Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a violência no País.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com a violência no País.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/2007 - Página 3722
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • BALANÇO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, COMPARAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, ANGOLA, TIMOR LESTE, COLOMBIA.
  • REGISTRO, ANTERIORIDADE, REMESSA, ORADOR, CARTA, HOMENAGEM POSTUMA, VOTO DE PESAR, MÃE, CRIANÇA, VITIMA, ASSALTO, HOMICIDIO, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), LEITURA, MENSAGEM (MSG), AUTORIA, CIDADÃO, PROTESTO, VIOLENCIA, SOLICITAÇÃO, ESTADO, GARANTIA, PAZ, SOCIEDADE.
  • GRAVIDADE, AUMENTO, INDICE, VIOLENCIA, HOMICIDIO, MUNICIPIOS, INTERIOR, BRASIL, IMPUTAÇÃO, TELEVISÃO, OBSTACULO, IMPEDIMENTO, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, NECESSIDADE, PAZ.
  • REGISTRO, ANTERIORIDADE, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REUNIÃO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, DEBATE, SOLUÇÃO, VIOLENCIA, CORRUPÇÃO, INEFICACIA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, PUNIÇÃO, REU.
  • SAUDAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), NEGAÇÃO, ARQUIVAMENTO, PROCESSO, ACUSAÇÃO, REU, CORRUPÇÃO, PREJUIZO, ESTADO, REGISTRO, DECISÃO, COMBATE, IMPUNIDADE.
  • DETALHAMENTO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • NECESSIDADE, URGENCIA, CONGRESSO NACIONAL, ELABORAÇÃO, PROJETO, COMBATE, VIOLENCIA, PROTESTO, TENTATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLUÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, EXCLUSÃO, LEGISLATIVO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, prezado irmão, Senador Mão Santa, senhoras e senhores, fico imaginando uma cena possível de um cidadão iraquiano em Bagdá, ou em Kirkuk, ou em Mosul, ou em Tikrit, depois de um dia de trabalho árduo, sentado na poltrona da sua sala, ávido por se inteirar sobre as notícias do mundo. Aí um jornalista correspondente do Brasil, ao vivo - se é isso ainda possível - noticia sobre o lançamento, na última terça-feira, do mapa da violência nos Municípios brasileiros.

A cena poderia ter como pano de fundo uma jovem, corpo estendido, uma criança ferida de morte no colo da mãe em um ônibus qualquer que saía da alegria do carnaval e voltava para a realidade nua e crua da favela, o tal jornalista lê informações dos primeiros parágrafos do estudo elaborado pela organização dos Estados ibero-americanos para educação, ciência e cultura.

“O número total de homicídios no Brasil, em um ano, foi de 48.374.” Repito: 48.374 homicídios em um ano. “Em 2003, foram mortas 51.043 pessoas. Em dez anos, quase 450.000”. Volto a dizer: o número de homicídios no Brasil, em dez anos, é de 450 mil pessoas.

Aí o iraquiano, de boca aberta, sofrerá uma enorme “pane” geográfica: “Afinal, onde é a guerra? Sob a minha janela, a partir da qual posso ver, estarrecido, dezenas de mísseis iluminarem os céus, lançados pelos bárbaros de hoje, ou na minha própria sala, onde a televisão é, na verdade, uma janela dos tempos modernos que me mostra um mundo igualmente selvagem?”.

Na guerra atual do Iraque, quando o mundo viu, através de suas janelas de última geração, em tempo real, toneladas de bombas sobre cabeças inocentes, morreram no primeiro ataque da versão repetida e empilhada da “Tempestade no deserto”, 13 mil pessoas. No ano passado, os mortos civis somaram cerca de 34,5 mil pessoas.

Portanto, esse número, em um ano, na guerra declarada do Iraque, é muito menor do que o da guerra não-declarada no Brasil. A matança brasileira, em 10 anos, equivaleria, mantida a média anual, a 13 anos de guerra no Iraque, com toda a força destruidora do arsenal norte-americano e de igual bestialidade dos incríveis homens-bomba.

Outros conflitos, do mesmo modo violentos servem, como referência para a nossa cruel realidade. Na guerra de Angola, morreram 13 mil pessoas por ano. Na luta pela independência do Timor Leste, aproximadamente quatro mil. Em quase 4 décadas, 40 anos de luta na guerra civil da Colômbia, conduzida pelo narcotráfico, cerca de 30 mil mortos.

