Discurso durante a 201ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Voto de louvor ao escritor Mário Quintana por ocasião da comemoração do centenário do seu nascimento.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de louvor ao escritor Mário Quintana por ocasião da comemoração do centenário do seu nascimento.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2006 - Página 37653
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, MARIO QUINTANA, POETA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, LITERATURA BRASILEIRA.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Para encaminhar. Sem revisão do orador.) - Obrigado colega, companheiro, conterrâneo, Presidente Senador Pedro Simon, Senador Paulo Paim, Senador Mão Santa. Acho que nós poderíamos passar toda a tarde de hoje contando muitas das histórias do nosso querido Mário Quintana. Das histórias dele e das histórias que ele escreveu.

Acompanhei com atenção e emoção esse convívio do Paulo Paim com seu filho resgatando essa história. E, que coincidência maravilhosa, Paulo Paim, porque vejo que tu conversavas com o teu filho numa das regiões mais bonitas do Rio Grande do Sul, que é exatamente a nossa região serrana. E falavas numa época de inverno, falavas numa época de pinhões. E Quintana nasce numa noite fria de inverno, exatamente como contaste, em 30 de julho de 1906. Pois falar, então, sobre este gigante gaúcho, Mário Quintana, não é uma tarefa simples, nem fácil, mas é muito agradável.

Venho à tribuna somar-me à iniciativa do Senador Pedro Simon, que nos privilegia exatamente com esta homenagem, neste dia, com enorme respeito, com muita admiração, para que possamos todos, o Brasil inteiro, celebrarmos o transcurso do centenário do seu nascimento.

Para relembrarmos um pouco da sua trajetória, de sua vida e de sua obra, ambas indistintas, como ele mesmo disse: vida e obra, uma coisa só. O que poucas pessoas sabem, por exemplo, é que o jovem Quintana, Senador Mão Santa, aos 24 anos de idade, foi voluntário da Revolução de 30. Pegou em armas no Sétimo Batalhão de Caçadores.

Senador Pedro Simon, as obras de Mário Quintana foram publicadas em revistas internacionais, encenadas no teatro e foram gravadas, a exemplo da III Festa Nacional do Disco, em Canela: o álbum duplo Antologia poética de Mário Quintana, pela Gravadora Polygram.

Pelo conjunto da obra, Quintana recebeu a mais importante condecoração que o Governo gaúcho concede a pessoas de destaque: a medalha Negrinho do Pastoreio.

Mas as maiores honrarias, segundo ele mesmo, foram a placa de bronze em sua terra natal e o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre, em reconhecimento ao amor que o poeta expressava e nutria pela cidade onde, como muito bem comentou o Senador Paulo Paim, caminhou tanto e onde morou até morrer.

Foram tantos e tão preciosos os livros que nos legou. Impossível elencá-los todos e igualmente impossível deixar de citar alguns, como Pé de Pilão, Esconderijos do Tempo e tantos outros. Mais difícil ainda escolher o mais belo.

Mário Quintana foi um poeta do cotidiano. Não era, nem pretendia ser, um grande intelectual ou um homem de palavrório, como ele mesmo se autodefinia. Falava de sentimentos e impressões, das pequenas criaturas, da luz das tardes e da sua companheira a lua.

Falava, enfim, da magia imensa que há no mundo e que, por estar visível aos olhos de todos, todos os dias, todos os momentos, acaba invisível na faina do dia-a-dia.

Srªs e Srs. Senadores, Mário, o homem, tinha uma personalidade complexa. Era alegre, nostálgico ou irônico. Moleque e sábio ao mesmo tempo, cumprindo máxima de Machado de Assis: o menino é o pai do homem.

Foi sempre absolutamente reservado. Não lhe agradava falar sobre si mesmo. Dizia: “toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Querem saber de mim? Minha vida está nos meus poemas!”.

O Paim citou exatamente O Poeminha do Contra, aquele com o qual respondeu à negativa da Academia Brasileira de Letras de incluí-lo como um de seus membros. O poema foi interpretado aqui pelo Senador Paim.

Mesmo com sua timidez e com sua contrariedade à badalação, as homenagens ao poeta não cessam até depois da sua morte, aos 88 anos, em maio de 94, em Porto Alegre.

Mário Quintana! Um dos mais premiados e reconhecidos escritores, tradutores e poetas brasileiros.

Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Caro amigo, a homenagem que V. Exª presta neste instante a Mário Quintana, Senador Zambiasi, é nacional. Não é gaúcha. Eu estava ouvindo, no meu gabinete, o início do discurso do Senador Paim e fui sendo tomado, meu caro Pedro Simon, pelo sentimento de ciúme, por essa possessividade gaúcha de querer ficar com o Quintana só para ele. Eu, piauiense, vindo de tão distante, achei que não me podia calar; afinal de contas vocês fizeram o Quintana, mas o Quintana, quando veio ao mundo, deixou de ter dono, passou a ser um cidadão do mundo. Aliás, Simon, o Quintana, para mim, tem um cheiro muito agradável de infância. Vou explicar o porquê. Dois ilustres piauienses aventureiros saíram do Piauí após a ousadia de uma carta que fizeram ao Érico Veríssimo e para a qual jamais esperavam ter resposta. Refiro-me ao Abdias Silva e ao Carlos Castello Branco. Foram surpreendidos com a resposta do Érico e o convite, atendendo ao pedido de possibilidade de emprego no Rio Grande do Sul. Quero crer que, naquela época, sair de Teresina para Porto Alegre era talvez como hoje sair do Brasil para ir ao Japão ou lugar mais distante. Era uma saga. Andava-se a cavalo, pegava-se o trem ou o vapor. A viagem foi tão cansativa que, no Rio Janeiro, o Carlos Castello Branco, o Castelinho, desistiu e de lá se bandeou para Minas Gerais, consagrando-se depois no Rio de Janeiro e em Brasília. E o Abdias, seu fiel companheiro, amigo de muitos tempos, esse sim, foi para Porto Alegre, fascinado, em primeiro lugar, por Veríssimo e aí, na convivência do Correio da Manhã e da Editora Globo - revisor de um e repórter de outro - fascinou-se pelo Quintana e mandava para o Piauí constantemente as obras, os artigos, os versos que eram publicados nos jornais locais. Lá em Teresina o receptador dessa cultura era o jornalista - o Mão Santa conheceu muito bem - José Lopes dos Santos. E, a partir daí, comecei a ter uma admiração pela maneira como o Quintana cantava em verso, não só a sua cidade, mas também as suas tradições. Eu só tive oportunidade de vê-lo de perto - um “perto” muito longe, porque eu não tive coragem de me aproximar - quando eu, já Deputado, fui ao Rio Grande do Sul. Numa das muitas vezes que viajei por este Brasil, fui ao Rio Grande para um evento preparado inclusive pelo Pedro Simon. À noite, resolvi fazer uma caminhada. A pessoa que me acompanhava me disse: “Religiosamente, o poeta Quintana (como ela o tratava) vai entrar naquele cafezinho, tomar um café e sair. Ele faz isso religiosamente”. Não deu outra: poucos minutos depois... Uma figura displicente para o intelectual que era. Vocês falaram das grandes homenagens que se prestou ao Quintana, mas a maior homenagem que eu acho que o Rio Grande lhe prestou, Pedro Simon - e aí não se deve a ninguém, mas à sua perseverança e à sua revolta; na verdade foi ele mesmo que se prestou - foi a preservação do Majestic. Quando se falou na demolição do prédio, o Quintana cresceu e, em sua escrita ferina, contundente, tornou coletiva uma revolta que era individual. O monumento era para ele, acima de tudo, motivo de recordações. Talvez o fato de que o Majestic está hoje preservado e que o seu quarto esteja intacto sejam produto dessa luta. Acho que é o maior bem que os gaúchos têm a guardar num País que não tem memória, que destrói seus prédios públicos e que joga sua História no lixo ou no esquecimento. A grande obra do Quintana, além de todas as que ele conseguiu colocar em letra, foi essa feita em pedra e cal, e que preserva uma fase de ouro do Rio Grande do Sul. Uma arquitetura que se impõe numa paisagem que encanta aqueles que vêem ao longe o rio e, ao lado, fincado aquele registro desse brasileiro. Portanto, parabenizo os rio-grandenses por essa iniciativa, embora condene a possessão. Quero também fazer uma homenagem aos cineastas gaúchos. Tenho visto recentemente uma infinidade de filmes de pequena duração, de curta metragem, de longa metragem, retratando e historiando de maneira muito viva a poesia do Quintana, mostrando o cenário imaginário dele pelas ruas de Porto Alegre. Tenho visto coisas belíssimas que a genialidade do Centro de Cinema do Rio Grande do Sul tem conseguido mostrar ao Brasil e ao mundo. Essa é a segunda grande obra de preservação desse extraordinário homem. Espero que esta daqui, feita despretensiosamente por esses três gaúchos unanimemente admiradores desse grande conterrâneo, aqui simbolizado por essa hereditariedade mostrada pelo Paim, já contaminando o seu filho pela existência e pela riqueza do Quintana, fique para sempre e que o Quintana seja um exemplo para as grandes gerações. A Academia Brasileira de Letras está vivendo sem ele, mas o Rio Grande não viverá sem o Quintana.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Senador Heráclito Fortes, sua manifestação seguramente não surpreende a todos nós, porque nós o conhecemos por sua sensibilidade, por sua cultura e por seu conhecimento ao citar o Hotel Majestic, hoje Casa de Cultura Mário Quintana. Isso tem um significado especial, pois é talvez o maior centro cultural do Brasil, proporcionalmente pelo menos. Isso tudo tem muito a ver também com uma passagem extremamente importante do Senador Pedro Simon no Governo do Estado.

