Discurso durante a 201ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Expectativa em torno do que poderá ser o novo Governo Lula. Considerações sobre o descaso e a imprevidência do Governo com relação ao gás. Saudações à iniciativa do editor Léo Christiano Soares Alsina pela publicação do livro intitulado "Mineração no Brasil: história e seus grandes vultos". A aprovação do PLC 51, de 2006, de iniciativa do Governo Lula, que põe fim à impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. SENADO.:
  • Expectativa em torno do que poderá ser o novo Governo Lula. Considerações sobre o descaso e a imprevidência do Governo com relação ao gás. Saudações à iniciativa do editor Léo Christiano Soares Alsina pela publicação do livro intitulado "Mineração no Brasil: história e seus grandes vultos". A aprovação do PLC 51, de 2006, de iniciativa do Governo Lula, que põe fim à impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2006 - Página 37828
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. SENADO.
Indexação
  • REGISTRO, OPINIÃO, ECONOMISTA, IMPRENSA, EXPECTATIVA, MANDATO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ABANDONO, POLITICA, ASSISTENCIA SOCIAL, RETOMADA, PLANO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESCONHECIMENTO, FORMA, CUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, ANALISE, CRISE, INFRAESTRUTURA, POLITICA ENERGETICA, POLITICA MINERAL.
  • SAUDAÇÃO, RESPONSAVEL, EDITORAÇÃO, LIVRO, HISTORIA, MINERAÇÃO, BRASIL, HOMENAGEM, PIONEIRO, REGIÃO AMAZONICA, CRIAÇÃO, EMPRESA DE MINERAÇÃO.
  • COMENTARIO, ERRO, SENADO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, EXTINÇÃO, IMPENHORABILIDADE, IMOVEL, FAMILIA, PREJUIZO, CLASSE MEDIA, REGISTRO, VETO (VET), EFEITO, MANIFESTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aos brasileiros, é natural a expectativa em torno do que poderá ser o novo Governo Lula, que tem o respaldo de 58 milhões de votos dos brasileiros. Para todos que não votaram em Lula, é melhor que o novo período não seja meramente a continuidade do primeiro mandato, o quatriênio controvertido em que, ao menos, o Presidente haverá de ter acumulado experiência.

Naturais também são as análises , as indicações e os alertas que vêm sendo feitos nesta fase já bem vizinha do novo período que o Brasil vai viver. O que mais se coloca é que Lula está confuso ou, como diz Jânio de Freitas, na Folha de S.Paulo, (...) Lula parece mesmo absolutamente confuso.

As razões são apontadas. A principal é que Lula (...) chega ao novo mandato sem ter se dedicado à preparação de um programa.

Foi assim, antes do primeiro mandato. Havia no máximo um programa de poder.

Pior é que, no momento, (...) não apenas falta um programa. Teria faltado tudo e, em conseqüência, o Presidente não tem idéia do que fazer. 

Agora, acrescento eu, sem aspas para os analistas: Lula não pode falhar! O País não suportaria mais um período de baixa na administração nem agüentaria ver o Governo repetir o mesmo estilo meramente assistencialista, com praticamente quase nenhum projeto desenvolvimentista.

        O Brasil se manteve apenas aparentemente bem - é preciso dizer - graças a programas assistenciais, erroneamente tidos como fatores de distribuição de renda. Distribuição de renda necessária, porém efêmera, isto sim! Até porque a solução verdadeira vem do investimento maciço em Educação, entre outros pontos essenciais e estruturais.

Lula, até aqui, planou no céu de brigadeiro da economia mundial, ajudado também pelo que os petistas tanto execraram, a por eles chamada herança maldita, na verdade herança bendita legada ao Presidente pelo Governo Fernando Henrique.

            Pego mais aspas, para repetir o que dizem os analistas:

(...)Doravante, já não se sabe o que Lula será capaz de recolher, posto que nada plantou. E, bem a propósito, aspeando o ex-Presidente Fernando Henrique, (...) esse é problema dele, Lula e não do País, como quer fazer valer agora. Quem ganha, governa; quem perde, fiscaliza. Será esse o papel da oposição.