Morrem por ano assassinados 50 mil brasileiros. É como se, a cada dois anos, fosse suprimida do mapa do Brasil uma cidade como Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, ou como se, a cada 10 anos, desaparecesse uma cidade como Niterói, no Rio de Janeiro - sem contar as mortes por todos os outros tipos de violência. Nem os inúmeros feridos, que igualmente têm os seus sonhos de vida abortados pela bestialidade desumana. Pior: são os sonhos de vida ainda debutante, porque a violência ataca principalmente os mais jovens. É como se estivéssemos dizimando, na verdade, o futuro do País.

Os homicídios preferem a chamada faixa jovem. Meninos ainda no florescer dos 15 anos engrossam a estatística macabra dessa violência de último grau. Em uma década, as mortes nessa faixa de idade tiveram um aumento de 63%.

Lembro-me então da Gabriela, uma linda menina, mãos entrelaçadas pelo simbolizar o pombo da paz. Uma bala perdida roubou-lhe os sonhos de uma alegre festa de debutante.

Lembro-me também da Luciana, ferida no pátio de uma universidade junto com os seus desejos juvenis de salvar vidas como enfermeira.

Como esquecer Priscila, 13 anos, a “princesa do bairro”? “Mãe, eu levei um tiro. Me ajuda, mãe.” Triste coincidência, lamentável contradição como a de Luciana - ela queria ser enfermeira - , uma bala perdida pode abortar os sonhos e os desejos de salvar tantas outras vidas, quem sabe, vítimas também de semelhantes tragédias. Espero, em Deus, que não!

Lembro-me, enfim, de tantos outros sonhos e desejos interrompidos pela barbárie.

Fico imaginando o que leva o ser chamado humano a tamanha bestialidade. O que leva alguém em sã consciência, se é que se pode chamar dessa forma, a ceifar a vida de outros. Que sentimentos movem os dedos de quem puxa um gatilho ou de quem incendeia um rastilho? Que sonhos povoam as noites de quem manda impulsionar um míssil? Que sabor tem o gosto de ferro da boca de quem destrói o mais belo sonho da vida?

De repente, submeto-me à realidade: estamos todos envolvidos numa grande guerra mundial! Não importa se é a terceira ou se é a primeira, em novos e igualmente cruéis moldes de existir. Quantos serão, neste mundo de Deus, os que simplesmente não morrem, mas são mortos? Milhões, bilhões, mortos pela bala, pelo míssil, pela fome, pela miséria, pelo desdém, pelo poder, pela ganância, que diferença faz?

Não seria maior a esperança natural de vida de quem não fosse atingido por uma mesma bala, por esse mesmo míssil, por essa mesma ganância ou, o contrário, de quem fosse atingido, aí sim, pelo alimento que sacia, pelo remédio que cura, pelo saber que ilumina ou pelo efeito que enleva?

Não seria, portanto, uma espécie de cumplicidade, cumplicidade homicida, atitude ou omissão daquele que, mesmo sabendo que semelhantes, muitas vezes muito próximos, morrem de fome e mesmo assim jogam excessos de comida no lixo por mera luxúria ou opulência ou daquele que, sabedor dos sofrimentos ou das mortes nas filas de hospitais ou na escuridão do analfabetismo, roubam o dinheiro público em nome da ganância?

Seria omissão uma arma que fere de morte?

Não haveria então uma correlação perversa entre o omisso ou o corrupto e o que puxa o gatilho e o que manda detonar o míssil? Não estariam todos eles causando ou deixando causar igualmente dor, sofrimento e morte? Essa guerra mundial a que me refiro é, portanto, um conflito de valores.

Lembro-me, por exemplo, de uma pesquisa realizada numa cidade de grande porte, cujo resultado dava conta de que, se juntados todos os restos de comida de boa qualidade jogados no lixo, eles seriam suficientes para saciar todos os famintos da cidade e, ainda assim, sobraria alimento para outros miseráveis de outros locais. Quanto somará esse desperdício em escala mundial?

Imagine-se, também, quantas mortes prematuras poderiam ser evitadas com todo o dinheiro que escoa pelo ralo da corrupção. Some-se a tudo isso o que se gasta com as tais armas, sejam elas de gatilho ou de rastilho.

No último dia 13 de fevereiro, tomei a iniciativa de escrever uma carta aberta à Rosa Cristina, mãe do menino João Hélio, covardemente assassinado no Rio de Janeiro. Esse crime lamentável se somou a todas as estatísticas de violência local, nacional e mundial. Ele será, com certeza, assunto de teses e de livros, rios de tintas, casos especiais de televisão e picos de audiência. Mas, como eu disse na mesma carta, repetindo as palavras dos pais, ele não pode ser mais apenas um número, até porque a ele se somou, logo em seguida, o da menina Joilma, nos braços da mãe, no caminho do carnaval à favela. Ou de tantos outros colos, de tantas outras mães, de tantos outros Joãos Hélios, de tantas outras Joilmas, ou, ainda, de tantos outros Mohameds, aqui, sob a nossa janela, ou na janela da cidade iraquiana, a real e a virtual, ou ainda através de todas as janelas do mundo.

