Discurso durante a 203ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o crescimento da economia brasileira, em especial a política de câmbio e de juros, e sua influência na economia.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre o crescimento da economia brasileira, em especial a política de câmbio e de juros, e sua influência na economia.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2006 - Página 38160
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, INFERIORIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, MOTIVO, INEFICACIA, POLITICA CAMBIAL, SUPERIORIDADE, JUROS, PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, INDUSTRIA, TRANSFORMAÇÃO, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, REGISTRO, DADOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, TAXA DE CAMBIO, REDUÇÃO, JUROS, OBJETIVO, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, INVESTIMENTO, SETOR PRIVADO.
  • CRITICA, ATA, COMITE, POLITICA MONETARIA, DIVERGENCIA, MEMBROS, DECISÃO, REDUÇÃO, JUROS, COMISSÃO, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, DESNECESSIDADE, APREENSÃO, CONTROLE, INFLAÇÃO, REGISTRO, DADOS.
  • ANUNCIO, VISITA, GUIDO MANTEGA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), SENADO, ESCLARECIMENTOS, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, DEMONSTRAÇÃO, EVOLUÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
  • QUESTIONAMENTO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, BOLSA FAMILIA, PROMOÇÃO, DEPENDENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, RENDA, ESPECIFICAÇÃO, NEGAÇÃO, OPORTUNIDADE, EMPREGO.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, CIDADANIA, OBJETIVO, ELIMINAÇÃO, DEPENDENCIA, BENEFICIARIO, RENDA, INCENTIVO, FORMALIZAÇÃO, TRABALHADOR, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Ideli Salvatti; Srªs e Srs. Senadores, venho novamente tratar da questão que tanto tem preocupado os brasileiros: o crescimento da economia brasileira e, em especial, a política de câmbio, de juros, no que diz respeito a sua influência no crescimento econômico. E não sem razão: há mais de 25 anos, a economia brasileira não cresce de forma sustentável. Não se trata de uma questão apenas do Governo do Presidente Lula. Ou seja, o Brasil tem crescido, ano após ano, menos do que a média da economia mundial. Desta vez, foco meu pronunciamento no binômio taxa de câmbio e juros. É um dos aspectos centrais, ainda que não o único, que influencia o crescimento econômico. Outros aspectos, em especial a questão fiscal, da transferência de renda e outros, deixarei para abordar em outras ocasiões.

A ninguém escapa o papel decisivo que desempenham essas duas variáveis interligadas - a taxa de juros e a taxa de câmbio - em economias abertas. Desde o pronunciamento feito em novembro sobre o tema do crescimento e da política econômica, o IBGE divulgou novos dados sobre o desempenho da economia, o nível de atividade dos diferentes setores e a evolução dos principais componentes da demanda agregada. Esses dados confirmaram a percepção daqueles que se preocupam com a falta de dinamismo da economia do País.

No acumulado do ano até setembro, relativamente a igual período de 2005, o Produto Interno Bruto real cresceu apenas 2,5%, uma taxa muito pequena em termos per capita, uma vez que se estima que a população brasileira está crescendo à taxa de 1,5% ao ano aproximadamente. Nos últimos quatro trimestres até o terceiro deste ano, contra os quatro trimestres imediatamente anteriores, a taxa de expansão do PIB foi ligeiramente inferior: 2,3% ou cerca de 0,8% por habitante. A indústria de transformação, setor que é particularmente suscetível às variações do câmbio real, cresceu apenas 0,7% nessa mesma base de comparação, menos da metade do crescimento populacional.

O IBGE trouxe novas evidências de que a sobrevalorização do real em relação a moedas estrangeiras está afetando negativamente o PIB. Durante todo o ano de 2006, o crescimento das importações de bens e serviços superou o das exportações de bens e serviços, fato que não vinha ocorrendo desde 2003. A contribuição do setor externo à taxa de crescimento do PIB tem sido claramente negativa. As exportações estão desacelerando, ao mesmo tempo em que as importações vêm crescentemente deslocando a produção nacional no mercado interno. Ou seja, essa tendência de crescimento das exportações a um ritmo menor do que o das importações, sobretudo neste último ano, vem tendo um efeito negativo sobre a taxa de crescimento da economia.

Em termos de comparações internacionais, o Brasil não se tem saído bem, especialmente quando se compara o nosso desempenho com o desempenho dos demais países emergentes. Os principais emergentes, com exceção do México, vêm crescendo bem mais do que o Brasil nos anos recentes.

O que diferencia o Brasil dos demais países emergentes? Dois aspectos parecem se destacar. Primeiro aspecto, o Brasil é o país que adota a maior taxa de juro real, por larga margem, há muito tempo. Segundo aspecto, ligado ao primeiro, o real foi uma das moedas que mais se valorizaram nos anos recentes. São muitos os analistas da economia brasileira que têm chamado a atenção para o papel da combinação juros altos/câmbio valorizado no modesto desempenho da economia brasileira.