Faço essas considerações diante do que disse Lula, na semana passada, em Barra do Bugre, Mato Grosso, cenário de sua promessa de dedicar-se a ações destinadas a destravar o País.

Com a promessa, por sinal positiva, ele complementa:

            (...)mas não me perguntem a solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar, porque o País precisa crescer.

         É bom que o Presidente tenha essa visão! Essa é a grande verdade do momento: o Brasil precisa crescer!

         Uso o mesmo verbo duas vezes:

A primeira para concordar com Lula: o Brasil precisa crescer.

            A segunda: Lula precisa saber o que fazer!

Agora, aspas para outro analista, o jornalista Élio Gaspari:

            (...) Desde a noite de sua reeleição, Lula não tem idéia do que poderá fazer para cumprir o que prometeu: desenvolvimento econômico.

           Acrescento: é preciso cumprir, mesmo! E isso é urgente!

           E mais: Lula precisa saber que, apesar do quadro externo favorável, que permitiu ao Brasil avançar nas exportações, o panorama interno - e é bom olhar para a realidade - está cheio de problemas.

           Primeiro de tudo, de nada vale repetir por aí afora que há reformas por fazer, sem descer a pormenores.

           Por isso, e para ir ao encontro da promessa de Lula de não se deixar pegar de calças curtas, por que não olhar para o que nos rodeia?

           O Brasil é hoje um país carente de infra-estrutura. Alguns choques só vieram à tona recentemente por conta de tragédias, como o apagão da aviação comercial.

           Para um país que tem apenas 10,8% de estradas em ótimas construções, vale o alerta: aumentar a produção, sim; escoar é o problema.

           Leio em matéria da Gazeta o que todos sabemos e que o Governo precisa saber em pormenores: “Os investimentos públicos em rodovias estão aquém do reclamado pelo setor privado. Foram R$ 11,7 bilhões nos últimos quatro anos, o período do primeiro mandato de Lula, com a média anual de R$2,9 bilhões.” Seriam necessários R$ 13 bilhões por ano, entre recursos públicos e privados.

           Volto às palavras de Lula em Barra do Bugres. E volto também aos analistas:

           O discurso de Lula no Mato Grosso contém muitas desconexões de ordem política e agride a memória do cidadão. Os agricultores sofreram muito com esses desacertos e a agricultura sofreu duramente com o câmbio valorizado. Mas, como eles, também os empresários de setores como vestuário e calçados, para ficar apenas em exemplos mais evidentes.

           O Presidente mencionou a agricultura e, naquela figura em que prometeu não ser apanhado de calça curta, aplaudiu o seguro agrícola.

           Esse é outro problema delicado. O jornal Valor Econômico e um editorial do Estadão lembram: Criado para ser um instrumento de proteção à renda dos produtores, o seguro rural segue sem sair do papel, pelo segundo ano consecutivo.

Os dados são esses:

            Da previsão de R$61 milhões em subsídios, a burocracia federal honrou apenas R$978 mil. A morosidade do Governo em agir, mesmo com a advertência do Ministério da Agricultura, certamente ampliou as conseqüências da crise no campo.

Permaneço na análise da economia nacional e faço isso para sensibilizar o Governo, sobretudo agora que está no ar a promessa de Barra do Bugres, aquela em que Lula prometeu destravar o País.

         Uso outros argumentos dos analistas, para os quais não apenas Lula titubeia, sem saber o que fazer, conforme ele mesmo advertiu:

         (...) Também patinam os que integram a equipe econômica do Presidente. Nada converge e o jornal Valor Econômico observa que tanta desorientação já começa a afligir os comentaristas econômicos de Wall Street.

         É o caso da redução do chamado aperto fiscal, assunto que não encontra consenso na equipe de Lula. O jornal Folha de S.Paulo nota a propósito:

         (...)Planejamento e Fazenda têm versões diferentes quanto à proposta. Mantega e seu Secretário do Tesouro também discordam.

         E conclui o jornal:

         Sem árbitro, o risco é esta contenda ficar eternamente empatada. E o País também.

         Não dá para o Brasil ficar no empate. Empate não é vitória...