O mapa da violência no Brasil mostra uma evidente interiorização. É muito sério, Sr. Presidente! É muito sério, Srs. Senadores! Volto a repetir: o mapa da violência no Brasil mostra uma evidente interiorização dos crimes, principalmente os homicídios. Cidadezinhas antes pacatas, até bucólicas, hoje incorporam medos antes exclusivos das grandes metrópoles. Lugarejos antes conhecidos apenas nos registros censitários povoam agora as páginas policiais.

Diria eu, entretanto, que não há apenas a interiorização da violência; há na verdade uma globalização da barbárie. Por isso, a carta aberta para Rosa Cristina é uma mensagem a todas as mães que sofrem algum tipo de violência. Uma mãe universal em todos os sentidos da palavra. Mãe, quem não é a tem. Como colo, ou na mais bela lembrança.

Para mim, deveria haver uma espécie de decreto universal, quem sabe uma resolução da ONU, segundo a qual a palavra “mãe”, em todas as línguas, em todos os dialetos, deva ser escrita obrigatoriamente com letra maiúscula. Mãe é nome próprio!

É por isso que as manifestações de Rosa Cristina me tocaram a alma. Ali estavam, na voz, nas lágrimas e na atitude, todas as mães do mundo que sofreram a barbaridade da morte violenta de um filho. Uma espécie de Maria dos nossos tempos. Iguais, no Calvário.

Mas eu não imaginava que a tal carta alcançasse tamanha repercussão. Das igrejas, das escolas, das famílias. Pastores de todas as religiões, professores de todas as disciplinas, pais, mães e filhos de todos os cantos e recantos do País. Juízes, médicos, advogados, jornalistas, operários, cidadãos do povo. Dezenas, centenas de manifestações. Correntes de oração e de discussão.

Mas o que é relevante não é apenas a quantidade de mensagens. É que eu não imaginava também o tamanho da indignação popular. Mais do que indignação, talvez um brado retumbante contra a barbárie, um alistamento civil nesse conflito de valores em escala mundial.

A população demonstrou por essas mensagens desejar o resgate do tripé que outrora fundamentava os valores mais nobres: a igreja, a escola, a família. Esse tripé, que por definição e por ideal se une pelo laço comum da paz, precisa agora se transformar em três trincheiras.

As igrejas, as escolas e as famílias devem ser conclamadas, portanto, para discutir ações transformadoras de valores. Que sejam debatidas, em todos os templos, em todas as salas de aula e em todos os lares, as principais razões que levam à barbárie humana, e que se encontrem medidas no sentido de que o mapa da violência em escala mundial seja absolutamente redesenhado.

Entre as tantas mensagens que recebi, Letícia Villar Dornelles Freitas, de Alegrete, termina assim suas reflexões: “Que algo seja feito. Não queremos mais mártires neste mundo tão violento, tão desumano, mas ações de harmonia, fraternidade e paz! Parece tão repetitivo isso, mas é o que está faltando. Que o João Hélio nos traga (de volta) um novo tripé de valores abandonados!”

Que assim seja, Letícia!

