Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Conseqüências da falta de políticas públicas destinadas a solucionar os problemas estruturais do Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Conseqüências da falta de políticas públicas destinadas a solucionar os problemas estruturais do Brasil.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/2007 - Página 3729
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • FRUSTRAÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS, AUSENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FALTA, RESPOSTA, CLASSE POLITICA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • RECLAMAÇÃO, DEMORA, PROGRAMA, SEGURANÇA PUBLICA, FALTA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, PREVISÃO, REVOLTA, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, OMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO, MISERIA, COBRANÇA, AUMENTO, PROVIDENCIA, COMBATE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, EXCLUSÃO, REITERAÇÃO, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, BUSCA, ALTERNATIVA.
  • QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), REDUÇÃO, MANDATO, SENADOR, CRITICA, ORADOR, INTERFERENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, AUSENCIA, RESPOSTA, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou aqui desde cedo, e vim com a idéia de falar sobre um assunto, mas depois de ouvir os discursos desta manhã, resolvi mudar de orientação. E vou começar pelo discurso que fez o Senador Gerson Camata, logo cedo, às 9h, nesta sessão, porque o Senador Camata me provocou uma lembrança.

Há alguns anos, Senador Efraim, há muitos anos, eu estava em Manaus em um carro, e o motorista, Senador Mão Santa, apontou para o carro ao lado e perguntou-me se eu tinha notado que aquele fusquinha estava com os vidros fechados. Eu disse que não tinha notado, e o motorista do carro que me conduzia perguntou: “O senhor sabe por que ele usa o fusquinha com os vidros fechados? É para que as pessoas pensem que ele tem ar condicionado”. Aquilo para mim foi o símbolo do Brasil, até o mapa brasileiro lembra um pouco o Volkswagen.

Nós somos um país que fechamos os vidros, vivemos no calor da violência, da deseducação e da pobreza para dar a impressão de que somos desenvolvidos. Aquele jovem de Manaus, a quem não prestei atenção, que não sei como era, porque passou ao lado, é um símbolo de nós, brasileiros: queremos dar a impressão de que somos ricos e desenvolvidos e estamos construindo o desconforto, como ele enfrentava fechando o vidro para arranjar namorada que pensava que ele tinha ar condicionado. Tenho a impressão de que, depois que elas entravam no carro, em vez de mandar abrir os vidros, mandavam fechar ainda mais para que as outras pensassem que ela estava no carro de alguém que tinha carro com ar condicionado.

Estamos hoje numa situação em que, ao ler os jornais, ver televisão, ouvir rádio ou noticiário, dá tristeza, e o povo descontente. Por isso, lembro-me do discurso do Senador Camata, quando ele falou que não estamos dando respostas ao que o povo quer de nós. As ruas estão vazias, não está havendo manifestação, mas as ruas não estão caladas... O povo não está indo para a rua como foi na Argentina, dizendo que todos eram iguais e pedindo que se fechasse o Congresso. Não. O povo não está indo para as ruas, mas o povo está comentando essa possibilidade, o povo está descontente. O povo está descontente com cada uma das coisas que a gente vê no dia-a-dia, o povo está descontente com o crescimento que não vem, o povo está descontente com o desemprego, com a violência, com a dificuldade para matricular o filho, com o custo do material escolar, com as filas nos hospitais... O povo está falando e nós não estamos ouvindo.

Nós damos, às vezes, a impressão de que estamos ouvindo, como ultimamente no caso da violência, mas nós não estamos ouvindo. Se tivéssemos ouvindo, em primeiro lugar, não estaríamos adiando as decisões em relação a um programa de segurança. Por outro lado, nós não estaríamos trabalhando apenas na segurança, mas na paz, que exige que, além de mais polícia, haja mais professores, que além de mais cadeia haja mais escolas. A gente não está ouvindo o povo! E o povo tem limite na sua paciência. O povo não fica para sempre apenas falando como nós, que achamos que falar basta. Chega um dia em que o povo pára de falar e vai para as ruas, e esse dia a gente nunca prevê, Senador Mão Santa. Às vezes leva décadas, às vezes leva anos, às vezes a gente acorda e descobre que o povo já está na rua, porque a gente não deu as respostas que o povo queria ouvir de nós.

