Discurso durante a 200ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a João Goulart, único presidente do Brasil que morreu no exílio.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a João Goulart, único presidente do Brasil que morreu no exílio.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2006 - Página 37394
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, BIOGRAFIA, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, POSSE, CARGO PUBLICO, POSTERIORIDADE, RENUNCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SIMULTANEIDADE, INICIO, PARLAMENTARISMO, COMENTARIO, OPOSIÇÃO, COMBATE, SISTEMA DE GOVERNO, RESULTADO, PLEBISCITO, DEFESA, PRESIDENCIALISMO.
  • CRITICA, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, MOURA ANDRADE, EX PRESIDENTE, SENADO, DECRETAÇÃO, VAGA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AUSENCIA, VOTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DIFAMAÇÃO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, PUBLICAÇÃO, DISCURSO, OPOSIÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERIODO, GOLPE DE ESTADO, DECISÃO, EXILIO, PREVENÇÃO, GUERRA CIVIL, EXPECTATIVA, RETORNO, BRASIL.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MANIFESTAÇÃO, PARTIDO POLITICO, MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (MDB), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), NEGOCIAÇÃO, MEMBROS, DITADURA, AUTORIZAÇÃO, ENTERRO, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, TERRITORIO NACIONAL.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, IMPORTANCIA, VIDA PUBLICA, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OBTENÇÃO, SUPERIORIDADE, APOIO, POPULAÇÃO, PERIODO, GESTÃO, GOVERNO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, João Goulart foi o único Presidente do Brasil que morreu no exílio. Por mais que se tenha esforçado para retomar à pátria ainda em vida, isso não foi possível. Os militares não o permitiram Não lhe deram o direito de voltar ao país nem mesmo para sepultar sua mãe.

Doente, fazendo os seus exames em Paris e reconhecendo a deficiência de sua saúde, João Goulart desejava retomar ao Brasil, mas isso lhe foi vetado. Houve um momento em que tomou a decisão de tomar um avião e descer em Brasília ou no Rio de Janeiro, acontecesse o que acontecesse. Foi-lhe dito que seria preso, e os seus amigos mais chegados fizeram um apelo no sentido de que não retomasse.

João Goulart ainda não tem uma biografia que lhe faça justiça. Sabemos que a História é escrita pelos vencedores. A versão dos vencidos é mais difícil de ser contada, exige mais tempo para vir à tona. Mas ela acaba surgindo.

Não foi por medo que um homem como Getúlio Vargas - que chefiou uma revolução com coragem -, ao final da sua vida, recusou-se a mergulhar o país numa uma guerra civil. Foi um suicídio heróico, uma das nossas páginas mais bonitas porque não tem antecedente.

Não foi por medo que um dos herdeiros políticos de Getúlio Vargas - o presidente João Goulart - se recusou a resistir ao golpe que o derrubou. Também ele não queria que fosse derramado o sangue do povo brasileiro.

Não sei o que teria sido do Brasil sem estes dois fatos passados em 1954 e, dez anos depois, em 1964 quando dois brasileiros, gaúchos, filhos de São Borja, da mesma cidade, um preferiu a morte e o outro preferiu o exílio a uma guerra civil.

Olhando para a história mundial é difícil ver um líder político que não lute até o fim para ficar no poder. Lembro a morte cheia de honra e garra do Allende: quando pediram que saísse do Palácio que seria bombardeado, ele não se arredou do lugar em que estava e os escombros caíram sobre sua cabeça.

Recentemente foram publicadas as gravações dos discursos mais célebres do Congresso Nacional. Entre eles está o famoso pronunciamento do Presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, em 1964, quando ele decretou vaga a Presidência da República.

Não houve decisão nem votação, o Presidente do Senado simplesmente decretou vaga a Presidência e encerrou a sessão do Congresso Nacional. Abriu a sessão, não se sabe para quê, sob os protestos de Tancredo Neves e de outros Parlamentares. Leu determinado artigo da Constituição e uma carta do Chefe da Casa Civil, Dr. Darcy Ribeiro, enviada ao Presidente do Congresso, que dizia: "O Sr. Presidente da República, neste momento, está em Porto Alegre com o seu Governo, buscando responder às forças que estão tentando insurgir-se para golpear o Governo".

Casualmente, eu estava com o presidente João Goulart em Porto Alegre, na casa do Comandante do 111 Exército quando o senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência.

De um lado, vinham forças golpistas de Minas Gerais e, de outro, uma incerteza relacionada à posição que tomaria o Comandante do 11 Exército, amigo pessoal do Presidente João Goulart.

Eu era um jovem deputado de trinta e poucos anos, que tinha recém-assumido. Vi o Dr. Brizola com toda a sua garra pedir a João Goulart que fosse à luta. Pediu para ser nomeado Ministro da Fazenda e para que o general Ladário fosse indicado Ministro do Exército.