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Pedro Simon, V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Concedo um aparte a V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Pedro Simon, V. Exª falando aí, e eu transportei dos céus a figura de minha mãe, terceira franciscana como V. Exª. No seu colo, aprendi a mensagem que V. Exª traz: paz e bem. Mas o que eu queria dizer, Efraim Morais - Efraim também faz grandes discursos, com páginas amarelas, azuis, brancas e verdes, das cores da nossa bandeira -, é que ouço, sempre que posso, aquelas gravações que o Senado publicou: “Grandes Momentos do Parlamento Brasileiro”. V. Exª está até lá com um discurso para Ulysses; está lá o Padre Godinho, com o discurso para Kennedy; Afonso Arinos; Getúlio - será mentira o órfão, a viúva que levou Getúlio ao suicídio? -; Mário Covas, defendendo aquele jornalista Márcio Moreira Alves; Carlos Lacerda; nenhum excede o pronunciamento de V. Exª. O que eu estava a pensar é o seguinte: Senador Efraim Morais, V. Exª é 1º Secretário e um homem de ação. Quis Deus que estivesse aqui Agaciel, que é também homem de literatura e letras. Vamos pegar este discurso. Primeiro, ó Presidente Lula da Silva, esta é a contribuição do PMDB, o PMDB de vergonha, o PMDB de verdade, de Ulysses, de Teotônio, de Juscelino, para que seja levada em cadeia nacional de televisão essa violência. É a continuação de Cícero. Há pouco eu dizia: Senador Pedro Simon, pegue a sua Ivete, sente-se numa poltrona, com pipoca e guaraná, e assista ao filme “O Império”. São 3 horas e 10 minutos da história romana. No meio das guerras e das trovoadas, todos vão recorrer à sabedoria de Cícero. V. Exª é nosso Cícero! Atentai bem! Nós fomos ao México. Efraim, talvez isso tenha passado despercebido porque você ficou embevecido, tirando retrato com a encantadora esposa Ângela. Mas havia lá uma frase do General Oregon: Prefiro os meus adversários que me dizem a verdade aos amigos que me atraiçoam com bajulação. Está aí a verdade. Presidente Lula, divulgue isso, essa mensagem, para que todas as brasileiras, mães, pais, todos tenham conhecimento. Este País tornou-se grande porque Rui Barbosa fez aquele seu último discurso à juventude, intitulado “Oração aos Moços”. Essa não é uma oração aos moços, mas a todos, ao pai, à mãe, à criança. É a esperança. Nem tudo está perdido. Agaciel - foi Deus quem o colocou aí, porque o senhor é um homem de bem, de ação -, pegue, publique e faça chegar a todos os brasileiros essa mensagem contra a violência, que repete o que Cícero disse no plenário romano, na guerra: pares cum paribus facillime congregantur. Violência atrai violência. Aqui é o amor. O amor gaúcho por este País, que quer para o nosso Brasil aquilo que Francisco adotou como sua bandeira: “Paz e Bem”. É o que V. Exª traduz, Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço muito a V. Exª.

Senador Mão Santa, V. Exª fez referência à sua mãe, que era da Ordem Terceira de São Francisco, como eu. Na verdade, Francisco, independentemente de ser um santo cristão, foi considerado a personalidade número um do segundo milênio. Em várias enquetes feitas no mundo inteiro, do ano 1000 ao ano 2000, a pessoa mais ilustre, mais importante, de maiores valores prestados ao mundo foi São Francisco, assim considerado pelas idéias revolucionárias, pelos princípios do social, da moral e da dignidade.

Na verdade, creio que alguma coisa tem de ser feita fora daquilo que estamos fazendo.

Senador, V. Exª não estava aqui. Eu era Líder do Governo do Itamar Franco e, durante dois anos, criamos uma subcomissão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da qual fui presidente. Creio que foi a única vez na vida que isso aconteceu. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado, Ministro da Justiça, Presidente do Tribunal de Contas, Procurador-Geral da República, nós nos reuníamos no gabinete do Presidente do Supremo Tribunal Federal para estudar uma fórmula para discutirmos a questão da violência e da corrupção. Reuniões, debates, análises, profunda preocupação. Mas parece que não adianta.

Parece que estamos numa Torre de Babel, todo mundo quer, mas nada se faz. O Presidente Antonio Carlos Magalhães, numa atitude elogiável, numa proposta feita, quando todos queriam fazer uma lei imediata, aprovar, já na quinta-feira passada, uma lei que regulamentasse essa questão da maioridade, concordou. E foi criada uma supercomissão para, durante o prazo de 30, mais 15 dias, estudar uma proposta.

Mas eu me desiludo de qualquer tipo de proposta num Brasil em que a impunidade é a regra, o desrespeito às leis é a rotina, e a irresponsabilidade é o dia-a-dia.

Como dizia V. Exª, antes de começarmos, ali, com o Senador Paulo Paim, uma grande caminhada de conscientização nas cidades para o fim da violência, de conscientização da sociedade no sentido de modificarmos a maneira de ser, é algo que precisa ser feito.

Sr. Presidente, é claro que eu jamais teria uma chance de chegar à Presidência da República, porque não tenho condições, não tenho capacidade, não tenho nada. Mas afirmo aqui que, se eu chegasse lá, a minha primeira decisão seria chamar os meios de comunicação, a televisão, e dizer: os senhores estão convocados para uma cruzada nacional a favor do Brasil; não estamos requisitando as televisões, não estamos querendo impor - Deus nos livre! Seria uma desgraça! -, mas vocês estarão conosco para uma cruzada de conscientização do povo brasileiro.