         Continuo, abrindo aspas para o Estadão:

         O Governo estuda idade mínima para aposentadoria em reforma do INSS, mas deixa claro que isso está longe de ser consenso. Parece, convenhamos, muito mais a tentativa de fazer prevalecer sua tese ante a dos xamanistas do choque de gestão de Falconi, que, aliás, o jornal Valor mostra que é bem menos do que se apregoa.

         Em suma, cedo a vez novamente ao Estadão:

         Um grupo dividido tenta uma missão quase impossível. E esse é o estágio em que se encontra a equipe econômica do Presidente que elabora um pacote de medidas para fazer a economia crescer 5% ao ano. Não há acordo entre os técnicos e isso faz com que surjam informações erráticas sobre o que está em análise.

         Continuo, lembrando o que foi a promessa mais solene de Lula, antes de começar o primeiro mandato: aquela história dos milhões de empregos que iria criar.

         E, bem em cima do tema, leio na Folha de S.Paulo:

         O Brasil vai bater neste ano o recorde de investimentos no exterior e, pela primeira vez na história, a saída de recursos destinados a atividades produtivas vai superar a entrada.

         Sentencia o jornal:

         Isso - esses dados, esse resultado - revela a pouca atratividade do País para investidores estrangeiros, que, assim, destinam recursos crescentes a outros emergentes.

         Leio mais pausadamente o tópico final dessa nota da Folha:

         (...) A performance do Brasil na atração de investimento estrangeiro direto (IED) foi pior que a de outros grandes emergentes no ano passado.

         Aí vêm os dados:

         Enquanto o volume global de investimentos cresceu 29%, para US$ 916 bi, os recursos ao Brasil diminuíram 17% e somaram US$ 15,1 bi. Há quatro anos, em 2002, o último ano do Governo Fernando Henrique Cardoso, o Investimento Estrangeiro Direto somou US$ 16,6 bi, ou seja, 10% mais que hoje.

         E ainda há que fale em herança maldita...

         Termino, enfatizando que a infra-estrutura, de que tanto carece o Brasil, passa pelos chamados marcos regulatórios. E nessa área as agências reguladoras estão praticamente paralisadas, como, a propósito, menciona o jornal Valor Econômico.

         O jornal mostra que a paralisia é gritante. Elas nunca ficaram tanto tempo com as suas diretorias vagas. Cada cadeira esteve desocupada, em dia, durante 85 dias em 2006 (até outubro). No Governo anterior, a marca foi bem melhor: apenas 26 dias em 2001.

         O que isso significa? As Agências não puderam exercer suas prerrogativas maiores, ou seja, adotar decisões colegiadas. O País precisa disso.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro assunto é para dizer que assim como chegou e seu consumo ganhou rápida expansão, o gás vai se revelando escasso com a mesma velocidade, o que sugere, da parte do Governo, providências também rápidas.

         O Governo sabe que o quadro não é promissor, mas nada faz para encontrar soluções. No Nordeste, por exemplo, onde o consumo de gás teve forte expansão, inclusive como combustível para veículos, praticamente todas as distribuidoras estão no momento sem contrato com a Petrobrás. Ali, a situação tende a se agravar.

Menciono dados da Abegás, que reúne as empresas de gás canalizado: o crescimento do mercado nacional este ano ficará próximo de 7%. O ritmo de crescimento, nos últimos anos, chegava a quase 20%, decorrente da ações da Petrobrás que, então, incentivara o consumo dada a ociosidade do gasoduto Brasil-Bolívia.

Leio na coluna do jornalista Celso Ming, do Estadão, a observação de que o Brasil paga o preço da imprevidência. É esse analista quem aponta como uma das causas do elevado consumo do gás o excessivo estímulo do combustível sem atentar que um dia chegaríamos bem próximos do quadro que, já agora, assusta.

Ming aponta ainda outro aspecto: “a falta de investimentos na área do gás, por conta até da inexistência de uma lei para, de uma vez por todas, definir quem pode produzir gás, quem pode transportar, quem pode distribuir o produto e a que preços.”