Dando seqüência à provocação do Senador Gerson Camata, de que a gente não está dando respostas, vale a pena perguntar: por que? Esta Casa já deu muitas respostas em momentos importantes do Brasil. Por que não está mais dando respostas?

Senador Mão Santa, que preside esta sessão, creio que isso ocorre porque nos acostumamos com a situação. O povo não se acostumou, mas nós nos acostumamos. O Senador Camata lembrou que faz um mês que ocorreu aquela violência absurda de uma criança ser arrastada. Hoje já não se fala tanto naquilo. Não esquecemos o fato, mas perdemos a capacidade de nos indignar. Nós nos acostumamos.

Um País que não estivesse acostumado com a violência não conseguiria trabalhar depois de ouvir o noticiário da manhã, como fiz hoje, ouvindo o Bom Dia Brasil. Não viríamos para cá se a gente ouvisse e refletisse sobre o editorial dito pelo jornalista Alexandre Garcia. O que ele falou hoje, olhando nos nossos olhos, sobre a realidade que estamos atravessando... E a gente vem, mas outros que não vêm estão fazendo política da mesma maneira, porque nós nos acostumamos.

Sabem por que estamos acostumados a ver uma criança ser amarrada e arrastada pelas ruas do Rio de Janeiro? Porque a gente já está acostumado, há décadas, com meninas sendo arrastadas, vivas, para a prostituição. Ou a gente não percebe que uma menina de nove anos, como ocorre, está sendo explorada sexualmente para manter seus pais, que não têm emprego, que estão doentes? Ou a gente acha que essa menina não está sendo arrastada, com uma violência quase igual à daquele menino que foi arrastado fisicamente? Ele morreu, seu corpo foi despedaçado, algo horroroso, mas não é horroroso também a gente ver a tragédia da prostituição infantil, a tragédia do trabalho infantil tirando crianças da escola, a tragédia de sair da escola aos 12 anos? É a média do Brasil. A média do Brasil é sair da escola aos 12 anos! Isso não é uma violência? É, mas nos acostumamos.

Será que a gente não percebe que nos acostumamos a ver pessoas pedindo esmola na frente de um supermercado repleto de comida? E elas pedindo esmola para ver se conseguem comer, porque não podem entrar no supermercado para comprar. Nós nos acostumamos.

Quem caminha pelos corredores do Congresso, sobretudo indo do Senado para a Câmara, acostumou-se a ver a quantidade de pessoas pedindo dinheiro para comprar material escolar, para voltar para casa mesmo morando aqui perto de Brasília, ou para ir de volta para suas casas longe daqui, porque vieram aqui em busca de emprego e não conseguiram. Nós nos acostumamos.

E este é o grande defeito e o grande problema da política brasileira hoje: é que nós nos acostumamos. E, ao nos acostumarmos, primeiro perdemos a capacidade da indignação. Aceitamos, acomodamo-nos. Acostumados e acomodados! Na verdade, são as duas posições que predominam hoje na política brasileira. E não só nós, políticos com mandatos: os sindicatos se acostumaram e se acomodaram, a UNE se acostumou e se acomodou, cada grupo foi se acostumando e se acomodando. E a gente perde a capacidade de indignação.

Depois, algo quase tão grave: começamos a procurar soluções pequenininhas para problemas gigantescos. A gente acha que, reduzindo a maioridade penal, acabará com a violência de crianças sendo arrastadas nas ruas por bandidos ou por exploradores sexuais. Neste País, a gente acha que resolve os problemas com pequenos gestos, mas eles são gigantescos. Ou a gente não percebe que este País discute a redução da maioridade penal - e não vou discutir se é certo ou errado, Senador Mão Santa -, discute se reduz ou não a maioridade penal, mas não discute como acabar com a prostituição infantil? Ninguém discute aumentar a menoridade para viver do comércio do corpo, ser prostituta. Ninguém discute que deve ser acima de 18 anos. Toleramos, no País, prostituição infantil aos nove anos, Senador Pedro Simon, aos dez, aos doze, aos quatorze, aos quinze. Ninguém fala em aumentar a menoridade para cair na prostituição. Ninguém discute aumentar a menoridade para sair da escola. Ninguém discute baixar a maioridade para entrar na escola aos quatro anos. Não se discute, porque estamos acostumados, acomodados e viciados nas soluções simples e pequenas. A gente não percebe que nós estamos aquém, abaixo das exigências do momento que o Brasil vive, porque - falemos com franqueza, com clareza, aquilo pelo que se perdeu o gosto ultimamente - este País não vai mudar se, em vez de pequenos gestos, não fizermos uma revolução, Senador. Mas não se assustem quando falo em revolução. Existem revoluções violentas, existem revoluções pacíficas. Revolução significa mudança geral. É isso que significa. O Brasil precisa de uma mudança geral.

