Discurso no Senado Federal

Defesa do projeto de lei que concede o adicional de periculosidade aos carteiros. Histórico da profissão de carteiro.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Defesa do projeto de lei que concede o adicional de periculosidade aos carteiros. Histórico da profissão de carteiro.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2006 - Página 22063
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, CARTEIRO, DEFESA, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, RECEBIMENTO, ADICIONAL DE PERICULOSIDADE, EXPECTATIVA, AUSENCIA, IMPEDIMENTO, SENADO.
  • REGISTRO, HISTORIA, CARTEIRO, CORREIO, TELEGRAFIA, BRASIL, ANALISE, FORMA, PROGRESSO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, HOMEM.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, CARTEIRO, APOIO, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, AUMENTO, SALARIO, IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, CATEGORIA.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Heloísa Helena, que preside esta sessão, resolvi, no dia de hoje, fazer uma homenagem aos carteiros e carteiras. E o faço na esteira de uma grande plenária ocorrida no Rio Grande do Sul com a presença do PT, do PDT e do P-SOL na qual debatemos a importância de não haver recurso ao plenário relativamente ao projeto que garante a periculosidade aos carteiros, projeto que foi aprovado na semana retrasada nas comissões competentes terminativamente. Esta homenagem que faço é também um apelo no sentido de que não sejam apresentados recursos e de que a matéria vá à Câmara dos Deputados e seja apreciada imediatamente.

Além disso, resolvi também falar um pouco sobre a história dos carteiros.

Desde os tempos remotos, o homem ansiava comunicar-se. Para tanto, buscou as mais diversas formas que se possa imaginar. No início, o homem comunicava-se por meio de gestos, sinais ou mesmo do grito, ou seja, da fala. Contavam as suas histórias fazendo desenhos nas paredes das cavernas (pinturas rupestres). Depois, o homem avança e passa a utilizar também telégrafos de tochas, telégrafos de tambor, telégrafos por sinais de fumaça e instrumentos que refletiam a luz do sul e, brilhando, emitiam sinais de comunicação.

As tribos indígenas, por exemplo, utilizavam tambores para, dentro de seu tempo e de sua época, transmitir códigos sonoros e, além dos tambores, o fogo para produzir códigos visuais para comunicação a distância.

Ao longo de nossas vidas, desde a nossa infância, temos assistido a cenas de filmes retratando esse tipo de comunicação. Certamente um dos momentos mais bonitos da nossa infância que gostamos de relembrar são os filmes que mostravam a figura do carteiro. Na época, eram mensageiros encarregados de levar pessoalmente a mensagem dedicando a vida ao envio de mensagem dos imperadores. Eles atravessavam a linha de fogo em plena batalha, rápidos, ágeis, sem olhar para trás, destemidos em sua missão. A figura desse mensageiro foi fundamental para o sucesso de inúmeras batalhas.

O carteiro dá a vida, mas não abre mão de entregar a mensagem ao destinatário.

Com códigos comuns e definidos, o grande desafio na comunicação sempre foi o alcance da mensagem. O homem passa, então, a desenvolver meios que possibilitem um maior alcance e uma maior rapidez na transmissão das mensagens.

O primeiro telégrafo (visual) só foi inventado em 1794 e utilizava conjuntos de hastes móveis, colocadas em locais altos (montanhas e torres), que formavam códigos transmitidos de um conjunto a outro.

Já no século XIX, com o conhecimento e relativo domínio da eletricidade, foi criado um aparelho de telégrafo mais moderno usando linhas de energia. Em 1840, Samuel Morse criou um código chamado Código Morse.

Em 1850, estabeleceu-se uma ligação entre a Inglaterra e o resto da Europa por intermédio de cabos marítimos que utilizavam o Código Morse.

A história da evolução das formas de comunicação é muito bonita e remonta ao início da humanidade, ela nos faz viajar pelos espaços do tempo e nos lembra que o carteiro representa um dos grandes elos da comunicação humana.

Os carteiros só ganharam um certo estatuto e sentido de classe no final do século XIX e princípio do século XX, com a reestruturação dos Correios, que passaram a ter autonomia administrativa e financeira.

