Discurso durante a 204ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da longa passagem de S.Exa. pelo Senado Federal, de onde se despede, após 24 anos de mandato.

Autor
Jorge Bornhausen (PFL - Partido da Frente Liberal/SC)
Nome completo: Jorge Konder Bornhausen
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Registro da longa passagem de S.Exa. pelo Senado Federal, de onde se despede, após 24 anos de mandato.
Aparteantes
José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/2006 - Página 38346
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, ORADOR, SENADO, AUXILIO, TANCREDO NEVES, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, BENEFICIO, REDEMOCRATIZAÇÃO, PAIS, AGRADECIMENTO, APOIO, MARCO MACIEL, SENADOR, POPULAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, ORADOR, DEFESA, PARLAMENTARISMO, JUSTIÇA, REFORMA TRIBUTARIA, CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, CRITICA, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), NECESSIDADE, REFORMA POLITICA.
  • BALANÇO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, ENCERRAMENTO, MANDATO, CONTINUAÇÃO, VIDA PUBLICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL).

O SR. JORGE BORNHAUSEN (PFL - SC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados presentes à sessão, por 24 anos, período que corresponde a quase um terço da minha vida, estive ligado ao Senado Federal. Aqui cheguei em 1983 e cumpri dois mandatos de Senador da República, mediados por oito anos em que, mesmo de fora, vivi intensamente seus debates e decisões, como dirigente partidário, como membro do Conselho da República, como Ministro de Estado e como Embaixador do Brasil em Portugal, missão de que fui investido com a honrosa aprovação unânime desta Casa.

Por essas razões, quando concluo meu segundo mandato, sem haver me candidatado à reeleição, é o momento propício para o registro da minha longa passagem por esta Casa, onde vivi o episódio mais alto em grandeza humana, criatividade política, testemunho ideológico e envolvimento pessoal de toda minha existência: a restauração da República e a implantação irreversível da democracia no Brasil.

Naqueles dias, senti toda a carga da responsabilidade moral da condição de Senador da República e a própria vocação da instituição Senado Federal. Não tenho dúvidas de que, nem antes, nem nos belos dias da juventude, nem no futuro, por mais que viva, assistirei, na qualidade de protagonista, a página igual na história brasileira. Os registros e os testemunhos generosos das ações políticas desenvolvidas passo a passo, a partir do Congresso Nacional, dão-me a honra de incluir meu nome entre os que ofereceram suporte político a Tancredo Neves e a José Sarney.

Tancredo Neves, o criador da Nova República, tendo comprometido com o seu projeto todas as tendências ideológicas, mulheres e homens de boa vontade, assegurou ao novo regime a autenticidade democrática que raras revoluções conseguiram. Foi um movimento plural, sem preconceitos ou exclusões, que não apenas aceitou ou tolerou, mas admitiu, em igualdade de condições, todos os brasileiros, de todas as convicções político-ideológicas.

A democracia que vivemos - e que Deus permita jamais se extinga no Brasil - nasceu sob o signo da liberdade sem adjetivo, da ética, do reconhecimento da diversidade de pensamento e da garantia de soluções pacíficas e justas dos conflitos sociais e, como fator de oxigenação permanente, a presença de eleições livres e periódicas. Não foi por acaso que a Nova República foi precedida pelo clamor das Diretas Já, toque de reunir da mobilização a que atendi de maneira clara, declarando publicamente a antecipação do meu voto no Senado, se a emenda tivesse a aprovação da Câmara.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP. Com revisão do orador.) - Senador Jorge Bornhausen, V. Exª me permite um aparte? Eu soube que V. Exª não permitiria apartes, mas quero justamente burlar a vontade de V. Exª, porque não me sentiria à vontade, se não dissesse, aqui neste plenário, que tenho por V. Exª o maior apreço, a maior admiração e que temos uma longa convivência. Se somarmos, teremos muito mais convergências do que divergências. A amizade que vem do seu pai, Irineu Bornhausen - meu companheiro aqui no Congresso Nacional -, e que passou pelos seus filhos teve o ponto mais alto em V. Exª e continua no seu filho, no Paulo, que honra a família com a tradição de serviços prestados à política, ao Brasil e a Santa Catarina. O testemunho que trago é da importância de V. Exª em determinados momentos da política brasileira. A abertura política que vivemos sem traumas se deve, em grande parte, ao seu espírito público, à sua participação ao lado de Tancredo Neves, sempre com o seu conselho sábio, sempre com a sua estrutura moral, sempre com a sua determinação. Eu queria dizer que me sinto ligado a V. Exª pela vida, pelos anos que vivemos. A convivência política traz uma coisa a mais, que é essa amizade, uma amizade que realmente nos une e que supera as nossas divergências, os pontos de vista contrários, para dessa amizade ficar somente o afeto, a estima e o querer bem. Muito obrigado.

