Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A queda no nível da educação pública brasileira.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • A queda no nível da educação pública brasileira.
Aparteantes
Almeida Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/2007 - Página 2206
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ABANDONO, ENSINO PUBLICO.
  • REGISTRO, DADOS, INFERIORIDADE, NUMERO, ESTUDANTE, ENSINO PUBLICO, ACESSO, ENSINO SUPERIOR.
  • QUESTIONAMENTO, SITUAÇÃO, CLASSE MEDIA, AFASTAMENTO, FILHO, ENSINO PUBLICO, MOTIVO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESVALORIZAÇÃO, ENSINO.
  • REGISTRO, AUMENTO, ACESSO, ENSINO, REDUÇÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CRITICA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, DEMOCRACIA, ENSINO SUPERIOR, FORMA, OBTENÇÃO, VOTO.
  • COMENTARIO, PROGRAMA, AMBITO INTERNACIONAL, AVALIAÇÃO, ALUNO, SISTEMA, EDUCAÇÃO, PAIS, MUNDO, CONFIRMAÇÃO, INFERIORIDADE, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, BRASIL, COMPARAÇÃO, CONTINENTE, ASIA, DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, ENSINO, MATEMATICA, CIENCIAS, FORNECIMENTO, TECNOLOGIA.
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).

            A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar a matéria sobre a qual venho tratar hoje desta tribuna, gostaria de saudar a Senadora Kátia Abreu, que, há alguns momentos, fez uso da palavra, dar-lhe as boas-vindas e parabenizá-la pelo foco dos seus projetos: a mulher e a agricultura. Parabéns, Senadora Kátia Abreu, e seja muito bem-vinda nesta Casa.

            Durante essas últimas semanas, em meio a tantas notícias negativas que hoje angustiam a sociedade brasileira em um volume e em uma gravidade tal, sem precedentes na nossa história republicana - segurança estraçalhada, corrupção jamais vista, ausência total dos conceitos éticos na vida pública, o índice de crescimento da economia brasileira só ganhando no mundo para o Haiti, a queda acachapante no poder aquisitivo da classe média e tantos outros -, a imprensa deu destaque aos dados estarrecedores do Enem, apontando que a nossa educação pública despencou em todos os padrões na qualidade de ensino. Ou seja, o que já era ruim ficou péssimo.

            Não tenho dúvidas em afirmar que, no futuro, a curto e sobretudo a médio e longo prazo, essa é a questão mais importante que definirá se alcançaremos o padrão de nação desenvolvida ou se continuaremos a ser o eterno País do futuro. E o mais grave de tudo isso: ante a quase absoluta indiferença da sociedade brasileira - desde a maioria dos próprios pais dos alunos, que, depois de seus filhos, são as maiores vítimas desse processo cruel, até o Presidente da República, que, excluindo seus discursos pomposos e muitas vezes contraditórios a gosto do público ao qual se dirige no momento, não toma as providências mínimas para corrigir tamanho descalabro; no caso específico, perdido em questões periféricas, sem focar o essencial. Não se conhece um só pronunciamento de Sua Excelência nem do seu Ministro da Educação apontando soluções para o cerne da questão: como melhorar a qualidade de ensino da nossa escola pública, que há anos era bem superior à escola privada e hoje se encontra em situação desesperadora.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, para ilustrar, basta lembrar que nacionalmente apenas 8% dos alunos egressos das escolas públicas são aprovados nas universidades federais e nas boas instituições estaduais, como a USP, Unicamp e tantas outras.

            Se só esse dado em si já é um retrato em preto e branco das razões por que os melhores analistas do setor se referem à nossa educação pública como a maior “vergonha nacional”, quando analisamos os dados estatísticos mais a fundo, constatamos que a realidade é muito mais cruel: a maioria esmagadora dos alunos egressos das escolas públicas aprovados nessas universidades são selecionados para cursos que não têm grande procura, exatamente por não terem mercado de trabalho. Exemplo típico foi uma reportagem da revista Veja sobre as aspirações e perspectivas dos alunos de Medicina da USP, abordando, especificamente, os acadêmicos do 3º ano: nenhum deles era proveniente das escolas públicas.