Em 25 de janeiro de 1663, foi criado o Correio-Mor no Brasil, nome dado à função de carteiro naqueles tempos. Luiz Gomes da Matta Neto, que já atuava como Correio-Mor em Portugal, assumiu o posto no Brasil e se tornou responsável pela troca de correspondências da Corte com o nosso País.

As outras pessoas que quisessem enviar correspondências tinham de utilizar os serviços de mensageiros, de viajantes (como tropeiros ou bandeirantes) ou dos escravos. Só a partir de 1835, a Empresa de Correios deu início à entrega de correspondências em domicílios. Em 1852, o telégrafo foi introduzido no Brasil.

No decorrer de toda a segunda metade do século XIX, diversas leis foram baixadas no sentido de melhorar as condições de trabalho dos carteiros e carteiras e aumentar seus poucos vencimentos. Ao mesmo tempo, tentava-se exigir deles um padrão razoável de competência e conduta. O emprego, então, passou a ser preenchido por concurso, constando como pré-requisito um atestado de bons antecedentes firmado pelo pároco da freguesia ou autoridade policial. Os concursos constavam de prova de leitura escrita e aritmética elementar.

Em quase 350 anos de atividade, muita coisa se transformou. Novas formas de entrega foram se somando às mais antigas. Os Sedex - serviços de encomenda expressa - podem entregar uma mercadoria em outro Estado até no mesmo dia. Por outro lado, ainda há distritos - Senadora Heloísa Helena, este detalhe é importante -, infelizmente, onde não há atendimento domiciliar, embora o carteiro deixe a correspondência no posto mais próximo; em muitos locais, a paróquia é o posto onde os carteiros deixam as cartas e a população vem do interior para resgatá-las.

Mesmo em tempos de Internet e correio eletrônico, as caixinhas de correspondência não perderam a sua função. Estão sempre abarrotadas de publicidades, periódicos e faturas, mas, às vezes, também nos trazem cartas de muito longe - de parentes ou conhecidos que ainda não usam o correio eletrônico.

Precisamos dos carteiros, até mesmo para recebermos as encomendas mais distantes, de lojas virtuais.

Os Correios garantem que o avanço da informática não está ocupando o lugar desses profissionais que existem, oficialmente, há 335 anos.

Atualmente, 55 mil carteiros e carteiras dão conta da distribuição de aproximadamente 40 milhões de objetos diariamente, mantendo o referencial humano dessa atividade que se tornou uma das maiores e de maior credibilidade junto à sociedade brasileira.

            Em nossos gabinetes, por exemplo - tenho certeza, Senadora Heloísa Helena e Senador Heráclito Fortes -, recebemos com alegria inúmeras cartas que chegam as nossas mãos, trazendo palavras de ânimo, questionamentos legítimos, grandes idéias, além de compartilhar sofrimentos e alegrias. Tudo isso graças a esses trabalhadores e trabalhadoras tão especiais, que carregam em suas mochilas todas essas idéias, palavras e sentimentos, esperando poder levar resposta de cada carta, de cada manifestação que eles entregam.

Quero, hoje, falar desta questão, Srª Presidente, a caminhada dos carteiros. Por isso, voltei um pouco no tempo e na história. Quero falar desses homens e mulheres que andam uniformizados de azul e amarelo, são conhecidos de longe e, muitas vezes, alvo de grandes expectativas, já que levam na mochila sonhos, vivências, histórias de alegrias, tristezas e esperanças compartilhadas de um ponto a outro do nosso planeta.

Para colocar as pessoas em contato, eles atravessam oceanos, rios, adentram o sertão e as florestas, enfrentam as montanhas, o rigor do inverno. Quando a própria neblina não lhes dá visibilidade do que está à frente, lá estão eles, numa caminhada firme e no passo certo. Enfim, embrenham-se por lugares que nem conseguimos imaginar. Enfrentam tanto o frio como também o calor terrível, em muitas áreas - e V. Exª, Senadora Heloísa Helena, as conhece como ninguém - onde até a água falta.

E eles fazem as pessoas muito felizes com a sua chegada. Como diria Dona Santinha ao carteiro, após longos e intensos dias de sol observando, de sua janela, a chuva se aproximar timidamente: “Puxa, meu filho, depois da chuva, você é a visita mais querida que eu podia desejar. O que foi que você trouxe para mim desta vez?” Isso está na Internet.