            Tiro as aspas de Celso Ming e digo: mais uma vez o País paga pelo descaso e a imprevidência do Governo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o terceiro assunto é a respeito do editor Léo Christiano Soares Alsina, recebi um exemplar do livro Mineração no Brasil:história e seus grandes vultos, o segundo de uma série, editado como homenagem a um grande pioneiro na Amazônia, o Doutor Antunes, como era chamado o Dr. Augusto Trajano de Azevedo Antunes, “o brasileiro que, há mais de meio século, teve a audácia de empreender, com inabalável pertinácia,(...) um grande projeto na (...) Amazônia, a emblemática ICOMI (mais tarde CAEMI)

            O livro narra a saga de Antunes e sua empresa, denominada Indústria e Comércio de Mineiros, ou simplesmente ICOMI, nos idos de 1942, quando a mineração no Brasil era atividade rudimentar e pouco atraente, primeiro para explorar minério em Itabirito, Minas.

Oito anos depois, ele criava a Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração-CAEMI, que incorporou a ICOMI, dando a partida à exploração de manganês na Serra do Navio, no Amapá.

A obra editada por Léo Christiano é um correto registro da saga da mineração no Brasil. Léo lembra que, antes do Dr. Antunes aparecer no cenário, muitas propostas sucumbiram, entre elas a fantástica Fordlândia, no Amazonas, e o Projeto Jarí, do seu amigo Daniel Ludwig, “que precisou de Antunes para, a seguir, sobreviver como cidadão”.

            Folheei o livro e, como chama a atenção seu editor, a criação da empresa de Antunes, no Amapá- inaugurada, com a presença do então Presidente JK, em 5 de janeiro de l957, para exportar manganês cinco dias depois - representou os primeiros passos de uma experiência de que hoje se fala com a denominação tão decantada das Parcerias Público-Privadas. Juscelino Kubitschek, pois, foi o pioneiro das PPP no Brasil.

Para se ter uma idéia da importância dessa iniciativa, basta mencionar, além de JK, os nomes das figuras, todas importantes à época, que compareceram à solenidade inaugural, na Serra do Navio. Leio os nomes e isso é suficiente para avaliar o significado de uma obra que marcou definitivamente a história da mineração no Brasil. Ei-los:

         Juscelino Kubitschek, Marechal Eurico Gaspar Dutra, Oswaldo Aranha, Tancredo Neves, Gustavo Capanema, Negrão de Lima, Gen. Edmundo Macedo Soares, Clemente Mariani, Brigadeiro Eduardo Gomes, João Goulart, Cel. Janary Nunes, Pedro Calmon, General Zenóbio da Costa, João Cleofas, Ênio Silveira, Pedro Bloch, Victor Nunes Leal, Min. Lúcio Meira, General Olimpio Mourão Filho, Ministro José Maria Alkmin, Ministro Nereu Ramos, Ulisses Guimarães, Cardeal D.Jaime Câmara, Carlos Luz, Apolônio Sales, Mario Pinotti, Miguel Couto Filho, Luiz Simões Lopes, Daniel de Carvalho, Coaracy Gentil Nunes, Horácio Lafer, Glycon de Paiva, Cezário Alvim Filho, Bias Forte, Guilherme da Silveira, Octávio Marcondes Ferraz, João Café Filho, General Nelson de Melo, Silvestre Péricles de Góes Monteiro, Francisco Carvalho, além dos jornalistas Carlos Castelo Branco (O Globo), Pedro Gomes (Manchete), Evandro Carlos de Andrade (Diário Carioca), Nertan Macedo (O Jornal), Wilson Aguiar (O Cruzeiro), Moacir Áreas (Rádio Nacional), José Wamberto e Heráclito Sales (Diário de Notícias), Maurício Vaitsman (Diário da Noite), Murilo Melo Filho (Tribuna da Imprensa), Rubens Amaral (Rádio Globo), Ascendino Leite e Antonio Viana (O Globo) e Benedito Coutinho (O Jornal).