            A origem desse desastre brasileiro se deve a vários fatores, mas creio que o maior deles é que, anteriormente, os filhos da classe média cursavam as escolas públicas em todos os Estados. Tenho certeza, por exemplo, de que a maioria esmagadora, senão a totalidade, dos que integram esta Casa estudou em escolas públicas.

            Lamentavelmente, se providências emergenciais e práticas não forem efetivadas - e não apenas medidas retóricas e vazias -, dentro de poucos anos, todo este plenário será ocupado apenas por Senadores egressos de um grupo restrito de escolas privadas que se especializarem em qualidade de ensino, o que já começa a acontecer com os novos Deputados Federais.

            Cabe-nos, portanto, uma responsabilidade redobrada, sob pena de não sermos perdoados pelo implacável julgamento da História. Ora, quando nós, filhos da classe média, estudávamos nas escolas públicas, nossos pais tinham poder de pressão no Governo porque, em todos os países do mundo, nela se incluem os formadores de opinião.

            A partir do momento em que houve a massificação do ensino, processo absolutamente imprescindível que atingiu seu ápice no brilhante trabalho do Governo Fernando Henrique Cardoso, sob o comando do Ministro Paulo Renato, com o Fundef, lamentavelmente, houve uma progressiva queda na qualidade de ensino. Por conta disso, a classe média foi afastando seus filhos da escola pública e, pela falta de vozes com poder de repercussão ante a imprensa e a pressão ante os políticos, iniciou-se um irreversível círculo vicioso que culminou na verdadeira hecatombe nacional que se materializou nos dados do Enem, demonstrando que o nosso ensino público chegou ao fundo do poço.

            E por que esses fatos não resultam em um clamor da opinião pública capaz de levar o Presidente da República a criar meios eficientes de reverter essa situação, bem como de exigir dos seus parlamentares que promovam as pressões necessárias? Simplesmente pelo fato de os alunos da escola publica, em sua esmagadora maioria, virem de famílias pobres, sem poder de pressão. O pior é que seus pais, normalmente, têm grau de instrução abaixo da média nacional, já por si extremamente baixa, e muitos deles analfabetos, que ignoraram o fato de que, se a educação sempre foi importante, hoje, na chamada era do conhecimento, é o principal fator de riqueza nacional. Só assim poder-se-iam justificar os dados da estarrecedora pesquisa feita entre os pais dos alunos, segundo divulgado na imprensa recentemente, dando conta de que estavam satisfeitos com a qualidade de nossas escolas.

            Por outro lado, esse fato se conecta politicamente com o extremo oposto: se os pais dos alunos da escola pública, por ignorarem a realidade do mundo globalizado, estão satisfeitos - e mesmo os que estão revoltados com o seu padrão de ensino não têm poder de pressão - por que haveria o Presidente Lula e seu Ministro da Educação de se preocuparem com a qualidade de ensino de nossas públicas? Afinal, este Governo guia seus atos não pelo interesse nacional, mas pelas pesquisas de opinião, que informam que tudo está às mil maravilhas.

            Quem melhor sintetizou este contexto foi o Senador Cristovam Buarque, numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. S. Exª, com a sua inequívoca autoridade vivenciada como Ministro deste Governo - o que dá enorme suporte a sua denúncia - afirmou:

            Isso ocorre porque o Governo Lula não dá a devida atenção à educação.[...] O problema maior não é de investimento, mas de falta de interesse do Governo. Como não há um sindicato de analfabetos, nem de crianças da primeira série, mas há professores de universidades, não há interesse. O Prouni, por sua vez, dá votos.

            Ele faz uma relação entre o ensino superior e a educação básica, concluindo : “Não há universidade boa sem educação boa”.

            Eu me permitiria acrescentar que o Brasil é um país que segue o caminho inverso de todas as nações em desenvolvimento que deram certo, tais como a Coréia e os chamados Tigres Asiáticos, além da China e da Índia. Em todos eles, a prioridade maior foi garantir a universalização de um ensino fundamental e de um ensino médio de boa qualidade. Nesses segmentos, garantiram e continuam garantindo os maiores investimentos, para, depois, priorizarem o ensino universitário. No Brasil, a maior parte dos investimentos do MEC é destinada às universidades públicas, que são, de fato, de boa qualidade; mas, por falta de um ensino básico de qualidade, são, na verdade, destinadas majoritariamente aos mais privilegiados da sociedade.