A profissão de carteiro, em sua função propriamente dita, foi gerando afetos, criando cumplicidades entre o carteiro, a carteira, quem remete e quem recebe a carta, principalmente. Ali eles foram partilhando sentimentos, mitigando dores e quebrando solidões, nesse peregrinar diário de porta em porta.

Poderia descrever aqui inúmeras histórias que me foram contadas pelos carteiros. Só vou falar de mais uma delas - já falei da história da Dona Santinha: Wilson Romão, 45 anos, 12 anos como carteiro, sempre trabalhou fazendo entrega de correspondência em Pirabeiraba. Ele é muito querido pelo trabalho que desenvolve. No final do ano passado, ele recebeu do Rotary Club o título de Profissional do Ano e Amigo da Comunidade. Seu prestígio é tanto, ele conta, que, há três anos, quando foi transferido para entregas no centro de Joinville, a comunidade da cidade de Pirabeiraba elaborou um abaixo-assinado com 2.523 assinaturas, exigindo seu retorno. Diz ele: “Fiquei feliz, pois fiquei no centro só seis meses. Tiveram de me mandar de volta para Pirabeiraba”, conta com orgulho.

Meus caros Parlamentares, a categoria tem seus pedidos. Ela também quer receber algumas cartas. Eles também gostariam de receber algumas correspondências. E eles falam de duas: uma, que dissesse que a instalação das caixas receptoras de correspondências nas residências foi adotada e a outra informando que foram adotadas, também, medidas para manter presos os cães.

Eles dizem que, em suas profissões, se deparam inúmeras vezes com aquele que é considerado, Senadora Heloísa Helena, Senador Heráclito Fortes - vejam só a contradição -, o maior amigo do homem, mas, infelizmente, do carteiro ele se torna um dos maiores inimigos: o cachorro.

Eles lembram também o baixo piso salarial (R$483,00) com o qual são contratados e problemas sérios aos quais estão expostos, como assaltos, por exemplo, no momento que levam a correspondência. Isso sem falar nas doenças ortopédicas, no câncer de pele, pois o clima e o horário de entrega das correspondências, que normalmente é das 10h às 16h, são fatores geradores dessa doença. Nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são inúmeros os casos em que o câncer de pele entre carteiros é bastante comum.

Srª Presidente, o Projeto de Lei do Senado nº 82, de 2003, que apresentei, visa a conceder, devido a essa realidade que aqui relatei, o adicional de periculosidade aos carteiros e já foi aprovado por unanimidade na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Aí faço um apelo: esperamos que os parlamentares não façam recurso ao plenário do Senado, atrasando a remessa do projeto que beneficia os carteiros para a Câmara dos Deputados. Faço esse alerta porque, infelizmente, foi o que aconteceu com o fator previdenciário: na última hora, houve recurso e remeteram-no para três comissões.

Por isso, a mobilização da categoria, que está assistindo a esta sessão neste momento, é fundamental. Digo a vocês que temos de estar em estado de alerta. É via pressão democrática que se faz com que os projetos que buscam efetivamente melhorar a qualidade de vida da nossa gente sejam aprovados na Câmara e no Senado e sancionados.

Lembro uma frase do Presidente Nelson Mandela quando assumiu a Presidência da África do Sul, em um discurso em um estádio de futebol lotado: “Pressionem-me para que eu possa fazer o que o povo quer e não o que eles (os poderosos) querem”. Todos sabemos que é essencial essa grande mobilização.

Srª Presidente, é muito importante o trabalho desses profissionais nas nossas vidas. Lembro ainda, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia em homenagem ao Dia do Carteiro e inauguração das novas instalações do Centro de Tratamento de Cartas e Encomendas em Goiás, no dia 25 de janeiro de 2005, reconheceu tal relevância e disse:

Vou falar um pouco com a alma de um brasileiro que conhece bem a trajetória dessa categoria. [...] é gratificante para mim saber que estou diante de um conjunto de trabalhadores brasileiros que entregam, pelo menos, duas ou três mil correspondências todos os meses, nos mais diferentes lugares do País. Profissão esta que, em muitos lugares do País, às vezes, durante o ano inteiro, a única visita que as pessoas recebem é a figura do carteiro, quando tem alguém lá fora que ainda se lembra dele. or isso, essa profissão merece ser tratada com respeito, por isso essa profissão tem de ser tratada com dignidade.