Na semana passada, foi divulgada a ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central. Alguns pontos preocupam. Por exemplo, a modesta diminuição de 0,5 ponto percentual na meta para a Selic teve a oposição de três dos oito integrantes do Copom, que preferiam uma redução de apenas 0,25 ponto percentual. A Ata registra que “houve consenso entre os membros do Comitê de que diversos fatores respaldariam tal decisão”, mas a maioria entendeu que era cedo para reduzir “o ritmo de flexibilização da política monetária.”

Tenho procurado ler com atenção a Ata do Copom, pois avalio que seja muito importante que acompanhemos de perto a forma de raciocínio dos membros daquele Comitê. Melhor seria se pudéssemos ter acesso à forma completa como eles chegam às suas decisões, à maneira como raciocinam. Daí a minha sugestão, no ano passado, ao Ministro Antonio Palocci para que as Atas do Copom passem a ser transmitidas ao vivo, senão gravadas e transmitidas 48 horas depois, pela Radiobrás ou por algum sistema de comunicação, a toda a população. Na medida em que todos tivéssemos acesso, não teríamos qualquer tipo de preocupação com possíveis movimentos especulativos, porque a informação seria dada imediatamente, em tempo real, para toda e qualquer pessoa interessada na economia.

Outra observação preocupante da Ata do Copom é a seguinte:

Tendo em vista os estímulos já existentes para a expansão da demanda agregada [a referência aqui é aos estímulos fiscais desde o último trimestre de 2005], as incertezas que cercam os mecanismos de transmissão da política monetária e a menor distância entre a taxa básica de juros corrente e as taxas de juros que deverão vigorar em equilíbrio no médio prazo, o Copom entende que a preservação das importantes conquistas obtidas no combate à inflação e na manutenção do crescimento econômico, com geração de empregos e aumento da renda real, demandará que, a partir de um determinado ponto, a flexibilização da política monetária passe a ser conduzida com maior parcimônia.

            Ora esse é um termo que tem aparecido recorrentemente nas últimas Atas do Copom.

Com esse posicionamento, o Banco Central poderá retardar a retomada do crescimento econômico. Supõe-se que a “taxa de juro de equilíbrio”, como assim denomina a Ata do Copom, seria a taxa compatível com o controle da inflação tal como definido no regime de metas para a inflação. Mas qual seria essa taxa de juros de equilíbrio na avaliação do Banco Central? Considerando-se a expectativa de inflação no mercado para os próximos 12 meses, tal como captada pelos levantamentos periódicos do Banco Central, a atual taxa de juros Selic, de 13,25%, corresponde a uma taxa real ex ante de 8,7%, muito superior à média internacional.

Curiosamente, algumas informações da Ata do Copom parecem confirmar a avaliação de que há espaço para reduzir, de forma mais rápida e mais acentuada, a taxa básica de juro. Os núcleos inflacionários, que procuram captar a tendência da inflação ou a “inflação subjacente”, continuam em trajetória decrescente.

Isso vale tanto para o núcleo calculado por exclusão de produtos monitorados e alimentos, como para os núcleos calculados pelo método de médias aparadas (com exclusão de variações extremas). O IPCA cheio acumulado em 12 meses apresenta a menor variação desde que o regime de metas de inflação foi introduzido em 1999.

Estima-se que o índice de preços da economia brasileira será de pouco mais de 3% neste ano, o menor índice desde 1998, quando foi da ordem de 1,65%.

A utilização da capacidade instalada na indústria de transformação (série da CNI dessazonalizada pelo Banco Central) alcançou 82% em setembro. Na série sem ajuste sazonal, a utilização média da capacidade, nos primeiros nove meses de 2006, foi inferior em 0,4 ponto percentual à média de igual período de 2005, refletindo, ao menos em parte, incrementos da capacidade produtiva, segundo a Ata do Copom. Conclui, então, o Copom: “Ainda não se antecipam descompassos relevantes no que se refere à evolução da oferta agregada ao longo dos próximos trimestres”.

Por outro lado, a Ata do Copom é basicamente omissa no que se refere à questão crucial do câmbio e seus efeitos sobre a competitividade da economia. É quase como se o problema não existisse para o Banco Central. E, no entanto, a teoria econômica indica que a persistência de uma política monetária inflexível - ou “parcimoniosa”, para usar a palavra preferida do Copom - contribui para manter elevado o valor externo da moeda brasileira. Inversamente, uma diminuição mais expressiva da taxa de juros certamente amenizaria o problema da sobrevalorização cambial, favorecendo a rentabilidade e a competitividade dos setores que exportam e daqueles que concorrem no mercado doméstico com importação de bens e serviços. Isso ocorreria por dois canais: a) pela conta de capitais autônomos do balanço de pagamentos, na medida em que a diminuição do diferencial de juros induzisse a saída de capitais ou reduzisse a sua entrada; b) pela balança comercial, na medida em que o aumento do nível de atividade econômica, decorrente do estímulo monetário, resultasse em ampliação da demanda por importações.