            A conseqüência mais cruel de tudo isso é que os filhos dos pobres se perpetuam na condição da pobreza de seus pais, já que, por não terem educação no mesmo nível dos filhos da alta classe média, que podem pagar altíssimas mensalidades em um grupo selecionado de escola de elite, especializada em qualidade de ensino e em sofisticados cursos pré-vestibulares, não têm acesso às universidades federais e estaduais de ponta do País, em especial nas carreiras com mercado garantido.

            A propósito, uma pesquisa acima de qualquer suspeita de ranço ideológico, realizada pelo Banco Mundial, no ano passado, sobre as razões de o Brasil ter uma das maiores desigualdades sociais do mundo, identificou a péssima qualidade de ensino da escola pública, que não permite aos filhos dos pobres ascenderem profissionalmente.

            Dentro desse contexto, permitam-me citar uma experiência pessoal por que passei há alguns anos, quando tive oportunidade de visitar países asiáticos que não tinham uma gota de petróleo, nem um quilo de ferro ou de qualquer outro tipo de riqueza mineral no seu subsolo, além de contarem com irrisória área agricultável. Um caso emblemático é o da Coréia.

            Em 1960, a Coréia tinha uma renda per capita de US$745, enquanto o Brasil tinha US$1.114 de renda per capita, quase o dobro da renda coreana. Em 2002, nosso País, mergulhado numa estúpida armadilha monetarista, cobrando as maiores taxas de juros do mundo, andava a passo de cágado, alcançando modestos US$3.295 de renda per capita, enquanto a Coréia saltava para US$10.013, mais de três vezes a renda brasileira, liderando vários campos de alta tecnologia.

            Qual a razão do milagre? Simplesmente a Coréia, ao lado de outros vizinhos do sudeste asiático, percebeu os primórdios de uma nova fase da história econômica da humanidade, a era da inteligência. Nela, segundo perceberam, do mesmo modo que, séculos atrás, uma pequena ilha chamada Inglaterra conseguiu vislumbrar a era da Revolução Industrial, novos paradigmas iriam definir as condições de riqueza dos povos.

            O Sr. Almeida Lima (PMDB - SE) - Senadora Maria do Carmo, V. Exª me concede um aparte?

            A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Sim, Senador.

            O Sr. Almeida Lima (PMDB - SE) - Agradeço-lhe e quero parabenizá-la pelo pronunciamento. V. Exª faz uma denúncia que precisa ser feita diariamente: a omissão dos nossos governos. E não quero referir-me apenas ao atual, apesar do esforço nessa área do governo anterior - que agiu de forma mais expressiva do que este. Sem dúvida alguma, trata-se de um tema que vem para libertar o nosso povo. Não será o Bolsa-Família que vai libertar o povo. O que gera dignidade e libertação do povo é educação e trabalho. V. Exª faz referência aos países asiáticos, que, baseados exatamente nessa filosofia, saíram do estado de pobreza enorme para o de desenvolvimento. Trago aqui uma informação, complementando o pronunciamento de V. Exª, muito substancioso, de um país da Europa que, há dez, quinze anos, vivia também em condições precárias: a Irlanda. Hoje, aquele país é considerado também mais um tigre - não asiático, mas europeu. E a base exata do desenvolvimento da Irlanda, que possui hoje praticamente a melhor renda per capita da Europa, é a educação. Lamentavelmente, os nossos governos não têm considerado a educação como fator primordial, primeiro, anterior a todos os outros, para o desenvolvimento do nosso País. Meus parabéns a V. Exª! Muito obrigado.

            A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Agradeço-lhe, Senador Almeida Lima, e incorporo ao meu pronunciamento o aparte de V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais. PFL - PB) - Senadora Maria do Carmo, peço permissão a V. Exª para prorrogar a sessão por mais uma hora, para que possamos ouvir as Srªs e os Srs. Senadores.

            A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) - Continuando, Sr. Presidente.