            Encerro, saudando a iniciativa do editor Léo Christiano pela contribuição que, com esse livro, ele oferece à História do Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por último, a súbita indignação do Senado, na terça-feira última, por causa de um erro da própria Casa - apontado pelo Senador José Sarney - nada tem de exagerada. O sempre reduzido espaço de tempo para o exame de proposições do Governo, tornou-nos reféns da, aí sim, do despreparo do Governo na formulação de medidas legislativas, sem uma análise prévia mais detida.

Alguma coisa, algum dia, tinha que dar errado. E deu; dessa vez apenando o brasileiro de classe média, ao ser aprovado açodadamente o PLC 51/06, de iniciativa do Governo Lula, que põe fim à impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família. Errou o Governo, pecou o Senado e a vítima, já disse, é o já sacrificado cidadão brasileiro de classe média.

Diria que graças ao Senado esta ameaça à classe média foi afastada. Ontem, o Presidente da República sancionou o Projeto com dois vetos, incidindo aos dispositivos que motivaram nosso protesto.

Fica o alerta. Se é assim que o Governo pretende promover as tão decantadas reformas anunciadas para o seu segundo mandato, é bom que nos precatemos para evitar que se venham a consumar mais desastres. Seriam insuportáveis para uma população já compelida a malabarismos ou muita ginástica, além de paciência para as coisas mais simples, como uma viagem de avião.

Queira ou não o Governo reconhecer, o Brasil vive uma era de apagão logístico. Antes, só não tinha estradas. Continua não as tendo. E agora já não tem vias aéreas confiáveis. As viagens transformam-se em suplício ou aventura. Isso para não se falar nas dificuldades para escoamento da produção nacional. No setor rodoviário, o caminhoneiro não tem outra alternativa a não ser a de jogar o caminhão nos buracos, um atrás do outro. Lá em cima, na rotas aéreas, isso não é possível e os aeroportos acabam se convertendo em lugar de martírio.

A fase sugere que se fale de reformas. E isso tem ocorrido, no mais das vezes sugerindo, muito provavelmente ao léu, que apareça logo um conjunto de mudanças estruturais. Ao Governo, falta planejamento. E não há investimento compatível com as reais necessidades de um país que precisa crescer.

Falar em reformas estruturais apenas por falar é, a meu ver, um pouco vago, mas é só o de que se fala nas antevésperas do Governo-2 do Presidente Lula.

Sem reformas estruturais, o Brasil não vai, no ano próximo, crescer os 5% anunciados pelo Presidente da República. Desenvolvimento implica, repito, planejamento. Implica investimentos. Implica conter gastos supérfluos. Implica reformas profundas.

Os brasileiros ainda guardam na lembrança a frase que Tancredo Neves escreveu no discurso preparado para a posse que não ocorreu pela força do destino: “É proibido gastar!”

Leu-a o hoje Senador José Sarney, o Vice de então e, portanto, o sucessor natural do Presidente eleito. E, sem dúvida, com a mesma entonação que a ela Tancredo quis imprimir.

A advertência leva-me a parodiar outra frase, de um samba-canção, aquele que retrata a figura de Conceição, na criação de Jair Amorim e Dunga: se existiu, ninguém sabe, ninguém viu.

Existiu, sim. E se estabeleço algum paralelo é para lembrar que Conceição não é apenas nome de música.

É todo um enredo mais do que nunca necessário ao Brasil da atualidade, para dizer que, mais do que nunca, é preciso conceber, não apenas improvisar. Nem somente idealizar esquemas assistenciais de emergência.

Programas assistenciais são necessários. Mas não só isso.

O Brasil de hoje ressente-se de um conjunto de fatos encadeados para se chegar a uma obra, de um projeto para o povo, não meros improvisos.

A Conceição de Amorim e Dunga, aqui lembrada, é dos anos 50, de 1956, portanto de há exato meio século. Pouca coisa mudou de lá para cá.

A figurante de então era a jovem que vivia no morro, carioca da gema, que “vivia no morro a sonhar com coisas que o morro não tem”. Até que um dia, “lá em cima apareceu alguém que lhe disse a sorrir, que descendo à cidade ela iria subir.”

Eles sempre aparecem. E sempre também com improvisos.

A brasileira-moça de então, a ingênua Conceição, foi obediente e desceu, pensando que iria subir, ascender.

