luta e a somatória da luta de milhões:

(A Senadora canta.)

Tem que lutar

Não se abater

Só se entregar

A quem te merecer

Não estou dando nem vendendo

É como o ditado diz

O meu conselho é pra te ver feliz.

Não se abater e lutar, porque a felicidade vale todo e qualquer esforço, ainda mais quando ele vem de um povo tão maravilhoso como o nosso, Senador Tião Viana.

Agora, estamos enfrentando o início e a preparação de um segundo mandato do Presidente Lula, que saiu das urnas com este recado do povo: “Tem que lutar, não se abater”. (A Senadora canta.)

Entendo que o Presidente Lula está buscando enfrentar, encarar e superar o que identificamos como dificuldades no primeiro mandato. Ele está obstinado em destravar a economia, para que possamos atender ao que o ditado diz: “O meu conselho é pra te ver feliz.” (A Senadora canta.)

Encarar é o grande desafio de todos nós no segundo mandato.

Na semana passada, soubemos que o PIB do terceiro trimestre foi de apenas 0,5%, mas o Presidente falou de forma muito forte e contundente: “Eu quero 2007, quero 2008, quero 2009, quero 2010. Quero saber o que vamos fazer daqui para a frente”. Não vamos mais nos debruçar sobre o leite derramado, a não ser para aprender a não cometer os mesmos erros, por isso todo o esforço de se buscarem ousadia e mecanismos para fazer com que o País cresça mais e haja maior distribuição de renda.

A coalizão partidária está sendo debatida pelos partidos para que possamos dar esse salto de qualidade, com base em um programa, em metas muito claras e em um relacionamento transparente, institucional, entre o Executivo, o Legislativo e os partidos políticos. Por isso, o conselho desse lindo samba de Almir Guineto, para mim, coube como luva.

Não sei se S. Exª é sambista, pois nunca o vi desfilando em escola de samba, mas como tenho certeza de que compartilha comigo a alegria da cultura brasileira, quero, com muito prazer, ouvir o aparte do Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-la, Senadora Ideli Salvatti, por trazer essa mensagem tão bonita sobre a importância de nunca nos abatermos, sobretudo quando a causa é tão justa e tão importante. Ainda que possam surgir dificuldades, como aconteceu ao longo da renhida batalha das eleições deste ano, mesmo assim, vimos que, sobretudo o Presidente, nunca se abateu, constituindo-se em um exemplo para levar adiante os seus propósitos e a forma de assegurar a realização dos anseios de todos nós, brasileiros. Receba também os meus cumprimentos pela homenagem que faz a 2 de dezembro, o Dia Nacional do Samba. V. Exª faz-nos recordar da importância do samba em nossa cultura, principalmente para os afrodescendentes, que, arrancados de sua terra natal, vieram trabalhar no Brasil como escravos e, em sua resistência, desenvolveram, influenciados pela música da África, seu país de origem, canções maravilhosas, como a ilustrada por V. Exª. Permita-me informar-lhe que recebi, do Incra de São Paulo, notícia a respeito da batalha travada por tantas famílias negras, no Brasil, que têm lutado para que possam ser reconhecidos os quilombos e emitidos a posse da terra. Informou-me o prezado Superintendente do Incra, Raimundo Pires, que o Tribunal Federal de Taubaté reconheceu o Quilombo Cassandoca. Trata-se de uma das primeiras emissão de posse concedidas a 53 famílias que vivem no litoral, no Município de Ubatuba, que terão o direito de se desenvolverem com maior tranqüilidade agora. Por ser um importante Quilombo - e isso tem muito a ver com a música - certamente, ali,...

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - “Tem que lutar, não se abater”, Senador Eduardo Suplicy. Foram necessários quatro séculos para haver o reconhecimento de posse da terra! Mas, efetivamente, isto está acontecendo!

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Avaliei importante inserir essa notícia ao pronunciamento feito por V. Exª e em sua homenagem.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço-lhe, Senador Eduardo Suplicy. Acredito ser esse o espírito.

Sempre digo que as pessoas mais simples são as que mais sofrem todos os processos de exclusão e são as que mais têm uma visão histórica. Normalmente, quem tem tudo com facilidade não consegue perceber a dimensão do quanto é difícil modificar estruturas, sistemas instalados de exclusão, de preconceito. No entanto, a maioria da população brasileira, ao se deparar com qualquer dificuldade em seu cotidiano, diz estar fazendo isso ou aquilo para os seus filhos, para os seus netos. Já em outras faixas de renda, as pessoas dizem que querem isso ou aquilo para si. O tempo histórico, digamos, das classes populares, essa dimensão de luta, de propor e de obter melhoras ao longo da história é algo que precisamos refletir com muita dedicação.

Ouço, com muito prazer, o Senador Tião Viana, um sambista de primeira também.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Meus cumprimentos, Senadora Ideli Salvatti, por trazer um tema bonito para o Senado Federal, por prestar esta homenagem à música brasileira, música que, aliás, faz parte da vida do povo afrodescendente, faz parte de todo um processo cultural e da formação da sociedade brasileira. Ouvi a interface feita por V. Exª entre a música, o canto, e as responsabilidades e os desafios do Presidente Lula e lembrei-me daquela cena, uma das mais fortes que pude ver, quando Sua Excelência visitou, em um país africano, a chamada “Porta do Nunca Mais”, de onde os escravos partiam e traziam consigo tantas coisas. O povo brasileiro conseguiu transformar a dor em alternativa viável, em alegria, em canto e em humor, e o samba tem a sua matriz de vida e de propagação. O samba expressa sempre o que há de mais verdadeiro na vida: o sentimento, a esperança, o retrato dos momentos difíceis e a transformação no ritmo, na alegria. Então, fico muito feliz com o fato de V. Exª associar o samba com os desafios do Presidente da República e faço questão de estar ao seu lado nesse sentimento. É muito agradável ouvi-la sempre, apesar de não ser sambista e não saber sambar. Mas, por gostar muito de ouvir samba e de Zeca Pagodinho, estou pensando em ir, no próximo carnaval, vê-la na avenida em Santa Catarina.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Vou convidá-lo para desfilar conosco!

Muito obrigada, Senador Tião Viana.

Mais uma vez, meu abraço, meu carinho e meu axé a todos os que fazem este País melhor! Com certeza, a maioria do povo brasileiro, principalmente aqueles que resistem cotidianamente a todos os desafios com esse espírito de luta e de resistência - “Tem que luta, não se abater...” - , dá-nos uma lição mais do que qualquer outra reflexão que possamos fazer.

Muito obrigada, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2006 - Página 36943