Muitos falam que é preciso passar o Brasil a limpo. Isso é a maneira de começar a revolução ao nível da consciência. Mas fazer revolução é mudar este País. É fazer com que a gente não seja mais uma população que fecha os vidros do Volkswagen para dar a impressão de que tem ar condicionado nele, que a gente sofre para dar a impressão de que é rico, que é o que prevalece hoje, inclusive nos que são ricos. São ricos de renda, mas têm medo do seqüestro. São ricos de renda, mas, se vão ao cinema, não podem tomar um café na esquina. São ricos de renda, mas têm de ter um carro blindado, viver em condomínios fechados, prisioneiros, como vive hoje a classe média e alta brasileira.

Libertamos os escravos em 1888. Agora a gente está precisando libertar os ricos da prisão em que vivem. Mas a gente não percebe que o único jeito de libertar os ricos da prisão, do carro blindado, do condomínio, das grades é libertando os pobres da pobreza. Não porque os pobres sejam violentos - isso é falso. Pobre no Brasil é o que há de mais pacífico. Imagine, Senador Pedro Simon, a pessoa com fome na frente de um supermercado. Isso não é pacifismo? E é o que mais tem neste País. Imagine a pessoa doente, ou pior, com um filho doente, com asma, sabendo que na farmácia em frente há um remédio que cura! E ela não entra na farmácia porque não tem dinheiro. Tem pacifismo maior do que esse? E a verdade é que esse é um pacifismo até antinatural, porque naturalmente qualquer animal se revolta por não ter comida. O povo brasileiro é tão pacífico que não se revolta quando não tem comida.

Este País é o maior exportador de alimentos do mundo, e tem gente que tem fome! O povo é pacífico. Tem sem-terra que assiste, do outro lado da cerca, a um vazio de produção, mas ele não invade. É pacífico o povo brasileiro, mas a pobreza carrega a violência da exclusão. Ela é produto da violência, ela é uma violência, e isso não vai durar para sempre. Mas o grave é que nós aqui dentro nos acostumamos com essa violência. Nós nos acostumamos com a violência do desemprego, dos doentes, dos que passam fome, das meninas prostituídas, dos que saem da escola, dos que entram na universidade e não conseguem pagar... Nós nos acostumamos e estamos procurando pequenas soluções para um problema gigantesco, que é a falta de rumo com que o Brasil vive hoje.