Abro novas aspas para a dupla de sambistas:

             “Se subiu, ninguém sabe, ninguém viu. Estranhos caminhos pisou. E agora daria um milhão para ser outra vez Conceição”.

Foi-lhe dado dinheiro de sobrevivência, com nome pomposo, confundindo-se com nome eleitoreiro.

            Programa assistencial não é suficiente para criar horizontes mais sólidos, como um emprego, que passa a existir apenas na propaganda fácil dos setores governistas.

Criar empregos é algo dependente de outra Conceição, agora como adjetivo, dando idéia de que é necessário, e urgente, conceber reformas estruturais, em rota mais segura, capaz de assegurar o que planejara Tancredo Neves, paralelamente à ordem para não gastar: a retomada do desenvolvimento!

Faço essas colocações, com o maior respeito ao samba de Amorim e Dunga. Para mostrar que, lamentavelmente, no Brasil de hoje já não é apenas a camada dos mais pobres a mais sofrida. Como milhares de Conceição, a esse contingente somam-se os brasileiros de classe média.

A classe média empobrece, sim, empobrece. E a ela, como é natural, não chegam programas assistencialistas. Dela, tudo se procura tirar.

Na tarde de terça-feira, antes dos protestos deste Plenário, li, em prosa, um relato forte e triste, de autoria de Maria Inês Dolci, a que ela dá o título de “Fábula moderna”. Está na Folha de S.Paulo,(p. C-2, Caderno Cotidiano).

            Pouco depois, coincidentemente, veio à tona, pela palavra do Senador José Sarney, o que acabou se tornando protesto e confissão de auto-culpabilidade do Senado. A sanção do projeto de lei felizmente acabou com a ameaça de permitir a penhora, para pagamento de dívidas, do imóvel residencial de valor superior a R$350 mil. E ainda de penhorar parte do salário de eventual devedor.

A “Fábula Moderna” de Maria Inês poderia chamar-se, do mesmo jeito, de Fábula do Brasileiro de Classe Média. Ela narra a história de João, um engenheiro de 43 anos, com pós-graduação nos Estados Unidos. Ele é casado, tem três filhos, e sua mulher é microempresária, dona de uma floricultura.

A família tinha renda de R$15 mil, que dava para pagar os impostos, as escolas dos filhos, os planos de saúde e ainda sobrava um pouco para as férias anuais.

Maria Inês segue o relato para lembrar que “a vida não é um conto de fadas”. A empresa em que o engenheiro trabalhava demitiu quase todos os empregados. Não suportou a concorrência com os produtos vindos da China a preços de banana, porque sobre eles não incidem impostos elevados como os brasileiros, ao lado da moeda valorizada.

            João, o engenheiro, passou a viver amedrontado pelo receio de perder a casa própria em que vivem seus familiares. Ele assumiu dívidas ao tentar uma outra atividade, em sociedade com amigos. Não deu certo e fechou. Felizmente, já não tem esse problema de perder a casa, o que ocorreria com a eventual sanção sem vetos da lei aprovada às cegas pelo Senado.

Como diz Maria Inês Dolci, “a lei faz a balança pender para o lado mais forte”, no caso do engenheiro João um estabelecimento bancário.

            Os protestos que tiveram como palco esse Plenário, no mínimo representam uma outra advertência ao Governo, que se tem mostrado insaciável na edição de Medidas Provisórias. Quase todas, após a aprovação na Câmara, chegam ao Senado na undécima hora, sem deixar aos Senadores outra alternativa a não ser a sua aprovação a toque de caixa. Esta casa fica sujeita a uma constrangedora situação: ou aprova ou a MP caduca, com todos os ônus recaindo sobre os ombros dos Senadores.

Volto à Fábula Maria Inês Dolci para dizer que é mais do que passada a hora de um basta nisso tudo. Do contrário, outros erros como esse do imóvel residencial, que ameaçava transformar os membros das famílias de classe média nas Conceições contemporâneas, lembrando aquela de meio século atrás, bem retratada pela dupla Amorim e Dunga.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2006 - Página 37828