O SR. JORGE BORNHAUSEN (PFL - SC) - Senador Renan Calheiros, meu eminente Presidente, é evidente que nesta Casa o Senador José Sarney, pela sua posição, por ter sido Presidente da República, Presidente do Senado, um dos grandes pacificadores deste País, tem o direito de quebrar o Regimento.

Dessa forma, aceito com muita emoção o aparte de S. Exª e o considero como de todas as Senadoras e Senadores que me honram com suas presenças.

O apelo das ruas, dizia eu, mesmo derrotado, ungiu com tal representatividade o Colégio Eleitoral que o voto indireto ganhou a dimensão e a consistência do voto popular direto.

Para efetivar a viabilidade aritmética de tal clamor, que se concretizaria com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney pelo Colégio Eleitoral, novamente me senti convocado, agora para ir além da adesão pessoal. Com um grupo de valorosos companheiros, lideramos a formação da Frente Liberal, embrião do nosso atual e atuante PFL, que teve peso decisivo naquele momento incerto. Traduzo a minha gratidão a todos eles, em nome desse amigo e exemplar homem público: Marco Maciel.

Por haver participado como Senador da República do estabelecimento desse marco civilizatório do meu País, sou profundamente grato ao querido povo de Santa Catarina. Historicamente, raras gerações testemunharam e poucos cidadãos tiveram a honra de viver pessoalmente os acontecimento de 1984 e 1985 no Brasil.

Estar no Senado naquele momento foi uma dádiva do destino. Esta Casa tem tradição, experiência e instrumentos regimentais para operar as grandes mutações institucionais que a desafiaram através dos tempos.

O Senado - formalmente, em função dos mandatos mais longos - presta-se a um dos papéis mais relevantes do Poder Legislativo que é o cultivo de teses e projetos de longa maturação que permanecem hibernados, mas prontos para serem despertos quando a contingência política favorece. A oportunidade chega não somente quando se forma o consenso favorável à aprovação das proposições. De repente, abrem-se os debates e torna-se inexorável a votação como exigência política da Nação.

O êxito da atividade parlamentar sob a democracia não se mede pelas vitórias, mas pelos avanços éticos e morais gerados pelos debates e definições que suscita. Projetos, resoluções, regulamentos, verbas orçamentárias, leis, emendas à Constituição, medidas provisórias, sejam aprovadas ou recusadas, consagram ao mesmo tempo os que defendem e os que combatem, sejam partidos, líderes e parlamentares individualmente.

Dado o meu temperamento metódico e a objetividade com que procuro orientar e cultivar os meus atos, tenho certeza de que a minha participação mais significativa nos trabalhos parlamentares ocorreu justamente em verdadeiras cruzadas, algumas bem-sucedidas, outras condenadas, mesmo provisoriamente, como no caso do parlamentarismo, todas, no entanto, semeaduras de utopias em busca do momento mágico em que a vontade da Nação se manifesta e cabe-nos expressá-las por meio de leis. Nessas votações, quem vence leva, mas quem perde não perde, até se qualifica quando o tempo revela infeliz a opção vencedora, como é o caso do parlamentarismo.

O sistema de governo parlamentar, em oposição ao presidencialismo, cujo viés imperial facilita o autoritarismo, apostando na onipotência de um único titular, é um conjunto de práticas de extrema racionalidade para o exercício do governo democrático. Suas virtudes e soluções começam na simplificação para reduzir o impacto da substituição de governos que percam a confiança da sociedade - em vez de crises institucionais, uma votação no Parlamento, por maioria, os substituiria ou os consolidaria sem qualquer trauma. Aprimora conceitos sobre a representação popular, como o voto distrital e as coalizões partidárias em torno de um programa comum para gerar maioria no Legislativo, única solução para o estabelecimento de governos politicamente estáveis, livres das barganhas e das cooptações corruptas que tantos escândalos têm produzido. Os programas que levam partidos a apoiar governos de outros partidos devem ter o caráter de legítimos e transparentes contratos de gestão, com ministros verdadeiramente representativos desses partidos e, principalmente, compromisso público dos seus representantes no Parlamento.