            Por isso, a essa profissão temos de assegurar o adicional de periculosidade, para que os carteiros possam exercê-la com dignidade.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com certeza, Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Paulo Paim, fico muito feliz em ver V. Exª na tribuna, defendendo esta extraordinária categoria de servidores brasileiros, os carteiros, que se viram, no ano passado, atingidos na sua honra com a famosa CPI dos Correios. Eu lhe digo isso, porque, durante um curto período da minha vida, presidi o Postalis, o fundo de pensão da empresa, e convivi com a categoria. Vi a nobreza, a dignidade e, acima de tudo, o carinho e o amor com que vestem suas roupas amarelas e saem pelo Brasil afora. Durante o período da CPI, viajando pelo País, fui abordado por vários carteiros, Senador. Eles me diziam que o grande inimigo que possuíam eram os cães, quando iam para lugares ermos, mas que, naquela época, era o achincalhe por conta da vestimenta. Portanto, eles, que nada tinham a ver com aquilo, não foram responsáveis, pagaram um preço muito alto. Essa é uma das categorias que mais admiro neste País, porque conheci a empresa. Associo-me a V. Exª com relação a esse testemunho. Junto-me a sua luta para o que for preciso e necessário. A melhoria salarial dos carteiros, além de um dever de justiça do Governo, é uma reparação por todos os vexames que essa brilhosa categoria passou ao longo do ano passado. Aliás, o Rio Grande do Sul, mais do que ninguém, sabe disso. V. Exª se lembra de que tivemos aqui, durante alguns anos, o Sr. Aloísio Paraguassu, Deputado Federal, ex-carteiro, que representava a classe na Câmara dos Deputados durante muito tempo. S. Exª por aqui passou e fez uma longa lista de amigos nesta Casa. Portanto, meus parabéns pelo pronunciamento.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Heráclito Fortes, cumprimento V. Exª que, como sempre, de forma muito competente, faz um corte no meu pronunciamento. É importante o aumento no salário e o adicional periculosidade.

Tenho certeza de que no que depender de nós, o projeto vai direto para a Câmara. Mas, como V. Exª disse, que fique bem claro que os carteiros não têm nada a ver com esse imbróglio da tal da CPI dos Correios e tudo o que foi denunciado para o País.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Fazendo justiça, nem os carteiros, nem 99% dos funcionários dos Correios.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com certeza absoluta.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Se V. Exª prestar atenção, com raríssimas exceções, verá que os envolvidos são os que estavam ali por indicação política, por pressão partidária e por interesses ainda não confessados.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com certeza. Assino embaixo do aparte de V. Exª.

Srª Presidente, é nosso dever parlamentar, como fez muito bem o Senador Heráclito Fortes e também V. Exª aí da Presidência, reconhecer o trabalho e os direitos desses trabalhadores que cumprem seu dever com amor, dedicação e seriedade, como bem disse o Senador Heráclito Fortes.

Caros companheiros carteiros e carteiras, neste momento é de fundamental importância que a categoria continue unida, a fim de conquistar o adicional de periculosidade e a aposentadoria especial por meio desse movimento que estão fazendo como ninguém.

Gosto sempre de dizer, Senadora Heloísa Helena, que esse projeto só foi aprovado porque eles se movimentaram e sensibilizaram os Senadores, que, por unanimidade, aprovaram e remeteram...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Paulo Paim, permita-me, mais uma vez, o atrevimento. Penso que, além do adicional de periculosidade, os carteiros têm direito também, em alguns casos, ao adicional de insalubridade por causa do ambiente em que muitas vezes são obrigados a conviver. Este Brasil, como V. Exª sabe, Senadora Heloísa Helena - V. Exª o conhecerá melhor ainda neste período eleitoral -, é cheio de mistérios e cheios de peculiaridades. Os carteiros vão aonde houver gente, onde estiverem as pessoas. Enfrentam a malária, enfrentam adversidades, picadas de cobra, seja lá o que for. Por isso, penso que, além da periculosidade, em alguns casos, a insalubridade seria uma concessão justa para a categoria.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - O aparte de V. Exª só fortalece a luta dos carteiros.

Quero deixar aqui esta mensagem: é fundamental manter a unidade da categoria, dialogar muito com o Congresso Nacional, no sentido de que o projeto seja aprovado definitivamente no Senado e na Câmara, e que não haja o veto do Poder Executivo.