Ouço o Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª abordou um plano muito importante quando falou como os ricos estão vivendo hoje. Chegou lá no Rio Grande do Sul o chamado condomínio fechado. Nas praias do Rio Grande do Sul, hoje, há o povão como nós, e há os condomínios fechados. São verdadeiras cidades, com muralhas altas, onde a pessoa vai passar trinta dias na praia e você não toma conhecimento de que ela está lá, porque ela não sai dali. Ali tem tudo. Tem clube, tem show, tem supermercado, tem música, tem dança; é uma cidade para ele. Isso está acontecendo também em Porto Alegre. Em São Paulo, diz-se que há alguns condomínios que são qualquer coisa de fantástico. Há condomínios que têm heliporto. O cidadão trabalha em São Paulo, na Capital, e no último andar do prédio onde trabalha também tem um heliporto. Ele sai dali, vai almoçar em casa, sesteia e volta a trabalhar. Aliás, São Paulo é a segunda cidade do mundo em helicóptero, só perde para Nova Iorque. Está-se criando uma sociedade onde a alta burguesia está se isolando. Os filhos não vão à praia, não vão a clubes, não vão a barzinhos, não atravessam as avenidas, estão ali. Eu estava vendo o anúncio de um desses condomínios ao lado de uma favela. Está ali aquele condomínio que é uma maravilha e ao lado uma favela que é uma desgraça. Mais dia menos dia alguma coisa vai acontecer. É aquilo que dizia o nosso querido nordestino: no Brasil vai haver um tempo em que alguns não vão dormir de medo dos que não dormem porque têm fome - uns não dormem porque têm fome e outros não dormem de medo daqueles que não dormem porque têm fome. E Almeida José de Castro disse isso há um tempo tão antigo, quando isso estava começando, mas ele já previa. Mas acho que ele nunca imaginou que a coisa seria tão real como é hoje. E estamos caminhando para isso. A burguesia está... É impressionante o número de carros blindados, é carro blindado para o pai, é carro blindado para a criança que vai à escola... É impressionante o número de casas que são fechadas. Conheço, em São Paulo, um serviço de segurança em que, dez minutos antes de o cidadão chegar à casa, ele avisa e, então, todo o serviço de segurança é acionado para permitir que o carro entre. É impressionante! Gasta-se em segurança privada mais do que se gasta em segurança pública, porque esse mundo de milionários está fazendo sua segurança pessoal. E nós estamos caminhando para um mundo onde alguns se garantem - até quando não sei! Realmente, sinceramente, até quando não sei. Mas o Governo não toma uma posição no sentido de abrir as portas da esperança àqueles que nada têm; dar uma chance àqueles que nada têm. E a coisa se está deteriorando! Eu falei e repito agora para V. Exª que, no Rio de Janeiro, havia dois tipos de briga nas favelas. Primeiro, a gangue de um lado e a polícia do outro. De repente, a polícia assistia aos dois grupos brigando entre eles pela posse do morro. E a polícia ficava assistindo ao que estava acontecendo. Agora, entrou a nova gangue que se formou. Não sei como é o nome. São os membros da polícia que nas horas extras formam um movimento de proteção. O cidadão da favela paga para essa polícia um dinheiro “x” para proteção. Então, está havendo a briga da gangue contra a polícia marginalizada. Para aonde é que vai? Para aonde é que nós vamos caminhar? Eu, sinceramente, não entendo, juro por Deus que não entendo!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, agradeço-lhe o aparte, que muito enriquece, e o senhor traz idéias: é a lógica que está errada; não é nem a política mais. Houve um tempo que a política estava errada; hoje é a lógica. Os condomínios! Este é um País que podia ter resolvido todos esses problemas construindo pontes com os pobres, e a gente preferiu criar muros contra os pobres. E cada vez que surge uma chance de uma ponte em direção à pobreza, a gente constrói mais um muro contra a pobreza. E não vai ter como continuar isso - como o senhor bem disse: até quando? Não dá, a não ser que algo pior do que os muros dos condomínios, do que as paredes dos supermercados e das farmácias venha a acontecer, Senador, que parece até filme de terror. Mas no terror que a gente vive, tudo é possível. E se a ciência médica, a biotecnologia, essas maravilhas todas começarem a fazer aqueles que são ricos fortes, inteligentes, saudáveis e tão diferentes dos pobres que chega um dia que a gente deixa de reconhecê-los como semelhantes? O senhor acha que isso é impossível? Será que a gente não está à véspera de uma mutação dessa parcela rica - do mundo, não só do Brasil -, uma mutação biológica, de tal forma que as massas pobres deixarão de ser reconhecidas como semelhantes? Aí alguém diz: “Isso é impossível”. E não foi assim durante a escravidão, por quatro séculos, em que os brancos não se sentiam semelhantes aos negros? E não foi assim na África do Sul, durante o apartheid, em que os brancos não se sentiam diferentes dos pobres? Não foi assim nos Estados Unidos até poucas décadas atrás? E se a gente der esse salto, o que vai ser do cristianismo? O que vai ser de todas as mentes que defendem a igualdade, quando não se defende a igualdade entre dessemelhantes?

Mas hoje não é mais nem hora de falar em igualdade; é hora de falar em não-exclusão; é hora de falar não em muros, mas sim em pontes; é hora de falar em convivência no mesmo espaço, mesmo sendo desiguais.

