Discurso durante a 198ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relato sobre a participação da delegação brasileira na União Interparlamentar, que ocorreu em Genebra, na Suíça, ao final da última semana, que foi discutido o futuro da Rodada de Doha.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Relato sobre a participação da delegação brasileira na União Interparlamentar, que ocorreu em Genebra, na Suíça, ao final da última semana, que foi discutido o futuro da Rodada de Doha.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2006 - Página 36984
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • BALANÇO, ATUAÇÃO, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, REUNIÃO, UNIÃO INTERPARLAMENTAR, DEBATE, NEGOCIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, PRIORIDADE, AGRICULTURA, REDUÇÃO, SUBSIDIOS, PAIS INDUSTRIALIZADO.
  • COMENTARIO, SUPERIORIDADE, BRASIL, PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO, ALCOOL, AÇUCAR, SOJA, CARNE BOVINA, SUINO, AVE, LARANJA, CAFE, MILHO.
  • CRITICA, CONCORRENCIA DESLEAL, PAIS INDUSTRIALIZADO, PRODUÇÃO AGRICOLA.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de forma muito breve, quero dar um informe sobre a participação da delegação brasileira na União Interparlamentar, cuja reunião ocorreu na sexta-feira e no sábado da semana passada. Participamos eu, o Senador Heráclito Fortes, o Senador Sérgio Guerra, o Senador Efraim Morais e o Deputado João Almeida.

            Basicamente, foram dois dias de intensos trabalhos tratando da Rodada de Doha. A rigor, nosso primeiro evento aconteceu na quinta-feira à noite. Depois, na sexta-feira, das 09 às 23 horas, houve debates com delegações de dezenas de países e várias mesas, com a participação de representantes da União Européia e dos Estados Unidos; do Embaixador do Brasil em Bruxelas, Clodoaldo Filho; do Ministro do Comércio da Índia; do Ministro da Agricultura do Japão; de Peter Allgeier, negociador dos Estados Unidos; e do representante da União Européia na Organização Mundial de Comércio. Enfim, com representantes de vários países, discutimos o futuro da Rodada de Doha.

Quem acompanha as negociações comerciais internacionais sabe o quanto é importante essa rodada de negociação multilateral, que foi agendada 10 anos antes, a partir da Rodada do Uruguai. Na oportunidade, em 1944, quando se constituiu a Organização Mundial do Comércio, havia um compromisso das nações desenvolvidas de, 10 anos depois, tratar a agricultura como prioridade e realizar uma rodada de negociação multilateral para o desenvolvimento, especialmente dos países em desenvolvimento, colocando uma nova política agrícola internacional no centro das negociações.

No entanto, na Rodada do Uruguai, as nações em desenvolvimento fizeram concessões muito importantes, especialmente em matéria comercial. Reduziram, substancialmente, as tarifas de importação: duas vezes e meia a mais que as nações desenvolvidas, porque Estados Unidos, Japão e União Européia defendiam os seus mercados com barreiras não-tarifárias, enquanto os países em desenvolvimento tinham, na proteção da reserva de mercado, as barreiras tarifárias.

O Brasil foi um dos países que abriu, de forma expressiva, a sua economia a partir da entrada na Organização Mundial do Comércio, já no ano de 1995.

No entanto, 10 anos depois, a União Européia, os Estados Unidos e o Japão, longe de assegurarem aquilo que estava sendo acordado, trataram de não dar prioridade à agricultura e resistiram a fazer as concessões que foram acordadas.

Os países ricos subsidiam a agricultura em US$ bilhão por dia. Estados Unidos, União Européia e Japão têm subsídios que alteram e prejudicam especialmente o esforço exportador das nações em desenvolvimento, além de colocarem os preços das principais commodities agrícolas muito abaixo do que deveriam ser, afetando exatamente o ponto onde as economias em desenvolvimento são mais competitivas e mais eficientes, como é o caso do Brasil.

Somos, hoje, o maior produtor mundial de álcool e de açúcar. Somos o primeiro ou o segundo produtor-exportador de soja, o primeiro de carne bovina, o segundo de carne suína e de aves. Somos o maior produtor-exportador mundial de suco de laranja, temos uma participação decisiva no mercado de café, de soja e de milho, enfim, o Brasil é um grande produtor no setor de agronegócios e enfrenta uma concorrência desleal pelos subsídios praticados pelos Estados Unidos, pela União Européia e pelo Japão, entre outras regiões desenvolvidas do nosso Planeta.

O Brasil, na Rodada de Doha, articulou o G-20 e uma liderança política, juntamente com a Índia e a China, que são países importadores de alimentos, a África do Sul, a Rússia e países em desenvolvimento da África, da América Latina e da Ásia, para colocar o desenvolvimento da agricultura como o centro das negociações, exigindo o fim dos subsídios às exportações agrícolas, uma redução de subsídios à produção agrícola e mais acesso ao mercado dos produtos agrícolas.

