Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Censura à aprovação, pelo Senado Federal, de dispositivo alterando a impenhorabilidade da casa própria e dos salários.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE PROCESSO CIVIL.:
  • Censura à aprovação, pelo Senado Federal, de dispositivo alterando a impenhorabilidade da casa própria e dos salários.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2006 - Página 37092
Assunto
Outros > CODIGO DE PROCESSO CIVIL.
Indexação
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, EXERCICIO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, IMPENHORABILIDADE, CASA PROPRIA, SALARIO, BENS, CIDADÃO, DIVIDA, COMPARAÇÃO, EFICACIA, APLICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • CRITICA, APROVAÇÃO, SENADO, EXTINÇÃO, IMPENHORABILIDADE, CASA PROPRIA, SALARIO MINIMO, PREJUIZO, CIDADANIA, JUSTIÇA SOCIAL.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VETO (VET), DISPOSITIVOS, CORREÇÃO, ERRO, SENADO.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Para uma comunicação inadiável. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta Casa ao longo de décadas, tenho falado sobre a importância do Senado Federal na história da República, dos serviços prestados por esta Casa ao nosso País. Tenho de ser breve por causa do Regimento. Hoje, Sr. Presidente, infelizmente, farei uma censura ao Senado. Hoje, vou-me permitir dizer de um erro que nós cometemos - e eu digo um erro porque eu também, como Senador, estou incluído entre todos nós.

Gosto de citar o Padre Vieira, e vou citá-lo. O Padre Vieira, quando faz o Sermão dos Peixes - ele imitava Santo Antônio -, começa a elogiar os peixes, e depois diz que vai falar dos seus defeitos. E começa. O primeiro deles; ele diz aos peixes que eles têm um grande defeito, que é os peixes grandes comerem os pequenos. Se os pequenos comessem os grandes, bastava um grande para alimentar muitos pequenos. Mas, como o grande come os pequenos, milhares e milhares de pequenos são devorados pelos grandes.

Sr. Presidente, nós votamos algo aqui nesta Casa para o que eu acho que ninguém atentou. Eu mesmo - confesso - fui surpreendido quando vi agora que nós votamos uma lei que altera o dispositivo da Lei 8009/90, de minha iniciativa como Presidente da República, que criou a impenhorabilidade da casa própria. E é uma aberração o que o Senado aprovou!

Sr. Presidente, uma das coisas de que mais tenho orgulho, de quando exerci a Presidência da República, é ter aplicado no Brasil o que se chama de homestead, quer dizer, a impenhorabilidade da casa própria. Quem tem o seu bem de família tem a sua casa própria, e ela não pode ser penhorada por dívidas. Isso já existe no direito americano e em quase todos os países do mundo há muitos e muitos anos, há séculos mesmo. Há mais de 100 anos, nos Estados Unidos, exerce-se o instituto do homestead.

Instituí esse princípio, então, quando era Presidente, e mais: acrescentei, colocando que não se podiam penhorar salários, bens de trabalho, nem aqueles das pequenas propriedades que serviam ao sustento das pessoas.

Pois bem, Sr. Presidente, chego agora e vejo que o Senado votou, aqui, não sei com que finalidade, dessas que são incluídas nas nossas leis sem que saibamos o porquê, o seguinte: a extinção desse princípio, que é basilar de direito social e de justiça social.

Incluíram este parágrafo no art. 650 da Lei 5.869/73 (Código do Processo Civil), não sei para beneficiar quem, que diz o seguinte:

“Parágrafo único. Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade.”

Quer dizer, limitou-se isso a R$350 mil e pode ainda ser penhorada antes da execução final da lide. E mais ainda: o proprietário vai para fora da sua casa, do bem de família, devolvendo-se a ele como impenhorável o resto, se for maior do que R$350 mil.

Ora, Sr. Presidente, esse é um princípio que não pode ser regulado para que se possa fazer avaliação. É bem de família e se quer assegurar que a família tenha o direito de morar. Isso eu fiz e considerei uma das maiores coisas que pude realizar! Como, no Governo do Presidente Lula, um homem que faz um programa social dessa grandeza, passa um dispositivo de lei como este aqui?

Mas não passou só este, Sr. Presidente. Passou um outro muito pior, que diz que podem ser penhorados “até 40% do total recebido mensalmente acima de 20 salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de Imposto de Renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios”. Assim, até 40% do que for acima de 20 salários mínimos que as pessoas tinham direito de receber, a partir de agora, podem ser penhorados por dívida!

É impossível que isso seja mantido, que o Senado possa ter aprovado. É uma aberração que o Presidente não o vete. Faço um apelo aqui: estamos pedindo, exigindo mesmo, porque não pode, Sr. Presidente.

Nenhum de nós aqui pode deixar, nem o Presidente, que prevaleça essa alteração em uma lei que é uma conquista de muitos anos. E pergunto: como isso pôde surgir? Quem se beneficia com isso senão aqueles que penhoram casas, senão aqueles, como dizia o Padre Vieira, peixes grandes que comem os peixes pequenos?

Sr. Presidente, espero que o Senado releve a minha exaltação, mas isso me revoltou, porque uma das coisas que tenho repetido ao longo do tempo é que tive a felicidade de fazer o vale-transporte, de dar o vale-alimentação, de conseguir a impenhorabilidade da casa própria. Recordo-me, a propósito, de que um dia, chegando ao aeroporto, tive de suspender uma senhora que, ajoelhada, chorava abraçada às minhas pernas dizendo que, se não fosse aquela lei, ela estaria fora de casa, não teria onde morar. E agora o Senado passa uma lei acabando com isso! E mais: acaba com a impenhorabilidade dos salários acima de vinte salários mínimos! É inconcebível que isso subsista!

Eu, que nunca fiz discursos aqui para condenar ou censurar o Senado, acho que cometemos um erro, e erro maior ainda cometerá o Senhor Presidente da República se não vetar esses dois dispositivos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2006 - Página 37092