A diminuição da taxa de juros básica, especialmente se combinada com a diminuição da Taxa de Juros de Longo Prazo e dos compulsórios bancários, estimula o investimento privado, a aquisição de máquinas e equipamentos em instalações produtivas. O investimento, como se sabe, é a variável macroeconômica que possui uma dupla face: por um lado, é um componente da demanda agregada; por outro, representa ampliação da oferta agregada. É a variável-chave para a sustentação de um processo de crescimento no médio e no longo prazos.

Ora, é notícia alvissareira que, no próximo dia 20, prezado Presidente Cristovam Buarque, nós teremos no plenário do Senado o Ministro da Fazenda, Guido Mantega. Diante do requerimento do Senador Jefferson Peres para que S. Exª comparecesse ao Senado para expor seus planos, a maneira como está vendo a evolução da economia brasileira e como está dialogando com o Presidente Lula, com os demais Ministros e com a sua equipe econômica, para garantir a meta de crescimento da economia, para que ela possa atingir 5% ou mais, S. Exª se dispôs a vir ao Senado Federal.

É importante lembrar que o Ministro Antonio Palocci, inúmeras vezes, aqui compareceu. E mesmo o Ministro Guido Mantega, quando ocupou outras funções, seja a de Presidente do BNDES, seja a de Ministro do Planejamento, sempre teve a disposição de vir aqui. Mas, como Ministro da Fazenda, será a primeira vez que S. Exª comparecerá ao Plenário do Senado.

E eu aqui coloco essas reflexões como uma contribuição ao Ministro, ao Presidente Lula, e a toda a sua equipe, a qual está justamente examinando os mecanismos a serem adotados para garantir o crescimento sustentável, o crescimento mais acelerado da economia brasileira, depois desse período em que o crescimento não foi tão significativo.

Gostaria aqui de fazer uma reflexão com respeito à matéria que saiu no jornal O Globo de hoje, que faz uma referência crítica à situação de algumas famílias que estão registradas no Programa Bolsa-Família e perguntam: “Para que então se desesperar atrás de emprego?” Menciona ainda o jornal que há beneficiários que desistem de empregos formais para não perder o benefício do Programa Bolsa-Família.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a existência de garantia de renda na verdade aumenta a liberdade de decisão de cada pessoa. Diante de eventual alternativa de trabalho que porventura possa ser um malefício para a saúde de uma pessoa; diante de um trabalho que porventura possa ser humilhante para uma pessoa ou que possa ser muito inadequado, como única alternativa de sobrevivência, então, obviamente, a pessoa que está tendo a oportunidade de receber o Programa Bolsa-Família tem maior liberdade de opção pois ela poderá dizer: graças ao Bolsa Família não preciso aceitar um tipo de trabalho que de alguma forma possa ser contra a minha dignidade, a minha saúde, e assim por diante.

Por outro lado, se desejarmos avançar, aperfeiçoar o Programa Bolsa-Família, a alternativa que existe, já aprovada pelo Congresso Nacional, é de justamente caminharmos na direção do Programa da Renda Básica de Cidadania. Uma das principais vantagens do Programa da Renda Básica de Cidadania é justamente eliminar o fenômeno da dependência, que, por vezes, cria as chamadas armadilhas do desemprego e da pobreza. Se uma pessoa, tal como registrado na reportagem de O Globo, eventualmente, ao considerar iniciar uma atividade de trabalho, está temendo perder o benefício do Programa Bolsa-Família e desiste de realizar aquele trabalho, então, obviamente, se tivermos uma renda básica incondicional para todos, esse problema simplesmente desaparece. Mais do que isso, no que diz respeito à questão de se estimular a formalização de todos os trabalhadores na economia, o dia em que for instituída a Renda Básica de Cidadania, obviamente, na medida em que a pessoa não vai perder a renda básica de cidadania, ela poderá perfeitamente se inscrever numa atividade de trabalho que escolha como adequada e, sobretudo, de acordo com a sua vocação, podendo escolher com muito maior liberdade. Uma vez inscrita, uma vez nesse emprego formal, essa pessoa não perderá o benefício da renda básica de cidadania.

Dentre outras características, certamente essa constitui uma das principais vantagens da Renda Básica de Cidadania.

Sr. Presidente, agradeço a atenção de V. Exª.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2006 - Página 38160