Relatei a Emenda Constitucional Parlamentarista que esteve mais próxima de aprovação em 1984, desde as heróicas e quixotescas tentativas do notável Deputado Raul Pila, sob o regime da Constituição de 1946. Na Constituinte, dediquei-me, ao lado de ilustres Senadores e Deputados, a estudos e ações, e tantas foram as adesões recebidas que, por muito pouco, não tivemos a sua adoção em 1988. Estou certo de que, mais dia menos dia, o povo brasileiro alterará seu veredicto plebiscitário de 1991 e viveremos uma verdadeira experiência parlamentarista.

Esse mesmo empenho dediquei à questão tributária.

Confio que - não tardará muito - a racionalidade tributária substituirá o cipoal de leis de oportunidade que tornam o contribuinte, ou seja, o cidadão brasileiro contribuinte, principalmente os mais pobres e os da classe média, uma vítima de quem tudo se tira. Da mesma forma que torna também os entes federativos, Estados e Municípios, caudatários da burocracia fazendária federal. E, usando eufemismos, a cada exercício majoram a carga tributária para aumentar a arrecadação e, dessa forma, encobrir o descalabro de políticas fiscais irresponsáveis. Tentei corrigir esse quadro por meio de denúncias, de projetos pontuais e me associei com emendas a iniciativas que visavam o mesmo fim.

Apoiando os governos ou na Oposição, sempre me manifestei e votei contra a criação ou aumento de tributos.

A minha luta pelo Código de Defesa do Contribuinte, que abrirá uma nova página na cidadania, tendo o cidadão contribuinte uma relação de igualdade com o Fisco, é um dos meus projetos mais caros. Já aprovadas nas Comissões, tramitam as emendas de plenário na Comissão de Assuntos Econômicos, e espero que venham a ser aprovadas e o projeto examinado por este Plenário.

Aí, pela primeira vez, o cidadão que paga imposto, direta ou indiretamente, terá uma definição de seus direitos, tanto quanto dos seus deveres. O Código qualifica um personagem único - o cidadão. De qualquer forma, foi a partir das discussões em torno dele que vieram a ser propostos e aprovados códigos estaduais em Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul, e que, coincidentemente, as avaliações constantes da carga tributária e da qualidade dos tributos tornaram-se indicadores não apenas econômicos, mas de grande impacto político e social. O cidadão contribuinte sabe que hoje, no final de 2006, sua carga tributária direta ou indireta tira-lhe do bolso e carreia para os cofres públicos por volta de 38% do que produz; uma carga não apenas cruel para os assalariados, mas um obstáculo para o desenvolvimento e a expansão do mercado de trabalho.

As freqüentes e inconsistentes tentativas de reforma tributária constituem um álibi dos governos para sugerir que buscam a justiça tributária, quando na verdade cultivam evidentes injustiças, penalizando a cada momento o setor produtivo.

A desfaçatez com que se alega que a CPMF - uma contribuição “provisória”, assim denominada na lei - não pode ser extinta ao fim do prazo previsto porque o governo não pode perder os R$32 bilhões que arrecada é um insulto à inteligência do povo brasileiro. A afirmação caracteriza ameaça clara de “quebra de contrato”, pois há uma determinação constitucional de que a CPMF se extinguirá em 31 de dezembro de 2007.

Mantive-me atento e denunciante de todas essas manobras, como o vergonhoso e constante adiamento do reajuste das tabelas do Imposto de Renda.

Noutra ponta da questão tributária, fui insistente no combate ao acinte da classificação como “contribuição” de tributos que têm todas as características de impostos, mas são batizados como contribuição para evitar que a União tenha de repartir sua arrecadação com Estados e Municípios e, assim, mantê-los subjugados e dependentes. Somos constitucionalmente uma Federação, embora a legislação fiscal consagre um Estado unitário e autoritário, facilitando os abusos de poder, a ineficiência e a corrupção.

A Reforma Política é uma questão da mesma categoria e a ela me dediquei com afinco. Mas, infelizmente, só foi possível avançar em pontos, jamais no seu conjunto.