E aí volto ao discurso do Senador Gerson Camata, às 9h de hoje. Não estamos dando respostas a esses problemas. A nossa resposta é aumentar o muro; e não construir uma ponte. Não estamos dando resposta ao problema da violência, porque é maior do que a violência; não estamos dando resposta ao problema da fome porque é maior do que a fome; não estamos dando respostas aos problemas um a um, porque existe um problema só e maior: o Brasil precisa fazer a sua revolução. E defendo que essa revolução, hoje, seja pacífica e possível por meio de uma mudança radical na educação. Pode ser que não seja esse o caminho. Pode ser que seja ainda aquele que os outros defendiam, anos atrás, e que eu acho que já não seria a resposta, que é a estatização, que é a desapropriação, que é o planejamento, que é o Estado tomar conta. Não acredito que seja. Talvez eu esteja errado, mas está na hora de este Senado descobrir qual é a revolução que o Brasil precisa nesse começo de um novo século. E isso a gente não está fazendo. Não está fazendo porque nos acostumamos, nos acomodamos e nos viciamos e ficamos presos de uma lógica: a lógica daquele menino de Manaus, que fechava os vidros do seu fusquinha para dar impressão às meninas da cidade de que tinha ar condicionado no carro.

É a lógica que está nos aprisionando, Senador Mão Santa, nosso Presidente. É a lógica! Ou a gente quebra a lógica de qual é o projeto-destino, onde a gente quer chegar e levar o Brasil, ou a gente não vai encontrar o caminho aqui dentro. Nós estamos prisioneiros de uma lógica equivocada, errada, uma lógica que, de tal maneira, já se entranhou na gente que a gente não consegue olhar o mundo livre dela, porque se livrar de preconceitos ainda dá, mas se livrar da lógica é muito difícil. Uma nova lógica é necessária. Ou este Senado dá esse salto, ou quem vai dar? Quem neste País, que instituição, Senador Pedro Simon, poderá trazer essa quebra da lógica, à procura de um novo caminho? As universidades? Não acredito.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª outro aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Pois não. Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Nobre Senador, eu tenho o pressentimento de que o Lula e o pessoal que cerca o Lula têm alguns pronunciamentos como o meu - e perdoe-me, o de V. Exª e mais alguns outros - em que eles só lêem o princípio assim: é igual. E colocam fora. Porque V. Exª está propondo algo mais sério do que “vamos fazer uma leizinha para baixar de 18 para 16 anos”.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso mesmo.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eles estão preocupados é com isto: para 16, para 15 ou para 14. Agora, a lógica dos fatos, a profundidade da matéria, não há essa preocupação. Olha, vou dizer a V. Exª que estou sentado aqui há 25: um quarto de século. Vou ficar 32 anos, se não morrer antes. Mas o que me dói é que não consigo ver os sentimentos de... Vamos sentar para conversar. Somos racionais, temos o sentimento da lógica, do bom senso. Há inúmeras pessoas aqui que sabemos que, nos partidos mais variados, são bem intencionadas. O pior é que não sabemos o que fazer! Não sabemos como fazer. E o que há de pessoas bem intencionadas, meu Deus, eu nem discuto isso! Mas o País caiu numa irresponsabilidade, num deboche... Perdoem-me, mas, para mim - não tenho nenhuma dúvida - quem nos levou a esse fundo do poço foi a televisão. Foi quem atrapalhou toda a nossa vida, mudou aquele conceito de reuniões de família. Quando eu era criança, eu, meu pai e minhas irmãs íamos visitar o fulano e ficávamos conversando, abríamos uma compota, uma sobremesa. Quem terminou com isso foi a televisão. Agora, se tu quiseres fazer uma visita, tu ficas lá, assistes à novela, quando termina, tu dizes: “Ah! Tá bom. Até logo, vou embora!” Não há nada... A escola, a família, a igreja, nada forma nada; nada constitui nada. Outro dia, eu estava dando uma palestra na universidade. Daqui a pouco, disseram: “Olha, temos que terminar logo, Senador”. O que é? “É que agora vem o Big Brother aí e está todo mundo assistindo. Hoje vamos saber quem vai ser posto para fora, se é o fulano ou se é o beltrano.” Se a gente não fizer isso, se a gente não tiver condições de sentar numa mesa e discutir com tranqüilidade e com serenidade... Agora, o Senador Antonio Carlos, formidável, vai reunir uma Comissão para estudar a lei da violência. Até onde vai chegar? O Senador Antonio Carlos fez um negócio belíssimo, o Fundo da Pobreza. Parecia que estava tudo resolvido. Foi aprovado, foi um gesto bonito do Senador. Nota dez para o Senador! Nota dez para o Congresso Nacional! Nota dez para todo mundo! Nota zero para o resultado do tal Fundo da Pobreza. Não sei o que aconteceu. É que nada traz conseqüência neste País. Começa no início: este é o País da impunidade. Vá tu educar os teus filhos, vou eu educar os meus filhos e deixá-los fazerem o que quiserem! Se tenho coragem, se gosto do meu filho e de educá-lo, digo: “Por aqui não, meu filho. Isso você não faz”. Todo mundo já sabe que a impunidade é a realidade; todo mundo já sabe que faz, e não faz, e não acontece nada. Todo mundo sabe o que é fazer a lei e não valer nada. É uma lei, Senador, me desculpe. Considero a lei mais importante que fiz a do número único. No Brasil, temos uma série de documentos: carteira de identidade - tem gente que tem três ou quatro carteiras de identidade, cada uma com um número; passaporte - tem gente que tem três, quatro, cinco passaportes, cada um com um número; contas bancárias - não sei quantas, cada uma com um número; certidão de nascimento, de casamento, de divórcio, de segundo casamento, bancos e não sei mais o quê. Eu, Pedro Simon, apresento um número único: RS/CS - Caxias do Sul - e o número. Aquele é o número que me acompanha do meu nascimento até a minha morte. Portanto, disponho de cinco anos para me adaptar a esse número. Então, o que fazer? Deve-se modernizar isso no Brasil inteiro. Se no Paraguai passar um caminhão contrabandeado, o policial poderá fazer várias perguntas, como: Onde está a carteira? Onde está a sua carteira de motorista? Onde está a sua Carteira de Identidade? De posse da carteira, é possível verificar que o número não existe. O motorista será preso ali. Sabem por que essa lei não consegue entrar em vigor? Porque as gangues estão organizadas, e ninguém do Governo tem interesse nessa lei. Essa lei existe, é real, todo mundo diz que é espetacular, mas ela não se executa. Não se trata de criá-la, de votá-la. Ela não é executada porque as gangues estão organizadas no Governo e nenhuma delas quer perder a sua boquinha. O pessoal responsável pelos passaportes não quer perder nada, assim como o da carteira de identidade e o da polícia. E nós continuamos na mesma situação.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Pedro Simon, mais uma vez, agradeço a V. Exª.