Quando o Dr. João Goulart chamou o General Ladário, Comandante do 111 Exército, e lhe perguntou como estavam as tropas no Rio Grande do Sul, o General Ladário respondeu que ele estava firme com o Presidente, mas era obrigado a reconhecer que já não havia a mesma fidelidade em várias guarnições.

João Goulart decidiu então viajar para Montevidéu depois que Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência, alegando que o Presidente encontrava-se em lugar incerto e não sabido. Com essa declaração do presidente do Senado, João Goulart só tinha duas saídas: a luta armada em direção à Brasília, ou a que ele preferiu, o exílio.

Conheci vários tipos de golpe: golpe militar e até golpe congressual. Agora, golpe do Presidente do Congresso, eu não conhecia.

Aliás, o Senhor Auro de Moura Andrade fez dois pronunciamentos históricos. No primeiro, correto, decretou vaga a Presidência da República na renúncia do Sr. Jânio Quadros. Pedroso Horta era Ministro do Sr. Jânio Quadros, quando este lhe entregou uma carta, renunciando à Presidência.

Penso que um Chefe da Casa Civil ou um Ministro da Justiça deveria ter retido aquela carta. No entanto, a carta chegou ao senhor Moura Andrade, que reuniu o Congresso na mesma hora e leu. Caiu Jânio Quadros.

Na primeira vez, ele agiu de forma juridicamente correta, porque, lendo a carta assinada por Jânio Quadros, não havia mais o que fazer. A renúncia é absolutamente irretratável.

Na segunda vez, contra João Goulart, agiu de forma inaceitável.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a imprensa, unida, atacava muito o presidente João Goulart. A primeira vez que a mídia se uniu contra um presidente foi contra Getúlio Vargas, em 1954, tendo à frente Carlos Lacerda. Nos discursos da época está o pronunciamento de Afonso Arinos de Mello Franco sobre o que se dizia do Dr. Getúlio Vargas às vésperas do golpe.

Com relação ao presidente João Goulart, os jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo colocavam na capa, diariamente, ou publicavam com grande destaque, os discursos dos grandes líderes da oposição da época.

Segundo os jornais, o presidente João Goulart era um dos homens mais ricos do mundo, um dos maiores proprietários de terra do país.

Certa, uma revista norte-americana fez uma violenta publicação contra João Goulart, e alguns jornais do centro do País publicaram-na na íntegra. Naquela ocasião, viajamos a Montevidéu, seu sobrinho e Deputado estadual Maurício Goulart de Loureiro e eu.

Lá, o Jango foi a um cartório em Montevidéu, e passou uma procuração em causa própria se comprometendo a vender por US$1,00 para o Presidente da Time toda fazenda que ele tivesse comprado no nome dele, da mulher ou dos filhos desde que tinha assumido a Presidência da República. O desafio lançado por João Goulart não foi publicado em nenhum jornal do Brasil.

Recentemente, a revista ISTOÉ apresentou o Sr. João Goulart como um dos grandes homens deste Século. Informa a revista que uma semana antes de ser derrubado ele tinha 85% de apoio. Não chegavam a 10% os que rejeitavam o seu Governo. Mas, quem lesse os jornais, achava que aquele Governo, sufocado em escândalos, cairia no dia seguinte.

Foram tempos difíceis para o Presidente João Goulart no exílio. Catorze anos. E o Sr. Leonel de Moura Brizola morando com ele na mesma cidade de Montevidéu, e não se falavam. E Dona Neuza, mulher fantástica, para atender ao marido, praticamente não falava com o irmão. Só foram se falar antes de Jango embarcar para Paris, já muito doente, e que ele fez questão de se despedir da irmã. Então, ele foi lá e, para felicidade do Brizola, conversaram longamente, inclusive reataram a amizade. Foi a última vez que se viram.

Lembro-me de quando tomamos conhecimento da morte de Jango, na Argentina. Logo fui procurado, porque havia a viúva e os filhos queriam enterrá-Io em São Borja, no túmulo da família, a 40 metros do túmulo de Getúlio Vargas.

Os representantes da revolução, da ditadura não queriam deixar nem que seu corpo viesse ao Brasil. Nós, do MDB do Rio Grande do Sul, fizemos um movimento e afirmamos que iríamos a Uruguaiana e o corpo dele seria trazido ao Brasil para aqui ser enterrado. Aí, o governo militar concordou, mas fez exigências. Que o veículo que o transportasse rodaria em alta velocidade. E que, chegando, deveria ser enterrado imediatamente no Cemitério de São Borja.

o automóvel veio realmente em alta velocidade. Passou por Uruguaiana quase causando acidentes, quase atropelando o povo que estava na rua esperando o féretro.