O que adianta assistirmos ao Rebanhão, com três dias pregando a paz, o amor, todas as igrejas de todos os recantos - aqui, em Brasília, havia milhares de pessoas -, se, dois dias depois, vemos no Jornal Nacional guerra, morte, matou, degolou, enforcou e não sei mais o quê? É um chamado à desnaturalidade. Isso tem de ser feito. Temos de conscientizar o nosso povo. Por que a violência está indo para o interior, para as cidadezinhas que eram de natureza, de paz, amor, tranqüilidade, fraternidade? Quando chegávamos a uma cidadezinha do interior era uma maravilha: dormia-se com as portas abertas, não havia chave, era um ambiente de festa, alegria, paz. Hoje, há mais violência lá do que aqui.

O crime foi para o interior. Quem levou isso para lá? Desculpem-me: a televisão. As novelas de televisão, o noticiário da televisão, a formação que a televisão apresenta mudaram os conceitos da sociedade.

Já falei aqui: vamos convocar, semana que vem, o ilustre autor de novelas da Rede Globo, da novela Belíssima, para ele vir explicar aqui a entrevista que ele deu nas “Páginas Amarelas” da Veja, em que ele mostra isso. Ele mostra o resultado das pesquisas da Globo, apontando que as respostas das pesquisas feitas, até 15 anos atrás, sobre uma novela que eles faziam, sobre como deveria ficar, qual deveria ser o fim, eram: “No fim, a mocinha tem de ficar com o mocinho; no fim, o ladrão tem de ir para a cadeia”. Atualmente, no último capítulo, como deve ser o fim? “Não, o fim está certo”. Mas a mulher era casada com ele; ele era um bom cara e viviam bem. “Não, mas ele era um gagá, um chato, um sem-graça. Fez bem o cara que lutou e tirou a mulher do marido. Ele fez bem em ter ficado com ela”. E o fulano que virou milionário, assim? “Está certo, aproveitou a vida, teve chance e pegou”. Isso está sendo vendido e está sendo aceito. É uma conceituação nova de uma sociedade que, até ontem, não passava por isso.

Então, de que adianta o pastor, ou o padre, ou o sacerdote, ou a mãe dar uma orientação na vida, se, na novela, a orientação real é completamente diferente? Alguma coisa deve ser feita.

E, por outro lado, há a impunidade. Falando em impunidade, tenho a obrigação, desta tribuna, de levar meu voto de louvor ao Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal teve a competência, a capacidade, a visão de não votar ontem o que parecia que já estava votado e de liberar dez mil processos, que seriam arquivados, de pessoas que teriam cometido delitos contra o Estado e que, pura e simplesmente, saíram da gaveta onde estão. É grave que estejam na gaveta, mas saíram da gaveta e seriam arquivados.

Ontem o Supremo decidiu reestudar, e foi um dia de festa, em vez de ser um dia de luto. Essa foi uma decisão importante, porque não há dúvida de que a grande causa de tudo isso é a impunidade. É que sabemos que nada acontece. Roubar, nada acontece! Bater carteira, nada acontece!

Vejam os senhores que hoje no Rio de Janeiro a luta não é mais das gangues da droga e das armas contra a Polícia; a luta é das gangues das armas e das drogas contra os que saíram da polícia e que criaram um setor, também clandestino, para chegar à favela e dizer: você me dá tanto e eu o protejo contra o bandido. Ou seja, é um bandido que chega lá e diz: você me dá tanto e eu o protejo contra o outro bandido. Essa é a realidade em que vivem as favelas do Rio de Janeiro.

Os autores da fiscalização se transformam nos autores da violência.

Sr. Presidente, não sei o que, mas alguma coisa poderia ser feita. O Presidente da República diz que vai reunir os Governadores para apresentar uma proposta que vai enviar a esta Casa. Não sei quem estudou esta proposta; não sei onde ela foi feita. Se há um lugar onde as propostas deveriam ser estudadas, esse lugar é o Congresso Nacional. O Congresso convocar, fazer um seminário e convocar o Brasil inteiro, tudo bem, mas, agora, o Congresso dar como coisa acabada e enviar para esta Casa sei lá o quê... Não acredito que é por aí que a questão será resolvida. Mas alguma coisa temos que fazer.

Repito, pela milésima vez, que me sinto, nesta Casa, como se estivesse na torre de Babel. Falo e sinto que as pessoas não me entendem. As pessoas falam e sinto que não entendo. Parece que cada um fala uma língua, diz o que pensa. Todo mundo é dono da verdade, quer acertar, mas fica tudo igual.

Hoje começa meu vigésimo quinto ano nesta Casa e é a mesma coisa. Todos quiseram acertar, todos lutaram para que as coisas ficassem melhor, e as coisas nunca deixaram de piorar, Sr. Presidente. Alguma coisa deve ser feita, porque como está não acredito que resolva.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/2007 - Página 3722