Sr. Presidente, retomo o assunto. Como eu estava falando, qual instituição, além de nós, pode olhar o Brasil com olhos diferentes, buscando uma lógica alternativa? Não acredito que as universidades vão trazer essa lógica, porque elas estão prisioneiras. Não acredito, como V. Exª disse, que a Igreja vá trazer essa lógica. Não acredito que o Poder Executivo vá trazer uma nova lógica. Não acredito que os escritores, que os intelectuais brasileiros trarão uma nova lógica, porque eles estão prisioneiros dessa lógica. Existem intelectuais no Brasil agora que dizem que vivem num silêncio reverencial. O silêncio é o túmulo do intelectual. De onde virá?

Creio que, apesar de toda a desconfiança que há neste País, esta Casa ainda poderia ser o ponto de resgate do Brasil, a busca de uma lógica diferente, que, em vez de muro, queira construir pontes, que, em vez de reduzir a maioridade penal, queira reduzir a menoridade com que se entra na escola, aumentar a maioridade para a prostituição, como vimos e não deveríamos nem defender. Tão atrasados estamos que defendemos que não haja prostituição infantil neste País.

Mas, para isso, algo teremos de fazer. O Presidente Renan, no dia de sua eleição, disse que faria nesta Casa um grupo de alguns ou todos juntos para analisarmos não apenas como acabar com crianças sendo arrastadas de carro, mas como fazer este País ser pacífico, não como dar impressão de riqueza, mas como trazer riqueza completa. O Presidente Renan prometeu isso e eu venho cobrando.

Esta Casa, Senador Efraim Morais, pode ser o ponto de partida para uma revolução diferente, que não seja de um partido contra outro, mas daqueles que querem um Brasil diferente. Não se trata apenas de um Brasil capaz de colocar bandido na cadeia, que é preciso, porém, mais do que isso, um país onde ser bandido seja exceção e não regra, onde a violência, quando ocorrer, nos surpreenda - e não como hoje, quando a violência entrou no costume, no hábito, nos acomodou e nos viciou. Isso é o mais grave. Nós estamos viciados com uma forma de fazer política que não é a certa. E procuramos soluções pequenas.