Para finalizar, lembro dois momentos, se V. Exªs me permitirem. O primeiro é o filme brasileiro “Central do Brasil”, onde Fernanda Montenegro representa o papel de alguém que escreve, lá na Central, as cartas, mas eles é que as remetem para todo o País. Ela escrevia, mas o carteiro é que fazia aquela carta atravessar o Brasil, chegando ao seu destino.

Outro filme é “O Carteiro e o Poeta”. Esse é lindo, não é, Senadora? Essa adaptação encena o momento em que o grande poeta chileno, para mim o maior de todos os tempos, Pablo Neruda, fica exilado em uma ilha na Itália. Neruda é considerado, por mim, o poeta do amor, e o seu tema favorito é a alma feminina. Trata-se de um filme belíssimo, que narra a relação do poeta com o carteiro, Mário, que, até a chegada do poeta à ilha, estava desempregado.

Mário, então, resolve trabalhar como carteiro. E, ao levar as correspondências destinadas ao poeta, acabou firmando com ele laços de amizade. São laços de amizade que o carteiro acaba fazendo com toda a população.

Chama a atenção a cena em que Mário, ao ser preparado pelo seu superior para assumir a função de carteiro, é alertado da seguinte forma: “Pedalar com a sacola de cartas é como carregar um elefante nas costas”. E diz mais: ”Você deverá cumprimentar o endereçado com muita educação e respeito, não se esquecendo de agradecer as gorjetas. E lembre-se: é proibido fazer perguntas ao cliente”.

Os dias passam e Mário segue entregando as cartas e, de forma muito gentil, oferece-se para trazer outras coisas de que o poeta necessita, como pão e leite. O poeta agradece e a amizade entre eles vai crescendo.

Certo dia, Mário diz a Neruda que gostaria também de ser poeta - acho bonito isto: o poeta e o carteiro numa única linha -, ao que ele responde: “Não, é melhor que você continue como carteiro, pois os carteiros andam bastante e não engordam. Nós, poetas, somos muito gordos”. O poeta engorda com facilidade porque só escreve.

Em uma das idas de Mário à casa de Neruda, ele leva uma caixa contendo uma fita, e o poeta então lhe explica como funciona o gravador. Neruda ouve a transcrição da fita que seus amigos chilenos lhe enviaram contando que “O Canto Geral” havia sido publicado de forma clandestina e estava vendendo muito.

Pablo Neruda, então, resolve contar a Mário como nasceu “O Canto Geral”. Esse texto é uma espécie de grito de afirmação e orgulho latino-americanos, mesclando poesia e política, literatura e militância.

Ele disse:

Na ocasião em que fui Senador da República, fui visitar o Pampa, uma região muito pobre, onde só chove a cada 50 anos. Resolvi ir conhecer as pessoas que haviam votado em mim. Nessa visita, cheguei a uma mina de carvão e vinha saindo dela um senhor bastante velho, fatigado, com o rosto coberto de suor e poeira, que me estendeu a mão e disse: “Onde quer que o senhor vá, fale sobre este tormento. Fale do seu irmão que vive embaixo da terra”. E foi assim, então, que resolvi escrever a poesia dos maltratados, O Canto Geral.

Sr. Presidente, “O Canto Geral”, com suas 435 páginas, inclui esse belo trecho que passo a ler:

Além dos pés do alcatraz, quando nem a água nem pão nem sombra tocam a dura etapa, o exercício do salitre assoma ou a estátua do cobre decide sua estatura.

É tudo como estrelas enterradas

Como pontas amargas, como infernais flores

Brancas, nevadas de luz tremulante ou verde e negro ramo de esplendores pesados.

Não vale ali a pena mas só a mão rota do chileno escuro, não vale ali a dúvida.

Só o sangue. Só esse golpe duro

Que pergunta na veia pelo homem

Na veia, na mina, na esburacada cova sem água e sem laurel

Sem dúvida, o filme comove! Trata-se de uma convivência enriquecedora para ambos, poeta e carteiro. Naquele momento, o poeta e o carteiro se confundem numa nota só. Para Mario, Neruda é não só o poeta do amor, mas o próprio Amor. É assim que ele o descreve para o chefe do Correio com essa frase: - “(...) A mulher dele o chama de Amor”.

