Discurso no Congresso Nacional

Homenagem ao ex-Governador e Deputado Miguel Arraes, no transcurso do trigésimo dia de seu falecimento.

Autor
Cristovam Buarque (S/PARTIDO - Sem Partido/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao ex-Governador e Deputado Miguel Arraes, no transcurso do trigésimo dia de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DCN de 15/09/2005 - Página 5148
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), EX-DEPUTADO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • REGISTRO, FRUSTRAÇÃO, EX GOVERNADOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), TRANSFORMAÇÃO, CONDUTA, PESSOAS, SOCIALISMO, BRASIL, ADESÃO, LIBERALISMO, GLOBALIZAÇÃO, NEGLIGENCIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE - (Sem Partido. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Congressistas, nem Brizola nem Prestes, nem Darcy nem Furtado, nem Barbosa Lima nem Marighela, nem Gregório nem Betinho, nem Dom Helder nem Arraes. A esquerda de hoje ficou completamente órfã. O último de nossos líderes partiu.

Quando morrem os líderes, a orfandade vem sobretudo da ausência de bandeiras deixadas para seus seguidores. Fica o vazio, o silêncio da morte. O vazio de hoje está amplificado pela falta de bandeiras próprias da esquerda: não temos quem fale por nós, nem o que dizer por nós mesmos. E se soma à frustração com o Governo que esses mesmos líderes ajudaram a construir - o Governo Lula.

Mas, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o sentimento de Arraes já era de frustração, como pude perceber em nossa última conversa, uma semana antes de sua hospitalização. Ele percebia que a esquerda havia perdido o rumo. Não estávamos nos ajustando, mas sim nos entregando à realidade dos novos tempos. Mais do que aceitar a realidade da economia e do mundo que se seguiu à queda do Muro, à globalização, ao liberalismo, tínhamos abandonado valores e princípios que são permanentes.

A esquerda, e sobretudo o Governo, tinha abandonado o povo para ficar com as corporações, deixado de lado a educação básica para atender as reivindicações dos universitários, preferindo os sindicatos à Nação, comemorando pequenas assistências em lugar de programas transformadores. E Arraes sabia que era preciso reorientar nossa luta, buscar a unificação de todos aqueles que ainda desejam um Brasil diferente. Arraes, assim como os demais líderes citados acima, morreu tentando. Morreu carregando no coração de 88 anos os mesmos compromissos feitos aos 18. Morreu como o líder das esquerdas, o último líder que conduziu minha geração. Deles podemos e devemos discordar, mostrar seus acertos e erros. Mas não podemos negar que tinham em comum o sonho de um Brasil diferente.

Esses líderes acreditavam que era possível construir um Brasil soberano, com uma população bem educada, uma renda desconcentrada, uma desigualdade regional diminuída, com recursos nacionais a serviço da Nação e do povo. Lutaram para completar nossa Independência, a Abolição e a República. Seus caminhos eram as reformas, a mobilização social; não eram as pesquisas de opinião e o marketing político. Todos eles foram homens de diálogo, com princípios; todos se ajustaram às mudanças da realidade, mas não se entregaram a ela, não abandonaram seus princípios e sonhos.

É por isso que dei a Arraes meu primeiro voto, em 1962, para governador de Pernambuco, e quarenta e três anos depois, só tenho orgulho do voto que então lhe dei. Talvez seja esse o maior conforto que possamos ter, no momento da morte: o fato de não termos nos arrependido de votar nele. É o melhor elogio que um político pode receber. Votaria nele outra vez e com maior admiração ainda.

Por seu exemplo permanente e por suas bandeiras permanentes é que “Arraes taí”. Com esse slogan comemoramos sua volta, depois de quase duas décadas no exílio. Esse slogan continua válido. Porque o que ele começou ainda não foi completado.

“Arraes taí”, Sr. Presidente, e nós temos a obrigação de continuar lutando pela causa que ele carregou com coerência, coragem, lucidez. Ajustando-a quando necessário, mas sem entregá-la jamais.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 15/09/2005 - Página 5148