Discurso no Senado Federal

Críticas aos discursos de campanha do Presidente Lula.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Críticas aos discursos de campanha do Presidente Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2006 - Página 22073
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, GOVERNO, ANTERIORIDADE, CRITICA, POLITICA FISCAL, FAVORECIMENTO, ELEIÇÕES, COMPARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TRAIÇÃO, TRABALHADOR, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, DECISÃO, AUMENTO, SERVIDOR, AMPLIAÇÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, BOLSA FAMILIA, PRONUNCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, OBJETIVO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • PROTESTO, AUSENCIA, VERACIDADE, DISCURSO, GOVERNO FEDERAL, ELIMINAÇÃO, DIVIDA, ANTECIPAÇÃO, PAGAMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), EFEITO, AUMENTO, PASSIVO, DIVIDA EXTERNA.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-Sol - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores... Srs. Senadores, não, porque é até meio ridículo dizer isso! Senador Paulo Paim, Senador Heráclito Fortes, funcionários da Casa... Ah, chegou alguém para conspirar contra a humanidade: Senador Romero Jucá, Líder do Governo.

Sabem V. Exªs, Senador Paulo Paim e Senador Romero Jucá, que me acompanham, o nosso mandato sempre foi de brigas, de disputas em campos opostos, desde os últimos quatros anos do Governo Fernando Henrique. Mas há algo que me dá mais tristeza do que indignação, e sabem todos que, embora no convívio pessoal eu seja uma pessoa movida pela ternura, também sou uma pessoa que reconhece a própria intolerância, a própria impaciência diante do cinismo, do fingimento, da vigarice política, do banditismo eleitoral. Reconheço que sou profundamente intolerante às vezes, mas como não aprendi a ter tolerância e paciência quando a dignidade de um filho meu é aviltada, não aceito ser tolerante e paciente quando a dignidade dos outros é violentada.

Mas, acompanhando esse período eleitoral, embora eu me sinta, como cidadã, como mãe de família que ensina aos próprios filhos que é proibido roubar, que ensina aos filhos que a honestidade é uma obrigação e, portanto, não é algo que possa ser ostentado como valor que confira vaidade a quem quer que seja, durante esse período eleitoral, tive oportunidade de ficar mais triste.

Quando eu era Líder da Oposição, Líder do PT, acompanhei o Governo Fernando Henrique durante quatro anos, sempre fazendo uma oposição implacável, contundente, todos os dias, com marchas a Brasília, marchas “Fora FHC”, marchas dos cem mil contra a corrupção e tantas outras coisas mais.

Acompanhei três anos do primeiro mandato de Fernando Henrique como Deputada Estadual. Depois, como não tive a honra de ser Deputada Federal, vim logo para o Senado e acompanhei aqui quatro anos do segundo mandato do Governo Fernando Henrique, reeleito no primeiro turno, como lembram todos. Portanto, contra todo esse procedimento de três anos de arrocho fiscal e um ano de libertinagem financeira eleitoralista, contra toda essa metodologia de promiscuidade na relação Palácio do Planalto-Congresso Nacional, contra tudo isso atuei na Oposição, como me sentia na obrigação de fazer. Mas observar, no Governo Lula, a mesma metodologia maldita, infame, fria e cínica que condenávamos com veemência no Governo Fernando Henrique é algo que me dá uma tristeza profunda, superior até mesmo à indignação. A indignação, como mãe e cidadã, tenho obrigação de ter, mas, como ex-militante, realmente fico triste ao ver as mesmas ações que condenávamos com veemência, de forma implacável quando patrocinadas pelo Governo Fernando Henrique em ano eleitoral, serem identificadas hoje no Governo Lula, que faz e segue a mesma receita da cartilha ordinária, demagoga do político oportunista. Realmente, fico impressionada, porque, ao dar continuidade técnica, política e ideológica ao Governo Fernando Henrique, o Governo Lula, no meu entender, patrocinou uma traição à sua classe de origem e uma traição a todas as concepções programáticas acumuladas pela esquerda socialista democrática.

Mudar de lado, mudar de concepção, todos podem fazer. Eu posso entender como traição, mas outro pode entender que as circunstâncias objetivas determinavam que as coisas fossem feitas desse jeito. Então, mudar de convicção, de concepção ou de visão do mundo, a todo o mundo é dado o direito de fazê-lo. Poderiam se desculpar dos momentos de oposição implacável, mas tudo bem. Agora, o Presidente Lula, hoje, utilizar a mesma cartilha do político oportunista, demagogo, frio, dissimulado e cínico, em processo de reeleição, é algo triste de ver porque, quando a direita reacionária, conservadora e fisiológica fazia isso, nós a condenávamos com indignação. Hoje, no entanto, condeno com tristeza ao identificar que o Presidente Lula é capaz de utilizar a mesma cartilha do político oportunista e demagogo que condenávamos com veemência quando essa cartilha era usada pelo Presidente Fernando Henrique em processo eleitoral. Eu fico impressionada.