Ora, a motivação maior com a qual o indivíduo conta para se sentir forte e criativo no transcorrer de sua via é exatamente o Amor. É ele que nos move a agirmos de forma verdadeira, Senadora, e harmônica com os seres que nos cercam.

E é com esse sentimento que quero finalizar, deixando registrada minha carta para essa categoria de trabalhadores, cuja importância é inconteste.

Meu caro amigo carteiro - permita-me chamar-lhe assim -, pois mesmo que pouco nos deparemos um com o outro, você continua sendo o mensageiro fiel que me coloca em contato com tantas pessoas.

Hoje é você o destinatário, é a você que remeto esta carta, que será entregue pelas mãos de um colega de profissão. Ela é dirigida a você, carteiro. Na verdade, a todos vocês carteiros e carteiras que enfrentam o sol, a chuva, os ventos, os perigos e algumas vezes a violência das ruas ou mesmo de um cão raivoso.

Sei o quanto você se esforça para que as pessoas possam estar conectadas, para que o mais longínquo lugar tenha acesso às palavras viajantes dos remetentes esperançosos.

Sei o quanto você é merecedor de todo o nosso respeito e admiração. Você, em sua mochila, carrega inúmeras histórias de profundo valor, transcritas em uma simples folhas de papel.

Carrega presentes ansiosamente esperados. Carrega vidas, afagos, saudades, lembranças! Ou mesmo aquela notícia triste, ou até fatal que ninguém quer dar. Você está lá e, às vezes, até chora com a mesma dor de quem recebeu a notícia.

Sou tão grato a você por todos aqueles que você traz até mim todos os dias e pela confiança de levar a mensagem a eles.

Quisera eu, com esta carta, poder lhe dar a boa notícia de que seu trabalho foi devidamente reconhecido, que a periculosidade e a aposentadoria especial ou mesmo a insalubridade como estamos propondo já tivessem sido aprovadas e que não houvesse veto da Presidência da República.

Meu coração se entristece, pois ainda não posso enviar-lhe a correspondência com o teor que eu gostaria.

Mas creia, não tardará o tempo de você recebê-la. A esperança e a coragem nos movem, a verdade da luta nos impulsiona e a atitude nos fará vencer.

Por hoje, só posso agradecer e me comprometer com essa vontade de construir esta verdade. Só posso me unir a esse sentimento profundo que todos compartilham em relação a vocês, carteiros e carteiras. O sentimento de que mensagem e mensageiro são um só e de que não há destinatário ou remetente que não lhe seja grato diante dessa verdade.

Eu o saúdo e abraço cheio de esperança de que a próxima carta festeje e seja um comunicado de que seus sonhos se tornaram realidade!

Encerro - e prometo, Senadora, que é a última folha mesmo -, como sou apaixonado por Pablo Neruda, voltando aqui a ler um pedacinho de uma poesia do Canto Geral.

Diz Pablo Neruda, o nosso grande poeta:

Não escrevo para que outros livros me aprisionem,

nem para que encarniçados aprendizes de lírio,

mas para singelos habitantes que me pedem

água e lua, elementos da ordem imutável,

escolas, pão e vinho, guitarras e ferramentas.

Escrevo para que o povo, ainda que ele não possa

Ler a minha poesia com seus olhos rurais.

Virá o instante em que uma linha, a aragem

Que removeu a minha vida, chegará a seus ouvidos.

Srª Presidente, meus amigos, carteiros e carteiras, Senador Heráclito Fortes, o que Pablo Neruda mais queria é que sua poesia chegasse a todos. E aí, carteiro e carteira, somente por vocês ela poderá alcançar os rincões mais distantes do nosso País.

Termino dizendo: vamos, se necessário rezar muito, trabalhar muito, agir muito, para que a periculosidade do cargo de carteiro e a aposentadoria especial sejam aprovadas pelo Congresso Nacional e não sejam vetadas pelo Presidente da República. Essa é a nossa obrigação.

Vida longa aos carteiros e às carteiras!

Muito obrigado, Senadora. Desculpe-me por abusar do tempo, mas eu me comprometi a fazer essa homenagem, que entendo justa, aos carteiros e carteiras e sei que tenho o aval de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2006 - Página 22063