            Não mais seria decisivo aos países possuírem grandes áreas agricultáveis, petróleo ou grandes reservas minerais, mas o fundamental seria o maciço investimento não apenas em educação, mas em qualidade de ensino, priorizando-se especialmente a Matemática e a Ciência, preparando-os para, numa fase seguinte, elevados investimentos em tecnologia.

            Enquanto isso, o Brasil seguiu o caminho inverso: nossa prioridade, nesses últimos 25 anos, contrariando a saga dos nossos ancestrais, que foram capazes de construir a economia que mais cresceu nas primeiras oito décadas do século passado, foi passar loucamente a priorizar o especulativo - ou melhor, a agiotagem, em detrimento do produtivo. A conseqüência foi o agravamento das desigualdades sociais, do desemprego, da desindustrialização e do sucateamento do nosso ensino público. Como ensina o provérbio chinês, as palavras comovem, os exemplos arrastam.

            Vejamos uma ilustração incontestável. O Pisa é um programa internacional de avaliação comparada, cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.

            As avaliações do Pisa acontecem a cada três anos, com ênfase em três áreas: leitura, Matemática e Ciências. Em 2003, participaram do Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Alunos) 250 mil adolescentes com 15 anos de idade, em 41 países, sendo 30 deles membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e os demais, convidados. Da América Latina, participaram Brasil, Uruguai e México.

            A média geral dos alunos brasileiros, em 2003, foi, desastrosamente, a pior em Matemática (356 pontos). Os melhores desempenhos nesse exame foram de Hong Kong, com 550 pontos, seguido da Finlândia, 544, e da Coréia.

            Como se vê, dos três primeiros lugares em Matemática, dois são de Tigres Asiáticos (Coréia e Hong Kong), que seguiram o caminho inverso do Brasil, o qual ficou em último lugar. Em Ciências, ficou com um “honroso” penúltimo lugar, colocando-se atrás, apenas, da Tunísia. Enfim, uma vergonha nacional.

            O que nos decepciona ainda mais nesse quadro de horror é que as soluções são absolutamente conhecidas. Temos algumas das melhores empresas de consultoria do mundo no setor, dentre as quais vale ressaltar a magnífica Fundação Ayrton Senna. O que nos falta, lamentavelmente, é apenas uma coisa: vontade política para mudar, para corrigir nossos erros e reacender, dentro de relativamente curto prazo, a esperança de nossos jovens.

            Não falo como teórica, mas como alguém que vivenciou a experiência do Estado de Sergipe - farei um outro pronunciamento a respeito, mais tarde -, que, em apenas quatro anos, passou do quinto pior IDH do Nordeste para a melhor qualidade de vida da Região, segundo o IBGE. No campo da educação pública, deu um salto qualitativo de tal ordem que, saindo dos últimos lugares do item qualidade de ensino, conseguiu, no Projeto Brasil (Prova Brasil, do MEC), que seus alunos recebessem a melhor qualificação da Região Nordeste. E mais: sua performance na qualidade de ensino levou a Unesco a qualificá-lo como exemplo para as nações em desenvolvimento. Finalmente, aumentou em mais de 100 vezes o número de alunos egressos da escola pública a serem aprovados em cursos superiores públicos de bom nível.

            Sobre essa fascinante experiência falarei em outra oportunidade, repito, para demonstrar que não precisamos importar especialistas de Harvard ou de Cambridge para nos indicar os caminhos, pois aqui, no Brasil mesmo, existem exemplos como os de Cláudio de Moura e Castro, Viviane Senna e João Batista Oliveira. Em nível de racionalização gerencial das escolas, nelas aplicando a qualidade total, há também o mestre Vicente Falconi. Foi com a ajuda de seus conselhos, de Cláudio de Moura e Castro e da inteligente consultoria dos demais, além da conquista dos corações e mentes dos nossos professores e alunos, que Sergipe alcançou esse notável salto qualitativo.

            A questão é: se o menor Estado do Brasil, membro da Região mais pobre do País, mostrou que essa transformação é possível, porque o poderoso Ministério da Educação não pode fazer o mesmo em nível nacional? Fica aqui a interrogação.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/2007 - Página 2206