Quando o veículo chegou em São Borja, os militares tinham um contingente de milhares de homens, incluindo os dos quartéis de Alegrete, de Uruguaiana, de Santiago, ocupando militarmente São Borja. Havia muita gente na rua. Milhares e milhares de homens, mulheres e crianças.

O caminhão deveria seguir, sem parar, em direção ao cemitério.

Fizemos um acordo simpático com que o próprio padre concordou. A igreja estava fechada. Quando o veículo que trazia o corpo passou em frente à igreja, a população se colocou diante dele, que teve de parar. O povo pegou nos braços o caixão. As portas da igreja se abriram. E ela estava lotada. Lá estavam, inclusive, a esposa e a irmã do Dr. João Goulart - esta, esposa do Dr. Brizola -, autoridades as mais variadas, o Dr. Tancredo Neves. Lá estávamos nós para lhe prestar nossas homenagens.

Entraram com o corpo na igreja, o padre concordou e ele foi velado.

Um general procurou-me, eu era Presidente do Partido, para me dizer que a condução do corpo até o cemitério deveria ser rapidíssima. O povo pegou o caixão do Dr. João Goulart e o carregou pelos quilômetros que separavam a igreja do cemitério. Chegando lá, havia uma grande quantidade de militares, que não queriam permitir que se prestasse uma última homenagem ao Sr. João Goulart.

Falei eu. Tomei a palavra como Presidente do Partido. Lembrei que João Goulart fora um homem de entendimento. Lembrei que, quando Mini do Trabalho de Vargas, João Goulart renunciou para não gerar uma crise com os militares. Recordei que Jango, quando vice-Presidente, estando na China em missão oficial, teve que aceitar o parlamentarismo para assumir o poder.

Quando terminei de falar, passei a palavra a Tancredo Neves, Vice-Presidente do PMDB nacional, que dizia que, como representante do Partido, como Primeiro-Ministro de João Goulart e como Ministro de Getúlio Vargas, ali estava para prestar-lhe as últimas homenagens.

Foi uma cerimônia impressionante.

Mas analisemos a posse de João Goulart como Presidente da República. Mal assumiu o poder, diversas forças políticas iniciaram uma luta contra o parlamentarismo. JK, o PSD e a UDN de Lacerda se uniram e votaram a toque de caixa uma emenda que dispunha que Ministro, para se candidatar a Deputado, tinha de renunciar ao ministério. Obrigaram a sair do Governo o primeiro-ministro Tancredo Neves, para que ele pudesse ser candidato a Deputado. Aí começou a acabar o parlamentarismo. Num golpe cruel, PSD, UDN, PTB também - não queriam o parlamentarismo.

Jango indica para o Congresso Nacional o nome de um estadista, um homem extraordinário chamado Santiago Dantas, mas ele é rejeitado. Depois, foi aprovado o senhor Brochado da Rocha, homem extraordinário, mas um político provincial, amigo íntimo do Brizola. Apesar do grande carinho que tenho pela figura extraordinária de Brochado da Rocha, creio que, no fundo, ele estava compromissado com o término do parlamentarismo. Mas Jango aceitou o parlamentarismo. Democraticamente fez o plebiscito e assumiu o presidencialismo. E, mais uma vez, voltou como cabeça de seu Governo o Santiago Dantas, que lançou o Plano Plurianual, Foi a primeira vez que se lançou, neste País, um Plano Plurianual dentro de uma visão maior.

Os que ficaram com medo que o governo obtivesse bons resultados trabalharam no golpe contra o Dr. João Goulart. O irônico é que, deixando a Presidência da República e indo para o exterior, cassado, foi lá que o Dr. João Goulart ganhou dinheiro. As terras que ele comprou, o progresso e o desenvolvimento que teve ocorreram no Uruguai, na sua atividade pastoril em que era muito competente.

Paralelamente, sua imagem política passou a crescer. Pela grandeza inclusive, Sr. Presidente, de se unir a Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, lançando a frente de entendimento, buscando a democracia, a Frente Ampla.

Esse era João Goulart. Tenho orgulho de dizer que esse foi um brasileiro distinto. Talvez não estivesse preparado para ser Presidente da República. Assim como ele, José Sarney e Itamar Franco não estavam preparados quando foram chamados à assumir a Presidência. Uma coisa é ser Presidente, outra coisa é ser Vice-Presidente. O candidato a Presidente faz um programa, adota uma doutrina e forma uma equipe. Mas o Vice assume o poder de maneira abrupta: Jânio renunciou de uma hora para outra; Tancredo morreu inesperadamente e Collor foi derrubado abruptamente. Nessas condições, assumiram João Goulart, Sarney e Itamar. Eles não buscaram a Presidência, o destino lhes deu o cargo, mas, mesmo assim, os três agiram com dignidade, honradez e competência.

João Goulart foi um homem digno, sério e bem-intencionado.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2006 - Página 37394