A Reforma Política vem sendo tratada sem o devido espírito público. Todos os projetos aprovados no Senado na legislatura anterior, por numerosas vezes, obtiveram manifestações consensuais na Câmara, mas, ao aproximar-se a votação e a inclusão na Ordem do Dia, mãos muito bem identificadas, alegando pretextos quase sempre risíveis, evitaram a votação.

Os partidos no poder esquecem seus princípios e renunciam às suas propostas eleitorais porque se acham no direito de desfrutar das regalias, abusos e erros que combatiam nos outros.

Por isso, em 2005, listei os itens que tinham condições de ser aplicados na eleição de 2006, e consegui ver aprovado um conjunto de medidas, embora preliminares, que evitaram que as cidades fossem emporcalhadas, reduziram os custos e disciplinaram sensivelmente as campanhas.

Sou um otimista e creio que não haverá retrocessos na nossa democracia. Mas devemos “vigiar e orar” para mantê-la.

Enquanto pouco andavam as grandes reformas - que constituem desde 1988 o desafio principal do Congresso -, dediquei-me a uma série de iniciativas, como a quebra do monopólio estatal na produção de radioisótopos, propiciando aos brasileiros a facilidade de acesso ao mais avançado exame preventivo para localização de tumores cancerígenos e que, antes, por um anacronismo da legislação, eram realizados praticamente no exterior. Muitas vidas foram salvas após a aprovação da Emenda nº 49, que tive a honra de ver votada por unanimidade nesta Casa e aprovada na Câmara dos Deputados.

A defesa no cotidiano da prática democrática e da moralidade receberam o meu empenho permanente e indormido. Nunca renunciei ao espírito crítico, nem aos princípios ideológicos, nem aos compromissos pragmáticos e partidários, estivesse apoiando governos aliados ou na oposição. Nunca faltou minha palavra nem me eximi de exprimir minhas opiniões e posições sem escamoteações ou restrições mentais. Enfrentei sem medo tentativas covardes dos que pretenderam confundir minha posição de democrata de centro com radicalismos que sempre condenei e denunciei. Também não deixei sem resposta altiva os desaforados e grosseiros, processando judicialmente os difamadores, preservando minha honra e sobrenomes que recebi dos meus pais e, com orgulho, transmiti a filhos e netos.

Sou um homem de partido, solidário e fervoroso, não acredito no personalismo nem em lideranças carismáticas e encontrei no núcleo fundador do PFL companheiros que lutaram e lutam para - acima de qualquer oportunismo - realizar a utopia de um povo livre, sem injustiças ou miséria, sob um Estado moderno e uma economia próspera. Foi sempre a serviço desses princípios que subi a esta tribuna e desafiei o obscurantismo, a incompetência, a corrupção, a covardia, o mau uso dos recursos públicos, a desídia dos governos e a insensatez.

Esse combate, porém, jamais foi estéril, pois, a cada denúncia, reclamei não apenas punições exemplares, mas formas de impedir erros futuros. A cada erro, propus acertos; a cada falta propus acréscimos; a cada ansiedade, propus metas; a cada vazio, propus preenchê-los com soluções, realizações e obras que substituíssem o caos.

Nesta tribuna, na imprensa, em peregrinação pelo País inteiro, jamais despi ou negligenciei minha condição de Senador da República, representante da minha querida terra de Santa Catarina, por quem sempre, prioritariamente, lutei nesta Casa.

Não me despeço, não digo adeus, não me arrependo, não reclamo aplausos, não me exalto; antes, humildemente, confesso profunda gratidão pelo calor humano e generosidade das Senadoras e Senadores, aliados e adversários que nunca me faltaram com simpatia e, principalmente, respeito. Recebi um mandato popular com tempo certo, e ele está se encerrando. Foi um dos mais belos e estimulantes períodos da minha vida política, que continuarei a exercitar no meu Partido.

Nesses 40 anos de vida pública, minhas convicções jamais arrefeceram; não diminuiu minha gratidão aos brasileiros, especialmente ao meu bom povo de Santa Catarina, a quem tudo devo. Não me demitirei jamais dos deveres para com a Pátria, não perdi a fé. Repito: não perdi a fé.

Deus, muito obrigado. (Palmas) 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/2006 - Página 38346