No entanto, a que estamos assistindo? Há um novo Congresso americano, os democratas vencem as eleições, não está claro qual será o mandato negociador para o Governo Bush na Rodada Doha; não está claro qual será o mandato, quais são as pré-condições, quais são os limites do mandato negociador, se ele será renovado, e em que condições, pelo novo Congresso americano. E a lei agrícola dos Estados Unidos é, obrigatoriamente, renovada a cada cinco anos. Portanto, o Congresso democrata votará, no ano que vem, uma nova lei agrícola. E é aí que se insere toda a discussão da redução dos subsídios.

A União Européia fez uma redução parcial, muito tímida dos seus subsídios, e abriu pouco o seu mercado. A acessibilidade de mercado também não foi resolvida. Com isso, os Estados Unidos argumentam que a posição da União Européia - de não acesso ao mercado da União Européia - prejudica uma redução mais substantiva dos subsídios na economia americana, o que é agravado pelo fato de que o etanol - os Estados Unidos hoje produzem 38% do etanol que o mundo consome; o Brasil, praticamente, tem o mesmo peso no mercado internacional - é altamente subsidiado, porque é etanol de milho, muito menos competitivo que o etanol que nós produzimos com a cana de açúcar.

Então, em função desse cenário, desse quadro, vejo de forma muito preocupante - saí dessa conferência mais preocupado do que cheguei - a grande possibilidade de frustração da Rodada Doha. Não vejo, por parte do negociador americano, sequer um mandato claro de como se mover no atual cenário da vitória democrata no Congresso. Como eu disse, não está claro qual vai ser o mandato negociador, até onde a nova lei agrícola americana vai reduzir subsídios, até onde a Europa vai, de fato, dar mais acessibilidade ao seu mercado. E é nessas condições que a União Européia, que não tem como competir com a nossa agricultura, por causa da neve, por causa do clima, por causa do acesso à água e a outros recursos naturais, exporta 37% da produção agrícola do mundo e o Brasil exporta 3,9%. Quer dizer, essa deformação se deve ao abuso dos subsídios.

E volto a dizer que os países desenvolvidos, que são tão afeitos e tão defensores do liberalismo econômico, em que são competitivos e eficientes, querem ser liberais no setor de manufaturas, querem abertura, integração e globalização da economia no setor de serviços, mas onde somos mais eficientes e competitivos, como é o caso da agricultura, eles são protecionistas, paternalistas, intervencionistas, abusam dos subsídios, criam barreiras ao mercado, criam reservas de mercado a sua produção e impedem os países mais pobres do planeta de produzirem alimentos, de produzirem proteína, de gerarem emprego na agricultura, de impulsionarem exatamente o setor da economia onde eles são mais eficientes e mais competitivos.

Quero terminar dizendo que saímos bastante seguros da posição do Brasil nessas negociações. O Brasil lidera os países em desenvolvimento. O Ministro Celso Amorim é uma grande referência nesse processo da negociação de Doha, e o Embaixador Clodoaldo Filho fez uma brilhante exposição na mesa - eu diria - mais importante do seminário de que nós participamos. O Brasil tem uma posição bastante racional, bastante propositiva, defendendo uma posição multilateral. Temos de ter clareza de que o bilateralismo não vai substituir o papel estratégico que o multilateralismo tem nas negociações comerciais e diplomáticas. No entanto, não colocam subsídios, não colocam a agricultura no centro do debate, não querem colocar o desenvolvimento como o centro da preocupação. E o compromisso de dez anos da Rodada Uruguai infelizmente não está sendo cumprido por Estados Unidos, União Européia e Japão.

Queria dizer que, seguramente, o Senador Arthur Virgílio, com a sua formação de diplomata, teria dado uma grande contribuição, mas S. Exª não pôde estar presente.

Redigimos, lá, uma carta - depois darei publicidade a ela - que foi elaborada por todos os Parlamentares presentes, pedindo a continuidade das negociações, defendendo a agricultura como centro dessas negociações e defendendo essa agenda para o desenvolvimento. No entanto, não sentimos, por parte dos países ricos, particularmente os da União Européia e, especialmente, dos Estados Unidos, agora com esse novo quadro político, uma definição mínima que dê esperança à evolução dessa negociação. O Brasil, inclusive, flexibilizou a sua disposição em reduzir tarifas manufatureiras para viabilizar o acordo, desde que a agricultura seja o centro da negociação, já que ela é preliminar, e desde que haja uma redução drástica dos subsídios, acabando-se, definitivamente, com os subsídios das exportações e havendo mais sensibilidade ao mercado.

Por isso, Sr. Presidente, trouxemos muitas subsídios, que depois vamos compartilhar com os demais Senadores da Casa, num processo negocial extremamente complexo e igualmente estratégico para o futuro da economia e da agricultura brasileiras e dos países em desenvolvimento.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2006 - Página 36984