Hoje eu li, Senador Augusto Botelho, declaração do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral defendendo a redução do mandato de Senador. Eu também defendo a redução para 4 anos. Aliás, acho que devíamos nos perguntar se não é tempo, neste País, de acabar com o Senado e ter uma única assembléia. Agora, Ministro não tem direito de se meter e dizer qual é o tamanho do mandato de Senador nem de Deputado nem de Prefeito.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Principalmente quando tem mandato perpétuo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Até porque eles são vitalícios.

E lemos isso e não vejo uma manifestação do Congresso contra um juiz estar se metendo e propondo mudar a Constituição, mesmo que eu esteja de acordo com ele que um mandato de 8 anos é muito longo. Mesmo que eu aceite discutir se o Brasil precisa de Senado. Muitos países têm uma assembléia única e funcionam muito bem sem precisar de duas casas.

Agora, juiz se meter é ferir a Constituição. E por que, Senador Efraim, ele faz isso? Porque nos acostumamos com isso. Eles é que definem regras, eles é que dizem como é que votamos, eles é que dizem, faltando pouco tempo para a eleição...

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Professor Cristovam Buarque, atentamente estamos ouvindo, mas V. Exª acaba de empatar com Pedro Simon. São 34 minutos. E Pedro Simon vai fazer 32 anos como Senador, como Rui Barbosa. Estão no mesmo nível. E Efraim é o próximo orador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu me alegro, porque é a primeira vez que alguém precisa me chamar a atenção para o tempo que falo, porque me considero aquele que cumpre o tempo. E não cumpri porque V. Exª não marcou ali quanto tempo eu teria.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Está aqui.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas ali eu não estou vendo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - V. Exª acabou de empatar com Pedro Simon: 34 minutos.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS. Fora do microfone.) - E V. Exª não está dizendo que é para sair.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Não estou dizendo não.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas vou sair.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Não estou dizendo não.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Mas não empato com o brilhantismo dele. E agradeço por ter avisado.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Apenas chamei a atenção, porque nem tudo está perdido, pois os dois se igualam no saber.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Está bem! Agradeço por ter-me chamado a atenção, mas preferiria ter sido chamado pela maneira normal dos 20 minutos ali. Mas vou terminar.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª completou 35 minutos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Vou terminar.

Quero concluir, então, já que o Presidente cortou minha palavra, logo ele, que usa muito o tempo aqui, e sempre, e que é o mais tolerante de todos! É verdade! Mas agradeço muito.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Já está em primeiro lugar. Eu só disse que, nesta sessão, V. Exª está com 35 minutos e que o Pedro Simon falou 34 minutos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Deixe-me concluir, Senador, até porque quero dizer que tenho consciência de que o discurso que faço não toca a opinião pública. As pessoas a meu redor dizem que falo coisas que não sensibilizam os eleitores. Tenho consciência disso. E tenho consciência de que sensibilizaria muito mais se viesse aqui discutir a maioridade penal, a favor ou contra. Eu não faço isso. E fiz questão de dizer que não estou defendendo se sou a favor ou contra a redução, estou dizendo é que isso não resolve. E não vai resolver PAC algum. Todo mundo já deveria saber disso, porque não estamos quebrando a lógica de um rumo equivocado, que aquele menino de Manaus me mostrou, ao andar em um Volkswagen fechado para dar a impressão de que tinha ar-condicionado. Está na hora de mudarmos a lógica.

Concluo dizendo que não vejo outra instituição, hoje, com mais condições de pensar diferente, de buscar soluções alternativas, do que nós.

Mas concordo com o Senador Gerson Camata, que me inspirou neste pronunciamento de hoje, ao falar, às 9 horas, que não dá para termos muita esperança de que isso vá acontecer.

Voltando à pergunta do Senador Pedro Simon: até quando isso vai continuar, para sermos surpreendidos um dia? Quando o povo que está falando na rua deixar de falar e caminhar; quando substituir a boca pelos pés e for para a rua pedir que feche o Congresso porque não estamos dando resposta aos problemas do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/2007 - Página 3729