Três anos de arrocho fiscal, um ano de libertinagem financeira, de caráter meramente eleitoreiro, e com a mesma metodologia de inaugurar o que, de fato, não é nem pedra fundamental; de criar determinadas políticas públicas que vão do aumento absolutamente injusto para determinadas categorias dos servidores à ampliação de projetos do Bolsa-Família. São coisas importantes de serem feitas, mas, a partir do momento que se tornam políticas públicas absolutamente enquadradas, de forma oportunista, no calendário eleitoral, realmente é algo triste de ver, profundamente triste de ver. Só para deixar registrado, trata-se da mesma metodologia dos mercadores de ilusões, que manipulam dados e estatísticas, de forma fraudulenta tecnicamente, farsante politicamente. Isso é algo realmente triste de ver, desde os fatos preparados à utilização da máquina pública, à entrega do patrimônio público a bandos políticos, a gangues partidárias, como se fosse algo absolutamente natural.

Por isso, Senador Paulo Paim, que tanta gente diz: “Ora, já que é tudo bandido mesmo, eu votarei em alguém que me dê alguma coisa”. É por isso que parte importante do povo brasileiro, das mulheres e homens, como eu repito sempre, de bem e de paz, que têm vergonha na cara, que têm amor no coração, muitas pessoas até de bom coração, que ensinam aos seus filhos que é proibido roubar, que não compactuam com a vigarice política, mesmo essas pessoas começam, pelo desencanto e pela desesperança, a achar que talvez o único caminho seja esse mesmo e que, portanto, querem também alguma coisinha nesse jogo sórdido do poder.

Então, é só para aqui deixar registrado. Eu nem vou levantar, o que eu já fiz aqui 500 vezes, aspectos da política econômica. Não tem coisa pior do que a farsa de dizer que acabou com a dívida externa, ao antecipar pagamento ao Fundo Monetário Internacional, aumentando o passivo externo brasileiro. Se a maldição do Governo Fernando Henrique já aumentou muito a dívida pública brasileira, especialmente a dívida interna, o Governo Lula se encarregou de fazer isso de uma forma vergonhosa.

Alardear, perante os pobres, que governa para os pobres! A nós, que nascemos em famílias pobres, Senador Paulo Paim, nada causou mais constrangimento - infelizmente, para a nossa tristeza profunda - do que a fala oportunista e demagógica do Presidente Lula, que disse que governa para os pobres e que pobre não dá problema. Porque esta é a visão - fico impressionada como ele a incorporou! - das oligarquias tradicionais, a visão daqueles que querem o pobre caladinho, silencioso, paciente, sem fazer mobilização em Brasília, sem reclamar. Isso não é uma vantagem e não é algo para se elogiar. O pobre calado, omisso, sem reivindicar, contentando-se com a migalha que à sua mesa chega, não é para se admirar, mas para nos fazer refletir. É algo realmente muito triste.

O Presidente estabelece um “bolsa-banqueiro”, que, no Brasil, dá a cada família de grande especulador, ao mês, R$610 mil e, ao ano, R$180 bilhões, e mente para a opinião pública quando estabelece, em média, R$58,00 por família no Bolsa-Família dos pobres. Realmente, só contando com a falta de informação de parte importante do povo brasileiro para continuar a ser o mercador de ilusões, a copiar esse comportamento que condenamos com veemência porque é deseducativo. Esse comportamento não leva somente à desesperança, ao desencanto, ao desalento, mas é deseducativo porque, ao compactuar, em um conluio com gangues partidárias, ou no parasitismo político da máquina pública, ou na promiscuidade com setores empresariais, com os banqueiros, com o Congresso Nacional, repete a mesma cartilhinha maldita que condenávamos com veemência quando utilizada no Governo Fernando Henrique, a cartilhinha do político oportunista e demagogo.

Para tristeza de todos nós hoje é a caracterização do Presidente Lula. Alguém que foi tão importante para o Brasil, que - reconhecemos - é a maior liderança popular da América Latina, um filho do povo, retirante nordestino, metalúrgico, que pelas mãos belas, livres e legítimas do povo brasileiro chegou à instância de decisão política mais importante do País que é a Presidência da República, quando lá chega, assume de tal forma o caráter do político demagogo, oportunista, que promove a utilização da maquina pública desavergonhadamente no processo eleitoral, levando tristeza, desencanto, desalento a milhões de corações brasileiros.

Ninguém sabe exatamente quando essa situação será definitivamente desmascarada, mas estou entre aquelas pessoas que, como dizia Santo Agostinho, acredita que a esperança tem duas filhinhas lindas: a indignação e a coragem. A indignação de nunca aceitar injustiça e a coragem certamente de escalar uma montanha ao dia para superar essa injustiça.

Continuo acreditando que o povo brasileiro ainda é capaz de fazer renascer em seus corações as duas filhinhas lindas da esperança, que é a indignação e a coragem, mesmo estando diante de um momento triste como esse, em que a maior liderança popular da América Latina repete todo o comportamento oportunista, demagogo, fisiológico que condenávamos com veemência quando patrocinado pelo Governo passado. Isso, sem dúvida, nos dá tristeza, mas temos a obrigação de fazer nascer um Davi por dia nos nossos corações e continuar lutando contra tudo que está aí.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2006 - Página 22073