O Rio Grande do Sul tem a Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que permite essas produções cinematográficas. Temos o Festival de Cinema de Gramado, que é um incentivador para essas produções.

Senador Heráclito Fortes, não queremos essa possessividade do Mário Quintana, sabe por quê? Porque, quando encontramos um piauiense falando com tanta intimidade do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre e de Mário Quintana, vemo-nos todos, no Brasil inteiro, sulistas. Nós todos do Brasil somos do Sul, somos da América do Sul. Então, os nossos nordestinos, os nossos amazonenses, os nossos nortistas, os nossos baianos, Senador César Borges, somos todos do Sul, somos da América do Sul.

Senador Pedro Simon, quem sabe, já na semana que vem, na quinta-feira, vamos concretizar um sonho do qual V. Exª foi um dos precursores, que é a Constituição do Parlamento do Mercosul.

Portanto, somos todos um pouquinho desse espírito, se não sulistas, pelo menos sulino, “mercossulinos”, esse nova cidadania que estamos construindo e da qual Quintana realmente faz parte, porque ele nasceu na fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai. Ele fincou raízes em Porto Alegre e, na capital gaúcha, estudou, trabalhou, fez amigos, carreira e fama, envelheceu e morreu na cidade que ele amou tanto. Caminhador das ruas da cidade, amante das suas particularidades, com o tempo, tornou-se patrimônio dela, confundindo-se com a sua paisagem. Porto Alegre o tinha como a um filho amado, e Mário tinha a cidade como lugar do seu andar.

No poema “O Mapa”, Senador Pedro Simon, ele traduz esse verdadeiro amor pela cidade quando diz: “Olho o mapa da cidade como quem examinasse a anatomia de um corpo. (É nem que fosse o meu corpo!) Sinto uma dor infinita das ruas de Porto Alegre, onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita, tanta nuança de paredes, há tanta moça bonita nas ruas que não andei. (E há uma rua encantada, que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses, poeira ou folha levada no vento da madrugada, serei um pouco do nada, invisível, delicioso. Que faz com que o teu ar pareça mais um olhar, suave mistério amoroso, cidade de meu andar, desde já, tão longo andar. E talvez de meu repouso...”

Sr. Presidente, Senador Pedro Simon, que nos deu o privilégio deste momento e que, por sua inspiração, abre este espaço nesta sessão do Senado, finalizo, dizendo da minha esperança nos meninos e meninas - no seu filho, Senador Paulo Paim, e nas minhas filhas - que recebem, na sua escola, a herança de Quintana. Que esses tenham a ventura de aprender a lição, ainda na infância, do amor pela leitura porque o livro é um grande amigo, talvez, o maior de todos. Prova disso é a Feira do Livro de Porto Alegre, que recebe centenas de milhares de pessoas em duas semanas e vende, em questão de dias, 500 mil a 600 mil livros.

Nos livros, encontramos perguntas iguais as nossas. Nesse sentido, irmano-nos a ele. Nos livros, encontramos respostas para as nossas perguntas. E, nesse sentido, crescemos com sua grandeza.

Que a poesia salte das páginas para as ruas, para os cafés, para as praças e para as escolas com a energia necessária para alimentarmos, defendermos e preservarmos nossa memória cultural.

Sonho com um futuro em que as pessoas, depois de um dia de trabalho, possam ler os seus poemas preferidos até o sonho chegar, depois, fecharão os seus livros e todos, sem exceção, poderão dormir em paz. Porque nas palavras do imortal poeta, “a poesia purifica a alma e um belo poema - ainda que de Deus se aparte -, sempre leva a Deus”.

Obrigado, Mário Quintana! Obrigado a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2006 - Página 37653